CRV01
INQ1 Portanto, a matança do porco é em Novembro, Dezembro... INF É em Novembro, Dezembro e alguns em Janeiro, assim pessoas que vendam comida... INQ1 Mas a, a força das matanças... INF A força é Novembro e Dezembro. (...) De meados de Novembro por diante é a força das matanças. INQ1 Pois. INF Até Dezembro. INQ1 Olhe, porque é que matam o porco nessa altura? INF Olhe, é isto tudo antigo, isto vai sempre... Algumas pessoas até dizem: "Ah, o homem tudo mata"! Assim quando a gente diz: "Ai, ainda é... Já vais matar? Ainda é cedo"! "Olha, o homem tudo mata"! É estilo! Também a beterraba aqui (...) só produz é no Verão. E os porcos começam a engordar é com beterraba. Depois é que vem ele as abóboras, os mogangos. Sabe, isso também é tudo de Verão é que engorda os porcos. O milho. INQ1 Pois. Costumam dar abóbora ao porco? INF Sim senhor. E mogangos. INQ1 Como é que se diz? Mogangos? INF Sim senhor. INQ1 O que é mogango? INF Ó senhor, é um fruto que há na terra parecido com abóbora. A abóbora é redonda e o mogango é assim sobre o comprido. INQ1 É comprido. INF (...) É uma coisa diferente mas é mais ou menos no mesmo género. INQ1 Portanto, se quisessem, por exemplo, matar um porco em Março... INF Ah pois, (...) algumas pessoas matam. INQ1 Mas... INF Assim: "Ah, eu não porque eu tenho porcos bastantes. Olha, eu queria-o vender e não apanhei venda"... (...) Mata assim. Mas em Março é que há aqueles bacorinhos. INQ1 Pois. INF Nascem os bacorinhos em Março. Agora a gente faz... A gente temos três porcos, vai matar dois e fica um. Em Março quando há bacorinhos a gente compra um ou dois, e (...) vão crescendo (...) . INQ1 Portanto, quando se faz a, quando se faz a matança do porco, o, o porco é todo ele aproveitado? INF Todo! Fazem-se as morcelas... Do sangue faz-se as morcelas (...) . Depois o molho é o fígado e o coração, e mais carne; ele faz-se um molho de fígado. A carne dos pés e outra, faz-se chouriço. Depois é o lombo de porco, é a costeleta... É tudo aproveitadinho, menos o cabelo! INQ1 Mas então o... Vi ontem uma matança em que deitaram fora o bofe. INF Ah, o bofe não. Aqui não usamos o bofe. INQ1 O bofe... INQ2 Nem os rins? INF Nem os rins. Algumas pessoas de fora que têm vindo usam os rins. INQ1 E a bexiga também... INF Nada. Não, isso não. INQ1 Pois. Portanto... INF O bofe e a bexiga e os rins. Mas ele há pessoas já que têm vindo assim de fora e ensinam como é. Mas eu não gosto (...) . INQ1 Antes de haver frigoríficos, portanto, de a carne se poder conservar fresca... INF Rhum-rhum. INQ1 Como é que o porco era, era guardado? INF Salgado, o que era de salgar. A gente até costuma dizer a barça. É assim ele os pés e as orelhas, a espinha, e isso. A gente deita tudo é salgado na barça - que chama-se a barça. (...) E o outro é: deita-se de vinha-de-alhos. INQ1 Mas, portanto, para a barça, para salgar, vão pés, orelhas?... INF É os pés, as orelhas, o rabo - quê? -, a espinha. Também ele quem quer põe entrecosto, assim estas carnes mais inferiores, bocados de toucinho. INQ1 Mas, e disse-me que além da, da salga, também faziam moura, não é? INF Moura, faz-se. Ele é sal, e alho, e malagueta. (...) Põe-se (...) em vários tanques. Um é para a gordura, que é que se faz a borragem depois. INQ1 Sim. INF Daquilo que o senhor viu lá adiante de (.../NPR) . INQ2 Pois. INQ1 Sim. INF Isso é para a gordura. Depois é outro tanque que é para toucinho entalado, que tem carne - o toucinho que tem carne. Ele faz-se outro que é o torresmo. Eu até às vezes eu também faço torresmos de vinho. INQ2 Rhum-rhum. INQ1 E... E também, por exemplo, a carne que utilizam para fazer a, os chouriços e, e as linguiças... INF É a carne dos pés e assim. INQ1 E, portanto, essa... Quando vão fazer os chouriços vão buscar essa carne à barça? INF Não senhor. INQ1 O que é que... INQ2 Está aqui... INF Não, não. A da barça é para cozer com couvinhas, para fazer cozido. INQ1 Ah! INF Essa é salgada. E a da linguiça, da chouriça, a gente pica-a também no dia que matam o porco, pica-se logo miudinha. Nesse dia caldeia-se colorau e sal. (...) Mas amassa-se muito bem amassado. No outro dia temos alho com mais sal, e é bem amassadinho, bem acalcadinho, e depois amassa-se como quem (...) amassa pão, duro e forte. E fazem-se as chouriças no outro dia. Põem-se (...) na lareira ali a defumar.
CRV02
INQ Estas partes do porco como é que costumam ser cozinhadas? INF Ora, o toucinho (...) que se faz a borragem, a gente frita-o e depois (...) tira-se dos couros, e mói-se e faz-se a borragem. Depois aquece-se e coze-se batatinhas e come-se com batata ou com pão, como se quer. O toucinho entalado, a gente deita-o (...) para temperar o feijão, as couvinhas - as verduras! - as nossas sopas, as nossas coisas, quando não há carne fresca. Ah, e também há pessoas que deixam o toucinho de fumo. INQ E estes, estes torresmos que, que usam para a moura também como é que eles são? Como é que eles são tratados? INF É os torresmos de carne. INQ É? E, portanto, que partes da carne do porco é que vão para estes torresmos? INF O lombo. INQ É o lombo? INF O lombo. E também tiram carne do pé. Com o lombo (...) é que se faz esses torresmos. INQ E estes, estes torresmos são tratados como? Portanto, a carne está assim, crua ainda, e depois... INF A carne está crua e está ali de vinha-de-alhos em (...) sal, água, alho e malagueta. E depois fritam-se e deitam-se numa panelinha, numa vasilha, depois de frios, está claro, e cobrem-se com gordura. E aguentam o ano. A gente quando quer vai lá tirar.
CRV03
INQ1 Diga-me uma coisa, há bocadinho quando esteve a falar da, da moura... INF Rhum-rhum. INQ1 Da salmoura, falou de ela ser feita com sal, alho, malagueta, INF Rhum-rhum. INQ1 e água. INF Sim senhor. INQ1 Portanto, isto é igual também à da?... INF Não senhor. A da gordura, a da banha, a da gordura que a gente faz a borragem, é mais leve. (...) Vê-se a moura com uma batata. INQ1 Pois. INF Para saber se a moura... E a moura do toucinho não chega a batata acima. INQ1 Ah! INF Compreende? INQ1 Pois, então... INF A moura (...) do toucinho é mais leve, do toucinho que é para fazer a borragem, (...) que se tira a gordura. A gente frita um toucinho que é para gordura - compreende? INQ1 Pois. Portanto, essa, essa moura vem mais leve. Mas ela leva também estes temperos da, da malagueta, da?... INF Sim senhor. Botamos-lhe um bocadinho de malagueta e alho e sal. INQ1 Então, qual é a diferença entre este banho da, da moura e o vinha-de-alhos? INF Pois. A gente chama a vinha-de-alhos é a isso. É a isso só. INQ1 Pois, vinha-de-alhos... Portanto, a vinha-de-alhos é a mesma coisa que a salmoura? INF (...) Sim. Sim, é isso. Não, a gente quando quer fazer os torresmos de vinho, punha vinho em vez de água, está compreendendo? INQ1 Pois, pois. Portanto... INF Isto é um erro. INQ1 Pois, pois. INF Dizer vinha-de-alhos que isto é só água e sal e alho! INQ1 Mas há uma... INF E malaguetas. INQ1 Mas há uma vinha-de-alhos que leva mesmo vinho? INF Sim, sim. Torresmos de lombo. Eu às vezes faço. INQ1 Pois. INF Fiz este ano, este ano que passou. Eu fiz vinha-de-alhos com vinho mesmo! INQ1 Pois, com vinho. INF Fica em vez da água. INQ1 Como é que utili-... Como é que arranja então para fazer estes torresmos com vinha-de-alhos, havendo aqui, praticamente não havendo vinho aqui na, na ilha, como é que?... INF Agora ele este ano não vou fazer porque não há. INQ1 Não há vinho deste. INF Mas até as pessoas mandam buscar às Flores. INQ1 Pois. INF A minha irmã que está nas Flores comprou (...) para esta minha irmã que eu tenho aqui. INQ1 Em havendo assim muita falta de vinho, não substituem o vinho por nada? Não fazem a vinha-de-alhos com outras coisa? INF Não senhora. É com mourinha, com uma aguinha e com moura assim. INQ1 Pois. INQ2 Nunca põem vinagre? INF Não, não. INQ2 Nem laranja azeda? INF Não. (...) Meu avô até já chegou a fazer assim... Breve diálogo paralelo com uma criança Meu avô já chegou a fazer assim, com laranja azeda. Mas aqui, não sei se alguém faz, mas parece-me que não.
CRV04
INQ1 Como é que tempera as morcelas? INF As morcelas, a gente (...) tem o pão picadinho (...) num alguidarinho. INQ1 Portanto, o pão é, é esfarelado com?... INF O pão é aviado às fatias. INQ1 Portanto, é cortado... INF Fatias delgadinhas, sim senhor. INQ1 Pois. INF E depois põe-se o sangue em cima. INQ1 Pois. INF E aquilo depois amolece; daí ele a bocado (...) está mole. Amolece e desfaz-se com as mãos muito bem desfeitos, e põe-se-lhe... Talvez estou-lhe a dizer depressa, não pode escrever tão depressa, não é? INQ1 Não, não. Diga, diga, diga. INF E depois isto pica-se muita cebola, salsa, arroz - tem-se arroz cozido -, põe-se um bocadinho de malagueta, canela, noz-moscada, e então o sal a gosto. Parece-me que não falta mais nada. INQ1 Não, não costumam misturar um pouco daquela gordura que vem agarrada... INF Ah, é verdade! Um bocadinho de toucinho e o véu do bucho. Leva o véu do bucho. INQ1 Pois. INF Já não me lembrava agora. INQ1 E o... Diga-me uma coisa, este... O sangue do... Quando, quando mata o porco, é nessa altura que tiram o sangue? INF Sim senhor. Sim senhor. INQ1 É na altura em que espetam... INF Sim. É mais ou menos uns dois pães para cada porco. Dois pães. (...) INQ1 Pois. O pão depois dá-lhe, absorve depois... INF Sim. Mais ou menos dois. INQ2 E o sangue, tem que lhe fazer alguma coisa quando está a correr para o, para o, para esse?... INF Pertence sal. Pertence-lhe uma mão de sal dentro (...) da paninha, para ele não coagular. INQ2 Ah! INF Porque senão ele faz... INQ2 Pois, pois. Mas não tem que mexer muito? INF Vai-se mexendo sempre. INQ Vai-se mexendo sempre depois? INF Está a mulher depois sempre a mexer.
