COV01
INF Tenho onze vacas. INQ1 Está garantido. INF Onze vacas. Eu tenho um boi de cobrição e tenho onze vacas. Tourinas e serranas, tenho onze. E a gente trabalha muito mas somos só quatro pessoas. INQ2 Pois. INF A minha mulher guarda (...) as vacas no monte - as senhoras quando chegarem ali, olhem por aquela barra lá para fora, elas lá andam. Ela anda lá com elas. (...) É eu e o meu filho e a minha nora. (...) Temos lá um netito, ainda vai fazer para o dia vinte e nove deste mês nove anos. INQ1 Ah! Pois. INQ2 Ainda é pequenino! Anda a estudar? INF Olhe quando a minha (...) nora... Hã? INQ2 Anda a estudar? INF Anda. Oh, anda a estudar?! Anda na escola. Ele a minha nora teve (...) aquele miudito com quarenta anos. INQ1 Ah! Que giro! INF E casou-se com o meu filho (...) com vinte. INQ2 Hi! INF Já ninguém contava com ele - que viesse nada... INQ1 Pois. INQ2 Aparece uma criança. INQ1 Olha que alegria que deve ter sido! INF Oh Jesus! Olhe que eles gastavam um dinheirão (...) com os médicos para ver se ela tinha filhos. INQ1 Pois. INF E depois não veio... Eram remédios e mais remédios, não valia nada! Um dia disse eu para eles assim: "Olhai lá, que é que vocês andam a fazer?! Vocês são uns tolos. Vocês andais a gastar dinheiro (...) e dás cabo dela. A dar-lhe remédio, dar-lhe remédio, dar-lhe remédio, um dia é um poço de doença. E tu, é melhor tu ires a um especialista, a mais ela e tirarem o sangue para a análise, já vêem se pode ter filhos. (...) Se for preciso, o erro é teu"! - para o meu filho - "Se for preciso, o defeito é teu"! INQ1 Rhum-rhum! INF " (...) E estás (...) a dar"... Foram (...) e voltaram e botaram ao Porto. Foram ao Porto, tiraram sangue para análises e depois o especialista disse: "Ó menina, olhe, o seu sangue dá para ter filhos, e o do seu homem também. Olhe, eu dou-lhe este remédio mas não garanto; o que eu garanto"... A ir embora: "Você vai ter filhos"! Dali por dois anos lá veio o miudito. INQ1 Ah! Meu Deus! INF Lá veio o miudito. Oh, agora a gente está todo o mundo feliz com aquela criança porque é o que nos está a valer. A gente pode (...) estar muito aborrecidos, (...) ou qualquer coisa, ele chega já começa a (...) , a conversar com a gente, e a rir-se e a abraçar a gente, pronto! Daqui a bocado, ele já espalha tudo! INQ2 Claro! INF Pois é.
COV02
INF Olhe que eu já não podia viver em minha casa, com a minha nora e com o meu filho. Queriam que eu o desse a uma sobrinha dela para trazer um homem (...) para nossa casa. E eu disse assim... Um dia estava para cear e eu estava assentado e ela lá a dar-me a ceia, começou ela a dizer: "Ai, assim não está bem porque você... (...) É melhor trazer-me para aqui (...) uma mulher, ou (...) a minha sobrinha"... e não sei quê, não sei quê. Eu disse: "Olha, menina, enquanto eu andar com os pés ao de cima da terra, não dou nada a ninguém". INQ1 Pois. INF Foi mesmo assim! "Olha lá! Assim, olha, eu vou dar à tua sobrinha, não é? Ah, pois, então?! Pois dou à tua sobrinha"?! Quer dizer que o meu filho nem nunca teve nada do pai nem da mãe. Faz de conta que nem tem pai nem mãe. Com tanto que eu trabalhei! Comecei a minha vida sem nada e hoje sou um grande lavrador, e agora dar pão e árvores que tenha ... "Olha"... Eu disse-lhe assim: "Olha, menina, um dia, um dia - se eu o desse -, um dia eu (...) e a tua sogra éramos uns cães ali na casa. Tu e o teu homem eram os criados e eles é que eram os patrões. Ouviste? E então assim, deixai-me morrer e deixai morrer a velha e depois vocês dai-o, vendei-o, dai-o a quem vocês quiserem porque nada disso me incomoda". INQ2 Pois. INQ1 Rhum-rhum. INF "Mas agora não dou! Não dou! O que é meu é para o meu filho, pronto"! INQ1 Claro. INF E ela foi e ele aborreceu-se toda e eu... A comida que estava diante de mim, mandei com ela ao chão, parti tudo - parti louça, parti tudo - e fui para a cama. Meti-me no meu quarto... (...) A cozinha é como aqui assim, e aqui é uma sala, e aqui é (...) um quarto onde eu durmo e tem mais (...) dois quartos (...) para, às vezes, INQ1 Ó cãozinho! INF - ele não faz mal nenhum - (...) para, às vezes, vir ele gente de fora, que eles, às vezes, ficam lá. E depois, (...) passando ali dois - dois anos, dois anos e pouco - vem ela com o miudito. E este ... Eu via-os andar... Todos os quinze dias iam para Vale de Cambra, com a médica - chamavam-lhe a Basilissa, que era a que... Bem, quando uma mulher fica grávida, INQ1 Pois. INF ela cuida daquilo para coiso. INQ1 Pois, pois. INF E ela... E eles iam lá. Um dia, eu fui buscar uma carrada de estrume, aqui acima, (...) com as vacas, e fui diante a mais ele roçar com... Agora é com uma máquina, mas naquele tempo era com uma enxada. Cada qual levava a sua enxada e cortava o estrume e depois vinha em cima do carro. E depois ela foi e ele foi (...) ... Foi mais eu (...) ... Ao outro dia da feira, não me disse nada e eu também nada lhe perguntei. E ele vai, chegou à mãe... A minha mulher chegou lá com as vacas e com o carro para trazer o estrume. E ele foi, começou a brincar com a mãe e disse assim: "Ó mãe, você breve vai ter um neto ou uma neta"! Eu calei-me. Não andava assim muito mato por lá e eles, ele era assim com a conversa para a mãe. E a mãe começou: "Cala-te tolo! Cala-te tolo! És um maluco! És aqui, és acolá"! E ela foi e depois eu fui revezar . Virou-se para mim e disse: "Ó pai, você não sabe"? "Que é"? "Olhe que a Beatriz vai ter um... (...) Anda grávida, tem um"... Digo eu assim: "Então Arquimedes" - (...) ele é Arquimedes -, "então Arquimedes, e agora se eu o desse? Se eu o tivesse dado à tua sobrinha? Agora como é que ia ser"? Diz ele: "Ah, não faz mal. O dinheiro que a gente tem nos bancos dava bem para a criança". "Pois é. O dinheiro que temos nos bancos dava para a criança e então o que eu trabalhei e as terras que nós temos eram então (...) para a tua sobrinha. Homem, tem juízo"! INQ2 Para outra pessoa. INF À noite, a minha nora estava a tirar a ceia, porque a gente... Bem, que enquanto se faz a ceia - ela faz a ceia e governa alguma coisa -, ela é que tem o lume para as tigelas, o lume para uma travessa, outro para os pratos, ou para qualquer coisa que tira . E ela começou a tirar... E ele começou: "Ó Beatriz, tu não sabes"?! Diz ela: "Que é"? "Olha, já disse ao pai e à mãe (...) que tu que andavas prenha". As lágrimas começaram-lhe a correr pela cara abaixo. Digo assim: "Então Beatriz, então vocês fizeram-me ir um dia para a cama sem ceia, começaram a teimar comigo, e agora se eu o tivesse dado à tua sobrinha? E agora? Como é que ia ser"? (...) Ela calou-se, não abriu a boca! É que não abriu a boca! Não! Não disse nada e começou a chorar. Eu calei-me e ela também se calou. Agora, eu ensino... Eu sou (...) padrinho do meu netito. E eu digo-lhe: "Ó neto"! "Que é"? "Diz à tua mãe (...) se ela quer ir chamá-los a Lomba agora (...) para vir cá fazer-lhe as terras. A tua mãe (...) queria (...) dar-lhe as nossas terras para ela". "Vão para os da Lomba ". E ela vai... E ele, às vezes, diz-lhe. E ela: "Cala-te. Olha que eu bato-te, Arquimino"! E ele: "É verdade! Se não fosse o meu avô e eu o que era nosso era tudo para a Lomba, olha que é ! Que é (...) um lugar - que chamam aqui em baixo - que é a Lomba... "Não! Que o meu avô é que era fino! Se não fosse o meu avô, como é que você fazia"? E é uma boa hora que a gente passa com o diabo do miudito. INQ1 Pois é. INQ2 Pois. INF O miudito é muito esperto, muito fino! Muito esperto! INQ1 Foi uma alegria! INF Então não foi uma alegria para nós?! INQ1 Claro! INF Então, alegria para nós e... Mas olhe, foi a alegria para nós mas para os meus herdeiros não foi alegria. INQ1 Para os seus quê? INF Para os meus herdeiros, para os meus irmãos, para os meus sobrinhos, para... INQ1 Ah, pois, pois, pois. Ah, pois. Porque já tem mais um herdeiro. INF Estavam a contar com aquilo. INQ2 Pois. INQ1 Então... INF Agora, meu amigo, apareceu aquilo, arrumou com tudo. INQ1 Claro! INQ2 Pois! INF Pois é.
COV03
INQ1 Que idade é que o senhor tem, agora? INF Estou com setenta e cinco anos. INQ2 Rhum-rhum. INF E eu , aquilo, eu fui para lá novinho. Olhe, o meu pai mais a minha mãe e... Éramos doze pessoas na casa. INQ1 Doze? INF Doze. Era ele e a minha mãe, dois; e duas tias minhas que não se casaram, ficaram ao pé dele, quatro; e um tio meu, cinco. Eram cinco. Ora, cinco, e nós éramos sete, éramos doze pessoas . INQ1 Rhum-rhum. INF Olhe que a minha mãe (...) ... A senhora, até lhe digo isto, mas a senhora não sabe. Eram umas malgas. Umas malgas! INQ1 Sei, sim senhora. INF E estendia assim sobre a mesa. Era uma ceifa . Doze malgas! (...) A gente cá coze broa. (...) Vocês lá é tudo de padaria, mas a gente cá (...) é broa. (...) Cozia (...) o pão, botava uma broa em cima (...) do coiso e começava a cortar... Quando notavam , não tinham pão nenhum. (...) INQ2 Pois. Ia toda. INF A gente (...) gastava muito. Também era muita gente! INQ1 E era broa de quê? De milho? INF De milho. Ainda há aí gente que continua a fazer broa de milho. INQ1 E, e também fazem pão de centeio? INF Também. Também se faz pão com... INQ1 É aquele escuro? Que é o... INF É mais escuro, é. Mas sabe o que a gente agora (...) costuma a fazer, e é coisa boa? Bota um alqueire de centeio e um alqueire de milho. INQ1 Ah, misturado?! INF Misturado. (...) Mói-se (...) a farinha, que temos moinho de moer. Temos até...Até tenho três moinhos: (...) dois a água e um a electricidade. Mas a gente agora agarra-se mais à electricidade. (...) INQ1 Mas são dois moinhos destes, como a gente viu aqui atrás, não é? INF É, (...) em água. A água. INQ1 A água. INF Tenho dois a água e tenho um (...) a electricidade. INQ1 E onde é que é esses moinhos? É aqui no Covo também? INF Olhe, um é aqui em baixo, ao fundo da lavoira, aqui em baixo, e o outro (...) é na Albergaria. Quando é de Verão... INQ1 Na, na Albergaria? INQ2 Aqueles ao pé da?... INQ1 Então, mas se calhar, foi onde a gente esteve agora. INQ2 Aqueles moinhos ao pé da ponte? INQ1 Aqueles que há?... INF São mais para cima. Naquela volta (...) da ponte de Albergaria, tenho lá um. INQ1 Ai, ali... Mas espere lá, a gente esteve ao pé da, da Mizarela... INF Estiveram? Pois. INQ1 E naquela ponte que há antes da M-, das quedas da Mizarela, não é isso? INF É. E em cima há outra ponte, que é a que dá passagem para Albergaria. (...) INQ1 Exactamente. Também lá estivemos ontem. INQ2 Exacto. INF Pois. Ali... Dali à dali acima pode ser como é daqui a acolá, (...) àquele carvalho acolá. INQ1 Ah! INF Lá é o nosso moinho. INQ1 Rhã-rhã. INF E a gente (...) tem aquele moinho lá, que aquele moinho, há algum tempo, antes da electricidade, era lá que a gente moía de Verão porque de Verão é que se faz... Aqui, este moinho aqui, só mói de Inverno, quando vem chuva. Só mói aqui no fundo da lavoira. E a gente de Verão tinha lá aquele moinho lá. Agora veio o moinho da electricidade... INQ1 E o da electricidade onde é que é? INF É... Tenho em casa! INQ1 Ai é em casa? INQ2... INF Tenho dentro de casa! O electricidade, tenho-o dentro de casa. Tenho-o lá dentro duma casa e está lá. INQ1 Pois, estes também... Ainda há bocadinho... INF Olhe, ainda agora vim para aqui, deixei-o a moer.
COV04
INF Ah! São Pedro do Sul é longe! INQ1 Pois. INQ2 Pois é. INF E olhe que eu já lá fui muita vez a mais o meu pai comprar o (...) - a gente chama os porcos àqueles que são os próprios para matar -, ir alá ia-os lá comprar e vir a pé de alá para aqui. INQ1 Rhum-rhum. INQ2 Que longe, hã! INF É. (...) Vínhamos lá dentro da água a tocar aquilo... Ai senhor! Olhe que uma vez, de Manhouce... Escureceu-nos em Manhouce (...) e apontou-nos o sol ainda ali abaixo em Açude. Passámos a noite toda naquela baixa, ali a tocar... INQ1 A andar, a andar, a andar! INQ2 Aqui não há lobos? Aqui há lobos? INF Hã? Há lobos, há. Há lobos. INQ1 Então e não tinham medo? Eles não vêem assim?... INF Não, homem. Eu, medo, não. Eu não tenho medo nenhum dos lobos. INQ1 Não? INF Não. INQ2 Quando, quando... INF (...) Eu também caço. Sou caçador. INQ2 Ah! INF Também caço. Ainda este ano que lá vai, comprei uma arma ao meu sobrinho, ao professor - cento e trinta contos! O meu filho... INQ2 E já caçou alguns coelhos para, para compensar a arma? INF Não. Olhe, (...) tirei (...) a licença geral, para ir ao Alentejo para ir (...) aonde ele for. INQ2 Pois. INF E não fui. (...) Só saí um dia, andei ainda um bocadito e matei um coelho, mais nada. Não tenho vagar. Não tenho vagar de sair. Não tenho vagar. Muito, muito trabalho!
COV05
INQ1 Olhe, explique-nos lá como é que o, como é que é o coiso, como é que é o moinho. INF Olhe, o moinho, em baixo, é uma casa. INQ1 Como é que... INF Faz-se uma casa. E depois, aquilo em baixo - chama-se àquilo o arrieiro -, é um pau assim atravessado. E depois tem o rodízio. O rodízio é: umas penas... Olhe, isto é isto. Faz de conta que (...) o arrieiro é este; e aqui em cima disto, tem o rodízio; e o rodízio vem para cima e em cima tem as mós. A senhora se for aqui - mas você vá ao Covo -, naquela primeira casa que encontra, você vê lá umas mós. Que o meu sobrinho, o professor, tem lá algumas cinco ou seis mós que a gente lhe arranjou. INQ1 Pois, pois. INF É. INQ1 Mas esse arrieiro é que eu não percebo o que é. INF É um pau. Chamam àquilo arrieiro que é para alevantar. Se se quiser fazer mais a farinha mais morta, deixa-o a descer e (...) se se quiser a farinha (...) com mais escarolada, alevanta aquele pau, e aquilo alevanta para cima, (...) a farinha já é mais escarolada. INQ2 Rhum-rhum. INF Chama-se aquilo o arrieiro. INQ1 Mas é p-... Mas é por baixo do, do?... INF Do rodízio. INQ1 Do rodízio? INF Por baixo do rodízio. INQ1 Ah! INF Leva aquele pau. INQ1 Então e o rodízio é... Aquele pau que vem para cima do rodízio como é que se chama? INF Chama-se aquilo a péla. INQ1 A péla? INF É a péla. (...) INQ1 É aquele... INF (...) E é a que tem as penas. INQ1 E é a que tem as penas. INF (...) E a água malha naquelas penas e faz andar aquilo de roda. INQ1 E como é... E a água vem donde? Canalizada donde? INF (...) Alguns, é assim... Os nossos de Albergaria, é assim: suponhamos, a água vem acolá da estrada e vem, como tem uma queda, vem para aqui assim, tem (...) uma caixa - uma caixa assim, uma espécie dum tubo -, INQ1 Rhum-rhum. INF e a água vem dali e chega aqui tem a torneira, que é um pau furado e apertadinho, que é por causa de não ir na água, e ele recebe aqui (...) a água, e depois (...) aquele pauzinho (...) é que dá força às penas do moinho para andar o moinho. E o meu ali já não é assim. O meu aqui em baixo não é assim. É assim um pau, um cubo - chamam aquilo um cubo... É (...) umas pedras furadas, como essa, assim furada - como essa não, é uma coisa mais bem feita, mas é furada -, INQ1 Sim. INF e aquilo é tudo assim ao alto, a par (...) com o moinho para cima, e depois aquilo enche-se de água, faz aquele peso... INQ1 Esse, isso, o que se enche de água é que é o cubo? INF É. E depois aquilo então é que faz (...) a pressão da água (...) para moer. INQ1 E por onde é que a água sai do cubo? INF Sai por baixo. (...) Tem uma torneira - a tal torneira... INQ1 Ai, a tal torneira está por baixo? INF Está por baixo. INQ1 E sai com força! INF E sai com força porque já aquilo está muito peso de água. Porque aquilo é muito alto! E está com aquele peso de água e depois faz aquele peso e depois é que foge a água - é que corre dali ... INQ1 Olhe, mas esses desvios de água que fazem da, dos ribeiros e disso, aqueles desvios de água que fazem para os moinhos, tem algum nome? INF Não. (...) Chamam aquilo os açudes. INQ1 Açude? INF O açude. O açude ou ainda um açude de água ou um açude para regar a terra. Chama-se aquilo o açude. INQ1 O açude. INF O açude. INQ1 Mas aqui não é. Aqui isto é uma presa? INF Não. Aqui é presa. Aqui é presa. (...) E, suponhamos, agora (...) isto aqui (...) a presa acabava e você fazia (...) uma espécie de uma presa - mas não é presa. Indo o rio por ali , chama-se aquilo um açude. INQ1 Está bem. INF Sabe, é um açude. É. INQ2 Mas, olhe, nesse ali ao pé da, da Albergaria, esse tubo que o senhor diz que levava a água... INF Pois, pois. INQ2 Que nome é que dão a esse tubo? INF Cubo. INQ2 Ai, um cubo também. INF É o cubo do moinho. É o cubo. Quando é para... INQ2 O senhor... INQ1 Portanto, é essa parte que se enche de água? INF É, é. É o que enche de água. INQ1 E aquelas... E aquelas coisinhas que são assim umas, parecem uns ferrinhos ou umas ripas assim, por onde passa a água? INF Chamam aquilo as penas. É as penas do moinho. INQ1 Ah! Mas é as penas do rodízio, ou não? INF Do rodízio, isso, isso, isso, isso. INQ1 Está bem. INF As penas do rodízio. É isso. INQ1 Sim senhor. E depois a mó, as mós são duas? INF A mó, por cima, são duas. (...) Chama a gente... Chama a gente e é assim. Por baixo é uma mais grossa, mais forte, que é por causa de não mexer. (...) Aquela está firme. E por cima, chama-se à mó que é a andadeira. Que é a andadeira porque tem debaixo para cima - faz de conta que é isto, este pau... E depois aqui tem uma... Chamam aquilo uma segurelha, que é um ferro aqui assim... Olhe, do feitio deste dedo. E ele está metido na mó de cima aqui e aqui. E (...) a debaixo está aqui firme e depois (...) esta aqui é que anda com a mó de cima. Porque anda o rodízio e o rodízio toca a de cima. INQ1 Portanto, a de cima chama-se a andadeira? INF A andadeira. E a debaixo é (...) o pouso. INQ1 O pouso. INF O pouso que ela é a que está pousada. INQ1 Que está parada ali em cima. INF Está parada. Aquilo, aquilo não se mexe. INQ1 Rhum-rhum. INF Também se ela se mexer, perde a farinha. INQ1 Pois. INF Que depois a mexer... Não, aquela é que tem que estar firme. INQ1 E a farinha sai para onde? INF (...) A farinha sai para baixo. Chama-se aquilo o tremonhado. INQ1 O sítio para onde sai a farinha? INF É. Chama-se aquilo o tremonhado, que é o tremonhado da farinha. Aquilo é assim, suponhamos, as mós são aquilo e ele chega até aquilo, e depois enche-se de farinha, e depois ali chama-se aquilo o tremonhado. O tremonhado bom . INQ1 Sim senhor. INQ2 Rhum-rhum. E onde é que se põe o grão? INF Põe-se em cima. Tem em cima... O grão, têm ele em cima . Chamam aquilo a moega. E (...) tem uma quelha, assim (...) como a mão e tem aqui um... Chamam aquilo o tramelo. E depois aquilo bate na mó e treme com aquilo e aquilo vai para baixo. Vai à... INQ1 Vai caindo. O grão. INF Se ele vai caindo? O grão vai caindo. INQ1 Rhum-rhum. INF E cai para dentro (...) do olho da mó e depois a mó é que mói o outro - aquele que cai . INQ1 E de vez em quando é preciso picar a mó, não é? INF Ah, de vez em quando é! É. De vez em quando é preciso ... INQ1 Como é que levantam a mó? INF Levantam. Olhe, (...) com uma... Chamam aquilo (...) uma apertadeira. Uma apertadeira é um ferro, assim espalmado. INQ1 Sim. INF E mete-se assim uma, no meio, entre as duas, e depois carrega-se - e carrega-se um bocado! -, chegou ao (.../N) ... INQ1 Chama uma apertadeira? INF É. Uma apertadeira. Bate-se-lhe assim e depois ela levanta. E ela ao tempo que ela alevanta... A gente chama-se aquilo um pau, mais ou menos, assim, grosso, e chama-se aquilo o rolo. E mete-se debaixo da mó INQ1 Também andei. INF e depois puxa-se no olho da mó para cá e o pau está lá para aquilo..., para vir para o tremonhado para depois picar. INQ1 Para depois picar. INQ2 Pois. INF É, é. INQ1 E têm umas coisas mesmo para picar? INF Têm. Têm um picão. Chamam aquilo um picão. Um picão é (...) um coiso (...) mais ou menos assim, ou mais pequeno - como quiser - e tem aqui o cabo e é (...) apontado (...) duma banda e da outra e depois é o que soa depois: tumba, tumba, tumba. E outros picam aquilo (...) com a tal (...) apertadeira ou (...) com uma maceta. Chamam aquilo uma maceta, é uma coisita redonda. E taque-taque-taque. INQ2 De madeira? INF Não! De ferro! INQ1 Não. De ferro. INF Taque-taque-taque, e a gente dá-lhe assim com a mão e aquilo pica certinho, certinho, certinho, que (...) fica aquilo... (...) É o como se pica (...) os moinhos para moer (...) o trigo. INQ2 Rhum-rhum. INQ1 Pois, pois. Eu isso já vi. INF O trigo... Já viu? INQ1 Esses do trigo já vi. INF Pois. E o trigo e o centeio e o milho é tudo a mesma coisa. Quer dizer, (...) são mais aperfeiçoados (...) INQ1 Centeio? INF - não - (...) os do trigo do que são os outros. (...) Os do trigo têm uma coisa por riba para não sair aquele pó. Porque a gente, (...) mesmo os lavradores perdem muito porque depois, se está vento, aquele pó (...) do milho e do centeio foge. INQ1 Pois. INQ2 Ah, pois. INQ1 Então mas aquilo não tem uma coisa à volta das mós? INF Pois tem. INQ1 Que é o quê? INF (...) Chamam aquilo (...) a mó. (...) Diabo, chamam aquilo é a... Ai, como hei-de dizer? INQ1 Cambado ou cambeiro? INF Ai, é o cambal. É o cambal. O cambal da farinha, que é: aquilo a mó anda aqui assim e aquilo é alto tudo para cima. INQ1 Pois. INF Ora bem, mas mesmo nesse meio, ela a cair para baixo para o tremonhado, às vezes, se há vento - quantas vezes -, e depois o vento faz o 'psu' e sai o pó para cima... E há quem use já - eu ainda não tenho; ainda não tenho e vai-se ver e nem quero -, use por cima um panal - um panal, um pano! INQ1 Sim, sim, sim. Um pano branco para, para não voar. INF É, para não voar. E ela voa acima mas depois INQ1 Cai, cai. INF cai para baixo. E há quem (...) tenha isso; eu não tenho. E o meu irmão também não tem . INQ2 Olhe, e o tremonhado é em madeira... INF Ah, é em pedra. É pedra. É pedra. Também se pode fazer em madeira, mas não. INQ1 Mas é o chão? INF É o chão. INQ1 É o próprio chão? INQ2 É o próprio chão do moinho? INF É, é. O chão. O chão. E é acimentado, fica tudo lisinho INQ2 Pois. INF e depois ali, que é por causa de não perder a farinha. INQ1 E depois como é que tiram a farinha dali? É com pás ou?... INF É. Chamam aquilo uma pá; uma pá, mas é de madeira. É uma pá e faz-se assim uma cova, e depois a gente - tem um rabo -, a gente bota aqui essa mão, enche assim e bota para o saco ou para aquilo que quiser. INQ1 E mete-se em sacos, é? INF Pode ser em sacos. A farinha mete-se... INQ1 Por exemplo o, mas aqui assim o, assim as pessoas de cá têm um moinho cada uma, é? INF Não, não. (...) INQ1 Ou o mesmo... Ou têm um moinho para várias pessoas? INF Não. Têm... Bem, suponhamos, eu tenho os meus, às vezes os meus vizinhos pedem... Às vezes, é sempre ! INQ1 Ai, para lá ir moer. E o senhor deixa lá ir moer. INF E eu (...) deixo moer. Nunca os estorvei . INQ1 Pois.
COV06
INQ1 Como é que as mulheres fazem o pão? Como é que se faz? INF Olhe, o pão é feito assim: agarra-se, bota-se a farinha - chamam aquilo a masseira, que é uma masseira. INQ1 De quê? INF De madeira. INQ1 De madeira? INF É uma masseira. Como uma caixa, mas (...) é larga por cima e mais apertada por baixo, e tem uma tampa por cima - chamam aquilo a masseira. INQ1 Mas não é assim uma coisa alta, não? INF Não. INQ1 É uma coisa baixa, assim desta altura, para aí? INF É uma coisa... É, ou isso... INQ1 Como se fosse um tabuleiro? INF É como um tabuleiro. Isso! INQ1 Já sei, pronto! Já sei quais são! INF É como um tabuleiro! E depois vão aquilo (...) e bota-se a farinha, depois... Primeiro faz-se o fermento. Para o pão, é o fermento. O fermento é: eu cozo agora, coze-se agora e 'deguarda-se' assim um bocadinho de massa para de hoje a oito dias, ou quinze dias, ou conforme... Bota-se umas pedrinhas de sal por cima e põe-se aonde for fresco - numa loja que seja fresco! A gente então na nossa casa é na salgadeira, de salgar (...) a carne dos porcos - no sal! INQ1 Rhum-rhum. Pois, pois. INF Põe-se (...) numa tigela, ou numa bacia, ou num prato e põe-se lá aquilo, aquele bocadinho de massa. Depois, quando é para cozer, (...) vai-se lá e - também têm uma peneira para peneirar; chamam aquilo uma peneira que é para peneirar a farinha, para sair só o coiso. (...) O que é grado sai para fora que é para os porcos... INQ1 Como é que se chama isso que é grado? INF (...) Chama-se aquilo o carolo. INQ1 O carolo. INF O carolo. Chama-se aquilo o carolo. Sai para fora e bota-se - que é para os porcos ou para as vacas, ou coiso . E o que é boa... Aquele mais fino é boa e é que fica (...) para o pão. Ora bem, agarra-se (...) e amassa-se um bocado de farinha com aquele bocadinho (...) de fermento - chamam aquilo o fermento -, que é o que fica dumas vezes para as outras. INQ1 ... INF E amassa-se... Suponhamos, faz o fermento à noite, amanhã de manhã, você - a senhora - chega lá, está todo partido, (...) todo aos cortes. INQ1 Rhum-rhum. Partiu. INF Vai... É. Amassa-se o pão, amassa-se o pão, bota-se depois a farinha na... INQ1 A sua, sua nora, quanta quantidade de farinha é que co-, que coze? INF Oh, nós agora, a gente agora já coze pouco, que somos quatro pessoas só. Com quatro quilitos, cinco, mas a gente... Ela coze aí um alqueire e meio, um alqueire, um alqueire e meio... INQ1 E dá para quanto tempo? INF Oh, dá para oito, doze, treze, conforme. INQ1 E está sempre macio, até ao fim? INF Sempre macio! Porque quando se amassa e quando se abre a porta ao pão, se quiser que o pão fique macio, a senhora tira o pão fora - o pão fora -, e bota-o por cima (...) duma caixa - a gente chama uma caixa, você é um... -, por cima dumas tábuas e abafa-o, com qualquer coisa para ele não tomar ar. E ele fica ali e deixa-o estar, você vai a comer e é como... É melhor que o trigo! INQ1 Pois, pois, pois. INF Vem aí o padeiro quase todos os dias, agora, e a gente INQ1 Não compram? INF compra, às vezes, para o mocito, compra; mas quando a gente coze, a gente (...) nunca compra. INQ1 Pois, pois. INF É melhor! A gente, olhe, com leite... INQ1 Pois, pois. Então, íamos a exp-... O senhor estava-me a explicar e agora esqueci-me. INF Diga. INQ1 Passámos para outra coisa... Portanto, as mulheres põem o fermento na farinha e vai?... INF E amassam. Aquilo amassam, amassam e depois quando tiver a massa... Dão ali umas cinco voltas ao pão. Cinco voltas é: mexê-lo... É. Cinco voltas ao pão. Depois agarra e tira e ajuntam e põem um bocadinho de farinha por cima e fica (...) tudo certinho assim, junto, muito bem (.../VB-AN) à masseira. INQ1 Direitinho. INF Sim. E depois aquilo, aquele fermento faz partir aquela massa, fazer (...) uns cortezinhos assim... INQ1 Aquilo cresce, não é? INF É. (...) Começa a fazer uns cortezinhos, a fazer aquilo, e depois quando eles vêem que... Quando elas vêem que aquilo que está cortado, agarram e cortam, mexem aquela massa toda e depois começam a botar. INQ1 Mas quando aquilo, aquilo... O que é que elas dizem? Que a massa já está quê? INF Quando ela está cortada, (...) está em termos de ir para o forno. Arranja-se bem arranjadinha, assim, com uns golpinhos pequeninos! INQ1 Mas não dizem que está finta, ou está?... INF É. É fintar, é a fintar. (...) Quando o pão estiver finto, agarro e boto (...) para o coiso. Começo a botar para o forno. Faço os bolos - sabe como é bolos? Não sabe o que é bolos? INQ1 Os bolos é mais pequeno? INQ2 Não. INF O bolo é pequenino e é com a pá... E o bolo pode ficar assim, assim quadrado, um bolo. Bota-se. Isso é que é bom com leite. INQ2 Rhã-rhã! INF É. Olhe que tem aqui um senhor que (...) é desembargador, aqui em Vale de Cambra - é o desembargador - e olhe que ele vem aqui a nossa casa e a gente, a gente pode estimá-lo pode ser com a melhor coisa que tem - por exemplo, uma vitela, ou uns rojões, ou uma coisa que pode ser muito bom - e ele quer uma tigela de leite com bolo. INQ1 Que engraçado! INF E desembargador! (...) Um desembargador, um homem... INQ1 E portanto, fazem os bolos e fazem mais quê? INF É vários bolos e depois é conforme. A senhora se quiser fazer um bolo, faz; se quiser dois, faz; se quiser quatro, faz; faz o que quiser. INQ1 Mas só fazem bolos? INF Só se faz bolos. E depois agarra a uma outra massa e fazem broas. INQ2 Ah! INQ1 Ah! Que mistura com o tal... INF Mistura-se. Está tudo misturado. É. Mistura-se e depois aquilo é pulado numa - chamam aquilo uma escudela e é pulado aquilo... INQ1 Ah, já sei. Pulado? INF Pulado . Assim, mexem ele para um lado e para o outro e aquilo fica (...) tudo juntinho, (...) tudo numa bola. INQ1 Uma escudela de madeira? INF Hã? INQ1 Uma escudela de madeira ou de plástico? INF De madeira, madeira. E depois aquilo vai e agarra e bota-se aquilo para o forno... INQ1 Mas botam na pá, primeiro? INF Ou na pá ou têm (...) uma coisa, chamam um cocho. É uma coisa parece (...) uma escudela. É uma escudela assim... É de feitio assim, e bota-se lá dentro e mete-se dentro do forno e vira-se e fica lá certinho . INQ1 Ah! Sim senhor. INF E depois sai para fora - é como eu lhe acabo de dizer... (...) Depois como o pão está cozido, (...) tiram-no para fora e depois é abafado, ou com uma toalha, ou com uma coisa qualquer, para ele não tomar ar. E ali está. Mas aquilo pode estar, eu sei lá! É sempre maciinho e molezinho, que aquilo é mais mole que o trigo. INQ2 Rhum-rhum. INQ1 Pois, pois. INF É. A gente cá, nós é assim. INQ1 Pois, pois. INF E depois se temos leite, a gente... INQ1 O leite de cá é da, das suas vacas mesmo, não? INF É da minhas vacas. É das minhas vacas. É. INQ1 Portanto é bom. INF Pois é. Serrano, de vacas serranas, que é o leitinho melhor que tem! INQ1 Vaca serrana... INQ2 Não admira que o desembargador queira isso! INQ1 A vaca serrana qual é? Aquela castanha? INF Não, não. É uma que é toda retintinha de vermelha, é toda vermelha. INQ1 Ah! INF Todas vermelhas, todas vermelhinhas, essas é que é a serrana! Eu estou a receber uma média de sessenta cento e tal contos por... INQ1 Pelos animais? INF Pelos animais. Mas eu, depois... INQ1 Pois, pois. INF Porque a gente... Eu tenho... Porque só tenho vacas serranas e o touro é tourino - ah! é serrano também! INQ2 Também. INQ1 Pois. INF E vem cá o (...) coiso... Eu, suponhamos, uma vitela, deixo-a estar um mês, um mês e meio, (...) e depois eles vêm cá, dão-me dez, doze contos, a pecuária. Dão-me... INQ1 Pois, pois. INF E depois eu vendo-a por o que calhar. INQ1 Claro. INF Depois tanto a vendo por trinta como quarenta contos, e aquele dinheiro vem (...) sem trabalho nenhum. INQ1 Pois, pois. INQ2 Pois. INQ1 Pois claro.
COV07
INF Ele vem aí um senhor aqui vender roupas - é lá (...) de Vilar Formoso. Até fica, em vindo, sempre em minha casa. Mas como ele começou por aí a andar (...) a vender roupas, mantas, cobertores e... E depois, um dia à noite, chega aí, mais a mulher (...) e dois miuditos, e (...) pediu (...) se lhe dávamos bebida comida - mas que dormiam no carro, mas se lhe dávamos comida -, (...) se lhe vendíamos pão e batatas e vinho. E eu disse: "Está bem, a gente arranja". Foi lá a minha nora e levou: batata, levou-lhe carne - um bocado de carne -, levou-lhe uma garrafa de vinho. Depois ele queria pagar e a gente: "Não pagas nada disso"! Eu não. "Não pagas nada disso"! Coitado. Coitado de quem anda por fora das casas deles. Sabe? Quem anda por fora das casas deles - pagam-se cá - apanha o bom e o mau. INQ1 É isso mesmo. INQ2 Exactamente. INF É. Porque eu já sei o que é isso. Ora bem, o homem, o homem agora começou a andar por aí sempre. Agora, fica sempre na em nossa casa. Ainda quando foi agora (...) que matei os porcos - que eu tinha matado os porcos há dois dias -, ele chega aí e eu disse: "Ó homem, olhe, vem numa altura boa! É quase na altura... Nós, a sarrabulhada foi ontem, mas você"... Ora, comeram e beberam o que eles quiseram. INQ2 Claro. INF A gente tem muito disso . INQ1 Como é que é... Como é que... Em que altura é que se faz a, a?... INF A sarrabulhada? É quando matam os porcos. Olhe, é assim ou agora... INQ1 E em que altura é que se mata os porcos? É no Natal? INF A gente cá é... Não. Novembro. INQ1 Novembro. INQ2 Ah! INF Novembro, fim de Novembro, princípio de Dezembro... Mas não, é sempre em Novembro. E agora, eu mato três então, e mato dois agora para o mês que vem. INQ2 Ah! Depois mata mais tarde! INF Mato agora dois (...) para as haver . Agora (...) para as sementeiras, (...) meto muita gente de fora. Arranjo pessoas. INQ1 E tem, e tem... E tem que matar para, para dar comida. INF Há que (...) dar comida, porque aqui esta carne antiga, que é de salgadeira - que eu tenho arca... Tenho arca e boto-a lá (...) na arca, mas também gosto da carne do sal. INQ1 Salgada. INQ2 Pois. INF Do sal! Até, pelo contrário, (...) no princípio não, não sabe tão bem, mas depois para o resto até é melhor que a outra. INQ1 Pois é. INQ2 Rhum-rhum. INF Porque a outra é fresca de mais. Na arca, fica até fresca de mais. E a gente para comer a carne da arca, sabe o que lhe a gente faz? - lá a minha nora e nós! Vamos dizer - suponhamos - tira uns bocados de carne, porque tem aquilo em sacas até na arca, e ela tira, bota-lhe o sal, aí uns dois ou três dias, ou quatro ou cinco, e ela ganha sal. E depois então é que a gente come dali, daquela. INQ2 Rhum-rhum. INF Mas a gente mata... Mato sempre cinco, seis porcos, durante o ano. INQ1 Em Novembro? INF Em Novembro mato três e um, quatro. INQ2 E ma-, ma-... Pois. INF E agora mato três, mato dois; e depois quando for aí para Agosto, conforme o tempo que der... Eu compro pequenino. Eu não compro porcos grandes! Compro-os pequeninos! E crio-os em casa. INQ1 Pois. INF Boto-lhe o leite das vacas, boto-lhe farinha - aquela farinha centeia, que é o que eles medram - com uma escuma. E eu boto-lhe farinha centeia... INQ1 Ai é? INF Ah, ah! É a coisa que lhes faz melhor aos porcos! INQ1 Não sabia! INF Faz aos pequeninos , assim, assim no leite. Compro-lha e depois mato cada um ! INQ1 Rhã-rhã! INQ2 Então e não, não, não cria, não tem para criar, não tem? INF Não tenho, não, não, não. Não tenho porcas para criar, não. INQ1 Porquê? Não... Dá muito trabalho, não? INF Não tenho... Não, não é por ter muito trabalho; é que não temos vagar, não temos tempo, para lidar com aquilo. INQ2 Pois é. INQ1 É muita lavoira! INF É muita lavoira, não temos vagar nenhum. E eu compro-os a tirar do leite, compro-os assim pequeninos e depois INQ1 Pois. Claro. INF crio-os em casa. INQ1 Claro. INF (...) E é a carne melhor que tem, (...) é criados em casa. Porque a gente, olhe, bota-lhe batata, bota-lhe leite, bota-lhe... Pronto! Bota-lhe farinha, bota-lhe... Não é a farinha de fora! INQ1 Pois. INF Eu não boto... Eu não compro (...) as farinhas de fora para... INQ1 Pois. É mesmo farinha da casa! INF É farinha da casa. E aquilo, (...) aquela carne é muito mais gostosa! INQ1 Deve ser óptima. INQ2 Deve ser, deve. INF Muito mais gostosa! INQ1 Olhe, mas conte-me lá então como é que fazem a matança. INF Ah! A matança, sei lá eu ! (...) INQ1 Como é que é?... INF Olhe, agarram-se os porcos, quando eles já são para matar... Agarram dois ou (...) três ou quatro homens, agarram os agarram nos porcos, botam-nos em cima do carro (...) . INQ1 Do carro? INF Do carro. Um carro de vacas. E depois o matador mata e depois de matar temos umas... Há algum tempo, era (...) queimado aquele cabelo com carquejas. INQ1 Com carquejas, pois. INF Carquejas é que era ! Escolhia-se... Ah, diziam - quando fosse para matar os porcos -: "É preciso ir aos carquejões"? Aos carquejões, é essas carquejas grandes! INQ2 Rhã-rhã! INF (...) "Vai aos carquejões"! Agora não. Temos os maçaricos. INQ2 Ah! INF Ligamos à electricidade! É. Ligamos lá (...) ao coiso, à electricidade, não há... INQ1 Pois. É com o maçarico. INF É com o maçarico. INQ1 Com, com uma, uma garrafa de gás... INF É. É a garrafa de gás, liga-se aquilo, chamusca ... E fica muito melhor! INQ1 Fica melhor que com a carqueja? INF Não, não. Com aquilo fica melhor que com a carqueja. Com a carqueja aquilo é... Ficava aquilo tudo negro! E depois a gente, mesmo com o maçarico, depois é tudo lavado - lavam o porco depois de morto e chamuscado -, depois é lavado, todo lavado, depois põe-se (...) aquilo ... INQ1 E não é raspado? INF É raspado com uma faca. INQ1 Com o quê? Com uma faca. INF Com uma faca. Com uma faca é ali todo raspadinho! Não se conhece um cabelinho, não se conhece nadinha! Ficam, ficam... Em tempo, antes de o meu sobrinho andar a estudar, aquilo era... Aquilo era queimado a carqueja, às vezes, ainda ficava uns cabelos grandes e aquilo tudo ! INQ2 Pois, pois, pois. INF Agora não senhor. Porque agora vem aí gente grande - ele traz gente grande a minha casa e é muito . E ele sabe o que nós cá também fazemos? É botar presuntos ao fumeiro. INQ2 Ah! INQ1 Ah, também fazem presuntos! INF Ah, pois fazemos! Isso é ao fumeiro! INQ1 Ah, isso é muito bom! INF Ah, pois é! INQ2 Tão bom! INQ1 Isso é óptimo! INF Ah! O presunto é ao fumeiro. Eu, todos os anos, boto três, quatro, conforme. INQ1 Pois, isso é muito, muito bom! INF É. E depois vem uma pessoa qualquer... As senhoras chegavam agora lá, eu não tinha nada, oferecia-lhe de comer; as senhoras iam, agarravam, cortavam um pedaço de presunto... INQ1 Pois, pois. Ai, dá muito jeito ter! INQ2 Pois. INF Vou a um bocado de presunto daquele com um bocado (...) de broa (...) - ou, se quisesse trigo, a gente tem lá sempre trigo, mas um bocadinho de broa quando ela é assim ainda é melhor que o trigo -, um bocado de broa, uma pinga, já aquela gente ficou espertada . INQ2 Pois claro! INQ1 Claro! INF Sabe? Porque não temos sempre gente (...) disponível (...) para arranjar de comer. INQ1 Pois claro. INQ2 Pois claro, pois claro. INQ1 Olhe, então e depois pen-, pendurava o porco. Depois de estar chamuscado, estar raspado e lavado... INF (...) E depois é aberto. INQ1 Pendura... Pendura-o aonde? Em quê? INF (...) Numa trave qualquer. Temos uma casa própria INQ1 Para fazer isso. INF para fazer aquilo. Tenho uma casa e aquilo é que tem ... INQ1 Que tem uma trave? INF Tem uma trave de madeira. INQ1 Onde se pendura o porco. INF Onde se pendura o porco. INQ1 E, mas não tem um pau, assim, parece um cabide quase para meter nos, atrás no... INF Tem, tem. Chamam aquilo um chambaril. INQ2 Rhã-rhã! INQ1 Mas aqui também se usa isso? INF Também, sim senhora. Também usam. E depois aquilo é botado... INQ1 E depois abrem o porco? INF E depois abrem o porco aberto, tira-se já as tripas. E depois... INQ1 Tira-se as tripas. INF Nós cá é: tira-se a tripa, tira-se-lhe (...) o coiso, o fígado, tira-se-lhe o coração e os 'impulmões', tira-se tudo. Só fica... INQ1 Como é que lhe chama aos pulmões? INF Chama-se-lhe os... Aos pulmões, chama-se é... INQ1 Os bofes ou isso? INF É. É isso que se chama. E depois aquilo tira-se-lhe para fora e fica dependurado, e depois quando for... A gente cá faz rojões. A senhora sabe o que é rojões? INQ2 Sei. INQ1 Gosto muito. INF Sabe? Pois. A gente faz rojões. Quer dizer, o fígado não faz! INQ1 Pois. INF O fígado bota-se na arca e está sempre - e os 'impulmões' do porco -, está sempre pronto... Porque se a senhora quer fazer um arroz, quer fazer uma coisa qualquer, vai lá, quer um bocado daquele de fígado, (...) ou está junto ... INQ1 Mas na arca agora? Na arca?... INF Na arca (...) quando é que os mata. E deixa estar... INQ1 Mas é agora. E antigamente o que é que faziam? INQ2 Antigamente. INF Ai, antigamente, olhe, sabe o que eles faziam? (...) A primeira coisa que eles comiam era isso. INQ2 Rhã-rhã. INQ1 A primeira coisa era o fígado logo? INF Era o fígado (...) INQ1 O coração. INF e o coração (...) e os 'impulmões' (...) e depois comiam aquilo e depois... Antes de ir para a outra carne!