CRV05
INQ Faz a, a morcela, não é? INF Sim. INQ E faz a linguiça também? INF Faz-se a linguiça no dia seguinte. INQ Como é que essa... A linguiça não se faz no mesmo dia da morcela? INF Não senhor. No dia seguinte. INQ Porquê? Porque é que não, não se faz?... INF É porque aquilo é preciso temperá-la. INQ Ah, tem de ficar temperada um dia para depois... INF É preciso temperá-la. Fica com sal nesse dia; no outro dia é que se lhe caldeia o alho e mais sal a gosto. O sal tem que se derreter. No mesmo dia nunca se podem fazer as linguiças. INQ Qual é o tempero para as linguiças? INF É o sal, colorau, no primeiro dia; no dia seguinte, põe sal, alho e prova-se o sal. Isso é chouriço. INQ Rhum-rhum. Pois. INF Se é de linguiça, é de moura, ou igual à (...) do toucinho e do torresmo. INQ Qual é a diferença entre o chouriço e a linguiça? INF A chouriça é só (...) ... Ele faz-se a moura de alho e sal e água - e malagueta também. E tem aquela moura. Depois está uns dias e é que é picadinha (...) e é que se enchem as linguiças. INQ Mas... INF A chouriço é no outro dia e é seca. (...) Aquela carne não dá água. INQ Mas é a mesma carne que serve para a linguiça e também serve para o chouriço? INF Sim, sim. A carne é a mesma, compreende? INQ E não, não lhe põem, por exemplo, no chouriço, peles que não entravam na linguiça? INF Não senhor. Não senhor. Não senhor. INQ Pois. INF Não senhor. INQ E os temperos são iguais? INF Não, porque algumas pessoas até põem cominhos na linguiça. INQ No chouriço? Ah, na linguiça! INF Na linguiça. Na linguiça. Quando vem da moura caldeiam-lhe cominhos. Depois de picada, está uns dias, depois caldeiam-lhe cominhos. INQ Diga. Pois. Pois. Portanto, a linguiça leva colorau? INF (...) A chouriço! INQ O chouriço? INF O chouriço leva colorau. INQ A linguiça nunca leva colorau? INF Que eu saiba não.
CRV06
INQ As morcelas, portanto, não são gastas logo todas na altura? INF Não, não. Não. INQ Guardam-se? INF Vai-se comendo. Ele dá-se assim a algumas pessoas amigas que ainda não mataram o seu porco. E depois penduram-se numa varinha (...) para conservarem. É preciso irem cozendo, de vez em quando a gente refresca-as. INQ Ah, cozem-se novamente? INF Cozem-se novamente. INQ E a cozedura é só em água? INF (...) Sim. Água e sal. A primeira cozedura, no primeiro dia, é duas horas para cozer as morcelas - que elas têm que estar a ferver. E então, nos outros dias, (...) é um instantinho, pouco tempo. INQ Pois. Depois voltam a mergulhar na banha? INF Sim. Não, não. INQ Ai não? INF Eu para as entalar, sabe como é que eu faço? (...) Eu depois, quando eles querem carne, cozo-as. No dia seguinte, ou nesse dia à tarde, depois de elas estarem bem frias, é que eu as passo na gordura, frito bem frito, e é que ponho então debaixo (...) da banha para conservar. INQ Pois. INF E a linguiça também está uns quinze dias, ou três semanas, na baralha - como se costuma dizer -, ao fumo. INQ Pois. INF E depois lavam-se e fritam-se. E picam-se aos bocadinhos e põem-se debaixo da gordura outra vez. INQ Ah, pois. Portanto, não são conservadas todo o ano no fumo, na baralha? INF Não, não. Não. Não. Vai para debaixo da gordura. A gordura aqui é que conserva as nossas coisas. INQ Mas cortadas já aos bocadinhos? INF Eu frito inteiro. Lavo inteiro e frito inteiro. INQ Pois. INF E depois é que pico, depois de frito, e arrumo depois de fria. E depois deito a gordura em cima só morninha, para não estragar.
CRV07
INQ1 Há, há bocadinho tinha-me falado também do molho de fígado. O que é, o que é o molho de fígado? INF Ah! Isso é com a língua, com o coração, com o fígado, com carne. E a gente pica isso tudo, aos bocadinhos miúdos - como viram -, e tempera-se com vinagre, alho, sal, pimenta-jamaica. Breve diálogo paralelo com uma criança E depois está aí uns dois dias, dois ou três dias. Depois então vai ao lume e é que vai fritar... Vai fazer-se depois ao lume. INQ1 E depois de frito o que é que, onde é que é posta? INF Dentro de frasquinhos assim, ou de latinhas pequeninas (...) . INQ1 Pois. E não é coberta com nada? INF Com gordura. INQ1 Pois. INF A gordura é que conserva tudo! A gordura é que conserva. INQ2 Deixe estar. Não tem importância. Não tem importância nenhuma. INQ1 Não, deixe estar isso. Portanto, e deste, neste molho de fígado qual, quais, quais são as carnes que são utilizadas para misturar com?... INF Olhe, é os lombinhos, é assim duas tirinhas que se tiram do lombo do porco e (...) carne, a carne que se costuma deitar para a linguiça, (...) e mesmo torresmos. É a carne que se quer.
CRV08
INQ Portanto, assim numa casa normal, um porco que é morto assim no começo de Novembro, como foi aquele ontem, INF Rhum-rhum. INQ quando é que acaba? Quando é que deixa de?... INF Cá, há todo o ano. INQ Portanto, até ao próximo porco há sempre? INF Há pessoas que acabam mais cedo. Assim pessoas que têm muita gente, mas, naturalmente, a gente temos todo o ano. INQ Pois. INF Todo o ano. INQ Qual é... Quais são as primeiras coisas a acabar no porco? Portanto, qual é aquela coisa que?... INF Pois é ele o molho de fígado e a borragem e a morcela. INQ É o molho de fígado... INF Isso é coisas assim que há pessoas que acabam a caminho, mas outras não. Pessoas que têm mais família, ele começam ao caminho a comer a borragem e o molho de fígado e a morcela, pois acabam logo. INQ E o que é que fica sempre para o fim? INF É o torresmo e é (...) a linguiça - têm sempre todo o ano -, o toucinho... INQ Eu ontem... INF A barça também acaba-se a caminho, aí para Março, Abril. INQ Eu ontem ouvi dizer que havia uma parte do porco que ia para o fundo da barça e que era sempre a última?... INF É o rabo. INQ O rabo. Risos INF Não, mas (...) isso é brincadeira. Às vezes, ainda está no começo e já vão e dizem: "Ah, já se está quase pronto que o rabo já veio"! (...) Isso agora é uma brincadeira, porque a gente não escolhe e não põe assim no fundo. INQ Pois.
CRV09
INQ E nunca, nunca acontece, por exemplo, a pessoa, a certa altura chegar a meio da, da barça, ou de qualquer destas, destas preparações, INF Rhum-rhum. INQ e, e as coisas não estarem boas para, para se comerem? INF Ó senhor, nunca se me aconteceu isso. INQ E não conhece casos de alguma vez isso ter acontecido? INF Não. Não me parece. Olhe, um ano a nossa barça estava bem má. O sal era mau. O ano que cá esteve - não sei se conhece - esteve o sal, e o sal apanhou qualquer coisa a bordo do navio. E a gente, a moura, a gente fez com o sal que tínhamos em casa. Mas aquele sal veio novo, já tínhamos acabado o outro com a moura - talvez veio mesmo no dia da matança, o sal, ou não sei. Vamos salgar a barça. Depois, um dia cá - eu gosto muito de barça -, eu queria cozer, com aquele apetite, aquelas couvinhas... Fui buscar couves. Ai, as couves amargavam tanto! E foi do sal. Mas elas não estavam estragadas em si, está a compreender? INQ Pois, pois. O sal é que dava mau sabor. INF O sal é que... Tinha o gosto mau, o sal. Pronto, a carne não estava podre. Aqui salgam muito bem.
CRV10
INQ1 A borragem é, é comida como? INF Com pãozinho e batatas. INQ1 Pão e batatas. INF E ovos. Também se caldeia ovos na borragem. (...) INQ1 Que ba-, que batata é esta? Usam a batata da terra ou batata?... INF Batata branca. Doce já não há. Havia muitas em tempo mas agora já acabaram. INQ1 E os torresmos, como é que se?... Como é que é os torresmos de carne, aqueles torresmos? INF Os torresmos podem ser só... Às vezes até môo na máquina para fazer sanduíches que o meu marido gosta. INQ1 Pois. INF E, outras vezes, guisam-se com batata. INQ2 Como é que é essa moída na máquina? INF Moía, que é só torresmos. Tiro o torresmo da vasilha, aqueço (...) e passo na máquina. E o meu marido faz sanduíches e gosta. E se sirvo-lhe assim inteiro, ele não gosta do torresmo. E moído, dá. Come. INQ1 As morcelas, como é que se comem? INF Com pãozinho. Fritas ou cozidas, quem gosta. E é com pão. Também há pessoas que comem com batata. Mas eu não gosto. Também (...) não se faz outra comida (...) , outra variedade assim, nem se caldeia com nada. INQ1 As linguiças? INF A linguiça faz muita comida boa. Até tempera as sopinhas! - de feijão (...) ... INQ1 E que mais? Portanto, a linguiça come-se misturado na sopa e?... INF Sim. Ou coze-se na sopa e come-se atrás com a batatinha (...) . INQ2 Cozida também? INF Sim. Cozida ou frita, é boa de qualquer maneira. Guisada com arroz... INQ1 Guisada com arroz? INQ2 A linguiça? INF Sim senhor. É muito bom. Ainda há dias fiz. INQ2 Olhe, e no dia da matança, o que é que costuma, o que é que se costuma fazer? INF Olhe, é galinha, uma sopinha de galinha, lombo de porco como aquelas fizeram, galinha com arroz, galinha guisada com batatas; há pessoas que fazem bifes, mesmo do porco. - Não mexas com a mesa. INQ2 Então aquela, o porco guisado como é que é feito? INF O porco guisado, pica-se o porco aos bocadinhos e frita-se. Vai assim à banha a fritar; depois tira-se para fora e frita-se cebola, muita cebola e alho; depois tempera-se com vinagre e sal, e isso, e põe-se o porco lá dentro. E aquilo é cozido tudo então e é que... INQ Ah, mas primeiro é frito? INF É, primeiro é frito. Faz-se (...) um refogadinho. (...) Frita-se o porco, entala-se - a gente diz entalar -, está só a refogar um bocadinho. E depois então é que se faz... Frita-se a cebola e o alho, tempera-se com pimenta (...) e colorau (...) ou tomate.
CRV11
INQ1 E o, o chouriço, como é que, como é que costuma ser comido? INF Frito ou cozido, ou de qualquer maneira é saboroso. INQ1 E acompanha também as sopas? INF Sim! Eu ponho em todas as sopas! INQ1 Portanto, a chouriça e a linguiça são... INF E no feijãozinho! (...) A chouriça e a linguiça ele têm pouca diferença. (...) Ele a chouriça, eu gosto mais. É enxutinha, não tem aquela moura. Não é na moura, está compreendendo? A carne nunca vê água. INQ1 Pois, pois. INF Mas as duas coisas (...) temperam tanto duma maneira como doutra. (...) Eu não sei se estou a fazer perceber? INQ2 Sim, sim, sim. Estou a perceber. INQ1 E... INF Ambas se fritam e ambas (...) se cozem. INQ2 Pois. Mas diga-me só uma coisa: a chouriça é feita com tripas diferentes ou não? INF Não senhora, é a mesma tripa. É o intestino delgado. INQ2 É a mesma tripa. INQ1 O molho de fígado, como é que, como é que ele é comido? INF Com ovos. Ou também é bom guisado (...) com massas. Guisado também é bom. INQ2 E com batatas também? INF E com batatas. Aquilo com batata-doce consola! INQ1 Então, o porco vai assim durando, mas o que... INF Vai durando o ano. INQ1 Vai durando o ano inteiro. INF Está um ano. INQ1 E não há nenhuma altura do ano em que se coma mais e outras alturas em que se coma menos que outras? INF Ó senhor, pois (...) se há mais carne, a gente come menos porco, e se não há carne ou peixe... Aqui também, às vezes, não há com que se varie. Se o mar está mau, eles não podem ir ao peixe nem a buscar carne. Agora já se dá muitas caixas, já as pessoas podem estar abastecidas.
CRV12
INQ Lembra-se de se, de antigamente se comer mais ou menos vaca do que se come agora? Ou de ter havido alguma altura?... INF Antigamente não matavam tantas vacas como agora. INQ Mas... INF Antigamente aquilo era tudo gente pobre. (...) Muita família! Criavam até pouco, que cá era muita gente. Pois aqui eram setecentas e tal pessoas. Veja lá, aqui! E hoje é uma terrinha tão pequenina. Era casas de família, aquilo padeciam de fome antigamente que era feio! INQ Esta, as, a carne de vaca, mesmo assim, dá-me impressão que hoje não se come muito, que não... INF Pois aqui, às vezes, os lavradores não gostam de matar, que precisam do seu gado. Preferem mandá-lo para Lisboa. Mas eles às vezes matam. Como lhe dão... INQ Há uns anos... INF E há pessoas que mandam vir de fora. INQ Não se lembra de nenhuma altura se ter comido mais vaca do que se come, por exemplo, hoje em dia? INF Não senhor. Não senhor. INQ Nunca se comeu... INF Matam pelas festas. INQ Pois. INF E às vezes: "Olha, vou matar ele uma rês. Vou matar". Mesmo assim alguma rês que se pise, (...) que cai. Olha a gente, o ano passado, ou há dois anos, tínhamos (...) um gueixo que era para cangar com ele no carro. O Fausto queria fazer boi dele. E ia-os levar a uma terra e estava abrindo o portão para passar com eles para outra terra, e eles começaram a brincar assim ele com a cabeça encostada um ao outro. E um foi de cu para trás - como se costuma dizer - (...) e espetou a caminho o osso da mão para a rua. Teve que ser morto imediatamente (...) . Está compreendendo o senhor? INQ Pois, pois. INF O gado (...) que se magoa, e têm que o matar imediatamente.
CRV13
INQ Portanto, e não havia nenhuma época do ano especial de se abater, de se abater gado? INF Pelas festas (...) do Espírito Santo tem sempre. INQ É sempre. INF Sim. INQ Pois. INF E por São Pedro também matam. A Sagrada Família. Nossa Senhora nunca dá porque não tem mordomo. Só se assim alguma pessoa em particular que queira matar. Mas essas têm mesmo uns cabeças (...) e os mordomos que (...) arranjam. INQ Qual é a altura, a altura do ano em que há mais peixe? Portanto aquela em que... INF No Verão. INQ No Verão ou... INF No Verão. No Verão os pescadores vão mais; de Inverno o mar está mau. INQ Qual é o peixe que se come mais? INF Cherne, pargos. Não, gorazes; pargo há pouco. Cherne, goraz, sargos, bocas-negras. É assim o mais. Congro. INQ Não aparece muito o bonito, por exemplo? INF Pouco. INQ Albacora? INF Não é muito. INQ Aparece pouco. INF A albacora talvez até este ano não apareceu. INQ Estes peixes são comidos frescos ou há o processo de os guardar para outras alturas? INF (...) Antes das caixas, era tudo salgadinho. Comia-se fresco nesse dia e depois era salgado (...) ou deitado de vinho-de-alhos. INQ Portanto, é que... Qual era o peixe que, que era mais vezes salgado ou guardado em?... O melhor peixe para salgar? INF Não, isso é ele qualquer um. INQ Qualquer um serve? INF Mas o cherne, o cherne, aqui (...) é que tem mais valor. INQ O cherne é bom. Como é que ele era salgado? Como é que faziam para salgar o cherne? INF Com o sal. Sal. INQ Portanto, tinham que o cortar e depois? INF Cortavam aos bocados e era o sal. Esfregavam-no no sal... INQ Não, não se punha de molho durante um tempo? INF Não senhor. Não, ele o dia que ele vinha ficava em água para o outro dia picadinho. INQ Pois. Depois era esfregado com sal... INF E depois era esfregado com sal e deitava-se numa vasilha, ou num balde, ou (...) numa pana, ou em qualquer coisa (...) . E depois quando a gente o quer usar deitava-o de molho, toda a noite em água, e no dia seguinte cozinhava-se. INQ Como é que ele era geralmente cozinhado? INF Cozido. Cozido. INQ Não havia costume de fritar o peixe?... INF Não. O salgado, não senhor. INQ Pois. INF O salgado nunca se fritava. INQ Hoje em dia já se, já se, já se frita o salgado? INF Não, não, não. Só se outras pessoas! A gente aqui não. Eu estou-me referindo a quase tudo em minha casa. INQ Pois, pois.
CRV14
INQ Sem ser frito em gordura, nunca se fritava em nenhuma outra coisa? INF Óleo. INQ Que óleo? INF Ó senhor, eu conheço este óleo Fula. INQ Antes de vir este óleo Fula, nunca se fritava mais nada? Não, não se aproveitava?... INF Que eu saiba não. Que eu saiba não. INQ Não se, não se aproveitava, por exemplo, a, a gordura do, das, dos cagarros ou dos?... INF Que eu saiba não. INQ Quando, quando o peixe era cozido fresco, deitavam-lhe algum tempero na altura da cozedura? INF Alho e cebola. INQ Portanto, na água de cozer? INF Sim. INQ Pois. INF A gente cá em casa, a gente não gosta de usar muitos temperos assim... É alho e cebola e tomate. Amassa-se tomate, a gente faz é assim.
CRV15
INF Pois eles, no Verão, eles vão muito ao peixe. Até agora (...) se ninguém o compra, eles deitam-no na caixa e vendem-no para bordo dos navios. INQ E, e antigamente esse... Quando um pescador apanhava muito peixe... INF Às vezes deitavam-no ao mar. INQ Não é... Não davam às pessoas para?... INF Davam. Davam às pessoas conhecidas. Meu sogro - Deus lhe dê o céu (...) -, (...) ele só receava era a dá-lo no outro dia. A gente levava metade do dia: "Olha ele ! Olha uma postinha de peixe. Olha uma postinha"... Dava a toda a vizinhança e às pessoas conhecidas. INQ Portanto, quando, a maior parte das vezes que comia peixe, esse peixe custava algum dinheiro? Tinha que o comprar? INF Não, não, não. Meu sogro ia, ele era meu. Meu sogro ia e trazia para casa. Às vezes vinham sete e oito num pau, enfiados, para casa. E a gente não salgava. Aquilo era tudo picadinho e depois dava-se aos parentes, e conhecidos, e amigos, e vizinhos (...) . Às vezes quase todo o povo comia do nosso peixe. Agora ele já ninguém dá. Agora é tudo vendido. INQ Então mas antigamente, havendo assim muita gente a pescar e havendo muito peixe, o peixe era vendido ou era oferecido? Dava, ia-se dando assim o peixe... INF Pois algumas pessoas iam ao cais comprar, assim algumas pessoas. (...) Mas não era tão caro como agora. (...) Aquilo era quase de graça. INQ Assim, antigamente, mais ou menos, na vila, durante... Comia-se peixe, portanto, nestes, nestes meses de Verão em que aparecia mais peixe, havia para comer todos os dias, ou dia sim, dia não, ou quantas vezes assim por semana poderia aparecer o peixe na mesa? INF Ó senhor, pois eu não sei. Aqui não era todos os dias que eles não queriam, os meus homens. Mas eu comia. Eu comia todos os dias quando tinha. Fazia uma vez duma maneira, outra vez doutra e comia sempre peixe. Gosto muito de peixe.
CRV16
INQ O que é que se come geralmente nessa, nessas alturas? INF Pois a gente tem sempre o nosso feijão, temos as nossas verduras nas nossas terras. INQ Que verduras são essas que se?... INF Couvinhas, nabos, cenouras, repolho. A ervilha é no Verão. Quê? Mostarda. A gente temos sempre estas verduras. INQ Portanto, n-, n-, nesses meses onde não, onde não havia nem peixe, nem porco, o que se comia eram estas, eram estas verduras? INF Sim, fazia-se a sopa, ou atum, também se compra nas lojas, e bacalhau. INQ Rhum-rhum. INF Aqui não há mas vem de fora. INQ Como é que, como é que cozinhavam então estas, estas verduras? INF Cozido. INQ Era cozido. Não lhes, não eram comidas misturadas com nada, nessa altura, portanto, tendo o porco acabado e não havendo peixe?... INF Pois tem que as comer sem nada. INQ Come-se, comia-se sem nada, não era? INF Mas a gente aqui sempre tem, em nossa casa. Mas há pessoas que... Mas agora ultimamente já há menos pessoas nas casas, sabe? Já há menos família. Mas antigamente quando era umas oito e nove e dez pessoas em cada casa, aquilo acabavam tudo logo, pois com certeza.