COV08
INF E depois havia um irmão meu que está no Brasil - que é o Arsénio -, que é o mais novo. Ele é muito judeu! E eu, tínhamos matado os porcos e eu até estava a desmanchá-los. Queria-os desmanchar. E ele entra ao pé de mim e diz: "Ó rapaz, onde é que está o pissão do porco"? Que era uma que é aqui de Tabaçó, chamada a Bebiana, que andava a pedir. Digo assim: "Está ali. Que é que queres"? "Deixa ver". E o sacana - porque aquilo tem aquela verga comprida -, INQ1 Pois. INF e o sacana vai, e agarra, e embrulhou-o, e meteu aquilo por baixo, e ela a pedir à porta, e ele agarrou : "Pega lá! Pega lá! Leva! Pega lá"! A mulher foi a pegar e aquilo caiu-lhe por entre as mãos abaixo, aquela verga para baixo! Oh filha! O ladrão deu em rir-se e eu também me ri! Mas disse: "Olha que é pecado, rapaz. Não faças isso". É verdade , ele fez aquelas coisas àquela mulher, a gozar . E aquilo é para brincadeiras. INQ1 Claro. INQ2 Pois. INF E outras vezes, a gente bota aquilo aos cães ou aos gatos ou bota aquilo . INQ1 Pois, pois. INQ2 Pois. INQ1 Claro. INF Mas isso (...) não é aproveitado. INQ1 Olhe, e aquela parte onde está a urina do porco? INF É (...) chamado aquilo a bexiga. INQ1 E para que é que?... Usava-se isso para alguma coisa? INF Usa. A gente, suponhamos, uma vaca, é preciso tomar umas lavações. Suponhamos: a vaca (...) bota a cria antes do tempo - INQ2 Rhum-rhum. INQ1 Sim. INF sabe? - e depois (...) o 'maternário' ou o alveitar - a gente cá tem um que chama aqui o alveitar - vem despejá-la. Porque, às vezes, ela não apanhe e tal e coisa .... INQ1 Pois, pois, pois. INQ2 Já sei. INF (...) Chamam despejá-la. E depois aquilo é preciso dar-lhe umas lavações. E aquelas bexigas são aproveitadas para aquilo. Põe-se-lhe uma cana, põe-se uma cana na frente, e depois aperta-se e aquilo dá as lavações para lavar o animal dentro dela. INQ1 Ah, sim, sim, sim.
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INF O meu sobrinho (...) é um mocito que tem onze anos. INQ1 Coitado. INF (...) Olhe que já está há um ano no hospital, no Porto, no Santo António. E agora lá a doutora, que é a doutora Belisa, mandou-o para a Inglaterra. INQ1 Rhum-rhum. INF E ele foi mais a mãe. O pai anda na França; o irmão anda na França; é só a minha irmã é que está aí. E nós, ajudá-los? Pff, o que é que a gente lhe há-de fazer? INQ1 Coitadinho! INQ2 Coitado! INF E o mocinho, olhe, agora, veio agora, foi na sexta-feira com dois buracos - um de cada banda da espinha, nas costas. Tiraram-lhe a medula! INQ2 Ah! INQ1 Para análise, não? INF Não, não. Tiraram-lhe a medula porque ele sofria daquilo. E aquilo é que lhe dava cabo... Olhe, já largou o cabelinho da cabeça duas vezes! INQ2 Coitadinho! INF Ficou tal e qual, que nem ... INQ2 Pois. INQ1 Pois, pois. INF E agora, tiraram-lhe a medula, porque ela (...) - a doutora Belisa - telefonou para a Alemanha, não havia, telefonou para a França, não havia, telefonou (...) para a América, não havia, telefonou para a Rússia e não e havia - para acudir ao mocito! -, mas depois, na Inglaterra, telefonou para a Inglaterra, não não havia , mas depois apareceu logo três pessoas a dar-lhe a medula. INQ1 Ah! INQ2 Ah! INF E depois o doutor - que é o doutor..., é o doutor da Inglaterra, é o doutor Artaldo... Não! É o doutor Artaxerxes! -, o doutor Artaxerxes foi, telefonou (...) para o Porto, para a doutora Belisa, que já lá tinha três. INQ2 Ah! Pois. INF Que mandasse a criança para lá. E então foram. INQ2 Já foram para lá? Já lá estão? INQ1 Foram. INF Foram. Foram e já foram e já vieram. INQ1 Ah! E então? INF Foram e agora... Agora tiraram-lhe a medula dele. Agora estão à espera; vai amanhã para o Porto - é - a minha sobrinha (...) com o mocito, para essa Belisa ver - que ele já está há quinze dias sem tratamento -, para ver (...) se é preciso tratamento e para ela telefonar lá (...) para a Inglaterra, quando é que vão, outra vez. INQ1 Pois, pois. INF Sabe quanto é que se gasta na operação? INQ1 Calculo! INQ2 Ah, imagino! INF Trinta e cinco mil contos. Trinta e cinco mil contos! INQ2 Meu Deus! INQ1 E a, e a Providência dá alguma coisa, ou não? INF Arre porra! Nem me diga isso! Nós... INQ1 Não dá nada? INF Então não dá?! Então, olhe que ela (...) nem a pensão paga! Nem a viagem paga! INQ1 Que sorte! Mas olhe que às vezes não pagam. INF (...) Mas o pai pagou... INQ2 Às vezes não pagam. INF (...) Agora logo de entrada, deram-lhe três mil contos. INQ1 Agarra aqui. INF Veja lá . Deram-lhe três mil contos. INQ1 Ah! Vá lá. INQ2 Vá lá. INF Foi, foi. E agora, coitadinhos, estamos a ver. INQ1 Pois. INQ2 Pois. INF Trinta e cinco mil contos que a (...) operação... INQ2 E que idade tem o rapazinho? INF Onze. INQ2 Onze anos. Coitadinho! INQ1 Coitado. INF Ai, mas é muito fino! Olhe que ele andava na escola, e agora, assim doentinho, e vê vir os outros da escola - o meu neto e os outros - e ele vai ver o que as professoras dêem e o que elas ensinaram e ele fá-lo. INQ2 Lhe ensinaram. INQ1 E ele faz tudo, consegue fazer como se lá estivesse. INF Ele faz tudo. (...) E está tal e qual. Ele sabe tanto... Eu acho que ele sabe mais que os que se andam lá. INQ1 Pois. INQ2 É esperto, o miúdo! INF É (...) muito fino, aquele miúdo; é muito esperto! É. INQ2 Pois. INF Pois é assim. Mas o pai, coitado, anda na França. (...) O irmão também lá anda! E cá arranjou-se... Nós também lhe emprestámos algum. E pronto! INQ1 Coitado! INF É família! INQ2 É família!
COV10
INF Olhe, minha senhora, eu digo isto - e vocês podem perguntar aonde vocês quiserem - não tem famílias como a nossa. Não. Olhe que (...) em nossa casa, ninguém sabe aonde é que está a miséria. Eu com os meus irmãos não se sabe: porque se eles não tem, estão em minha casa; se eu, às vezes, preciso de qualquer coisa, vou à casa deles, e ali (...) é uma família toda... INQ1 Pois. Exacto, pois, pois. INF Irmãos, mas todos amigos, todos dados uns com os outros que não há a mais pequenina coisa. INQ1 Pois, pois. Olhe, é uma grande coisa, isso. INQ2 Pois. INF Nunca houve a mais pequena coisa uns com os outros. INQ1 É uma coisa boa. INF Ah, não, não! Nunca! Olhe que eu chego a minha casa, lá, às vezes , vem uma pessoa de fora, eles logo vêm, logo perguntar: "É preciso alguma coisa"? Nós quando vamos a casa deles e eles à casa.... Ou que nós veja que é gente assim duma certa coisa: "É preciso alguma coisa"? INQ1 Pois. INF "Não". Ou "é", ou "não é". Se é, vêm buscar; se não é, pronto! INQ1 Pois claro. INF É. É muito - a família - amiga . INQ1 Mas são... Ainda são todos vivos? INF Não. Já morreram dois. Já morreu o mais velho, que era o Artúlio, e morreu a minha irmã que estava casada ali no Monte da Velha, que era a Belmira. Já morreu dois, agora são os outros vivos ainda. Por enquanto. INQ1 Quantos são ainda? INF Éramos sete; agora somos cinco. INQ1 Agora são cinco. INQ2 E estão todos aqui? Ou alguns estão fora? INF Não. (...) Os outros agora estão cá todos. Os outros, os que estavam fora, só está uma ali na Macieira, os outros estão cá. Está cá a Benilde, que é a chegada ao mais velho; está cá o Bento; estou cá eu, três; e a dali, quatro; (...) e a de coiso , dacolá, cinco; e dois que morreram sete. INQ2 Pois. INF Pois é. INQ1 O senhor não é o mais velho? INF Não. O mais velho é o que morreu, o Artúlio. Morreu com setenta (...) e oito anos. Setenta e oito. A minha irmã - era mais velha que a mim também, mais três anos - também já morreu há um ano. E depois sou eu o chegado, mas tem uma que (...) é a chegada ao mais velho, que é (...) a mãe do professor. (...) INQ2 Rhum-rhum. INQ1 Rhã-rhã. Ele é professor aonde? INF É aqui em Vale de Cambra. INQ2 Rhum-rhum. INF É ali ao pé do Pinheiro Manso - do Pinheiro Manso. Oh, eles estão a passar muito bem também. Eles (...) também estão muito bem! INQ1 Ele é professor de quê? De liceu? INF Não, professor (...) INQ1 Da escola primária? INF da escola primária, é. Traz dois filhos a estudar: traz um no Porto, traz outro em Coimbra. Tem só os dois filhos, tal e qual os dois a estudar, um em Coimbra e outro no Porto. Esse rapaz também está bem. (...) Mas o princípio dele viu-se atrapalhado. INQ1 Pois. INF Olhe, minha senhora, eu digo: eu acho que não (...) houve pessoa nenhuma que passasse tantos trabalhos no princípio da vida como eu. Hoje estou bem, graças ao Senhor. INQ1 Pois. INQ2 Pois. INF Mas passei muitos trabalhos. INQ1 Mas porquê? INF Porquê? Porque não tinha. Não tinha. INQ2 Pois. INQ1 Mas não tinha terras ou não?... INF Não tinha as terras, não tinha terras, não tinha terras, não tinha aqui... Vim de Lisboa, trouxe um dinheirito, mas depois as minhas irmãs casaram-se duas, dei-lho e tive que lhe pedir dinheiro para as acomodar, que ele não ... INQ1 Pois. Porque era... Porquê? Mas era o senhor que tinha que acomodar as suas irmãs por causa de elas serem raparigas ou?... Como é que era? INF Era ser raparigas mas foi o seguinte: é que elas, os que as queriam - os homens delas -, queriam logo: "Ou me dá tanto ou não a quero"! INQ1 Ah! Mas isso era assim habitualmente antigamente, não era? INF Antigamente, era sim senhora. "Se não dá tanto, não quero"! Ora, o meu pai não tinha, INQ1 Pois. INF e eu, como é que eu ia fazer? INQ1 E era os homens delas que pediam isso ou era os pais, os pais deles? INQ2 Os pais deles? INF Era os pais deles e eles. E eles uma vez chegaram aí e, de volta do meu pai, um (...) queria quinze contos - naquele tempo era muito dinheiro! INQ2 Naquele tempo era muito! INQ1 Ah, então! INF Quinze contos! A melhor vaca que aparecia no mercado era um conto de réis! INQ1 Está a ver. INF O meu pai e eu - mas a chorar - e: "Ó rapaz, tu que dizes"? "Ó homem, olhe que eu não sei, mas isto está mau"! Diz: "Eu não sei, para esses diabos ficarem para aí, é o diabo, homem! Tu não sabes o que é"! Ninguém quer ver as filhas mal! INQ1 Claro. INQ2 Pois claro. INF Sim... A gente - não sei se as senhoras são casadas, se não... INQ1 Somos, somos. INF Pois olhe, mas ninguém quer ver os filhos mal! INQ1 Claro. INQ2 Pois claro. INF E eu disse: "Pois então, pronto". Eu , toca a pedir dinheiro! Eu toca a pedir dinheiro! Quando ele morreu tive que pagar aquelas dívidas todas. Tive que pagar as dívidas. INQ1 Pois, pois, pois. INF A pagar a toda a hora , claro! Eu não tinha. INQ1 Claro. INF Tinha só uma vaca, quando foi nas partilhas - parti com os meus irmãos -, depois olhe que fui tão 'bondábele' como isto: INQ1 Pois, pois. INF partimos e eu disse: "Ó meus amigos, agora escolhei o que vocês quiserem. Se quereis à cega - a tirar uns bilhetes assim -, INQ1 Pois, pois. INF muito bem"; e se não quiser, "vocês escolhei, 'lei' as folhas como vocês quiserem, diante do advogado, e vocês escolhei, e eu fico com aquilo que vocês não quiserem". Assim é que foi. INQ1 Pois, pois. INF E eles escolherem, escolheram, escolheram... INQ1 Desculpe lá, qual é o seu nome que ainda não me lembro? INF Hã? INQ2 Ele ainda não nos disse. INQ1 Ainda não disse o seu nome. INQ2 Ainda não disse, ainda não disse. INF Arquibaldo. INQ1 Arquibaldo.