CRV17
INQ Portanto, havia muitas casas que não tinham porco? INF Não senhor. (...) Aqui (...) há pouca ou nenhuma casa que não mate porco. INQ Pois. Mas... INF Mas antigamente era (...) muitas pessoas, sabe? Um porco, ou dois ou três, para oito e nove e dez pessoas, aquilo não dava nada. Antigamente padeciam muita fome. INQ Portanto, o que é que lhe parece que, que, há, há mais porcos ou há menos gente? INF Menos gente! INQ E... INF Há casas com duas e três pessoinhas. (...) Eles tinham cinco e seis, e sete e oito filhos. Era muita família. INQ E o número de porcos, acha que tem aumentado apesar de ter diminuído o número de pessoas ou, ou o número de porcos é mais ou menos o mesmo? INF (...) Antigamente eu não sei, mas era talvez mais ou menos. Aqui toda a vida mataram dois porcos. INQ Pois.
CRV18
INQ1 Qual é a última festa do ano? INF1 Ó senhor, depois vem é o Espírito Santo, vem a Sagrada Família, depois São Pedro, Nossa Senhora - chamam-lhe a Senhora dos Milagres -, a Senhora da Conceição, o Natal. Depois vem outra vez o primeiro dia do ano, é ele uma festa. INQ2 Portanto o Natal faz-se já com o porco novo ou faz-se ainda com o porco antigo? INF1 Não, é com o porco novo. INQ1 Então no Espírito Santo, sen-, sendo assim a primeira, a primeira festa que vem, o que é que se costumava comer na?... INF1 Carne. INQ1 Era a carne, a carne de vaca? INF1 Carne de vaca. Matam sempre carne para o Espírito Santo. INQ1 Como é que é... Como é que essa carne de vaca é aproveitada nas, para o Espírito Santo? INF1 A carne é aproveitada... Eles vendem às pessoas que vão comprar, aos irmãos. Toda a gente compra carne do Espírito Santo. Eles fazem lá o rolo para o caminho, para saber quantos quilos de carne há, o que querem. A gente deita o que quer e depois (...) eles matam a carne na sexta-feira e no sábado de manhã vamos buscar. Faz-se então sopa, o cozido, (...) os bifes, o assado, ou como se quer fazer. INQ1 O... Por altura do Espírito Santo não se costumava, não se costuma fazer nenhum doce, nem nada? INF1 A gente faz os nossos bolos, a nossa massa sovada. INQ1 Mas não há assim uns doces mesmo próprios de se fazer no Espírito Santo?... INF1 Rosquilhas. INQ1 Rosquilhas? INF1 Rosquilhas. INQ1 Como é que são essas rosquilhas? INF1 Não são pequeninas como aquelas que estão - olhe - ali. São grandes, é a massa sovada! INQ1 E não há mais nenhum, mais nenhum doce que seja mesmo próprio de se fazer no, no Espírito Santo? INF1 Para oferecer ao Espírito Santo ou para comermos em casa? INQ1 Para as duas coisas. INF1 Não. Para oferecer era ou bolos (...) ou rosquilhas. INQ1 Rhum-rhum. INF1 Então em casa a gente faz um pudim, (...) ou qualquer coisa que a gente queira fazer. Geralmente aqui é quase sempre é um pudinzinho. INQ1 Não havia hábito de fazer espécie, por exemplo? INF1 Não. Ah, mas sempre foi rosquilha e bolo. INF2 Ele antigamente (...) faziam. Ele tinham assim fé com o Senhor Espírito Santo. INF1 Não, pode ter ela razão. INQ2 Tem é que falar mais alto. INF1 Isso é para gravar mesmo? INF2 Tinham fé com o Senhor Espírito Santo e agora, se uma pessoa (...) partia uma perna, prometiam fazer uma perna daquela massa ao Senhor Espírito Santo. Do mesmo modo se dava assim com as crianças. Se morria assim alguma criança, assim no outro tempo ou isso, também faziam meninos (...) de massa e ofereciam. Depois se alguém torcia algum braço ou assim, etc, qualquer coisa, faziam disso. Mas depois tiraram isso para fora e geralmente é só rosquilhas. Fazem dessa própria massa sovada, que é massa assim boa. Só fazem já rosquilhas. Às vezes - ainda é do meu tempo! -, chegavam assim ali ao império e começava-se assim (...) ... Às vezes, (...) por exemplo, um pé, se ia algum pé (...) assim mais escangalhado (...) e isso, isso depois era uma festa, riam-se. E parecia assim uma coisa... E então tiraram isso. Deixaram de fazer isso e estas promessas agora é sempre rosquilhas e bolos. Porque essa massa então é arrematada (...) ... INQ1 O... A seguir ao Espírito Santo qual é a festa que vem? INF2 Pois é conforme. INF1 É conforme. Às vezes é a Sagrada Família, outras vezes é São Pedro. INQ1 Em que dia é que calha esta festa da Sagrada Família? INF1 A Sagrada Família, geralmente, o dia dela é o primeiro domingo a seguir (...) ao primeiro dia do ano. Mas fazem a festa é de Verão. Aqui as festas costumam ser sempre é no Verão. São Pedro sempre é a 29 de Junho, mas também é sempre mais para o Verão que fazem a festa - Julho, Agosto. INQ1 Que, como é que se escolhe... INF2 O Inverno é triste para festas - dias como hoje! INQ1 Co-, como é que se escolhe o dia da festa da Sagrada Família? INF1 Pois é entre os mordomos e os cabeças. A Sagrada Família tem cinco ou seis cabeças. Irmãos do Espírito Santo chamam-se cabeças. INF2 Chamam cabeças; é como se chama a uma comissão. INQ1 E... INF1 E então eles combinam: "Olha, há-de ser em tal tempo". Pronto. Arranjam as coisas e é mesmo nesse tempo que destinam.
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INQ Como é que é cozinhada essa carne de vaca? INF1 Para fazer sopa, é cozidinha com toucinho do fumo, chouriça, carne e alho, cebola, tomate, e é a florinha couvinha e nabo. INF2 Couvinha, hortaliça e nabinho. INF1 Cenoura. INQ Põem nabo também? INF2 Sim senhor. INF1 Sim. Couvinha e nabo. INQ E depois a carne fica cozida e co-, e é comida assim? INF1 Come-se a sopa e depois come-se a carne e a batata e o chouriço (...) ... INQ Portanto, a carne é, é, é só comida cozida? Ou também se come doutras maneiras? INF1 Também se pode assar (...) ou fazer bifes. INQ Mas isso era habitual? INF1 (...) Isso é (...) como a gente destina fazer esse dia, como a gente quer. INQ E antigamente a carne era, era comida mais cozida ou mais assada? INF1 Pois isso é conforme o gosto das pessoas. Conforme o gosto de cada um. INQ Quando se assa... Quando se assa a carne, como é que ela é assada? INF1 Põe-se de vinha-de-alhos primeiro. Parte-se aos quadrinhos, depois põe-se de vinho-de-alhos, em alho, e sal, e malaguetas e vinho. E depois frita-se. INF2 Pois. INF1 E depois é então... Faz-se a cebolada como já disse. INQ Diga-me lá outra vez como é que faz cebolada que eu já não sei. INF1 (...) Frita-se cebola, e alho, e pimenta, e o quê? Tomate. Depois (...) frita-se isso bem frito e depois coze a carne aí e aí está. Um pouquinho de vinho branco e aguinha e é assim o molho para a carne frita. Costumamos dizer assada cá na terra. INQ Enfim, e esta, esta carne assada é, é comida com quê? INF1 Puré de batata (...) ou arroz de manteiga (...) ... INF2 O pãozinho. Assim. Comi muito poucas vezes! INF1 Às vezes, batata só ao natural. É conforme o gosto das pessoas. INQ A carne não tem outro processo de ser... Portanto, além de cozida e assada, quando se come, por exemplo... INF1 Bifes. INQ Os bifes, como, como é que... Como é que os bifes eram feitos, antigamente? INF1 Tempera-se com alho e sal. INQ E são comidos assim. INF1 (...) E fritam-se, ficam ali em manteiga. Depois, ele faz-se ou batata frita ou arroz de manteiga ou não se faz mais nada. INQ A galinha, como é que a galinha costuma ser aproveitada? INF1 Primeiramente uma canjinha que é muito boa! Risos INQ Na canja, como é que se prepara a canja para se fazer o arroz? INF1 A canja é (...) os miudinhos da galinha, o fígado, a moela, as asinhas, o pescoço, e coze-se com água e sal, alho, cebola, tomatinho - só - e a banha da galinha, e um arrozinho - batata quem quer. E aí está a canjinha. INQ Pois, e a própria carne da galinha? A própria... Os lombos, as coxas e isso tudo? INF1 Isso pode-se fritar (...) e guisa-se. INQ Pois. E para fritar... INF1 Põe-se de vinho-de-alhos também. Põe-se de vinho-de-alhos essa galinha e depois frita-se e faz-se assim a cebolada como a da carne. INF2 Guisa-se é com batata e arroz. INF1 Guisa-se com batata ou com arroz. INF2 O mesmo de sempre . INF1 Há galinhas de muita maneira.