COV11
INF Mas sabe o que foi? Eles depois escolheram as terrinhas que já estavam melhores, mais bem feitas, mais preparadas nas folhas, melhores, eles ficaram com elas. E eu fiquei com aquilo que eles não queriam. Mas eu, que é que eu fiz? (...) Cultivei-as, preparei-as... INQ1 Ficaram como as outras? INF Olhe, eu, (...) ficaram melhores! INQ1 Ficaram? INF Eles, eles podem-me dar duas folhas das deles, que eu não dou uma das minhas. "Ah, mas só o meu irmão "! Olhe que eu alevantava-me de noite - para aí à quê? -, para aí às quatro horas, quando se visse, (...) e ia (...) - a gente cá é surribar! - fazer leiras, fazer bocados. INQ1 Surribar é fazer aquilo que está ali? INF Pois. INQ1 Preparar aqueles terrenos é surribar? INF É surribar. INQ1 É o primeiro trabalho que se faz? INF É. É surribar. Suponhamos isto aqui: começa-se a surribar, faz-se um bocado, pronto, é surribar. INQ1 É surribar, portanto, é limpar das... INQ2 É tirar as plantas, as... INF Isso, isso, isso. E eu agarrei-me àquilo, comecei a trabalhar, a trabalhar... Andei aí na floresta - olhe que botei a Padruça, vim ali à Feixa adonde há a casa da água -, andei por aí. Mas quê? Olhe, eu ganhava naquele tempo quinze escudos. Eu e todos. INQ1 Pois. INF Era o meu ordenado era quinze escudos. Ora ganhava quinze escudos, ia comprar o milhito, ia comprar o milho (...) para moer, (...) para cozer para comer, ao fim de aí quatro, cinco dias, um alqueirito de milho, começava a minha mulher: "Ó Arquibaldo! Ai Jesus! Só temos três broas"! "Só temos quatro broas"! e eu, pronto. "E agora onde é que vamos buscar o dinheiro"? E juros em cima de mim! Chegava-se a um ano - passava-se num instante -, os juros a sete por cento... INQ1 Pois. INF Eu lá ia arranjando, poupo daqui um bocadito, chegava lá, já não... Nunca deixei juntar os juros. Ia pagando, pagando, pagando, lá fui. Depois aborrecemo-nos com um guarda que havia aqui, aborreci-me e fui e disse: "Pronto! Vou deixar (...) de andar na floresta". Agarrei-me então à agricultura, fiz uma quinta, olhe, dacolá daquesses, em direcção daquele posto de telefone, (...) naquele corte que tem aquela... Chamam aquilo... INQ1 Não estou a ver. Aonde? INF Aqui à nossa frente. INQ1 Aqui mesmo? INF À frente daquele meu bocado grande, em cima, cá em cima. Não tem na frente daquele bocado grande, não tem ali uma (...) ?... INQ1 Umas couves? INF Não, não. Ele não é as couves. As couves é ainda mais para cima. É (...) lá fora da parede, não tem ali INQ1 Sim. INF um (...) ?... Chamam a gente aquilo uns carrasqueiros. INQ2 Sim. INQ1 Sim. INF Dali você vê uma quinta que eu fiz lá em baixo, INQ1 Rhã-rhã. INF que dá-me noventa alqueires de milho e dá-me duas pipas de vinho. INQ2 Mas... INF Surribei aquilo tudo de noite! INQ2 Ah! INF Tudo de noite! INQ2 Mas a terra era sua? INQ1 E o senhor sozinho? INF A terra é minha. INQ1 E o senhor sozinho? INF Sozinho. INQ1 A sua senhora não o ajuda? Portanto... INF Coitada! (...) Ela cuidava (...) das vaquitas INQ1 Pois. INF (...) e do meu filho, que hoje é um homem já. Era pequenito! INQ1 Pois. INF E ela, coitada, fazia as voltitas, fazia-me o comer e ia-mo lá levar... INQ1 Claro. Mas aqui as mulheres também trabalham na terra, ou não? INF Então não trabalham?! Ai, minha senhora, trabalham mas trabalham! Mas é a trabalhar, não é a dizer que... Trabalham. Trabalham até bem muito! Depois eu agarrei-me àquilo, comecei a surribar, comecei a meter gadito... Tinha só vacas, uma bezerrita; depois comecei a ter duas vacas, depois passei a três, passei a quatro, foi indo, foi indo, foi indo, aquilo começou a aumentar, o meu filho criou-se! (...) Foi para a tropa - assentou praça em Aveiro, lá foi para Viseu... Olhe, quando arrebentou aquilo lá na Angola, INQ1 Sim. INQ2 Sim. Em se-... INQ1 Em sessenta. INF estava ele mobilizado para lá. Estava ele mobilizado já para lá. E eu arranjei com uma senhora em Viseu, a senhora Berenice, e ele mandou-me uma carta... Naquele tempo nem havia telefone, nem havia nada, e ele que me mandou uma carta: "Pai, (...) venha-se despedir de mim, que eu vou segunda-feira"... Isto foi numa sexta-feira. "Que eu segunda-feira (...) vou para fora, vou para a Angola". Ai, meu Deus! Só aquele filho! Agora é que ela está ... Bem, e aqui (...) no povo (...) ... Eu tenho dois dias de água durante a semana. Dois dias de água. Mas naqueles dias de água, ninguém (...) rega um talhadoiro de água senão eu. Naqueles dois dias, a água é só minha! (...) Ninguém vai regar. A água é toda minha. Olhe, quer ver, e eu fui: "Ai, isso agora como é que vai ser"? Mas o pedido dele , do meu filho, era um padre que havia em Manhouce, que é o padre Artur, era primo do Governo Civil de Viseu. INQ1 Rhum-rhum. INF E eu fui, mandei a minha mulher, disse: "Vai já, já, já, já, (...) vai (...) a Manhouce e vai ter com o padre e diz ao padre que vá para Viseu, que o moço que vai embora" - isto foi numa sexta-feira -, "que segunda-feira que ele que vai embora. Que eu acabo de regar esta água"... E fui por aqui abaixo, fui a Padruça , passei à ponte de Teixeira... Ah, eu a chegar à ponte de Teixeira e a camioneta a chegar; se eu demorava um bocadito, até urinar, (...) já não apanhava a camioneta. INQ1 Pois, pois, pois. INF Todo molhadinho! Cheguei lá, entrei para dentro da carreira, lá fui para Viseu. Cheguei a Viseu, fui ao quartel. Eu a chegar ao quartel e o padre e o Governo Civil a sair do quartel para fora. Saíram do quartel para fora, digo eu assim: "Ó senhor abade, então"? Diz ele: "Ó Arquibaldo, já ninguém acode ao teu filho"! O Governo saiu, esse não me ligou nada; caminhou lá o caminho dele e o padre ficou, a conversar mais eu : "Olha que ninguém acode ao teu filho. Vai e vai mesmo! Mas que 'há-des' tu fazer?! Tem que se confortar"... e tal, tal. Aquelas conversas a mim (...) não gostava delas. Pois claro. INQ1 Pois. Claro. INQ2 Pois claro. INF Depois eu vou assim : "Ai, agora como é que me (...) acabam de vez com ele"! Digo eu assim... Olhe que eram quatro horas e eu em jejum. Quatro horas da tarde, ali em Agosto, e eu em jejum! Ai Jesus! Digo assim: "Ó senhor abade, eu quero comer". Diz ele: "Olha que eu também estou só com o café". "Então vamos lá, vamos comer". Por sorte, entramos assim, só atravessava-se uma rua, e estava ali um restaurantezito, (...) uma coisa mais pobre. Estava ali. (...) Veio ali uma rapariga muito linda servir-nos. E eu disse para ela assim: "Olha lá, tu não sabes aqui quem é que em Viseu pode dar um jeito a um rapaz que está para ir para fora e esse homem é (...) o único filho (...) e se ele vai embora, que há-de ser de mim e da minha mulher"? Diz ela assim: "Olhe", chegou-se, agachou-se assim - o padre estava dacolá da mesa e eu estava aqui -, ela chegou-se a mim : "Olhe, tem aqui uma senhora, que é a senhora Berenice, se essa não lhe valer, não vejo quem é que lhe 'vaila'". Digo eu assim: "E onde é que ela mora"? "Olhe, você vê aquela porta - enviscou-se assim um bocadinho -, olhe, aquela porta, você vá (...) àquela porta e assuba. No segundo andar, à direita, ela mora lá". Digo eu assim para o padre: "Ó senhor abade, vá lá. Vamos lá". E o padre: "Não, não. Eu não vou lá. Vá lá você"! Eu já não comi. (...) Estava a comida no... Já não comi! Estava ali, atravessei a rua, subi por ali fora, pela escada fora, tumba, tumba, tumba, cheguei lá, à direita, lá estava a porta. Eu carreguei no botãozito: trrr, a campainha... Ela veio à porta - uma senhora muito linda! Ai que senhora linda! À porta, abriu só assim um bocadinho da porta: "O senhor o que é que quer"? Nunca me tinha visto de mais lado nenhum e eu a ela também não. Disse: "Olhe, aqui não é que mora a senhora Berenice"? Diz ela: "É, sim senhor. É. O senhor o que é que lhe quer"? "Olhe lá, (...) um filho meu está para ir para fora, e já tem tudo coisa, e eu queria ver se a senhora lhe dava algum jeito para ele não ir". Diz ela assim: "Ai, quem é que o mandou para aqui? Eu não me meto nisso"! Digo eu: "Ó senhora Berenice, você, a senhora, (...) não me faz isso porque não quer. Porque a senhora podia-me valer ou valer ao meu filho". Diz ela assim: "Pois é, mas eu, não, não, não nisso"! Mas começou a abrir a porta e ficou à vontade como a senhora está mais eu. INQ1 Pois, pois. INF Começou a conversar, diz ela assim: "Olhe"... Estive eu a contar-lhe, que era só aquele filho e que tinha só aquele filho (...) e que é que havia de ser de mim a mais a minha mulher que era uma mulher doente - e é. E aonde diz ela assim: "Mas não, então eu que faço"?! Mas ela ouviu, ouviu, ouviu e eu tanto lhe pedi, e ela, diz ela assim: "Olhe, você vai hoje embora"? E eu disse: "Não, senhora Berenice". "Você onde é que vai ficar"? Disse: "Olhe, eu fico aqui nessa pensão da senhora Bernardete". Diz ela assim: "Olhe, você logo quando for dez e um quarto ou dez menos um quarto apareça aqui, que eu, eu digo-lhe qualquer coisa". Eu já fiquei todo contente! Já (...) o meu coração parece que ficou mais à vontade. INQ2 Pois. INF Depois eu fui para dentro e (...) a minha comida estava lá e o padre ainda estava a comer. Diz a cachopa: "Então"? Disse: "Olha, foi assim, assim". "Já não vai lá fora. Você vai ver que o seu filho não vai lá fora". Digo assim: "Se ele não for lá fora, se ele for que não vá lá fora, dou-te dois contos". Diz ela: "Estão ganhos". Digo eu assim: "Pois (...) e eu que tos dou já"! Diz ela: "Não, não. Você, logo, então, ela mandou-o lá ir, você logo vai lá". A cachopa lá me preparou uma cama e disse: "Olha eu (...) venho ficar aqui". "Está bem! Olhe, o seu quarto vai ficar ali". E eu e a cachopa lá... Muito boa rapariga! E eu fui, quando foi dez e um quarto, dez menos um quarto, chegou lá uma miudinha - que estava lá mais ela, quando eu que estava a falar com ela, uma miudinha pequenina, assim para aí com uns cinco anos, quatro, cinco anos -, e a cachopinha, a menina, só atravessava a rua, atravessou assim a rua e chegou lá: "A madrinha disse que o senhor viesse lá". Fui logo atrás da miudita. Cheguei lá, estava lá o tenente-coronel, o tenente-coronel. INQ2 Oi! INF Estava lá assentado. Era amigo dela. Assentado! (...) Ela era solteira.
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INF Ela ouviu, ouviu, ouviu e virou-se para ele e diz assim: "Olha, ou tu obedeces a este pedido, ou nunca mais aqui tornas". Ela para ele: "Ou tu obedeces a este pedido, ou nunca mais aqui tornas. Coitado do homem. Então estás a ver se lhe morrer o filho lá fora, como ele é"?! Morria a gente nossa lá fora! INQ1 Claro. INQ2 Pois. INF Diz ela: "O que é que... Tu vê lá se lhe dás algum jeito". E ele riu-se. E ele: "Tu queres que eu perca o pão por causa dum soldado"? Diz ela: "Não perdes nada! Tu vai e fazes... E não tenhas medo". Foi isso . "O senhor quando vai embora"? Digo assim: "Ó meu tenente, eu só vou domingo" - isto foi numa sexta-feira -, "só vou domingo"! "Pronto, o senhor, (...) no domingo, às duas horas" - que era o Viseu que passa ali que vai (...) para lá; (...) chama-se mesmo o Viseu, a camioneta -, "você apareça aí, no jardim, lá em baixo". Eu fui, esperei. À noite, o meu filho vinha (...) lá do mato, lá de coiso, das instruções, era companhias a vir, companhias e companhias, e companhias, e companhias, e eu não o conheci. Só o conheci quando ele ia a entrar (...) à porta de armas, é que ele alevantou assim o braço e é que eu o conheci. O moço lá foi entregar a espingarda, entregar lá as coisas dele, veio para fora: "Você que anda por aí a fazer"? "Olha, é assim, assim, assim". "Oh! Ó pai, vá-se embora, homem! Tenha juízo! Então você ia... Então você cuida que... Então já foi lido lá a ordem, e então você cuida que me tira de lá?! Eu tenho que ir. Há-de ser o que Deus quiser. Eu tanto posso morrer ou não morrer, mas tenho que ir. Se eu não... Há-de ser o que Deus quiser". "Eu tenho fé que tu que não vais lá". "Não, pai"! "Não ande a gastar dinheiro". Pronto, lá me fiquei. (...) Quando foi no domingo, às duas horas, eu fui lá para o jardim, havia lá muita gente - muito mundo, muito furriel, com aquela gente -, eu não estava à espera. Ela veio, ela carregou para aí sete ou oito pessoas, com batatas, com hortaliça, que ela tinha uma quinta, aí boa, aqui (...) em Santa Cruz da Trapa . Carregou aquilo tudo, ia-se tudo, deu-me um balãozito para levar na mão, como essa pedra. Uma coisita na mão. Diz ela: "Venha". Eu abalei mais ela, diz ela assim: "Você descanse que o seu filho não vai lá fora". Oi, quando me ela disse aquilo! Ai, Jesus! "Não diga isso, senhora Berenice". "É verdade. Na altura que o seu filho for lá fora vou eu no lugar dele"! Ai! (...) "Mas nós vamos para casa que ele está lá". Chegamos a casa e ele estava lá sentado, eu pedi licença outra vez, ele mandou-me assentar e esteve lá a conversar mais eu, diz ele: "Olhe, o seu filho não vai lá fora. O seu filho, eu tirei-o... Eu fui a Tomar, arranjei um militar e tirei-o de lá. Ele agora não vai. Mas na segunda-feira, quando ele era para ir para fora, ele sai primeiro que os outros, mas vai para Coimbra. Vai para Coimbra, (...) para Coimbra para o Centro de Mobilizações". Digo eu assim: "Mas ele ainda lá vai"... "Não vai mais! Você (...) descanse que ele não vai mais". E eu disse: " (...) Ó meu tenente, quanto é que eu tenho a pagar"? Digo eu: "Quanto é que é o seu trabalho, meu tenente"? Diz-me ele assim: "Olhe, você a mim não me paga nada. Se quer dar alguma coisa é a ela! A mim não me paga nada". Diz ela assim: "Eu não quero nada"! Digo assim: "O quê? Não, a senhora tem que pegar". "Não quero nada". Eu fui, agarrei naquele conto ... Fiquei só com um conto de réis, agarrei em sete contos e dei-lhos. Ela não queria pegar mas eu meti-lho na mão e disse: "Olhe, isto é para o almoço. Para o jantar ainda cá estou. Isto é só para o almoço". Naquele tempo, era muito dinheiro! INQ1 Pois. INQ2 Pois. INF Agarrei e digo assim: "Olhe, isto é para o almoço, que para o jantar ainda eu cá estou". Ele começou-se a rir e eu despedi-me dele, vim-me embora. Vim-me embora, o meu filho (...) , na segunda-feira, INQ1 Foi para Coimbra. INF Coimbra. Coimbra. Esteve lá três meses. Ao fim de três meses, mobilizado para fora. INQ1 Ah! Que horror! INF Mobilizado, mas ele aí... Ela disse: "Olha que tu"... Ela disse para ele: "Olha que tu, se fores mobilizado, escreve-me, telefona-me ou escreve-me logo uma carta imediatamente, que eu vou lá". Ele telefonou-lhe, estava mobilizado, ela... Ele estava à porta de armas e ela chega lá - ela! "Ó Arquimedes, então estás aqui"? "Estou Estou-me . Ó senhora Berenice, eu estou aqui". Diz ela assim: "Dás licença que eu vá lá dentro"? Diz ele: "Vá. Entre". Ela entrou à porta de armas, lá voltou ... Voltou, (...) ele ainda estava à porta de armas quando ela veio, ela bateu-lhe assim no ombro, diz ela assim: "Olha, tu não vais lá mais fora. Quando tu fores, vou eu! Eu vou e tu ficas"! Assim, a rir-se logo . Olhe, passou ali o que anda ... À noite, às seis horas, foi chamado ao Centro de Mobilizações, e dizem para ele: "Olha lá, (...) porque é que tu não disseste que eras só filho único e (...) que não querias ir para fora? Então tu... Veio aqui uma carta, assim, assim... Olha, tu se precisares de alguma coisa... Tu não vais para fora! Vai outro e tu ficas! E quando precisares de alguma coisa... E vais passar mais o tempo em casa"! Assim foi: se estava lá oito dias, estava aqui quinze. INQ2 Ora. INQ1 Pois, pois. INF Estava lá oito dias... Olha, passou (...) o tempo dele que foi uma beleza, sabe? E depois eu tornei lá e agradeci-lho bem agradecido. Olhe que ele chegou-me a dizer assim: "Nunca vi um homem pagar tanto como este homem! O bem que ele queria ao filho"! Ah, pois! Pois eu, era aquele o filho! INQ1 Claro, era o único. INF E ele veio (...) , acabou o tempo dele, veio (...) da tropa, foi para a França.
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INQ1 Portanto, ele esteve emigrado em França ainda uns anos? INF Esteve. Esteve lá... INQ1 Quanto tempo? INF Oito anos. INQ2 Pois. E já estava casado, na altura? INF Estava casado. Já estava casado. (...) INQ1 Mas a mulher... A sua nora nunca chegou a ir para lá? INF Não, não, não. Ela ficou sempre aí a trabalhar para nós e trabalha. Ela não. Ela foi sempre uma mulher de trabalho, agarrada ao trabalho, cria vacas e é uma mulher amiga de ter, pronto! INQ1 Pois, pois. INF É uma mulher... Olhe, ele, em classe de mulher, não arranjava melhor que aquela, para trabalhar. E não a queria! INQ1 Ah! INF Quem o obrigou a casar com ela fui eu. Sabe? Não a queria porque ele... Ele namorava-a e ele tinha só dezassete anos e namorava-a, mas quem me disse foi um vizinho meu: "Eh rapaz, o teu filho namora a Beatriz". E ele era novito! Ele com dezassete anos, mas era miúdo. "Tu és tolo! (...) Ele é um canalha, o teu filho"! "É verdade! Mas se não é, tu espreita. Tu"... Nessa quinta que eu fiz, olhe, (...) ela então andava a passar leite. Vinha aqui buscar o leite para levar para a fábrica para a Lomba. Diz ele: "Olha, tu vai espreitar que ela vai de manhã, bem cedo, e ele vai para a erva"... A minha mulher sofria muito das anginas e, às vezes, ficava para aí oito dias ou quinze dias sem sair da cama, mal da garganta, coisa . E depois ele ia, pegava numa corda e numa foucinha e abalava para a erva. E chegava lá - isso ele ninguém enganava -, chegava lá e ela vinha cedo, e ele chegava, ela chegava... E outras vezes, escondiam lá a foucinha e ela vinha cedo: zumba, zumba, zumba, apanhava-lhe um molho de erva, (...) e pegava no molho, ela, e ele vinha com o latãozito na mão, e vinha por aí fora. Chegava ali onde eu tenho o palácio , que é lá ao fundo, ali ao fundo, ali (...) no lugar, e ela chegava lá, dava-lhe o molho a ele e ele pegava no molho e ela pegava (...) no latão e ela dava volta ao lugar a levar o leite e ia ele vindo . E ela (...) chegava lá e se ele lá estivesse salvava-o, ia-lhe a salvar e vinham eles ambos os dois. Sabe? Depois ele disse-mo e eu fui e disse-lhe para ele assim: "Olha, rapaz, eu ouço dizer que tu que namoras a Beatriz. Olha que ela é pobre. Olha que ela é pobre. Que são seis filhos, é uma casa pobre, vês ? Eu achava melhor ver se arranjavas uma mulher que tivesse tanto como a ti. Ou já que não tivesse tanto, mas ao menos metade do que tu tens". Sabe o que me ele disse? "E você não casou com uma mulher sem nada"?! Que eu também casei (...) com uma criada de servir. INQ2 Pois. INF Digo assim: "Olha, foi verdade, rapaz! Foi verdade! E eu governo-me. E governei-me e governo-me. E tu, também, eu não te digo que não cases com ela. (...) Eu não te digo que tu não cases com ela! O que é que (...) se tiveres, comes; se não tiveres, passas sem ele - que eu também assim fiz"! Calou-se. Dali por um mês, um mês, uns quinze dias, um mês, o pai dela aí a tratar o casamento com a gente, à noite. A minha mulher não queria que ele casasse com ela. Vai (...) e ele disse-me aquilo e eu fui-me enfiar na cama, que estivemos a conversar eu mais ela, e eu disse-lhe: "Olha, não adianta nada; o Arquimedes vai casar com a Beatriz". "Ai, e o que ela fez"! "Pscht, cala-te! Tu também não eras uma criada de servir? E não te querias casar e não te casaste? Então deixa-o lá. Não quero que lhe digas nada. É à vontade dele, e se é à vontade... E ele quer aquela, muito bem. Se quisesse outra, era a mesma coisa, pronto! É à vontade deles. Ele quem se casa são eles"! INQ1 Pois. INF "Não somos nós, pronto"! Vai, e ele foi combinou a mais o sogro - que hoje é sogro dele - combinou, naquele tempo, dar-lhe cinquenta contos, à filha, e ele casar com ela. A cachopita começou a ficar por nossa casa a trabalhar. Dormir, dormia mais a minha irmã, a mãe do professor; mas trabalhar, trabalhava na nossa casa. A gente também servia a comida; e ela ia levar o leite e vinha e, claro, agarrava-se a trabalhar: ou ia à erva ou a cavar ou, pronto, a trabalhar. INQ1 Pois, pois. INF Passou-se. Quando foi nessa altura, combinaram dali por dois dias... Ela foi levar o leite e chegou a casa (...) com as lágrimas por a cara abaixo. Disse: "O que é o que tu tens"? "Não tenho nada". "Que tu não tens nada? Isto, tu vieste a chorar! Que é o que tu tiveste te fizeram ? Estás doente"? "Não". "Então o que foi"? "Olhe, o meu pai arrependeu-se e agora não sei como há-de ser". Disse eu: "O teu pai não presta"! Eu fui logo assim: "O teu pai não presta. Um homem tem uma palavra, tem uma palavra! Está dada, está dada! Uma pessoa antes de dizer, (...) pensa-se. Agora tu... Mas tu fazes é o que tu quiseres". A cachopita a chorar e ele disse: "Ai, sim?! Ai o teu pai está arrependido?! Também eu estou arrependido! Vai lá para longe . Se quiseres ir, vai; vai lá para donde anda o teu pai e eu"... Olhe, ela se estivesse numa casa e ele lá chegasse, ela... Ela e ele, suponhamos, ela estava dentro duma casa - porque temos mais que uma, duas, três casas -, e às vezes tinha que ir fazer qualquer coisa numa casa e ele sabia que ela que estava e ele não entrava lá. Há algum tempo - agora não -, mas há algum tempo - agora tenho água em casa -, mas naquele tempo, ele havia uns canecos que era para vir à fonte, uns canecos de madeira, e ele depois dizia dizer : "Eu quero beber". E ela ia-lhe buscar a água para beber e ele não pegava da mão dela. Não pegava da mão dela, não falava para ela, (...) não lhe erguia um molho... Hã? INQ2 O seu filho? INF Sim senhor! E depois... INQ1 Então, mas, coitada, ela não tinha culpa. O pai é que tinha. INF Pois ela não tinha culpa, mas ele, ele aborreceu-se de ele combinar e depois negar-se... INQ1 Pois, pois, pois. INQ1 Pois. INF Vai, ela andava por aí a chorar, volta e meia, ela a trabalhar... Para não a ver chorar, um dia, calhou a água nossa e ela foi por essa quinta regar e eu fui lá para riba (...) para outras presas. E ouvia aquela voz a gritar, a gritar, disse: "Ai! Raios te partam! Queres ver que ela achou-se doente. E agora como é que vai ser"? Vim tapar a água, tinha as presas como estas, tapei-as e botei lá a ter com ela. "Olha lá, que é o que tu tens? Andas aí a gritar, que é o que tens"? "Olhe , sabe o que eu tenho? O Arquimedes é cartas e cartas" - para uma vizinha que havia aqui nossa... " (...) E que todos os dias, todos os dias, vem cartas para ela; e ele não fala para mim... Ele... Olhe, vou, eu vou... Não sei o que há-de ser, que há-de-me... Vou-me botar a matar"! Disse eu: "Não faças isso! Tu és uma tola. Não faças isso"! "Mas (...) eu não o herdei". Digo assim: "Cala-te, que eu vou falar com ele a Viseu"! Fui um dia a... INQ1 Ah, foi quando ele estava na tropa? INF Estava na tropa. E eu fui, agarrei, olhe, sabe o que eu fiz? Botei a Viseu. Botei a Viseu e ele estava lá. Estava lá (...) no quartel - fui num sábado -, e ele não tinha instrução, estava no quartel. Eu fui, e fui à porta de armas e eu dei o nome dele, e ele foi... O gajo foi chamar e ele veio. "Que é"? "Sabes o que é? Olha lá, tu, que vida é a tua com a Beatriz? Então, ela anda por lá a gritar, então que é aquilo? Eu não quero aquela pouca-vergonha na nossa casa. Tu vê lá o que andas a fazer. Então, eu não te avisei, Arquimedes, que tu que podias arranjar uma mulher com mais dote? Se ela é pobre, (...) agora entende-te! Olha, sabes uma coisa"? E ele ainda : "Não a quero, não a quero"! "Não queres, pois não"? "Não". "Metade é teu e metade é dela. Eu mais a tua mãe vamos-lhe dar metade a ela. Metade é teu e metade é dela. É uma irmã que tu tens. Que eu avisei-te e tu não acreditaste no que o teu pai te disse. Então agora metade é dela e metade é teu! Faz como tu quiseres". Ele pôs-se a pensar assim, a cismar, a cismar, a cismar e eu disse: "Então olha lá, então não é vergonha - que (...) a Nossa Senhora de Fátima anda aí todos os anos; vêm aqui aos lugares; andam por os lugares, de casa em casa, de casa em casa -, "e se isso já lá passou duas vezes e não foi a nossa casa" - porque o padre dizia que eles que estavam amancebados, que estavam amigados, para não virem cá, que não a queria cá -, "e já passou e agora está a chegar outra vez e eu não tenho vergonha disso? Eu preciso disso para alguma coisa, rapaz"? Pôs-se muito carregado, muito carregado, diz ele: "Olhe, você vá-se embora, vá-se embora e vá por Arões e diga ao padre (...) que eu quando for da tropa, caso com ela". Eu (...) assim fiz. Disse: "Vê lá, olha que tu não me enganes! Não vás tu dizer e eu ir para lá a dizê-lo ao padre e depois tu não, não, não... Vê lá o que tu fazes"! "Ó homem, eu não sou o seu filho"? "És". "Então, esteja descansado". Vim por lá e disse ao padre, diz o padre: "Agora vai estar três dias em sua casa! Três dias"! (...) INQ2 Que é para compensar. INF É. "E se houver alguma... Se ele lhe alguém disser alguma coisa, (...) diga-lhe que foi à minha ordem. Deixe lá estar a Senhora de Fátima". Esteve cá. Os vizinhos chegaram aí com a Nossa Senhora (...) na procissão, e eu disse: "Bote para aqui! Botai para aqui"! Eles ficaram assim... "Já disse: botai para aqui, para minha casa. Fica aqui. Fica aqui e fica aqui três dias; e se vocês não quiserem, ide falar com o padre". Eles calaram-se. Pfff, refilaram , eu mandei! Eles foram a falar, a falar... Esteve lá três dias. Veio por o fim-de-semana, já a abraçou e já esteve mais ela, pronto! INQ1 Pronto! INQ2 Pronto! INF Olhe, hoje é o casal mais amigo que está por essa zona . Amigos! INQ1 Pois, pois, pois. INF São muito amigos, pronto! São amigos. (...) E se não era eu? Se eu não o levava ao rego , não é? Olhe que às vezes, diz que o casamento e o rio que é por onde o guiam. INQ1 Que é o quê? INF O casamento e o rio que é por onde o guiam. INQ1 Ah, pois. INF Sabe? O que é o casamento e o rio coiso... Se eu (...) não me punha ao lado dela, pois o que seria dela?! INQ1 Pois claro. INQ2 Claro. INF E ele, se for fosse preciso, arranjava um estupor que não prestava! INQ1 Claro. INF E aquela mulher é boa. INQ2 E ela é boa. INF Trabalhadeira, trabalhadeira que não tenho que dizer dela, senão bem... INQ1 É verdade. INF E trabalhadeira e amiga (...) dos sogros, e pronto! E vai-o sendo , até passar os dias da vida. INQ1 Que sorte! Pois, foi bom! INQ2 Sim senhor. INQ1 Olhe que bom! INF Bem, eu tenho que ir botar a água... INQ2 Agora, tem que ir. INQ1 Vai botar a água? INF (...) E as senhoras sabem que eu tenho que ir embora eu que ainda demoro ! INQ1 Vai botar a água? INF Vou. Vou abrir a água para ali para cima.