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INQ Quando é que acabou essa fábrica? Não se lembra? INF1 (...) Há quatro ou cinco ou seis anos. Já há muitos anos. Ou há sete ou oito. INF2 Os anos passam. INF1 Os anos passam depressa e já há muitos. E agora tudo o que as pessoas que podem fazem é o queijo e quem não pode tira a nata e faz manteiga. INQ Portanto, como é, como é que se prefere sempre aproveitar o, o leite? Qual é a melhor maneira de aproveitar? INF1 As pessoas que podem fazem os seus queijos. INQ Pois. INF1 Umas vendem e outras ficam abastecidas em sua casa, para abastecer a casa. INQ O queijo é vendido para onde? INF1 Aqui, a algumas pessoas (...) ... (...) E mesmo de fora porque os dias de navio é tudo a comprar, e de fragatas, e para as Flores. Porque o nosso queijo do Corvo é muito apreciado! INQ Além do queijo... Portanto, o queijo é a m-, é a, é, é o modo como se transforma mais?... INF1 Sim, sim. INQ E a manteiga, faz-, faz-se a manteiga?... INF1 Faz-se a manteiga em casa, para o uso de casa. INQ Pois. INF1 Eu cá por mim nunca vendo. INQ E o leite, é, é, depois, o leite simples... INF1 Depois vai para os porcos. INQ O leite vai para os porcos? INF1 Depois eu tiro a nata e depois o leite é para os porcos. INQ Pois. INF2 Depois é esses. Depois é esses . INF1 Sim, quando há bezerros, cria-se os bezerros. INQ Há, há muito hábito de as pessoas beberem leite? INF1 Os que gostam bebem o seu leitinho. Eu por mim bebo pouco. INF2 Eu por mim bebi hoje logo uma chávena e gostei bem! Risos INQ Bebe-se... Mas é uma coisa que aqui na ilha bebe, se bebe muito, é? INF1 Sim. Há pessoas que gostam muito de leite mesmo. Fervem (...) e bebem à noite. INQ Pois. O que é que as pessoas bebem mais aqui, aqui na ilha? INF1 Olhe, ele uns é leite e outros é café, outros é chá. Isso varia. INQ Mas aqui o que é que lhe dá a impressão que há mais aqui na ilha? INF1 Eu por mim posso começar a votar que gosto de café. INQ Café? Risos
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INQ O café que se bebe aqui em toda a ilha é mais o café puro ou o café de cevada? INF Pois olhe, o meu marido bebe sempre é de cevada, nunca bebe puro. Eu por mim, eu gosto de puro. De manhã, não dispenso. E minha sogra até bebe é só da Pensal, essa solúvel. Isso varia. Há pessoas que gostam mais de café puro e outras não. INQ Bebe-se muito chá? INF Chá, há pessoas. Eu tenho aqui um vizinho meu que bebe bastante. Gosta muito de chá. INQ E, por exemplo, há assim o hábito de se beber assim género de bebidas, aguardentes e?... INF Ó senhor, aqui há poucos bêbados ou nenhum. E os que estão assim que gostam nem sequer são da terra.
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INQ Como é que se fazem esses licores? INF1 Olhe é: eu tiro a casca... As laranjas quando vêm (...) das terras, eu tiro-lhe aquela casquinha muito fina e deito em água. INQ Pois. INF1 E estão ali uns dias em água. Depois fervo a água (...) e deito açúcar (...) ... Ah, mas para fazer o licor é um litro de água e um quilo de açúcar. É um quilo e meio de açúcar. INF2 Não é um quilo? INF1 É um quilo de açúcar. Depois ferve-se muito bem fervido e deita-se o álcool a gosto. Aquela essência que eu já lhe disse, daquela laranja, e depois deita-se o álcool a gosto. INQ A casca. Não são as laranjas inteiras? INF1 Não, não. É a casca. INQ Pois. INF1 É aquela casquinha muito fininha, amarelinha, por fora. INQ Além deste licor de laranja, há mais algum licor que se costume fazer por aqui? INF1 Olhe, é de limão, que também há pessoas que fazem. Não sei se mais alguma coisa. INF2 (...) Há essências próprias. INF1 Sim. (...) INF2 Mas por cá (...) nunca chega isso. INQ Não se faz? INQ Não, nunca, não se lembra de alguma vez se ter aproveitado, por exemplo, assim, o trigo ou o milho para fazer, para fazer nenhuma bebida alcoólica? INF1 Não, não, não. INF2 Não senhor. INQ Umas cervejas, ou aguardente, coisa assim, nunca serviu nada? INF1 Não senhor. Não se usa não. Aqui não. INF2 Nada, nada. Não. Nada.
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INQ Então, e quando chega, por exemplo, no, na altura do Verão, e, e, por exemplo, se vai trabalhar para a, para as eiras, não é costume arranjar uma refeição especial para essa altura, para, para quem está lá a trabalhar? INF1 Ai, era o que a gente tínhamos em casa! A nossa matança, carne, se há carne, peixe! INQ E era o que se dava nessa altura. Mas era um dia em que havia uma refeição diferente das outras? INF1 Não, pois as pessoas estavam na eira... INF2 Então, meu filho , não pode haver muito tempo. Têm que trabalhar! Risos INF1 Agora até já nem sequer se debulha. Mas isso eram dias muito cansativos. INQ Pois. Não se fazia uma refeição forte no fim das eiras? INF1 Costumavam assim: ovozinhos estrelados, muito fígado, carne, peixe - ou o que temos!
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INQ1 Fazia-se alguma comida especial no Natal? INF1 Pelo Natal faz-se sempre as nossas filhós. INQ1 Ai sim? Como é que isso é feito? INF1 Na noite da consoada. É farinha, e é ovos, e é limão, e açúcar. Mais quê? Açúcar e há algumas pessoas que põem aguardente. Amassa-se tudo muito bem amassadinho (...) - e fermento! - e aquilo leveda e fazem-se as filhós. INQ1 E, e não, não há mais nada próprio do, do Natal? Por exemplo, em chegando à noite de Natal, a consoada... INF1 Ah, pois têm os nossos pudins, os nossos bolos... INF2 Há costumes desta terra. Há pessoas que têm o bacalhau para esses dias, mas também aqui não chega para todos. INF1 E há pessoas que têm bacalhau. Aqui, mesmo aqui, em nossa casa, eles não gostam de bacalhau. INF2 A galinha. Depois matamos a galinha. INF1 É a galinha. INQ1 O bacalhau era difícil de arranjar aqui nesta?... INF1 Aqui não há. INQ1 Pois. INF2 Não há. INF1 O que vem é de fora. INQ1 Quando havia era guardado para que altura? INF1 Pois ele nunca vem assim com muita abundância para aqui. INF2 Nunca vem. Nunca chega. INQ1 Mas se, se por exemplo, chegasse agora um dia destes, uma, uma saca de bacalhau, as pessoas comiam-no logo ou guardavam-no?... INF1 Não, ele guardava-se para durante o ano e ia-se comendo. INQ1 E escolhia alguns dias especiais para comer esse bacalhau ou comia-se aí num dia qualquer? INF1 Não era num dia qualquer. (...) INF2 Pois, era peixe. Isso é peixe. INQ1 Era peixe. Na, no Natal não havia mais nenhum doce assim próprio de se fazer nessa altura? INF1 Bolo de Natal. INF2 (...) Faz-se muitos bolos. INQ1 Como é que é esse bolo de Natal? INF1 Ó senhor Pedro, eu tenho a receita, só pela receita. Eu de cabeça não sei. INQ1 Mas é um bolo de, antigo, de se fazer?... INF1 Não, não. Tem frutos e não sei o quê. INQ2 Mas já se fazia há muito tempo cá, ou não? INF1 Pois eu não sei. Eu cá por mim, eu tenho aqui a receita. A fita está a correr. INQ2 Não faz mal. INQ1 Ah, deixe estar isso. INF1 Ora, está mesmo aqui. INQ1 Quem é que lhe deu esta receita? INF1 Ó senhor, eu tiro duns livros, daqui e dacolá. Já de há muito tempo que eu tenho isto. INQ1 Rhum!
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INQ Pela passagem do ano, há alguma... INF1 E bebidas! Também há bebidas no dia de Natal. INQ Ah! Quais são então? Diga lá. INF1 Olhe, é o que há: uns licores, umas bebidazinhas, conforme o gosto de cada um. INF2 Um licorzinho! Dessas caixas de garrafinhas que há aí, também bebemos! Fazem-se cá uma espécie de licores doces . INF1 Anis. INQ Mas não havia nenhuma bebida que se fizesse mesmo para o Natal ou uma bebida própria do Natal? INF1 Não! (...) Aqui só se faz assim uns licorzinhos em casa, porque de resto não se faz bebidas nenhumas. INQ Na passagem do ano... INF1 Os mesmos docinhos, é uns docinhos, uns docinhos quaisquer. INQ Quer dizer, não há nada próprio da passagem do ano? Umas coisas que só se comam na passagem do ano mas que não se comam no Natal nem?... INF1 Não. É galinha sempre, pelo primeiro dia do ano, ou carne (...) . INQ Pelos reis, também não faziam?... INF1 Os reis, já ninguém faz festa.
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INQ E o, pelo entrudo? INF1 Pelo entrudo há galinha. Come-se até chegar com o dedo ! INF2 (...) Esse dia a galinha vai à morte, de certeza, em todas as casas. INQ Então, o dia de entrudo é um dia... INF1 A galinha é em todas as casas cá na ilha! Todas as casas matam a sua galinha. INQ Porque é que se mata galinha em todas as casas? INF1 É um estilo, um costume antigo, uma tradição antiga ele que se mate a galinha! INF2 (...) INQ ... INF1 E se não se mata a galinha, ela morre. INF2 Dizem. INF1 Se não se mata a galinha do dia de entrudo - "Ah, tenho poucas, não mato"! -, pronto, ela morre logo. Risos INQ E estas, as galinhas são cozinhadas de alguma maneira especial, as da, pelo entrudo? INF1 É conforme: com recheio... INF2 E o almoço tem de ter oito ovos ou fatias douradas. INF1 É verdade. INQ Ah, tem de haver ao almoço?... INF2 Tem que ser. Isso tem que ser. INF1 Tem. Isso é. INQ Como é que são as fatias douradas? INF1 É pãozinho. Pão de trigo. INF2 O pão em fatias. INF1 Faz-se fatias, bate-se ovos com limão, açúcar, e molha-se. INF2 Açúcar. E é molhado naquilo e vai à frigideira e é fritar. INF1 É fatias ou sopas fritas. INF2 Fritavam na gordura. Depois leva canela por cima e açúcar. INF1 O nome é fatias douradas ou sopas fritas. INQ Só leva... O açúcar só leva por cima? Não leva... INF1 Não, leva no ovo também. INF2 Hoje vou fazer ovos . INF1 E depois põe-se por cima e canela.
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INQ1 Há alguma comida própria do domingo de Páscoa ou de?... INF2 Domingo de Páscoa todos têm que fazer os seus... Chamam-se folares. INQ1 Rhum-rhum. INF2 É esta massa sovada que se faz. A tudo chamam folares. Nesse dia tem que ser isso, depois para domingo, não é? INF1 Para ficar. INF2 Aparece quase sempre. INQ1 A massa sovada, não, não põem nada dentro da massa sovada e?... INF1 Oh! INF2 Nesse dia põe-se um ovo! INF1 E amêndoas! INF2 E amêndoas lá dentro. Sim senhor. Há pessoas que põem amêndoas e outros põem é lá o ovo. É tudo tradições antigas. INQ1 Por exemplo, quando uma pessoa... Quando por exemplo uma pessoa faz, faz anos, no dia de anos da pessoa, antigamente o que é que se fazia para?... INF1 Então, festeja-se com uns bolinhos, com galinha ou carne, ou com o que há. INF3 Estão bons? INQ1 Boa tarde. Está bem? INQ2 Olá.Viva. INQ1 O que é que era? Era... INF1 E umas bebidazinhas. INQ1 Na... Por altura, por exemplo, do, duma, dum baptizado... INF4 Ora, boa noite, meus senhores. INQ1 Boa noite. INQ2 Ora viva. Boa noite. Não faz mal. Deixe estar. INQ1 Deixe estar, deixe estar, não tem importância. INF1 Isto está gravando? INQ1 Por altura dum, dum baptizado, era, fazia-se alguma refeição especial para o baptizado? INF1 Faz-se. Faz-se uns docinhos e as famílias vão. INQ1 Só mais uma coisa: quando, quando morre alguém em casa e... INF2 Isso ele é que são dias tristes. INQ1 Pois, mas não... INF1 Não, não comem lá como na América. INF2 Não, não. INF1 Não comem nas casas aqui no Corvo como na América. INQ1 Pois, mas não... Cozinha-se na casa? INF2 Não, nada. INF1 Não. As pessoas (...) , parente ou vizinho ou amigo (...) , é que vão levar. INQ1 É que trazem. E o que é que elas costumam levar? INF1 Umas sopinhas ou uma canjinha de galinha quase sempre. INF2 Uma canjinha de galinha quase sempre. INQ1 Qual, qualquer comida serve para essa altura?... INF1 Pois nessa altura ninguém come. INF2 Porque, nessa altura, a garganta não ajuda ele a muitas comidas, sabe? INQ1 Pois. E as pessoas, ao saber isso, o que é, o que é que preferem levar a quem está de luto? É umas comidas mais apaladadas ou mais simples? INF1 Canjinha. É coisas assim de beber, simples. INF2 Levavam umas sopinhas levezinhas. INQ1 Levam uma, uma canja e que mais?... INF1 Sim. Uma canja... Não, ele nesses dias não se pode beber, é coisinhas muito leves. INF2 Bolachas, chá e pouco levam mais . INF1 Leite. INQ1 Mesmo... E isso é levado na, às horas das refeições ou é levado durante toda a noite em que, em que se está?... INF1 Não, toda a noite não porque também não se está a comer sempre. INQ1 Sim, sim. Mas vai chegando assim durante a noite, agora uma, depois outra pessoa... INF2 Não, também não é tanto assim. INQ1 Pois. É a altura da refeição? INF2 É uma ou outra. INF1 Sim, é a altura da refeição.
CRV28
INF1 A festa de São Marcos, (...) as pessoas que se casam naquele ano... Aqueles que se casam naquele ano vão para cima dum carro, enfeitam um carro muito enfeitado, com uns cornos, com uma cabeça de vaca, Risos (...) com verduras, com coisas, e depois é um carro de bois. INQ1 Pois. INF1 E depois os rapazes pegam (...) no cabeçalho e correm pelas ruas com os que se casaram em cima - e com as latinhas no carro! INQ1 Mas isso é no dia do casamento? INF1 Não, não. Dia de São Marcos. INQ1 No dia de São Marcos? INF1 Sim. Por exemplo, os que se casaram dia de São Marcos do ano passado até este ano - está compreendendo - é que vão. INQ1 Sim, sim. Os que casaram nesse intervalo. INF1 Sim, está a compreender? INQ1 Sim. INF1 Dum dia de São Marcos ao outro é que vão. INQ1 Pois. Ai, que giro! INQ2 Quando é que é esse dia de São Marcos? INF2 25 de Abril. INF1 É a 25 de Abril.
CRV29
INQ1 Onde é que se ia buscar água aqui antes? Era às?... INF1 Aos chafarizes. INQ1 E ali o do Outeiro, era a?... INF1 Era um chafariz. O chafariz do Outeiro. INQ1 Rhum. E lá em cima, como é que chama lá em cima onde se lavava a, a roupa? INF1 A Fonte do Cimo. INQ2 Como? INF1 A Fonte do Cimo. Era a Fonte do Cimo. Havia no Jogo da Bola, no Outeiro e nas Pedras. INQ1 Olhe... INF1 (...) E antigamente a água vinha era por cima da terra, (...) não era no rego, como se chama. (...) Já foram à casa (...) do Josias, lá acima, à casa da Baía das Pedras? INQ2 Sim, sim. INQ1 A casa do meu tio. INF1 Aí mais em cima, onde ele 'fostes' (...) descascar milho, ao Funchal , INQ1 Sim. INF1 a água vinha ter aí onde descascaram o milho. INQ2 Rhum-rhum. INF1 Vinha por cima da terra (...) numa calhazinha. INF2 Numa calha. INF1 E iam-na buscar toda, aqui para baixo, ao quadril. INQ2 Pois. INF1 A água vinha toda para aí. Agora ele no Verão com quentura, a água como é que chegava acolá por cima da terra?! INQ2 Pois. INQ1 ... INF2 Aqueles era bem valentes à vista de agora. INF1 O quê? INF2 Eles eram bem valentes à vista dos de agora. Agora é muita limpeza e muita coisa e está tudo cheio de morrinha que ele não valem nada. INF1 (...) E tinham agora ele no sistema, coitadinhos, fraqueza. Eu via uma tia minha, avó, que viveu aqui em nossa casa, tinham agora (...) fraqueza. Aquilo era como Nosso Senhor os ajudava. (...) Uma vaca agora que dava a cria pela primeira vez, ordenhar agora a primeira ordenha e irem deitar agora (...) numa corrente, numa ribeira onde estava correndo água, (...) a gueixa que era boa, que dava muito leite! Risos Então, (...) tinham os bezerros aqui, (...) a primeira vez, aqui nestas terrinhas aqui perto, perto dessa nascente, mas não tinham outra água onde a fossem botar. Iam (...) deitar o leite na água onde a gente bebia, que chegava então a água aqui em baixo toda suja. Ah, paciência! Pois ele é assim. INQ2 Pois. INF2 Era a miséria! (...) INF1 Ó homem, não. Ele também não era tudo miséria, era era ele fraqueza! INF2 Não, miséria! Não era fraqueza não. Era miséria. INF1 Oh, miséria de nada! Miséria agora botar (...) o leite na água! INF2 Ah, pois olha que é (...) ... INF3 A tia Gilda é que contava? INF1 Era! Era! Ouvi-lhe mais do que uma vez, essas coisas agora assim que faziam aí.
CRV30
INF Outra vez ele estava apastorando os porcos numa terra, era no Pico. Os homens costumavam - eu já falei aqui - acartar terra às costas (...) para as terras deles produzirem alguma coisa. As mulheres iam de casa levar comida aos homens, ao meio-dia. A comida era quase sempre couves e toucinho (...) . Porque ninguém levava só a comida que eles comiam, sempre levavam a mais. Davam agora essa comida a pequenos agora que encontravam no caminho, com fome. Era no caminho lá das terras lá para cima. Esse homem estava lá apastorando os porcos, e veio-se para o caminho deitar lá (...) numa escada (...) pensando que elas que lhe haviam de dar a comida. "Não, a gente não vos dá que a gente levamos muita pressa e vocês não têm pratos para vos deitar a comida". No outro dia foram correr os matos - a gente chama-lhe hortinhas, que têm inhames -, apanhar ele copas de inhames para elas lhe deitarem as couves nas copas de inhame para comerem. Ele dizia que (...) tinha muita fome! Tinha muita fome! Falava nisto muitas vezes, e em coisas assim que ele contava agora. E também o pai do Felício também ele contava que também tinha tido muita fome, também. Agora minha avó era mais velha do que ele. Minha avó dizia que fome de pão que nunca tinha tido, que o pai que vendia muito milho. INQ Só alguns é que talvez tinham. INF Nos Moinhos tinham muita fome. Trabalhavam muito com muita fome.
CRV31
INQ1 E dá algum nome à, à parte que fica virada para o sol? INF1 Ah, o nome que tem é os 'Pasteles'. INQ1 Mas assim de qualquer monte, quando fica mais quente? INF1 Hum. Não, não se chama mais nada. (...) INQ1 Não diz que é, que é so-, que é mais soalheiro, mais?... INF1 (...) Ele soalheiro é (...) onde está abrigo. INQ1 Soalheiro é onde está abrigo? INF1 Onde está abrigo (...) . Tanto faz ser ele naquele lado de lá, como é ser neste daqui. (...) O monte se for aqui e o vento for de lá e ele estiver abrigo por cá, acolá está soalheiro. (...) E se o vento for daqui e o sol está dando por lá, que está de abrigo, aqui está soalheiro. INQ1 Rhum-rhum. INF1 É onde está abrigo. INQ1 Pois. Olhe, e o monte quando é assim mais pequeno? INF1 Ah, o monte é o monte. Não chamam mais nada. INQ1 E, ali o, o... Ai, não é não. INQ2 O que é um cabeço? INF1 Um cabeço (...) é um sítio onde fica mais altinho ele um pouco. Ele (...) o que está agora o monte que seja (...) como esta casa é um cabeço.
CRV32
INQ1 Uma barroca, o que é? INF1 A barroca é (...) um bocado de terra (...) sem pedra. Ainda que tenha alguma pedra, logo que é terra e é alta, chamam barroca. INQ2 Mas sem pedra? INF1 Sim senhora. INF2 Se tem alguma pedra é daquelas pequenitas . INQ2 Só se for de terra? INF1 Só que tem terra, (...) ainda que tenha alguma pedra, porque é raro haver terra sem ter pedra caldeada nela. INQ2 Pois. INF1 Mas logo que é terra... INF2 Ele se tem terra, chamam logo barroca. INF1 É barroca. INQ2 E se for de pedra, assim um?... INF1 É uma pedreira. Pedreira ou uma verga (...) ... O mais é pedreira! INQ1 Rhum-rhum. Olhe, e ali, lá para cima há um, uns sítios que até têm uma, querendo-se abrigar quando chove... INF1 É furnas. INQ1 Aquela ribeira que fica antes do... Ai, com o diabo! Como é que se chama aquele sítio quando se vira para a, para a Casinha Velha e que se vai para o Pico? INF1 É Outeiro da Roça. INQ1 Olhe, há uma ribeira antes do Outeiro da Roça? INF1 A Ribeira da Lapa. INQ1 Nunca chamam lapa à gruta? INQ2 Nunca chamam lapas àquelas pedras que estão assim, onde as pessoas se abrigam? INF1 Não senhora. Nada. INF2 Chama-se furna. INF1 É uma furna. INF2 Aqui é a furna. INF1 A furna. Logo que tem abrigo (...) para nós nos abrigarmos é uma furna. INQ1 Olhe... INF1 Ou uma aba. Uma aba. (...) Se é agora ao pé (...) de um rochedo que tem agora... INQ2 Pois. INF1 Fica inclinado. "Abriguei-me em tal sítio, numa aba assim". E agora furna, faziam-se furnas agora, (...) furnas, era a cavar agora (...) numa barroca como eu já disse, para os animais se abrigarem lá. Os porcos, por exemplo, quando iam para o baldio - punham-nos lá no Verão temporadas grandes; iam para lá alguns em Março e vinham agora por este tempo - então aquilo ele um abrigozinho para dormir de noite, agora ele no tempo frio. INQ2 Pois. INF1 Faziam-se agora furnas nessas barrocas para eles se abrigarem lá. E também se faziam furnas em certos sítios para a gente se abrigar, ele em certos dias. Hoje já não querem isso. Mas eu mais o Felício já nos abrigámos muitas vezes. Estávamos de manhã até à noite metidos nessas furnas, a chover, para se trazer o leite das vacas à noite. Mas agora vêm para casa que (...) é muito mais prático e muito melhor saúde! É, é!