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INF É vida pobre - e as senhoras compreende compreendem bem - mas da terra é que vem tudo! INQ1 Pois. INQ2 Pois. INF É ou não é? INQ1 Claro. INQ2 Então, se não fosse trabalharem na terra, não sei como seria. INF Mas olhe que aí há... Vira-se tudo a estudar, a estudar e isto está mau. Olhe que o nosso governo vai dar o dinheiro fora aonde se podia fazer cá. INQ2 Claro. INQ1 Exactamente. INF Não acha? INQ1 Sim senhor. INQ2 Então, mas a quantidade de coisas que vêm lá de fora que se podiam fazer cá! INF De fora! Para quê? Mas para quê? Pois se há cá! E cá dava na mesma! INQ2 Então mas há cá coisas que eles... Eles mandam vir de fora coisas que se produzem cá e que eles, que os homens têm aí todos os anos! INF E melhor que lá! INQ2 Pois. INQ1 Claro. INF Olhe, suponhamos, o vinho, fruta, o leite... INQ2 Pois. INF Então cá é o melhor! INQ2 Claro! INF Cá é o melhor! INQ1 Claro! INF Mas ele o nosso governo não protege nada a agricultura. INQ2 Pois não. INQ1 Pois não. INF E a agricultura está em baixo. Olhe, o lavrador - lembre-se duma coisa -, o lavrador, para meu entender é isto: só está a fazer agora para consumo dele. INQ2 Pois, pois. INF (...) E ele têm tem que mandar vir de fora para manter o outro povo que não trabalha. INQ2 Claro. INF Que não trabalha na terra, não acha? E se ele protegesse a agricultura, na vez de vir de fora, gastava o de cá. INQ2 Pois claro. INQ1 Então, mas é evidente. Exactamente! Pois. INF Ah! Eu acho! Então a gente criava... Olhe lá, as farinhas - bem, que eu não compro; (...) compro pouco -, mas as farinhas se estivessem baratas, criava-se porcos, criava-se vacas, criava-se vitelas. INQ2 Claro. INF Ora, aquilo que vendem é aquela carne que vem de fora e não é como a de cá! Vem (...) congelada, vem lá de fora, vem... Quem sabe lá que carne é aquela! INQ2 Claro. INF Ele não sabe! Ele eu fui aí a (...) uma boda, aí abaixo, a (.../NPR) . E deram lá uma carne que ele achou-se tudo doente. INQ2 Ah! INQ1 Ah, veja lá! INF Sabe? Tudo o que lá foi achou-se doente. Achou-se mal porque a carne... Bem, eu até só tirei um bocadito, ele, por acaso, eu não me achei mal, mas houve pessoas... Eu quando vi aquela carne e fui a prová-la, disse: "Não, não. Eu não quero"! Comi lá um bacalhauzito, mas aquilo nem prestou! INQ2 Pois. INF E eu disse: "Ora, que é que vale uma pessoa vir para uma boda"?! Dá-lhe aí dez contos, ou sete ou oito contos... INQ2 Pois. INF Que cá , cá usam! Quando é assim uma boda, a gente hoje aos noivos, dá-lhe sete ou oito ou dez contos, ou quinze, ou lá o que calha. INQ2 Pois, pois. INF Ora bem, uma pessoa foi pagar um dinheirão e não comeu nada! INQ2 Pois. INF Pch, não presta para nada! Não presta para nada! E se a agricultura estivesse mais desenvolvida, os adubos... A gente vai comprar os adubos caros, ah, (...) o que a gente vende!... Então, uma vaca, a gente agora quer vender uma vaca, então e ele se ele não estiver registado, não a pode vender.
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INF Nós aqui, (...) ainda é um bem: a gente não paga lenha; a gente não paga luz - a luz, paga a electricidade, mas quer dizer -, não paga água, não paga... O que é que a gente gasta? (...) Algum arrozito, nalguma massa, o resto é tudo de casa. Tem a hortaliça, (...) tem o feijão, tem... O lavrador... INQ1 É nas cidades é o que é pior. É a miséria maior é nas cidades. INF É nas cidades. INQ2 Pois é. INQ1 Porque as pessoas não têm nada. INF Não tem têm nada. INQ1 Não têm nada, se não ganham, se não estão empregadas, pronto! INF Mas, olhe lá, ó senhora Gabriela, diga-me uma coisa: (...) - (...) vocês conhecem-me bem e esta senhora conhece-me - porque é que só vão atrás do dinheiro INQ1 É. INF e se você pode ter uma casa cheia de dinheiro mas não tendo comer você morre à fome?! INQ1 Claro. INQ2 Exactamente. INQ1 É isso. INF É ou não é? INQ1 É, é claro. INF E se você (...) tiver menos dinheiro ou pouco dinheiro mas tiver muito comer, não morre. INQ1 Claro. INQ2 Claro. É evidente. INF Não morre! Para mim, é este: eu fui um homem sempre desde menino pequeno sempre agarrado à agricultura. Sempre, de menino pequeno! E eu entendo... Aí eles fazem mangação da gente. Dizem: "Ai! Anda à terra, anda sujo, anda"... Deixá-lo, mas uma pessoa tem que comer! INQ1 Claro. INQ2 Pois claro. INF Não acham? INQ1 Eu acho que tem toda a razão. Eu acho que tem toda a razão. INQ2 É sim senhor. INF Eu acho que é assim, mas há gente que não, não pensa nisso. Há gente (...) que só quer o dinheirito. Conheço... INQ2 Também há muita gente nova que agora não quer. INF Não quer, não senhor. INQ2 E sabe que há mesmo muito agricultores que não querem que os filhos continuem na vida de agricultor. INF Então e depois (...) a miséria está aí. INQ2 Querem, querem que os filhos vão tirar cursos e não sei quê, acho que isso é um disparate. INF (...) Mas a miséria está aí. Olhe lá, como é que o governo há-de empregar tanta gente? INQ2 Pois. INF Diga-me. Aonde? Aonde? Eu digo-lhe aonde! E se protegesse mais agricultura, já se agarra mais à terra. INQ2 É. INF O meu netito diz ao acaso : "Ó avô! Ah, eu, se não puder estudar, tenho que me agarrar à terra; mas se puder estudar vou estudar e já não quero saber da terra". Ora, o que é que um homem... O que é que me valeu andar a matar?! INQ1 Pois. INF Sim. Veja lá, o pequenito que... INQ2 Mas ele também pode estudar e voltar outra vez para a terra. INF Pois pode. INQ2 Pode estudar qualquer coisa relacionada com a terra. Pode ser... INF Sim senhor. Pode, pode, pode. Pois pode. (...) E se eu for vivo para então, é o que eu vou fazer. Não queria que ele desprezasse a terra. INQ1 Pois. INF Porque quem tanto trabalhou, quem tanto se matou, quem tanto fez, e agora vê-la deixar aí assim, olhe, aí a tojo, a mato, custa um bocado. INQ1 Pois é. É triste. INQ2 Pois claro. INF Para mim custa-me. INQ2 Pois. INF Mas há gente que não pensa nisso. INQ2 Pois não. INF Sim, há gente que não quer saber disto, mas eu custa-me. Custa-me porque fui (...) agarrado a isto. INQ1 Pois. Eu também. INF Mas é uma coisa que dá pouco. A agricultura é uma coisa que está muito em baixo. Mas que havemos nós de fazer? Nem todos pode estudar, nem todos pode trabalhar na terra. Mas, meu amigo... Eu vejo - tenho que ver; saio, às vezes, aí para o Porto, ou outras vezes (...) para Coimbra, e às vezes quando vou à caça - campos e campos e campos tão bons, tudo, tudo desprezado. INQ1 Tudo desprezado. INF Aquela vinha tudo desprezado! Eu logo o que lembra-me assim: ó que esta gente não terá?... Que é que eles comem?
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INF Olhe que o Salazar - no tempo que eu estava em Lisboa -, o Salazar - eu trabalhava na CUF e depois ele pagou - pagou à companhia -, pagou um dia para a gente vir ao Terreiro do Paço a um comício, INQ1 Sim. INF um que ele lá fez . E sabe o que ele disse? (...) Cada fabrico levava uma bandeira. E eu calhou-me a levar a levar-lhe a bandeira do sulfato de cobre. E depois, ele veio à varanda e disse: "Povo, trabalhai que eu também trabalho". O Salazar! "E se vocês puder remediar (...) sem trabalhar, sem agricultura, fazeis bem. Mas se vocês logo se virem naufragados, agarrai-vos à terra". INQ2 Pois, pois. INF Aí está. Isto um dia, você lembre-se - que não é no meu tempo, porque eu, eu estou no fim da vida -, mas um dia as senhoras ainda hão-de ver que o povo ainda se há-de agarrar à terra ou há-de morrer de fome.
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INF Olhe, eu penso cá na minha ideia que esta coisa (...) da CEE que foi mau. Pode que (...) ... INQ1 Ah, pois. Para a agricultura foi. INF Pode que eu esteja enganado! Sim, pode que eu esteja enganado, não o sei, mas eu penso que (...) para a agricultura, isto é mau . INQ2 Foi muito mau. INQ1 Foi mau. INF Olhe lá, você sabe que esses (...) grandes lavradores de frutas e que lavravam aqueles grandes pomares, INQ1 Claro. INF agora a fruta não tem saída! INQ1 É isso, então. INF O vinho não tem saída! INQ1 É.
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INQ1 Agora já não, já não há casas cobertas com palha, pois não? INF Não. Ainda Ele (...) no Covo ainda... INQ1 Ainda há? INF Não. Já acabou. Ainda o ano passado lá havia uma, lá um palheiro lá donde digo . O telhado que tem agora é telha. INQ2 Então e aqui também era? Aqui neste?... INF Era. Tem outra casita. Olhe, acolá era a cozinha e aqui era (...) outra casita que era melhor, mais melhorzita (...) do que o coiso. E o outro morador já é o inquilino dacolá daquele lado. INQ2 Portanto, eram os tais moradores. Está aqui muitas... INF Era. Era dois. Era dois só. Dois. Eram dois moradores. INQ2 Isso já lá vai quantos anos, senhor, senhor Arquibaldo? INF Ah, isso já vai lá perto de duzentos anos. Duzentos anos, não, porque (...) o homem morreu já se recusava. Ora o homem já morreu quando foi (...) um ciclone muito grande... INQ1 Sim. INF Que ele nós fomos... Olhe que eu fui a mais (...) um primo meu buscar o caixão a Gatão, para o homem ir para a sepultura. E olhe que a gente vinha um atrás outro adiante, com o caixão ao ombro. E quando tal, caiu um pinheiro, que o vento jogava o pinheiro abaixo. INQ1 Sim. INF E a gente, depois, vinhamos aqui acima a chegar à Felgueira e depois então... Foi no tempo do minério! As senhoras recordam-se do minério? INQ1 Não. INQ2 De qual minério? Do volfrâmio? INF Do volfrâmio. Pois, pois. Recorda-se isso? Foi... INQ2 Não, mas já li coisas sobre isso. INQ1 Já. INF Pois. Foi nessa altura. INQ2 Pois. INQ2 Isso já lá vai quanto tempo? Já lá vai muito tempo. INQ1 Isso foi... INF Sei lá. Eu sei lá. INQ1 Eu não sei se isso não foi no... Não. INQ2 Princípio do... Princípio do século. INF Não, não. Não. INQ1 Não, não. Anos quarenta parece-me. Eu acho que isso foi, do minério, em 40. INF Para aí quarenta. Ou quarenta ou quarenta e tal; devia sê-lo em quarenta; ou em quarenta ou em quarenta e tal. INQ1 O ciclone. INF E depois iam muito homens, muitos que andavam no minério, por aí abaixo - a chover! - e eles eram para mim e para (...) mais um primo meu que vínhamos com o caixão - mas nem à mão o podíamos trazer, 'trazíamos-o' ao ombro, um atrás, outro adiante -, diz assim : "Ó homem, vocês (...) vão-se botar a matar por quem já morreu"? Porque aquilo era: volta e meia caía um pinheiro, da banda diante da gente, outros (...) , às vezes, da banda de trás, e a gente... Meu amigo, o homem tinha que ir para a cova... Lá viemos. Fomos só quatro pessoas (...) , quatro homens a levá-lo (...) , o homem, à cova. Ao ombro! INQ2 Pois, pois. INQ1 Rhum-rhum. INF Ao ombro! Olhe como eu sou a mais esta senhora e botamos um pau, e o caixão entre nós, e outro aí atrás e levamos assim acolá, ali abaixo à Lomba, à cova. Que ele dizia que ele nos... Dizia aquilo . Ele uma vez a ler, ali atrás com as vacas, eu era rapazote pequeno, e ele disse ao acaso - que diziam lá no livro - que havia de haver uma guerra - não! (...) -, que os homens que haviam de voar mais alto que os passaritos. O livro lá, ele não se constavam aviões - nunca ninguém fala em aviões. E o livro dizia que (...) os homens que haviam de voar mais alto que os passaritos. E quando nós visse (...) estas serras todas cortadas, de estradas e tudo do homem, que o mundo que era um paraíso - e já está! -, que ele que o mundo que durava pouco. INQ1 Ah! INF Que a terra que havia de ser pólvora, a água que havia de ser gás (...) e as pedras ser enxofre. INQ1 Hum! INF Olhe que eu, eu dava hoje mais de vinte contos por aquele livro, se eu o tivesse. Mas depois ele morreu e ficou aí (...) um sobrinho dele a estragar tudo ... Mas é um livro assim de coiro sempre e tal sem metal . Isso é que era um livro de dizer coisas! E diz que havia de haver uma guerra na Europa (...) e já houve. INQ1 Rhum-rhum. INF E diz que há-de haver uma guerra - mas essa ainda não veio! - que há-de ser vencida por os homens de sessenta anos no Campo de Ourique em Lisboa. INQ2 Hum! INF Olhe que o homem leu isso lá diante de mim e eu nunca mais me (...) passou de ideia. Eu já era um rapazote aí com os meus onze dos doze anos ou treze. E ele disse que havia de haver uma guerra em Portugal, que há-de ser vencida pelos homens de sessenta anos (...) no Campo de Ourique em Lisboa, que já não havia de haver era mocidade nenhuma. INQ1 Ai, meu Deus! INF Que os homens de sessenta anos que é que haviam de fazer uma guerra! E que as mulheres, nestas aldeias, quando vissem um homem - quer dizer, cá como os 'aciprestes', quer dizer, como os padres - e quando vissem um homem que haviam de dizer assim: "Louvado seja o Senhor, lá vem um homem"! INQ2 Meu Deus! INF Olhe que aquilo no livro! E ele eu, o homem leu aquilo diante de mim! INQ2 Pois, pois, pois, pois. INF Diante de mim e um tio meu, dois tios meus. E eu era miudito fiquei com aquilo na ideia, depois (...) bem andei até às voltas dos sobrinhos dele a ver se lhe caçava esse livro. De coiro, hoje, não o dava antes que me dessem cinquenta contos. INQ2 Pois, pois. INQ1 Pois. INF E eu naquela altura, eu dava o que bem fosse e os sacanas estragaram-no (...) . Mas aquele era um livro! Aquilo era um homem a saber ler e (...) a saber as coisas, sabe? INQ1 Pois, pois. INF E a gente, olhe, e que ainda é outra coisa que ele dizia: que para a fim do mundo que a gente que não havia de conhecer o Verão do Inverno senão pelas folhas. Nós estamos a chegar aí.
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INF Eu já tenho dito para o meu filho e para muita gente e, às vezes, rapazes: "Olhai rapazes, olhai que nós estamos na fim do mundo. (...) E diz que o mundo que há-de ser quase... Dizia o homem! E dizia o homem, que ele lia lá nesses livros que diziam que o mundo que há-de ser destruído pelo fogo. A gente não sabe. INQ1 As guerras é um bocado isso, não é? Onde há guerra há... INF Hã? Diz que há-de ser destruído pelo fogo e coisa . (...) E eu já me tem lembrado, senhora Gabriela, por o seguinte: pois será o mundo acabado pelo fogo, mas é os homens que o acabam. Lembra-me: os homens é que acabam com o mundo! INQ2 Pois. INQ1 Mas é mesmo. INQ2 Claro. INF (...) Eu penso. INQ2 Pois. INQ1 Eles fazem as guerras, fazem tudo, é natural. INF Pois. É ou não é? E olhe lá, (...) há uma... INQ2 São eles que as inventam! INF Inventam e essas coisas, (...) as balas... INQ2 Inventam aquelas bombas horríveis, como a bomba atómica e aquela coisa toda... INF É! Aquelas bombas. Olhe lá, e diz que (...) se cair uma bomba atómica em Lisboa que a gente aqui que também morre. INQ1 Claro. Tudo! INQ2 Claro. INF Então, está a ver? INQ1 Aqui e até em Espanha. INF Então, quer ouvir: está provável (...) que o mundo acabe. INQ2 Pois. Pode ser que o homem tome juízo. INF Porque ele não se compõe. Ele não se compõe. Em todas as nações há (...) estas poucas-vergonhas. Onde Ainda ele há INQ1 É. Andam sempre a embirrar uns com os outros. INF algum tempo nunca se constava disto! Lembra-me, já do meu tempo, a guerra de 14. INQ1 Pois. INF Em 14, foi aquela guerra grande INQ1 Sim. INF (...) na França. Um primo meu andou lá desde o princípio ao fim. Que era o... E depois contava o que se lá passou, coitado. Contava. E ele dizia. "Olhai que eu vi-me lá tão"... Era artilheiro; a arma dele é era artilharia. Diz ele: "Eu vi-me lá tão atrapalhado! Olhe que eu, eu e mais dois colegas meus (...) e um comandante, chegamos a meter dentro dum cemitério, e virem as granadas e arrancavam os caixões. INQ2 Oh! INQ1 Pois, com a força daquilo. INF Sabe? Ele dizia isso! Ele contava isso para nós; que andou lá e contava. E dizia: "Vocês, lembrai-vos: se houver uma guerra qualquer, estes ou o mundo ele destrói"... Suponhamos, há uma guerra em Portugal - ou que venha lá de fora de Portugal -, vêm a Lisboa, arrasam Lisboa, nós aqui também ficamos. INQ1 Pois. INF Mais nada! Não vale nada! INQ1 É, é! INF Não vale nada! E eu (...) convenço-me já do que o homem dizia por isso. E eu lembra-me assim: não foi, não é, não pode ser que (...) Deus Nosso Senhor não ia matar tanta gente. Aquilo, os homens é que (...) acabam com o mundo. INQ1 É, é. INQ2 Pois. INF Sabe?
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INF1 Vinha cá quando morreu a minha mãe... Olhe que a minha mãe morreu num dia - no dia três de Junho - e um tio meu no dia quatro. INQ1 Ah! INF1 Veio o padre para enterrar a minha mãe, estavam ambos os dois mortos em casa. Olhe que foi duro! INQ2 Pois, pois. INF1 Depois inventários, dois inventários, porque nós era tudo menor, (...) só ele é que era o mais velho, (...) é que era de maior idade, pronto. Aquilo, meu amigo! E ele tanto que viu ele aí sempre a pedirem dinheiro ao meu pai, pois disse: "Olha! Eh rapaz", - veio lá a nossa casa e disse para o meu pai - "eh rapaz, eu vejo-te gente sempre aí a pedir o dinheiro, se tu quiseres faz-me uma escritura de quanto tens (...) e eu pago a tua dívida". Ora poça! O meu pai começou a chorar. Homem, ó senhoras, olha que eu não tenho passado (...) das duras! Começou a chorar e disse: "Então e que há-de ser dos meus filhos? Então, eu vou fazer um... Temos uns lugaritos onde temos o gado". Diz ele: "E casas e (.../N) ". Queria uma escritura em tudo (...) quanto ele tinha. INQ1 Não queria mais nada. INF1 O meu pai começou a chorar e a dizer assim: "E os meus filhos"? Diz ele assim: "Eu não quero saber dos teus filhos. Empresto-te o dinheiro e"... Mas ele queria era as terras. INQ2 Pois. INF1 Eu já era um rapazinho com os meus dezasseis anos - mas era novito! Ele com dezasseis anos era novo, naquele tempo. Um homem com dezasseis anos... Eu tinha catorze anos e ainda ia para as festas descalço, homem. INQ2 Pois, pois. INF1 Sabe, a miséria... Ia para alá; lavava os pézitos, ia (...) para as festas descalço. A senhora sabe o que é uma festa? INQ2 Pois. INF1 Há muita gente e arraiais e tudo . (...) INQ2 Mas aqui antigamente andava muita gente descalça, não? INF1 Andava! (...) INQ2 Quase toda a gente andava descalça? INF1 (...) Quase toda a gente. Hoje não! Mas naquele tempo eram todos. A gente, umas botas?! (...) E o meu pai comprou-me umas botas e aquelas botas levaram-me a Lisboa. Com catorze anos comprou-me umas botas e aquelas botas levaram-me a Lisboa, sabe? INQ2 Pois, pois. INF1 E depois ele foi, comecei eu de volta do meu pai: "Ó pai, (...) eu tenho que ir para Lisboa! Eu tenho que ir para Lisboa"! Diz ele: "Ó filho! Para onde é que tu vais?! Eu já lá andei. E olha que um homem para lá, 'há-dem-lhe' dar uma bofetada e apanhar outra". Quer dizer, que fosses já um homem! "E tu és (...) tão fraquinho! Para onde é que tu vais"? Disse: "Já há-de ser o que for. E, olhe, eu, ou hei-de pagar as suas dívidas ou nunca mais cá torno". INQ2 Boa tarde. INQ1 Boa tarde. INF2 Boa tarde. INF1 E depois assim foi - sabe? -, assim foi. (...) E arranjei e paguei aquilo tudo, sabe?
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INF1 Olhe que uma vez... INF2 Ai! INF1 Uma vez, eu estava aqui... Que foi isso? Pois foi. INF2 (...) INF1 Eu estava aqui, INF2 De noite era! INF1 e ouvi uns berros: "Há (...) uma pessoa a berrar aqui em cima". Digo eu assim para o meu filho: "Eh rapaz, está ali umas pessoas a berrar, que será? O que é que eles terão"? INQ1 Mas era nevoeiro também? INF1 Mas mau tempo! Diz ele: "Ó seu tolo, seu tolo, anda observar"! Mas ouvia-se ouviam-se aqueles gritos de aflição! Diz o meu filho: "E que era? É o senhor que virou o carro"! INQ1 Ai, que horror! INQ2 Ah! INF1 Na estrada. Estava com o carro voltado! INQ2 Meu Deus! INF1 E eu ouvi, dei fé (...) da história... INQ1 Pois, pois. INF1 (...) Eu fui lá, disse: "Ó rapaz, anda mais eu". Diz: "Eu não vou". "Anda mais eu, homem! INF2 É verdade. (...) Aqueles gritos que aquela gente dá é de aflição. Vamos lá". INQ2 Pois. INQ1 Claro. INF1 E o moço foi. Fomos por ali fora, chegamos além , cada vez mais, (...) depois de a gente se aproximar, ia atrás do sítio donde gritavam. Chegamos lá, olha, o carro virado de baixo para cima e era um homem sozinho, e não o virava. Pois como é que ele virava?! INQ2 Não conseguia. INF1 Virou à valeta! INQ1 Claro. INF2 Ah! Pois não. INF1 Nós chegamos lá, disse: "Ó patrão, você o que é que tem"? "Ó patrão, pelo amor de Deus veja (...) como me acode, eu estou aqui, eu morro"! INQ2 Era sozinho? INF2 Sozinho! INF1 Disse: "Ó homem, você não morre nada! Você agora já não morre"! INQ2 Pois. INF1 "Você, nós vamos ver se conseguimos a virar-lhe o carro. Se lhe nós conseguir a virar o carro, muito bem; se lhe não conseguir a virar o carro, você vai para baixo para a povoação para onde a mim. Para a minha casa"! INQ1 Pois. INF1 O homenzito, coitado, lá... INF2 E ele donde era, Arquibaldo? INF1 Ele ele disse que era (...) de São João da Madeira, homem! INQ1 Rhum-rhum! INF2 Muito longe, muito longe! INF1 São João da Madeira! Depois eu andei lá mais o meu filho e ele e andámos e virámos o carro e depois ele botou-o a trabalhar e o homem já queria-nos pagar. "Ó homem, não paga nada! Você vá à sua vida e venha embora, se quiser"! "Não, não, não. Eu agora já vou na estrada, vou mais devagar e vou". "Está bem". Com o nevoeiro! INQ1 Pois. INQ2 Pois, pois. INF1 Ora, morria! INQ2 Pois claro. INQ1 Ah, claro, ali ao frio. INF2 Morria, morria. INF1 Morria, coitado! Então...
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INF1 Uma senhora de Agualva veio a caminhar - vinham a caminhar - da Felgueira para cima. E chegou ali diante - adiante daquelas nossas terras -, INQ1 Rhum-rhum. INF1 a mulher reganhou. Um senhor de Agualva trouxe-a às costas até aqui a minha casa. INF2 Ainda era perto. INF1 (...) Ele tem acontecido aqui cada uma em minha casa! Chegou aqui, a mulher: "Ah"! - com as pernas todas de rojo às costas do homem. Diz: "Ó Arquibaldo"! Disse: "Que é"? "Acode a esta mulher que ela morre". INF2 E quem era ele? INF1 Era a de riba de Agualva! E era o gordo, o peru que queria a tua cunhada, é que a trouxe às costas! INF2 Ah! Isso era . Ai! INF1 E eu fui e disse: "Ó homem, então eu vou meter (...) um morto em minha casa"? Disse: "Ó Arquibaldo, não há"... Digo: "Se ela morre, que há-de ser? Depois dizem que fui eu. Eu não quero isso"! INF2 Meu amigo, homem! Uma pessoa tão boa . INF1 Diz ele: "Não. Eu estou aqui até ver se ela morre ou ela escapa". "Ai então é outra coisa"! INQ1 Rhum-rhum! INF1 Eu disse: "Então é outra coisa! Então fica aqui, vamos ver se conseguimos a salvar a mulher". Trouxe aquilo... Depois é que foi que eu... Ainda então não era isto assim. (...) A lareira era acolá e era a casa antiga e era INF2 Pois era. INF1 uma doutro género . Trouxe-a ao pé do lume, a mulher queria-se atirar acima do lume. (...) Fez-se-lhe um café muito quente. A mulherzita bebeu bebeu-o , começou a gomitar, foi indo até que ficou melhor. INF2 Já não passou mal . INF1 Ficou melhor e digo eu assim para ele: "E tu também não vais. Tu ficas aqui". INQ2 Pois. INF1 "Ficas aqui em minha casa, dou-te dormida e à mulher e a ti, e vocês ficam aqui"! INQ1 Mas ele é conhecido dela? INF1 Ele era vizinho dela! É ali de Agualva! Eram vizinhos! E vinham da feira de Vale de Cambra. INQ1 Ah! INQ2 Ah! INF2 Cá há algum tempo era tudo a pé! INF1 A pé! A pé, para cima! Ora, a senhora faça uma ideia... INQ1 Claro! INF2 Pois era. Foi. INF1 A pé! E depois (...) começou como ontem a nevar e a saraivar e a chover, e a mulherzinha, coitada, (...) - ele roupinhas fracas! - veio por aí fora, chegou aqui acima arreganhou. INF2 Descalças. Descalças. Diz que há algum tempo era tudo descalço! INF1 Era tudo descalço e arreganhou! Depois lá veio para minha casa, depois lá, lá coiso , lá... Ainda o meu pai era vivo. Lá se aqueceu, a mulher fez-se-lhe uma cama, a mulher ficou numa cama e ele ficou noutra cama, noutro quarto, ali ficou. Ao outro dia a mulherzita já se levantou ... INF2 Já estava boa. INF1 Já estava boa e ele também. E lá foram outra vez ambos os dois para Agualva.
COV23
INF1 Outra vez, estava aqui em minha casa à tarde. Aqui. Já era esta casa, já era isto tudo. E não me chega aqui o Ascânio, do Benvindo, com aquele da Macieira arreganhado?! INF2 (...) Com o Ascênsio? INF1 Sim. INF2 Ah, sei, sei! Já me lembra. INF1 E ele, com os olhos esgazeados, e chega-me ali ao portão, diz ele: "Eh Arquibaldo"! - O que vinha com ele às costas - "Eh Arquibaldo"! Disse: "Que é"? "Ó rapaz, acode a este homem"! Digo eu assim: "Então tu vens trazer um homem"... Olhei para o homem, o homem com os olhos esgazeados, (...) nem pestanejava nem nada. "Então tu vens trazer um homem morto para minha casa?! Homem, tu és tolo. Leva-o"... "Ai Arquibaldo, que ele está arreganhadinho, ele morre, ele morre, ele morre"... E um genro atrás dele, que era aquele o de Arouca? INF2 Sei. INF1 Pois sabes, o que casou com a Berta. INF2 agora é o que está lá! INF1 É o que está lá! INF2 Na Macieira! Sei. INF1 E eu depois eu disse: "Ai, Jesus! Eu que me acontece cada uma"! Lá trouxe o homem para aqui mas eu sabia que ele gostava muito de aguardente. E eu fui-lhe buscar a aguardente e bebeu o copo. E ele assim que bebeu um copo: "Amigo , eu queria outro". Disse-lhe: "Ah, não! Não, tu apanhas outro, (...) ou quatro ou cinco"... INF2 Ah, ah! (...) Ele é bêbado! Ele era muito bêbado também! INF1 Era, pois. Mas foram para ir pôr uma filha para o Berardo, que era para o pé da Bertília, isso aí perderam-se aí nos salgueiros, (...) atrás do Sarroeiro . E perderam-se (...) . INF2 Pois, pois, pois, pois. Era tudo na serra. INF1 Pois. E o Ascânio, do Benvindo, deu com eles no Cuco Mau, (...) nos calhaus grandes. INF2 Pois foi. INF1 Ali depois já estavam ambos os dois a gritar. Quer dizer, um já não falava, e o outro a gritar. O genro a gritar e ele já não falava. INF2 Já não estava o Berardo. INF1 Estava, ele estava o Berardo; ele quem não estava era o Bernardim! Lá o Ascânio, do Benvindo, pegou-lhe às costas e trouxe-o para aqui, para minha casa. Lá o aqueci, lá arranjei, esteve cá desde a tarde até ao outro dia de manhã. E o meu filho (...) , à noite foi levar o outro à Macieira - que é aqui abaixo; esta sabe bem -, à Macieira. Eu disse (...) para o meu filho: "Não o deixes ir sozinho que ele morre! E depois nós é que estivemos encarregados. Vai a mais ele". O meu filho foi a mais ele, foi lá levá-lo e ficou em casa do padrinho. Que (...) o padrinho dele também é da Macieira. INF2 É. Pois. O Ascenso. INF1 O Ascenso. E eu fiquei aqui com o homem, (...) lá o aqueci, dei-lhe de comer, depois ele ficou melhor, dei-lhe de comer e ele queria era aguardente. E eu disse: "Bebe que eu tenho-a aí". INF2 Ai, pois, ele era muito bêbado, era! INF1 "Bebe! Bebe"! Mas aquilo fez-lhe bem! INQ1 Pois, pois. INQ2 Pois, claro. INQ1 Deu reacção. INF1 Fez-lhe bem, fez reacção e fez-lhe bem. O homem ficou. Ao outro dia de manhã eu fui levá-lo (...) ali ao caminho da Lomba. INF2 Sei. INF1 Fui levá-lo ao caminho da Lomba. Ia eu para baixo, ia o meu filho para cima, INQ2 Pois. INF1 de levar o outro. Viemos ambos os dois para cima, disse: "Olha, sabes onde estás"? "Sei que estou no caminho da Lomba". "Olha que tu não te percas agora"! INQ1 Pois. INF1 Que era pertinho. Ele podia ser aí (...) uns trezentos metros da minha. INF2 Era já pertinho! INF1 Disse: "Olha que tu não te percas"! "Não perco". Eu fui lá levá-lo. Ele tem-me acontecido aqui cada uma! Que ele eu gosto de socorrer (...) as pessoas, homem! INQ1 Pois. Claro. INQ2 Pois claro. INF1 Gosto de socorrer as pessoas que é pecado, homem! Eu não tenho pecado. Então e se morresse um homem ou morresse uma mulher ou morresse uma pessoa e eu... INF2 E a gente em lhe podendo valer... INQ1 Pois claro. INQ2 Pois claro. Pois. INF1 Podendo-lhe valer e não lhe acode?! INQ2 Pois. INF2 Claro. Claro. INF1 Eu acho para mim que aquilo que é um benefício grande! INQ2 Claro.
COV24
INF1 Olhe, eu uma vez fui (...) à coisa (...) . Então, ele comprava-se ovelhas. Íamos ele ali ao Castro de Aire - não sei se as senhoras sabe o que são ? INF2 Ao Castro, pois. INQ1 Sei. INQ2 Sei, sim senhora. INF1 (...) A Castro de Aire e eu fui mais o Asdrúbal a comprar... O animal compra-se-lo - conheces o Bernardino? INF2 Sei, sei. As senhoras não o conhecem mas a gente aqui conhece. INF1 Fomos lá comprar ovelhas. Eu Ele não tinha nenhumas e fui lá comprar umas ovelhas. Fui lá comprar umas ovelhas a mais ele e lá tudo correu bem. Viemos, saímos de lá, (...) viemos ficar a Reiriz. Chegamos lá a uma loja, nem tinha pão, nem... Só tinha figos! E nós mortos de fome! Diz o homem assim... Ele pediu o (.../N) para guardar o gado; trazíamos algumas cinquenta reses, e era ovelhas. Diz ele assim: "E agora"? O outro para mim: "E agora"? Diz ele: "Ó senhor, ai" - diz ele - "ele não há (...) uma corte" - aqui é um curral; noutro lado é umas cortes (...) - "para meter o gado"? Diz ele: "Há aqui". Mas a gente duvidou duns gajos que lá estavam. INQ2 Hã? INF1 Duvidou. INQ2 Ah! INF2 Duns que estavam. INF1 E Que eles era a conversar uns com os outros, e a conversar e a tudo... INF2 Que às vezes podiam roubar o gado de noite. INQ2 Pois, pois, pois. INF1 Até podiam nos roubar o gado. E era muito dinheiro que a gente trazia. INF2 É! INF1 E depois fomos lá ficar ao curral onde ficou o gado. Saímos de manhã cedo. Olhe, comemos (...) para aí às duas horas da tarde e só comemos ao outro dia para aí às dez horas do dia, ou onze horas. Viemos ficar à Macieira. Viemos ficar... INF2 Às Macieiras. INF1 À Macieira, à Macieira. Não é Macieiras. É a Macieira. INF2 Sim. INF1 Ali abaixo do São Macário. INF2 Sei. INF1 Ali (...) à povoação. Mas encontra-se gente boa. INQ2 Pois. INF1 Chegamos lá, eu já não podia caminhar. Eu já não podia caminhar com a fome! E depois, chegamos lá, à noite, já eram ele já umas dez horas da noite, chegamos lá... Eu vinha com uma febre, com uma dor de cabeça e febre, pronto! Vinha doente, pronto! Depois digo eu assim para ele:"Olha, ficamos em qualquer sítio; não se solta as ovelhas; (...) eu não caminho mais". Vai, fomos lá bater à porta duma pessoa, dum homem, e ele disse: "Olhe, é que eu estou casado há pouco; não tenho roupas para vos deitar. Olhe, a responsabilidade do gado eu tomo, que eu meto-o onde está o meu. Mas eu não tenho roupas para vos deitar". INF2 Nalgum tempo havia miséria! INF1 Diz ele assim: "Olhe" - (...) lá o meu companheiro -, "olhe, você fica com quinhentos escudos e empresta-nos quatro cobertores, quatro" - a gente é mantas, daquelas (...) de lã... INQ1 Sim. INF1 "Empresta-nos quatro mantas que o meu companheiro vem doente e está muito mal (...) e você veja lá se sabe "... Diz ele assim: "Olhe, eu não posso mas o meu irmão pode". O homem, o rapaz depositou quatro contos e trouxe quatro mantas. Depositou quatro... Como fossem eles duvidar de a gente fugir com a roupa. INQ2 Pois, pois. INQ1 Pois claro. INF2 Então?! INF1 Isto, ele há coisas (...) ... E eu sem... Ia eu sem e ia ele sem comer! Chega lá, oiçam, diz assim: "O senhor (...) não tinha aí nada para se comer"? Diz ele: "Não". "Então,olhe , faça-nos aí ferver um bocadito de água e pôr-lhe açúcar" - porque eu era para eu beber. INQ2 Pois, pois. INQ1 Pois. INF1 Lá passei aquela noite assim... Olhe que há quase dois dias sem comer. INQ1 Ai, meu Deus! INF1 Depois lá bebi aquilo, ao outro dia parece que estava melhor. Parece que estava melhor... Chegamos mais para diante, que era para a casa do Asmodeu, um dos senhores chamavam-lhe o chamado o Asmodeu, tinha duas raparigas mais lindas, mais lindas! Duas raparigas boas! Andavam a encher um carro de estrume, um carro (...) de esterco. Encheu o carro, (...) diz ele assim: "Ó patrão, você não nos arranjava aí qualquer coisa de comer"? "Ó homem, você vem já atrapalhado logo de manhã"?! "Olhe que nós só comemos ontem, às três horas da tarde, às duas horas da tarde". Diz ele: "Venham para dentro". Metemos o gado assim no meio bem como o meu , e ele disse (...) para as filhas: "Olha, uma vai buscar um peixe bacalhau e a outra vai buscar (...) uma broa de pão". Uma broa destas. Ó rapaz, (...) começamos ali - botou-nos em cima dum carro uma toalha, uma faca -, nós começamos a comer o bacalhau, comemos um peixe de bacalhau todo! INF2 E salgado, Arquibaldo! INF1 Salgado! INQ2 Ai! INF1 (...) Então a fome! INF2 A fome é negra! INQ2 Claro! INF1 Comemos o peixe bacalhau, bebemos para aí uns três litros de vinho. Eu mais (...) o outro. Comemos, dizia já ele assim: "Ó homem, quanto" - perguntámos quanto era -, "bem, e quanto"?... "Os senhores não pagam nada. Os senhores vão-se embora que os senhores, na paz de Deus, de vocês (...) não cobro nada". As raparigas (...) assentaram-se ao pé de nós, (...) o pai também, a mãe também, ali comer, comer... Quer dizer, nós enchemos... Nós comemos bem! INQ1 Ah, ah, a barriga. INF1 E no fim deram-nos um garrafa de vinho para trazer para o caminho! INQ2 Olhe, vê?! INF1 E não nos quiseram um tostão! INF2 Há gente boa! INQ1 Ainda há gente boa! INQ2 Pois é. INF2 Pois há. INF1 E os outros lambões, veja lá, depois nós entregamos-lhe as mantas e arrecebemos o dinheiro. INQ2 E pagou? INF1 Viemos embora. E a nós não nos deram nada, até a água fervida (...) eu tive que a pagar. INQ1 Ai, meu Deus! INQ2 Pois é. INF1 Só a água fervida. INF2 Ai que gente há! INF1 Vocês, vocês vejam: (...) é pena, homem! INQ1 Que coisa! INF1 Sabe Deus a vida de cada um, de quem anda por fora de suas casas... INQ1 Pois, pois é. INQ2 Pois, também é verdade! INF2 Quem anda por fora de suas casas... INF1 Oh, olhai, quem anda por fora de suas casas, apanha o bom e apanha o mau. INQ2 É isso.