CRV33
INQ1 Arrúdia? INF1 Ah, também não temos cá isso. INQ1 E o zimbro? INF1 Zimbro sim. Zimbro temos. INQ2 Como é que se chama? Chamam zimbro? INF1 Zimbro. INQ1 Como é que é? Como é que é o zimbro? INF2 Dá umas bolinhas azuis escuras. INF1 (...) umas bolazinhas azuis. E depois quando vão amadurecendo fazem-se amarelas. (...) Os raminhos, ao princípio, são assim, por exemplo, desta largura - vê? - e depois (...) vão então engrossando. E a folha é uma folhinha curtinha e delgadinha, de cor... E agora ela quer-se fazer negra. Mas ele (...) não é agora bem negra. INQ2 Pois. INF1 É escura. E a folha é miudinha. INQ1 Rhum. INF1 Disso temos cá. Faz-se (...) lenha e (...) utensílios (...) de bois: carros, arados, é grades, etc, dessa coisa. É utilizada para isso. (...) O que serve (...) para utensílios de lavoura é guardado e o que não presta para o lume. INQ2 Pois. Mas não é isso que se chama pau branco? INF1 Não. O pau branco é outro. Não senhora. O pau branco é outro; é ele (...) madeira mais dura e a folha do pau branco é negra, recortada. Também é folha miudinha mas (...) o zimbro é só uma coisinha ele âmago como uma pena de (...) ... Pena nada! É uma coisa de nada. INQ2 Pequenino? INQ1 É mais, é mais compridinho e estreitinho? INF1 Sim. Uma coisinha compridinha. Não tem mais comprimento do que esta unha. INQ1 Rhum-rhum. INF1 E uma coisinha muito delgadinha. INQ1 É isso. Olhe... Diga. INF1 Eu amanhã, se calhar, até lhe hei-de trazer umas coisinhas para mostrar. INQ2 Está bem. Eu gostava de ver. INF1 Eu hei-de trazer se me lembrar. Ando assim com a cabeça muito esquecida, mas ele eu hei-de trazer uma coisinha na algibeira (...) para ver. INQ2 Sim senhor.
CRV34
INQ E aquela que se põe nos presépios? Aquela erva que se arranca para pôr nos presépios e que se punha nas almofadas? INF Musgo. Há de duas qualidades: há o musgo nas hortas que o gado comia. (...) Já não há. INQ Rhum-rhum. INF Não digo que não haja nalgum, mas pouco. Mas (...) todas as terrinhas de mato - o Forro, a Ribeira da Ponte, as Rocinhas -, aí dava muito desse musgo. Apanhava-se molhos (...) para o gado comer (...) no Inverno. E há outro que dá (...) nas relvas. Já não querem isso agora, querem é outras coisas. As mulheres quando era em Fevereiro, Março, iam com sacos buscar para casa (...) para as travesseiras. (...) Mas agora já não vai ninguém. INQ Rhum-rhum. INF Já não querem isso.
CRV35
INQ1 Olhe, e uma que parece como... Esses que há aí para cima que parecem que é um guarda-chuva? Portanto que têm o pezinho e depois têm... São baixinhos. INF1 Cogumelo? Esse também há. INQ1 E é... E parecido com esse há só o cogumelo ou há outros? INF1 Pois é, eles são (...) duas espécies ou três. É uns que há (...) ... Não sei (...) como é que hei-de chamar agora. A parte de cima é agora parecida com este aqui (...) e é grossa. E outros é só uma coisinha, (...) uma coisinha fininha. INQ1 Rhum-rhum. E não há outros que crescem debaixo da terra? Aqui? INF1 Não há. INQ1 Olhe, por exemplo, há umas... Sei lá, o, o zim-, o zimbro não é bom para comer porque pode ser?... INF1 (...) Pode ser prejudicial à saúde (...) . INQ1 Mas que se, se fosse, se matasse, eu dizia: "Olha, não comas isso porque isso é"?... INF1 É veneno. INQ1 É muito?... INF1 Muito mau. INQ2 Uma coisa que tem veneno, diz-se que é?... INF1 É má. INF2 Venenosa. INF1 É venenosa. INQ1 Venenosa. E se fosse o zimbro, dizia assim: "Olha, não com-, não comas esse zimbro porque ele é"?... INF1 É venenoso. INQ1 E se fossem vários pés de zimbro, eu dizia: "Olha, esses pés são"?... INF1 São venenosos.
CRV36
INQ1 E antigamente quando não havia coalho, que é que se punha no leite para ele co-, coalhar? INF1 Era o coalho do bezerro. INQ2 O que era? INQ1 Como é que é? INQ2 Assim uma coisa da barriga... INF1 É o... INQ2 Estômago. INF1 É o que está no estômago do bezerro. INQ1 Rhum-rhum. INF1 O bezerro quando tinha ali (...) uns quinze dias, três semanas, matavam-no e tiravam-lhe (...) ... Era o estômago, não era? INF2 Talvez fosse. INF1 Era. INQ2 Como é que se chamava? INF1 (...) O estômago (...) do bezerro. INF2 Salgava-se aquilo. INF1 Lavavam-no, salgavam-no e deitavam-no dentro (...) duma garrafa (...) com vinagre. INF2 E lavava-se ao lume . E com pingo do queijo. INF1 (...) E o queijo, depois de estar feito, derrama ele aquele sumo que tem. Juntavam isso e caldeavam (...) na garrafa (...) com o estômago do bezerro. (...) E aquela água - iam tirando uma certa porçãozinha - é que coalhava o leite. INQ1 Rhum-rhum. Olhe, e uma outra que é, é, tem assim um pé e depois tem uma bolinha com picos na ponta? Alcachofra? INF1 Não há. INQ1 E o cacto? INF1 Também não há. Só, do cacto, ele as mulheres é que tinham aqui, aqui por baixo, (...) em vasos, plantas (...) de alguns até que têm picos. INQ1 Rhum-rhum. INF1 (...) Eram as mulheres é que é que punham isso aqui por baixo em cactos. INQ2 E cardos, também não há? INF1 Não há.
CRV37
INF1 Não, a gente o que temos agora para fazer baraços - (...) o que se chama baraços - é espadana. INQ1 Ah, espadana, pois. INF1 Espadana. INQ2 Rhum-rhum. Olhe, e uma figueira que dava uns figos que tinham, que tinham que se descascar, tinham picos? INF1 Ah, também nunca houve aqui. INQ2 A figueira-do-inferno, não? INF1 Homem, talvez! Talvez. Talvez já houve. Então e em que é que usavam isso? INF2 O quê? INF1 Ele (...) figueira infernal, ou não sei como é que lhe chamavam. INF2 Não sei. INF1 Não, eu já vi! Até davam (...) umas maçanetazinhas assim ele sobre o compridinho. (...) Comparadas com o limão, mas eram mais pequeninas. E elas botavam uns picos. Agora eu não sei em que é que utilizavam isso. Isso era (...) para certos remédios. Não sei para que é. INQ2 Rhum-rhum. Havia lá para cima, era? INF1 Aqui em baixo. Era ele nestas terras aqui de baixo. As mulheres é que cultivavam isso, nas terras aqui em baixo, ao pé das paredes. INQ1 E não sabe para que é que usavam? INF1 Não senhora. Não sei. INQ1 Mas usavam para alguma coisa? INF1 Usavam. E cá em nossa casa nunca se usou isso. Porque não via nem a minha avó nem a minha mãe cultivar isso. Mas havia nalgumas terras aí para trás, nestas terras daqui debaixo. Uma coisinha, ele ela crescia por esta altura, mais ou menos, e dava então umas maçanetazinhas com uns picos.
CRV38
INQ E a silva dá uma coisa boa para a gente comer. INF Dá amora. INQ Olhe, e aquela erva... INF Mas ele ela é de duas qualidades. INQ Diga. INF Ele uma, a gente chama-lhe brava, (...) não dá amora. E outra (...) é que dá amora. Mas essa da amora pica mais do (...) que a que não dá amora. INQ Rhum-rhum. Olhe, e uma que sobe muito pelas paredes? Não há hera? INF Ele há heras, há. Estava-me lembrando mas eu pensei agora que era (...) da espécie da silva com picos. INQ Não. Não era essa. INF Não, também há muito! Muita hera, muita!