COV25
INF1 Não te lembra aquele Choio do nosso mato? Não te lembra? Foi quando tiveste a Benilde, pois. INF2 Então não me lembro! Foi quando eu tive a minha Benilde! Foi. E ó Arquibaldo, há quarenta e um ano. INF1 Devia ser, devia. Devia ser. Era uma camada de neve! INF2 Eu tinha a minha pequena há quinze dias, a minha mais velhita, que está em Albergaria. INQ1 Sim, nós conhecemos. INF1 Essa, olhe, a nora (...) daquele senhor que distribuiu as achigãs . INQ1 Ah, sim. INF2 Que tem os olhos verdes! INF1 É. INQ1 Sim. INF2 É minha filha. Era a mais velha. INF1 E depois o homem veio, chegou aqui - eu andava com as vacas -, chegou aqui e disse para a minha mulher... INF2 Foi quando ele apareceu é que aconteceu isso. INF1 A minha mulher andava a repartir o gado, as vacas - chama a gente repartir: é abrir ou fazer um roço, para (...) uma paveia para cada vaca. INF2 Para elas comerem. A ceia e o almoço. INQ1 Ah! INF1 (...) E ele chegou aqui, e diz ele assim para ela: "Ó Blandina"! Diz ela: "Que é"? " (...) O Arquibaldo"? Diz ela: "Já anda com as vacas". Que era por mim. "Para quê? Você que é que lhe quer"? "Olha, queria que ele fosse mais eu a Gestoso". Diz: "Ó homem, espere um bocadinho"... Era uma camada de neve, que era!... INF2 Era, era. Um mês! Que aquela camada de neve esteve aqui um mês! INF1 Diz ele assim... Diz ela assim: "Olhe, você espere um bocadinho que o meu homem vem e bota as vacas ao curral e vai lá mais você". Ele foi... "Venha para dentro, venha-se aquecer, venha-se aquecer". Que ele era um o conhecido, era aqui (...) de Paço de Mato. "Venha-se aquecer". Diz ela assim... Diz ele: "Não. Olhe, me aquecer ainda é pior. Olhe, eu até vou indo e depois venho cá ficar". Diz ela assim: "Olhe que você vai-se perder na neve! Deixe-o vir, que ele vai mais você, que ele (...) conhece isto muito bem e você não"... "Não. Não me perco, eu não me perco". Não perde?! (...) Ainda botou a Gestoso. Chegou lá, foi falar com o falecido do outeiro lá por causa de buscar dinheiro (...) ... INF2 Foi buscar dinheiro. O dinheirito até ainda estava (...) no bolso, depois debaixo da neve. INF1 Depois o homem veio para cá, perdeu-se... INF2 Foi verdade. INF1 Ficou debaixo da neve. Esteve lá quinze dias debaixo da neve! INF2 Já deixou uma chanca tão longe! INF1 (...) Sem ninguém dar com ele. INQ1 Pois. INF1 Cobertinho de neve, ali esteve quinze dias! INF2 Pois. INF1 Ao outro dia, ao outro dia começou a vir por aqui gente, era gente de... INF2 Procurá-lo. INF1 A freguesia de Cepelos, veio todos, e os filhos e a família toda à procura dele, à procura dele, à procura dele, onde é que foram dar com ele? INF2 Os filhos. Os filhos. Eu também disse àquela minha que está na Albergaria. (...) Também foram chamar o meu ao meu filho, para ir com eles. INF1 Aonde é que foram dar com ele? Quase ao pé de Albergaria. INF2 Eh, Arquibaldo! Depois deram com ele quando a neve já derreteu! INF1 Derreteu, pois foi! Quando a neve derreteu é que deram com ele. INF2 O homem estava coberto! Ele estava coberto! INF1 Lá estava, coitadinho, debaixo da neve! A andar ... INF2 Até lá têm uma cruz! INF1 Têm lá uma cruz. INF2 E ele foi enterrado ali na Albergaria, pois vocês já lá estiveram. INF1 Pois. Pois. Foi lá. INQ1 Sim, sim, sim. Ele tem lá uma cruz no sítio onde morreu, é? INF1 Tem, tem. INF2 É, o sítio onde morreu tem lá uma cruz. INQ2 Coitado! INF1 Ao caminho de ferro . INF2 E ele morreu ali, mas ficou ali no cemitério, ali. INF1 E quer ouvir: (...) ora aquele homem... INF2 Na hora que chegou ali, ficou ali. Chamam ali o Choio . INF1 Quer ouvir? Se aquele homem ia a mais eu, não morria. INQ2 Pois claro. INF2 Ah, pois não. INF1 Não morria! INQ2 Pois. Sabia bem o caminho! INF1 Como eu conheço bem o caminho. Oi, Jesus! Conhecia bem o caminho e o homem não morria! Habilitou-se...
COV26
INF1 E outra vez, o meu pai... Ele, por vezes, estava sempre a contar que uma vez vinha (...) de Vale de Cambra e chegou ali (...) às Penhas da Felgueira um que chamavam-lhe o Assis. INF2 Sei. INF1 Olha, o pai do pai (...) daquele Assírio das cortes. INF2 Sim, sim, sim. INF1 Chamavam-lhe o Assis. INF2 Pois chamavam. INF1 E o meu pai vinha de noite, já tarde de noite, com uma camada de neve, e vinha de lá para cima, e chegou lá e esse homenzito andava a pedir, a mendigar, a pedir uma esmola aqui, outra esmola acolá. Andava a mendigar. Ele chegou lá e ia ele no carreirito e o homem estava a morrer. O meu pai botou-lhe a mão para cima: "Eh, patrão! Eh, patrão! Eh, patrão"! Conheceu-o. E ele foi e (...) já não falava. (...) Só mexia com uma perna. O meu pai volta para trás e foi à Felgueira chamar... E conheceu logo (...) quem ele era e foi ter (...) à casa do filho e disse: "Eh rapaz, olha que o teu pai está ali arriba a morrer". Ele começou a chamar, vieram uns à Felgueira para cima, chegaram lá, mais o meu pai, ainda mexeu com a perna na mesma. O homem morreu com o frio, de noite!
COV27
INF1 Outra vez, fui ao conselho de família do meu primo de Cabrum - (...) do Benigno. INF2 Sim. INF Foi quando morreu o Bernardo. INF2 (...) INF1 (...) E depois cheguei a Santa Cruz, olhe que de Santa Cruz para riba, já não rompia carro nenhum. INF3 Com neve! Olha a neve (...) onde ela chegou! INQ1 Santa Cruz?... INF1 Santa Cruz. Ali para cima donde vocês ficaram (...) . INQ2 Sim. INQ1 Sim, sim. Eu sei. Eu sei onde é que é Santa Cruz. INF1 Pois. Ali era uma camada de neve por aí fora, ai Jesus! Nós vínhamos cinco - que o conselho de família são cinco, vínhamos cinco -, viemos a pé. Até Santa Cruz viemos de carro, de Santa Cruz para cima viemos a pé. E eu queria vir embora, eles não me deixaram: "Não. Vais para Cabrum, vais ficar a mais nós", que eles era tudo de Cabrum, só eu é que era ainda lá de cima. Lá fui, lá vim para Cabrum, cheguei, ele lá dormi, e ao outro dia quando era de dia - dia já, sol alto, para aí às oito horas -, saí de Cabrum - olhe que a neve dava-me pelo peito! Sabe? Olhe que a neve... Vinha assim com umas botas como estas e a neve metia aqui por baixo (...) da coisa, chegava-me até por cima do joelho. A neve por baixo das botas! E nevoeiro junto! INF3 Nalgum tempo eram colmadas, agora já não! INQ1 Agora já não...? INF3 Agora já não. INF1 Nevoeiro junto! Não. Agora... INF3 Até este Inverno nevou ele não 'veu' ele nenhum. INF1 Não. Nevoeiro junto - está a ouvir?-, ia o nevoeiro junto e eu por ali fora... E eu caminhava assim um bocadito... INQ1 Acho que queres vir para aqui. INF4 Não. INF1 (...) E virava-me para trás a ver se vinha com os rastos direitos (...) ou torcia para aqui - está ouvir ? INQ1 Pois. INF1 Quando dei fé, já estava a descer para a Castanheira, naqueles cortes . Quando dei fé, parece que comecei a descer. INF3 Além é só areia. INQ1 Pois, pois. INF3 Areia, areia. INF1 Parecia começar a ir a descer e eu disse: "Alto! Isto aqui nevoeiro, tapadinho". Disse: "Alto"! Pus-me a pensar, eu assim: "Não, (isto) /isso\ já vou a descer para a Castanheira". Tornei a recuar para trás, vim apanhar aquelas paredias (...) aonde vocês passam com o carro, aquela parede, INQ1 Rhã-rhã! INF e dali disse: "Não. Já graças a Deus, (...) já sei onde estou"! Virei-me para aqui e vim-me embora. À alta hora do dia! Um homem que está batido nestas serras! INQ1 Pois. INF1 E eu perdi-me! E era de dia! Se fosse de noite?! Ficava lá. INQ1 Pois, pois.
COV28
INF1 E eu lembra-me (...) a estrada só vir até Vale de Cambra. INQ1 Pois. Acredito. INF1 E de Vale de Cambra para cima não havia estrada. Era tudo caminho, tudo caminho. E quando abriram a estrada (...) de Vale de Cambra a Santa Cruz, eu fui comprar umas botas a mais o meu pai. Fui lá comprar umas botas e o padre Assur de Tondela - ele não é do teu tempo? INF2 Não, não. INF1 O de Tondela chegou ali... Chegou e disse para o meu pai - falava assim -: "Ó Astrigildo, vamos embora"? E o meu pai: "Vamos. O senhor abade"... O meu pai: "O senhor abade, então não pode ir de carro até Santa Cruz"? "Não, Astrigildo, não vou. O melhor caminho ia pagar e o mais mau caminho então ia a pé?! Então, olha, o dinheiro que... Vou por aí fora. Vamos (...) mais tu na conversa e vamos embora". E veio mais nós até Santa - até Santa Cruz, até Paçô! Tu sabes bem que ele em Paçô eles viram para aquele lado e a gente encaminhava logo para este lado. INF2 Sei. É! INF1 Chegamos a Paçô e ele foi lá para o outro lado e nós viemos para cá.
COV29
INF1 Ah, hoje é tudo em serração, mas naquele tempo era tudo à mão. INQ1 Pois. INQ2 Pois, pois. INF1 E eu mais o meu pai - eu era pequenino, mais ou menos como este, mas nunca mais me esqueceu -, e o meu pai foi a pôr um moinho de água que nós temos lá em baixo. Ele foi levar o milho, um saco de milho, e eu também levei um bocadito - o que eu podia! -, e fomos lá, e depois o meu pai era muito amigo com eles e veio até lá. E ele foi, (...) ele o Atalarico começou para o meu pai: "Ó Astrigildo" - onde estava o velho do Atamante, aquele, o tal que eu vos já falei que tinha uns livros muito bons... INQ1 Sim. INF2 Tinha, tinha. INF1 Também lá estava esse homem. E o sogro desta. O sogro? Pois, era o sogro! INF2 Pois era, pois era. INF1 O teu sogro. E estavam lá todos a conversar, eram todos amigos e ele andavam lá a serrar - a serrar madeira para esteios para a vinha! E depois diz ele assim: "Ó Astrigildo" - para o meu pai -, "Ó Astrigildo! Vocês porque é que não prantam videiras aqui"? "Ai, aqui não dá", dizia o sogro desta - porque este, o sogro desta, tinha muitas quintas. INF2 Tinha lá fora. INF1 Tinha lá fora. Tinha em Santa Cruz uma grande quinta. Tinha no Toutuço ali em Arouca também uma grande quinta. INF2 Em Arouca. INF1 Tinha em Souto Redondo. INF2 Tinha em Souto Redondo. INF1 Tinha, naquele tempo ainda tinha, em Padruça . Tinha (...) o coisa, o... Como se chamam? Os castanheiros acolá (...) no Espinheiro. INF2 No Espinheiro. INF1 Tinha (...) acolá em... Como se chamava essa senhora lá (...) ? (...) Mas lavrava lá um quartel de milho. (...) Era... INF2 A Torre de Viana ? INF1 Não, mulher. (...) Em cima. INF3 Está o senhor Berto ? INF4 Não está . INF1 Provezende! INF2 Ah, em Provezende. INF1 Em Provezende vocês lavravam lá um quartel de milho. INF2 Sim, sim. INF1 E depois: "Oh, aqui não dá! Ó senhor Atalarico, aqui não dá". Dizia ele : "Ah, burros! Ah, burros! Olha que aqui dava vinho bom. Vocês é que não prantam. Vocês 'sendes' uns burros"! O meu pai e os outros começavam ele a botar tudo abaixo aos homens. Mas agora eu gostava que esses homens ainda fossem fosse vivos. INQ2 Pois. INQ1 Pois. INF1 Para ver o vinho e agora... Porque não , ele não se acreditavam! INF2 Ah, pois não! INF1 (...) O homem da Branca, o teu cunhado, o Atanásio, não andava a pôr videiras? INF2 Sim. INF1 Tu não sabes como é? INF2 E ele fazia mangação. INF1 E ele era para mim: "Eh, Arquibaldo, tu ainda um dia 'há-des' lavrar pipas de vinho". E eu disse: "Não". E ele foi-se embora: "Ah, ah, ah"! A fazer mangação. Ele agora havia de ser vivo que eu dizia-lhe se eu tinha pipas ou não tinha pipas. INQ1 Pois. INQ2 Pois. INF É. Tudo vai do trabalhar e do zelar. INF2 E então e ele amadurece aqui que é uma beleza! INF1 Oh Jesus! INQ1 Pois, pois. INF2 Aquilo são como açúcar! INF1 Ah! INF2 Como quem come açúcar! INQ1 Pois é. INF1 Mas ele , meu amigo... INF2 Doces! E então é um vinhinho que não tem remédio, não tem nada. INQ1 Pois, pois. INF1 Nada! É só próprio da videira! INF2 Se quiser, quem for doente pode-o beber! (...) Ele é só da videira! INF1 Pode, pode, pode. É próprio de... INF3 É só da videira. INQ1 Mas, realmente, pois, os antigos também não sabiam essas coisas, sabiam outras. INF2 Ele Era sim, pois era. INQ1 Pois. INF2 Pois também não.
COV30
INF1 Um dia, a minha mulher ia mais (...) as outras, mais essa e mais outras. Iam ali para a Lomba - que é (...) donde veio a minha nora -, e ouviam o velho do Quelho ... INF2 Ah, sei, sei. INF1 O velho do Quelho , isso era de má raça! INF2 Sim, eu lembra-me. INF1 Ele começou: "'Foreus' , que esta gente da Lomba não tem vergonha, dar-lhe uvas a esta gente! Comam moras"! Porque aqui é o sítio (...) das amoras, que é das silvas. INF2 Das amoras, (...) que têm as silvas. INF1 Das silvas, dão as amoras. INF2 (...) Vocês nunca viram as amoras nas silvas? INQ1 Já, já, já. INF1 Já? INF2 Já? Ui, aqui é que é lindo! INF1 Aqui é que é... INQ1 É? Há muitas? INF1 Ui! INF2 E a canalha arranja malgas delas! E depois (...) massacram numa malga e botam-lhe pão, toca a comer! INF1 A canalha come aquilo. INF2 Come. INF1 E depois, começou a fazer , a minha mulher chegou à noite, diz assim: "Ó Arquibaldo, olha que eu nunca mais vou às uvas à Lomba". "Então porquê"? "Olha, foi assim, assim, ele o velho do Quelho ". (...) Até estava cá um filho a servir aqui em minha casa. Um filho, nos princípios da minha vida não tinha... Pronto! Trazia-o... Que eu precisava de um criadito para me guardar o gado; o meu filho era pequenito! E eu disse: "Não tornas lá mais! Não tornas lá mais"! "Não torno, Arquibaldo, não torno mais, que ele eu é que tive vergonha e ele a fazer mangação de nós"! "Está bem"! Hoje, queria que ele fosse vivo e dizer-lhe assim: "Olha, tenho o dobro, três dobros do vinho a mais que a ti"! INQ1 Pois. INF2 Ah, pois. INF1 Comecei a pôr, comecei a pôr, comecei a zelar, comecei a pôr... INF2 Ele quando se via além, ele a zelar . Zelar! INF1 Zelar e ter... Seja o que for! INF2 Seja o que for! INQ1 É preciso é... INF1 (...) As senhoras compreendam uma coisa: se as senhoras agarrarem um vício (...) de ter uma coisa qualquer, é que têm mesmo! INQ1 ... INF2 É, é, é. INQ2 Deve ser, deve. INF1 Foi como eu: olhe, de princípio comecei, pedia a Deus, queria deixar de comprar milho. Não comprar, ter milho que chegasse (...) para a minha gente! Deus deu-mo. Pedia... Comprava centeio, pedia a Deus que Deus me desse centeio para não andar a comprar. Deus deu-mo. Pedia a Deus que Deus me desse vinho para não andar (...) a comprar vinho. Deus deu-mo, homem! Eu estou de bem com Deus!
COV31
INQ1 E o pastor usava alguma roupa especial para se abrigar? INF Não, não, não, não. Ah, levava sim, se estivesse a chover. INQ1 Rhum-rhum. INF Olhe, em tempo, era uma palhoça. INQ2 De palha? INF Palha. Em tempo... INQ2 Chamava-se como? INF Uma palhoça. (...) E agora levam a roupa de oleado. INQ1 Pois. INQ2 Pois é. Antigamente era aquelas de palha, grande, não era? INF Olhe que eu cheguei a romper três num ano! Num Inverno, três! E uma vez, eu mais um velhote - que (...) era padrinho do homem desta senhora que esteve aqui, INQ1 Sim. INF que era o tio Benigno - e depois já tínhamos rompido duas, já andávamos com as outras - umas pequeninas, só aqui assim por cima das costas, pequeninas, só aquela coisita por cima, o outro já tinha acabado tudo. E ali em baixo, onde eu andei com as vacas hoje, mais para cá um bocadito - nunca me isto esquece; quando me chego lá lembra-me -, éramos quatro que lá andávamos: três e ele eu quatro. E ele isto no fim do mês que vem, em Abril, isto era Inverno - o Inverno dura estes meses atrás e agora -, e depois diz ele assim: "Eh, rapazes" - começava - "Eh, rapazes! Acabou o Inverno"! "Estou a cortar aqui assim e isto está mal . Ah, o tempo frio acabou"! Agarrou-se a nós e partiu-nos as palhoças todas. INQ2 Ah! INF Partiu... Primeiro foi a dele. Agarrou-se à dele, pimba! Agarrou-se a nós, um a um ele fugia para aqui mas ele ia atrás de nós, agarrava-nos, partiu-nos as palhoças todas . À noite, eu chego aqui, diz o meu pai assim: "Eh, rapaz! Que fizeste à palhoça"? "Olhe, sabe o que eu fiz à palhoça? Olhe, o tio Benigno" - que ele chamava-se Benigno - "Olhe, o tio Benigno agarrou-se a nós e partiu a palhoça toda". E ele vinha todas as noites para aqui para nossa casa, esse velhote - mas naquele tempo era um homem novo! Diz-lhe ele assim: "Ó rapaz! O que é que fizeste à palhoça do meu moço"? "Olhe, o que (...) fiz? Acabou o Inverno, partimos as palhoças. Não foi só a dele; foi a dele e a minha e a dos outros! Partimos tudo, que eu não quero mais ver o choco ". INQ2 E acabou mesmo o Inverno ou não? INF Acabou mesmo o Inverno. INQ2 Vê?
COV32
INF Olhe, aqui em cima, aonde está uma cruz, foi um cunhado desta senhora que está aqui, que é o Ático... (...) Ele fez-se uma...Ele Ele lá formou-se uma trovoada muito grande! Eu até andava com as vacas a mais um tio meu aqui nesta costeira aqui. E depois (...) armou-se aquela trovoada. E o rapaz andava lá longe, perto da Albergaria com o gado e uma irmã minha que está na Macieira e uma velhota que morreu - que até era coxa duma perna - ali (...) de Lugar e um rapaz que morreu (...) que era Atilano - também era mais pequenito, mais ou menos como é este -, e ele o rapaz era maior - já tinha os dezassete anos -, e abalou adiante: "Txó, txó, txó, txó"! Quando "txó, txó, txó", o gado encarreirava todo atrás daquela pessoa. Tal e qual, tal e qual atrás daquela pessoa, que aquilo é... (...) Caminhava! Tal e qual . INQ1 Rhum-rhum. INF E depois o rapaz vinha, veio aquela faísca matou setenta cabeças de gado donde ele estava! E ele morreu na frente do gado - tão longe como está aqui a Gabriela de mim -, ele caiu assim com o pauzito na mão, o chapéu caiu e o gado começou a morrer todo em carreira até lá cima. O que estava dum alto para cá, não escapou uma. O que estava do alto para trás e eles que vinham de trás, esses não morreram. Ele escaparam. Mas tudo o que estava do alto... Eu queria que as senhoras vissem. É logo aqui em cima. INQ1 Ah! INF Morreu tudo! Lá está! Olhe que foi em 1919! 19 ou 29, não estou bem certo, INQ1 Rhum-rhum. INF que o rapaz morreu. Sabe? E aquilo morreu tudo. Setenta cabeças de gado! INQ1 Que horror! INF Porque depois até... Eu, eu era pequeno, como este, e depois fui dos primeiros que lá cheguei. Porque aquilo vinha só... Depois começou a vir só uma cabeça de gado, outra, outra, outra, começou tudo a gritar. Porque os dueiros não apareciam!... Ele voltámos lá todos a ver, eu a mais (...) esse senhor Benigno que era daqui, metemos lá a Maçoiros . Fomos os primeiros a chegar lá. Chegamos lá, o rapazinho estava assim caído com o pau na mão direita, o chapéuzito assim, e ele (...) a deitar sangue pela boca, pelos ouvidos, pelo nariz, a deitar sangue, e ele assim caídinho e o gado todo estendido atrás: era um para aqui, outro para acolá, todo caído. Isso foi horrível! Isso foi uma coisa ! INQ2 Que horror! INF Isso foi horrível (...) aquela coisa! INQ1 Mas foi uma faísca? INF Foi uma faísca. E o rapaz, depois não se podia (...) ... Quando foi que ele morreu, depois quando se ele mortalhou, ia-se a pentear e ele largava (...) bocados de pele e de cabeça. INQ1 Ah! INF Depois nem o penteavam. INQ1 Porque aquilo que-, queimou-o todo? INF Queimou-o todo! E depois a botar aqui na pelezinha dos ombros, aqui assim... Porque aquilo depois a faísca caiu e meteu-se quase ao pé dele. Olhe que (...) o pauzito que ele lá tinha meteu-se debaixo duma pedra e o chapéu, (...) esteve lá mais de trinta anos! Sem apodrecer nem nada! Faz de conta que se meteu naquela altura lá debaixo da pedra. INQ2 Lá debaixo.
COV33
INQ1 Olhe, e uma vaca que nunca pega? INF1 Que nunca pega é maninha. INQ1 Dão-lhe algum nome? INF1 É maninha. INQ1 Rhum-rhum. INF1 Rhum-rhum. É maninha. INQ1 E a que um ano não pegou? Os outros pega mas há um ano que não pega? INF1 Bem, há um ano que, às vezes, há vacas que ele não... Às vezes, têm um ano sem andar ao touro. INQ1 Rhum-rhum. INF1 Mas lá vem que ele às vezes pega; outras vezes anda mais desencarreirada mas pega. Olhe, eu costumo, aqui no meu curral, quando vem (...) uma vaca e anda mais que uma vez ou duas, pôr-lhe um bocado de aguardente na boca. INQ1 Ah! INF1 Sabe? (...) Quem me deu essa coisa foi (...) o doutor 'maternário' da Pecuária de Aveiro. Por causa que os meus bois eram da Pecuária; agora já (...) ... Eram da Pecuária, eram meus! Foi sempre (...) do meu dinheiro. Mas (...) o doutor da Pecuária, (...) eu queixava-me, às vezes, os lavradores, coitados, (...) que andavam três, quatro, cinco vezes ou seis vezes a vaca ao touro. E depois eu dizia... Queixei-me um dia ao doutor: "Ó senhor doutor! Aquilo não está bem. Os homens queixam-se (...) que as vacas que não pegam e como é que vai ser"? Diz ele assim: "Tu que é que lhe fazes"? "Ó senhor doutor, não faço nada. Ponho-lhe o boi e pronto"! "Põe-lhe um, aí, aí, já não digo... Mais não, mas põe-lhe metade de meio litro de aguardente! Ou mais! Quando o boi for para cobrir a vaca, tu põe-lhe a aguardente. E depois põe-lhe o boi. E depois não lhe dês mais boi. Leva a vaca embora que vais ver". Tenho feito assim e quase sempre tem pegado. INQ2 E dá resultado? INF2 Sim. Dá resultado. INF1 Dá resultado.
COV34
INQ1 Olhe, elas comem e depois ficam com aquela comida a andar às voltas, para trás?... INF É a remoer. É a remoer. INQ1 Rhum-rhum. Olhe e elas comem muito e depois ficam com aquela grande?... INF (...) Barriga. Barriga e depois começam a remoer. Quando a gente vê uma vaca com a barriga muito cheia e não remoer, a gente já não está satisfeito. INQ1 Ah não? INF Não, porque aquilo pode dar uma congestão. INQ1 Ah! INF Sabe? Pode dar uma congestão. E quando a gente vê que ela que não remói, ou que ela começa: "aha-aha", a arquejar, ou tem que a picar na boca... INQ2 Picar? Com quê? INF Picar. Com uma agulha. INQ2 Ah! INF Bota-se a língua do animal fora e dobra-se assim, encontra-se (...) umas veias negras por a língua fora. (...) Chama-se aquilo: "mordida duma rela". Há bichos que mordem (...) e a rela morde-as... INQ2 Nas patas? Ou na boca? INF Morde. Eles andam (...) a rapar e apanham aquele bicho... Aquele bicho é um bicho que a gente escope - um bichinho pequeno, assim -, você escope e ela larga logo (...) um sangue.
COV35
INF1 Porquê? Ó senhora Gabriela, ele desculpe de lhe eu dizer. INQ1 Não, não. Diga, diga. INF1 Mas não faz bem a ninguém. INQ1 Pois não. É péssimo. Só faz mal. INF1 Não faz bem. Olhe que a morte do meu irmão foi o tabaco. INQ2 Rhum-rhum. INF1 Olhe que o meu irmão fumava, naquele tempo, sete onças de tabaco por semana. INQ1 Hi! INF1 Sete livros de papel! Até fumava de noite! INQ1 Pois. INF1 Fumava, fumava, fumava, os 'impulmões' dele ficaram todos em chaga! Em chaga! INQ1 Rhum-rhum. INF1 Tudo! Alargou aquela coisa, ficou tudo... INQ1 Pois, pois, pois. INF1 Chamei... Veio cá o médico. Era um de Vale de Cambra, que era o Atílio e viu-o. Viu-o... Chamei-o e diz ele assim: "Ó Arquibaldo" - chamou-me cá fora -, "Ó Arquibaldo, eu vou dar um remédio aqui ao teu irmão mas olha que isso é capaz de não lhe valer nada. Olha que os 'impulmões' dele estão como é... Tudo em ferida! E agora, olha, eu vou-lhe receitar isto. (...) Os 'empulmões' dele estão assapados: se eles abrirem, temos homem; se ele (...) não abrir, amanhã até às três horas ele morre". INF2 E foi. INF1 E foi. INQ2 Ai, coitado! INF1 Não abriram. Deu-se-lhe o remédio, não abriram, olhe, aí quando foi às seis horas lá vai o homem embora. O tabaco é um veneno! A morte do Doutor Atlante de Arouca, que é muito meu amigo, ou melhor , era... Deus o lá tenha em descanso. Era o homem mais meu amigo que eu tinha! Olha que ele veio de propósito de Arouca aqui para ser padrinho do meu neto. E eu hoje andava ali a erguer centeio, aqui adiante, então não tinha erguedor. Era erguer (...) com uma bacia, era erguê-lo ao vento. E ele chegou ali, e eu estava com as costas viradas, diz ele assim para o meu filho e para a minha nora: "Olhe lá, onde é que mora aqui o Arquibaldo do Covo"? Mas ele tinha-me visto. Eu é que (...) não contava que viesse ninguém . Digo eu assim: "Ora, vá para o caraças"! "Vou para o caraças"! Ele riu-se! "Sabes ao que eu venho"? "Eu não. (...) O senhor doutor não disse". "Olha que eu venho para ser padrinho do teu neto". Digo eu assim: "Olhe, obrigado". Foi mesmo assim: "Olhe, obrigado. Então, se vier outro, então o senhor o terá, mas este cá estou eu. Este vai ser (...) meu afilhado". Começou-se a rir então mais eu, veio para aqui, ainda bebeu aqui um copo de vinho. Isso era um homem!... Era o advogado melhor que estava nesta roda! INQ2 Rhum-rhum. INF1 Era ele, o meu amigo . Até que ele (...) era deputado em Lisboa. INQ2 Hum! INF1 Era deputado do PPD. Era deputado. Coitado, agora... E em quatro meses foi-se embora! INQ2 Ah! INF1 Fumava muito. E o homem dizia... O homem fumava muito. E eu dizia para ele: "Ó senhor doutor isso mata-o"! "Mata nada, não faz mal"! Fumava assim por uma caneta como a senhora, assim como... INQ1 Pois, pois. INF1 Pois. E depois diz ele assim: "Oh, isso não faz mal nenhum"! "Ah, não? Então espere pelo resto"! Quatro meses, lá foi o homem embora.
COV36
INQ1 Olhe, e o galo que é bom para cobrir as galinhas, diz-se que é bom quê? INF É um (...) galo bom. É um galo bom. Há outros que ele não prestam para nada. (...) Nós temos aí uns garnisés, só cobriam as garnisés, e as galinhas não... Iam para cima delas, não faziam nada. E a gente foi obrigados a matá-los; porque eles esses, os garnisés, podem mais que estes grandes. INQ1 Ah! INF E fomos comprar este galo aos Cabaços para as galinhas. Porque a galinha com o galo põe muito mais. INQ2 Ah! INF Pois põe. (...) E o garnisé ia para cima dela, não valia nada. Não, não... INQ1 Pois claro, é pequenino. INQ2 Pois. INF É pequenino, não vale . Só cobria as garnisés. E a gente foi obrigados a... (...) Como este galo grande também a essas garnisés que a gente tem não faz nada. Põe-se em cima delas mas elas são pequeninas e ele não as apanha. INQ2 Pois. INQ1 Pois, pois. INF Sabe? INQ1 Sim senhor. Mas diz-se quando ele está em cima da galinha, diz que está a quê? INF A galá-la.
COV37
INF1 Eu vou-lhe explicar. A gente tira um enxame - chama aquilo um enxame; ele estava (...) o cortiço cheio de abelhas e a gente vê se elas estão em termos de dar enxame. Bate, bate, bate assim noutro e põe um cortiço quase sem nada. É como está a senhora Gabriela e o cortiço está ali assim; e a gente põe aquilo no chão, o outro, com a boca encostada um ao outro, e começa a bater no que tem as abelhas: tumba, tumba, tumba, tumba, e as abelhas começam a correr para o cortiço sem nada. Quando elas estão para dar mestra! E depois sai a mestra; só sai uma. INQ1 Pois. INF1 E vai lá para dentro e a gente tira-a daquele sítio e vai levá-la para longe... Sim, porque ele INQ2 Pois. INF1 se for todas, (...) elas ganham uma corrente (...) para o mesmo. E a gente (...) muda-as - como eu tenho-as aqui em baixo, naquela quinta que temos em baixo -, e muda-as para onde não possam ... Nós tivemo-las mais para baixo, para a quinta que eu disse. Mudo-as para lá e elas começam a trabalhar e ali estão até... E criam-se ali colmeias (...) e fica ali o coiso. INQ2 Pois é. INF1 Portanto, eu não sei dizer se é a macho ou se é a fêmea. Sei dizer que a gente diz que é uma mestra, e põe lá uma só, porque se fosse duas podia ser macho ou fêmea. INQ2 Pois. Pois. INF1 Mas se só põe uma... INQ2 Rhum-rhum. INF1 E há que... E a gente, quando, às vezes, bate, bate e passam as abelhas e não vê passar a mestra, não a vê passar para o outro cortiço, INQ2 Sim. INF1 sabe o que eu faço? Com um lenço preto, desses das mulheres usarem na cabeça ou um pano qualquer preto, ponho-o no chão, (...) da que eu bati à colmeia para lá, sim, (...) daquelas que foram as abelhas, INQ2 Sim. INF1 volto-a com a boca para baixo, e se ela tiver mestra, põe assim umas coisinhas, uns ovinhos, compridinhos, umas coisinhas, e a gente toca-lhe e aquilo saem tudo em água. Que ela... Eu chamo aquilo varejar, sabe? Chamo àquilo varejar. Se ela (...) tiver mestra, larga aqueles ovitos; se ele não tiver mestra, não larga nada. INQ2 E chama-se àquilo varejar? INF1 Varejar. INQ1 Varejar é pôr esses ovinhos? INF1 É. Se puser aqueles ovinhos, é varejar; se não puser aqueles ovinhos, já não vareja. Não vareja, não tem mestra. INQ1 Pois. INF1 Se tiver mestra, vareja; se não tiver mestra, não vareja. INQ2 Rhã-rhã. INF1 E a gente, se tiver mestra, pronto!, já pode tirá-lo embora, que é um enxame; se não tiver mestra, que não tenha mestra lá, (...) já aquilo mal anda . Já pode (...) deixá-las lá estar que (...) no prazo daí de um quarto de hora elas passam todas outra vez para a mãe. INQ1 Outra vez para o mesmo. INF1 Para a mãe! INQ1 Para a mãe. INF1 Chama-se a mãe... INQ2 É o... Aquela é a mãe, a primeira? INF1 É (...) a primeira. E se for enxame é (...) o que se tira. INQ1 Pois. INF1 Se não, elas fogem logo, logo, imediatamente. INQ2 Olhe, e às vezes não aparece um enxame pequeno? INF1 Aparece (...) um enxame fora, na terra (...) ou numa árvore ou em qualquer sítio, já tenho agarrado muitos desses. É, ele aparece. E a gente vai em torno das abelhas, mas está lá uma mestra. INQ2 Rhum-rhum. INF1 Porque se não tiver a estiver a mestra, ele não fogem foge . INQ1 Pois. INF1 A mestra é a que, se for preciso, foge... Porque tendo estando mais que uma mestra num cortiço, ele não se dão. INQ2 Pois. INF1 Uma tem que sair com as abelhas. Se o dono lá vai e bate-as e tira-lhe a mestra, pronto, ela não foge. Se um homem não... Se (...) o dono - o dono ou uma pessoa qualquer - não vá lá tirá-las, elas saem - com licença -, fogem com qualquer punhado de abelhas. Fogem e saem estes pequeninos que a senhora está a acabar de dizer. INQ2 E como é que lhe chama a esses pequeninos? INF1 É o enxame. Enxame. INQ2 Também lhes chamam enxame, a esses pequeninos? INF1 Enxame, mas é pequenino. INQ1 Pois. INF1 E os outros são enxames bons. A gente o que chama ele um enxame grande é assim com um cortiço quase cheio de abelhas. INF2 Ele é . INF1 E as abelhas só duram, ou dizem que duram... Não duram mais que dois a três meses. INQ1 Ai é? INF1 Porque a abelha, durante aquele tempo, ela cria-se. E depois, essa doença que veio é disso: porque veio e as velhas morrem, (...) e depois elas (...) têm criança. Criança é: é ele o que fazem... Chamam criança é: (...) na própria cera, aquilo fica fechado e ele ali naqueles buraquinhos cria como uns bichinhos; e aqueles bichitos é as abelhas. INQ2 Rhum-rhum. INF1 E aquilo cria; de três em três meses, aquelas abelhinhas saem novas e as velhas morrem; mas ficam as novas, nunca morrem. INQ2 Pois. INF1 E (...) aquela doença que veio vai matar aquelas novinhas que estão a vir. INQ1 Ah! INF1 Que estão dentro (...) INQ2 Pois, pois. INF1 da própria casula. Quer dizer, a casula é: dentro daqueles buraquinhos, INQ1 Pois. INF1 e depois (...) aquele mal, aquela doença matou-os, e aquelas morreram e morreram as velhas. INQ1 Pronto. Claro, pois. INF1 Sabe? INQ1 E elas picam, as abelhas, não é? INF1 Ah, pois picam! INQ1 E aquilo que elas largam quando picam?... INF1 (...) Olhe, uns chamam-lhe o ferrão; outros chamam-lhe o bico. Olhe que a mim, a mim, já... Oi! Têm-me mordido, logo de uma vez, para aí mais de dez ou vinte, e (...) as minhas mãos ou o meu corpo não incha. INQ2 Não? INF1 Não. INQ2 Não lhe faz reacção? INF1 Não senhor! E há outros que ficam logo... Eu não, não ligo nada àquilo. INQ2 Pois é. INF Não ligo nada àquilo. (...) Parece que elas até me conhecem. Olhe que eu vou para lá... A gente tem um peneiro - chama àquilo um peneiro: é uma rede, INQ1 Sim. INF1 mas que não passa - e, com uma saca, mete aquilo na cabeça, põe um chapéu por cima e a gente vê-as e está a ver. E eu às vezes vou lá, (...) nem levo nada disso e elas não me mordem; e se mordem, ele às vezes, mordem-me na cara... Não ligo nada àquilo! INQ2 Não dói nada! INF Nada! (...)
COV38
INQ Então, antigamente, então havia burros, aqui? INF Então, oi Jesus! Tantos . Agora, olhe... INQ Olha, e a Antónia diz que não havia. INF Tem aqui uma terra, (...) para diante da Albergaria, que é a Farrapa, (...) os velhos diziam: "Na Farrapa, (...) cada homem, cada burro"! Quer dizer que tinham muitos burros. INQ Pois. INF E na Albergaria: "Cada homem, cada cão"! Em Albergaria, onde as senhoras estiveram, cada homem, cada cão. Não havia homem nenhum lá que não tivesse um cão. Esses diziam: "Na Farrapa"... Os velhos aqui diziam: "Na Farrapa, cada homem, cada burro! E na Albergaria, cada homem, cada cão"! INQ Sim senhor. Mas, e aqui no Covo também havia burros? INF Também. Só um é que tinha burro; os outros não tinham burros nenhuns. Só esse, que tem ainda hoje, a família dele teve sempre burros; os outros não. INQ Rhum-rhum. INF Os outros não tinham burro nenhum; não queriam saber. (...) (...) Mas eu via (...) essa gente da Farrapa, com as cangalhas - aquilo é feito quase como duas canastras (...) mas em madeira, por cima da coisa para levar... E, às vezes, vinham aí os ciganos e traziam os filhos metidos ali dentro.
COV39
INQ1 Olhe, e não havia pessoas, por exemplo, que tinham em casa outras pessoas, outro casal, por exemplo, ou um homem que tomava conta das, das coisas da terra? INF1 Ah pois era! Chama-se o... Suponhamos, é o dono da casa, é o patrão da casa, qualquer (...) pessoa... Suponhamos aqui, eu sou o patrão de minha casa; mas agora já representa o meu filho o meu lugar. Porque de hoje a amanhã eu falho, e este já está. INQ1 Sim. INF1 Tanto é que as vacas, as minhas vacas agora já estão registadas no nome do meu filho. INQ1 Pois. INF1 Sabe porquê? Porque eu estou a receber a tença e eles não me davam o subsídio das vacas. INQ1 Se o tivesse? INF2 É verdade. INF1 E assim pu-lo no meu filho, e o meu filho agora recebe a tença das vacas, sabe? INQ1 Pois. Sim senhor. INQ2 Pois. INF1 Então olhe, ele como agora vai vir o 'maternário' aí, (...) as minhas vacas vão ser registadas em nome do meu filho. INQ1 Pois, pois. INF1 E ele pergunta: "E então, mas o seu pai"? Virou para mim, eu disse: "Eu dei-as ao meu filho". INQ1 Pois, pois. INF1 Porque a minha idade já avança para isso. INQ1 Claro. INQ2 Pois claro. INF1 Sabe? E é isso que a gente faz. INQ1 Olhe, mas diga-me uma coisa: mas, por exemplo, se o senhor não tivesse filhos e tivesse muitas terras para tratar, podia ter um homem que lhe tratasse das terras. INF1 Ah, pois podia! Chamava-se aquilo um caseiro. INQ1 Um caseiro? Sim senhor. E, e esse caseiro onde é que vivia? INF1 Podia viver numas casas minhas. INQ1 Podia viver numas casas suas? INF1 Pois. Ou, se tivesse, se fosse aqui do lugar, podia viver nas dele - fazer as minhas e viver nas dele. Isso era conforme.
COV40
INF Num tempo, você, as senhoras, a gente quando criou, de dez pessoas arranjava vinte. INQ1 Rhum-rhum. INF Hoje quer cinco, não arranja duas. INQ2 Pois. INF Ah! Porque eu aí ainda tenho tido uma sorte muito grande, porque eu faço o seguinte: olhe, aqui na Castanheira, em Gestoso, na Agualva, na Lomba, vêm cá com as vacas ao touro, e eu àqueles que me ajudam ajudem não levo nada. INQ2 Pois. INF Àqueles que me ajudam ajudem não levo nada! INQ1 ... quê? INF Que me ajudam! Que me ajudam a trabalhar, eu não lhe levo nada! INQ1 Ai, pois, pois, pois, pois, pois. INF Vêm outros que querem: "Olha, eu precisava de um alqueire de centeio". Eu dou-lho dado. "Eu precisava de lhe pedir um alqueire de milho". Eu dou-lho dado. "Eu precisava de vinho". Eu dou-lho dado. Ora bem, aquela gente recompensa e diz assim: "Bom , fulano precisa, temos que lá ir ajudá-lo". E vêm-me dar. Quer dizer, eu pago sem sentir. INQ1 Pois. INF Em dinheiro corrente, quase nunca pago. Nunca pago! INQ1 Pois, pois, pois. INF Nunca pago. Porque depois vêm-me ajudar mas é gente mais pobre... Ele uns precisam de milho, outros precisam de centeio, outros precisam de vinho e eu, tenho de sobra, INQ2 Dá. INQ1 E dá. INF dou. INQ1 E depois na altura em que é preciso, eles vêm. INF Eles vêm.