CRV39
INQ1 Nem o olmo, ou?... Não? INF1 Almeiro, há. Olmo há. INQ1 Há? INQ2 Como é que lhe chamam? INF1 Almeiro. É olmo. INQ1 Como é que ele é? INF1 É: os ramos (...) são quase lisos e a folha é quase redonda, parecida com folha (...) de pereira. Mas a folha da pereira é (...) mais negra uma coisinha. A folha (...) do olmo é (...) mais amarela. Mas (...) também é verde bastante, mas (...) a da pereira é mais negra. INQ1 Rhum-rhum. INQ2 E é alta? É uma árvore alta? INF1 É, sim senhora. INQ1 E o tronco é esbranquiçado? INQ2 E depois cá acima fica assim com uns nós? Ou não? INF1 Não. (...) Nós, não. Não cria muitos nós. INQ1 O tronco é esbranquiçado? INF1 Mas também cria algum! Também cria algum nó. INQ1 E o tronco é esbranquiçado? INF1 Sem a casca? É. INQ1 Não, com a casca. A casca é de cor?... INF1 A casca é acinzentada. (...) Até havia talvez de duas qualidades. INQ1 Rhum-rhum. Olhe, o freixo? INF1 Não há. INQ1 E o plátano? INF1 Não há. INQ1 E a olaia? INF1 Não há. INF2 Não há isso. INQ1 Não há, não há. Paciência INF1 Não há. INQ1 Pronto. Olhe, e que mais árvores é que há aqui, assim de madeira, que seja, que seja, que a gente não tenha falado? Portanto, há uma que ela já lhe perguntou que era o pau?... INF1 Pau branco. Temos a faia, (...) o incenso (...) ... INQ1 O incenso dá umas bolinhas, não dá? INF2 O eucalipto. INF1 Dá semente, (...) bolinhas amarelas. Tem então a semente lá dentro. É o zimbro... INF2 E o criptomério. INF1 Também temos criptomério. Mas o criptomério ele é de pouco tempo, ele é de pouco tempo. Ele já é do meu tempo. Pois eu era um garotão quando veio (...) a primeira planta de criptoméria para aqui. INQ1 Rhum-rhum. INF1 O Felicíssimo e o Felisberto - (...) Deus lhe dê o céu - é que mandaram vir, não sei donde é que foi, as primeiras plantas que vieram para aqui. Ainda me deram meia dúzia delas que eu plantei. Mas eu plantei-as em hortas más. Meu pai: "Vais é plantar nas hortas dos Palheiros (...) ou nas Rocinhas, porque isso pode... Não se sabe isso que é". Fui plantar nos Palheiros, debaixo de incenso, não produziram nada. O incenso matou-as. Plantei nas Rocinhas... Elas estão com... Deixa-me ver agora se sei. Ele (...) foi em 36, se eu não estou enganado, (...) que essas plantas vieram. (...) E quando se deu este último conserto na casa - foi antes de Florbela se casar -, trouxe um desses paus das Rocinhas para fazer (...) um dos tirantes da loja. Eu até trouxe-o às costas, das Rocinhas para casa, para fazer um que está na casa (...) do meu tio. Agora (...) vê eles o que é que aumentaram! INQ1 Pois. INF1 Pu-lo em hortas más! (...) E tenho no Fojo. Plantei-os já casado. (...) Oh! Casado?! Há mais ... Corte na gravação Cortei-os agora em Março. Tem um que ele não se amanha e outro é mais delgado. Se eu os tivesse em hortas melhores, terra melhor... INQ1 Davam melhor. INF1 Não há. Sabes em que é que tenho usado muitos deles? Tenho-os junto para fazer lenha com eles no cantinho. Depois (...) ele não há serragem aqui (...) para eles se usarem. INQ2 Pois. INF1 Eles estão fazendo... Até abriram (...) lenhos duma ponta à outra. Nem sei aquilo agora porque é. Não sei se é... Alguns dizem que é a força da terra, que a terra é forte, que é que faz aquilo. Não sei se é, se não. Abrem agora uma abertura agora pelo tronco fora (...) ... INQ1 Rhum? INF1 A maior parte do tronco. Tenho-os cortado e (...) tenho-os serrado e feito lenha com eles.
CRV40
INF Vim para casa, à noite. Estive comendo ali. Ainda não tinha comido... Eu já não sei. Estava sentado na cadeira, até veio comida para o chão. Não sei se foi de ter estado no cemitério, de ter estado lá indisposto (...) ... O comer foi para o chão, estive um bocadinho sem saber que estava no mundo. A Florisa - que Deus haja - estava lá comigo, começou aos gritos (...) . A pequena daqui, a (...) do Félix - eu acho que não conhece, a daqui da nossa vizinha daqui do topo do caminho? - a pequenina mais velha, também estava lá. INQ Não. INF Quando me viu, pôs-se a andar. Ainda agora, eu faço-me só: "Eu já o tenho". "Ele quer-me dar". E a moça pôe-se a andar pela porta fora e já não quer saber mais nada! Risos E ela era uma garotinha, uma coisinha de uns dois anos, três, que ela não tinha mais. (...)
CRV41
INQ1 Antigamente, os nomes que se davam e a que horas é que se tomavam as refeições? INF1 De manhã, ao meio-dia e à noite. INQ1 E como é que era? Era o, o... De manhã? INF1 De manhã, o almoço; ao meio-dia, o jantar; e à noite, a ceia. INQ1 E, de manhã, o almoço era o quê? INF1 Ah! Pode que seja café até em muitas casas. E outras ele agora no Inverno, era qualquer coisa de porco, ou morcela, quando matavam agora os porcos, (...) ou borragem, ou torresmo, ou coisa assim. INF2 Torresmo. Ou ovo. INF1 Mas a maior parte (...) do ano, logo que tinham era pão, queijo e café. INQ1 Rhum-rhum. Isso era o almoço? INF1 O almoço. INQ1 A que horas era, mais ou menos? INF1 Mal se levantavam da cama. INQ1 Às oito, sete? Sete? Não sei. INF1 Sim, sete... INF2 Mas havia dias às seis e havia às quatro, então não era? (...) INF1 Era (...) como ele calhava. INQ1 Rhum-rhum. E depois o jantar? INF1 O jantar, (...) em certas e algumas casas era (...) uns fritos ao meio-dia, (...) com pão e café, ou qualquer coisa. INQ1 Como é que se chamava aquilo que os homens levavam para cima? INF2 Era a ração. INF1 A ração. Levavam a ração. INQ1 Era o quê? INF1 Pão e queijo, quase todos. INF2 Alguns até levavam pão e leite. E era bem bom, à vista do pão de trigo. INF1 Para mim, é. INF2 A gente andava cavando milho, com a quentura, a gente bebia. INF1 (...) Para mim, (...) ainda é agora. INF2 Encostava-se a uma parede, era leite e pão. INF1 Ainda é agora no Verão. INF2 Hi! A gente consolava-se! INQ2 Pois. INQ1 Portanto, havia o jantar, e depois à noite?... INF1 À noite então é que era a ceia. (...) INQ1 Era o quê? INF2 Couve. INF1 Era sopa, couve, feijão, peixe. INQ1 Rhum-rhum. INF1 (...) E depois então ele em quase todas as casas era leite. INQ1 Mas a ceia era aí às seis, sete? INF1 Seis, sete, que é quando o sol... Quando o sol se queria ocultar (...) é que ceavam. Ele alguns ainda ceavam (...) com a luz do sol, outros (...) já era mais tarde. Era conforme. INQ1 E não se, e não se mandava, e não se comia nada antes de se ir para a cama? Nunca se costumava?... INF1 Não, em muitas casas não comiam. INQ1 Rhum. INF1 Mas (...) algumas também (...) deixavam leite para beberem quando se deitavam. INQ1 Pois. E, e costumava-se comer, às vezes, algumas coisas aí por volta das cinco ou seis? Às três ou quatro da tarde? INF1 Homem, só se as crianças! INQ1 Pois. E nunca se costumava dormir também aqui depois de almoço? INF1 À hora?... INQ1 Depois do jantar. INF2 Não. INF1 Homem, não. INQ1 Rhum-rhum.
CRV42
INF1 Noventa e cinco, incompletos. Morreu no fim de Agosto e fazia os noventa e cinco a 30 de Setembro. INQ Então ainda se lembra bem dele? INF1 Eu?! Morreu (...) antes de eu nascer! INQ Ai, morreu antes? INF1 Morreu em Agosto 13 e eu nasci em Agosto 14. Mas é os meus filhos que têm a cédula dele. E o meu pai dizia que ele com mais de oitenta que ainda tinha a lavoura dele ao cuidado dele. INQ Rhum-rhum. INF1 (...) E era todo comichoso. Ele era duro, maligno. Por isto: (...) ele veio a cegar. Estava cego em casa e sem sair de casa. INF2 Como ninguém está passando agora. Olha que miséria que ele estava passando para aqui, coitado. INF1 Meu pai, moço (...) duns vinte anos, ainda nem tinha vinte... Ora, no meu entender, ele o avô não deve dar bons conselhos ao neto?! INQ Rhum. INF1 Parecia-me que sim. Foi buscar tremoços à taberna. Fica aí perto da Júlia. O caminho apertado, não (...) podia passar senão um carro nele, não tinha lugar de dois. Estava carregando os tremoços e um velhote - que era dono da casa (...) do Ferdinando Feliz, dos Feliz, é o filho do Fernandino Feliz - chega com o carro dele e começa a fazer zaragata com ele de ele ter o caminho tapado. (...) Queria andar. "Agora espere. Deixe-me carregar". O velho 'zaragata' com ele bastante. No outro dia, chega meu pai para carregar os tremoços e o Feliz com o caminho tapado. "Diz que eu não tinha razão nenhuma! Eu queria-me pagar só da véspera, do barulho que ele tinha feito comigo"! A tia Florisbela morreu... Tu tinhas um ano (...) quando ela morreu. Não, ela morreu no ano que tu 'nascestes'. Ela morreu em Julho e tu 'nascestes' em Setembro, em 51. Ia-lhe ajudar a carregar os tremoços. Ela tinha uma língua tão comprida como é daqui ao caminho. Não precisava de vir dizer ao velho a casa que ele tinha feito zaragata com ele (...) nos dois dias! Veio dizer ao velho a casa. Sabes ele o que disse ao neto? "Vales pouco. Devia ser eu em meus dias! Ia o Josino, o carro e os bois, tudo para a terra do João Lobo"! INQ Rhum-rhum. INF1 Que então era de má pele! INQ É. INF1 Ele era (...) para dar bom conselho ao neto. Diz: (...) "Homem tem juízo. Andas agora a fazer zaragata pelos caminhos todos os dias?! Os caminhos (...) são de todos e todos se querem servir deles. Tem vergonha e tem juízo"! Não. "Vales pouco! Devia ser eu em meus dias! 'Dia' (...) o Josino e o carro e os bois, tudo para a terra do João Lobo"!
CRV43
INQ Na altura da, da guerra de 40, havia, houve muita falta de coisas aqui ou não? INF1 Muita! Muita! A gente agora acha a luz de petróleo fraca e nesse tempo nem sequer petróleo havia. INF2 (...) Azeite de albafar que a gente usava muito. INF1 (...) Não havia petróleo. INF2 Não havia petróleo. INQ Mas não vinham dar muitas coisas aí à costa? INF1 Dava alguma. Davam algumas. INF2 (...) Muitos fardos, fardos de borracha. INF1 O teu tio Fernando, o Fernão... INF2 Havia 'barriles' de petróleo e de gasolina... Petróleo foi pouco , (...) muitos bidons de gasolina. INQ Eles iam correr o calhau, era? Para ver se apanhavam? INF1 Iam! INF2 Manteiga! Também se via muita manteiga aí pelo calhau. INQ Mas via-se passar aí muitos barcos de guerra, era? INF1 Não, não. INF2 Não. No tempo da guerra não havia... INF1 Não havia. INF2 Não se via passar nada. Não sei se eles passavam de noite se como era! (...) INF1 Não, não se via. INF2 Não, o mar estava limpo. Ele (...) não passavam por aqui. Uma vez eles (...) estava um diabo dum submarino para ali. Trazia uma lancha, parecia (...) que era um achado! E afinal era um submarino. INQ Pois. INF2 Estava parado acolá fora, com a carapuçazinha fora. Ainda saíram! Eles saíram lá, então depois ele caminhou. (...) INF1 E quando foi (...) na guerra de 14, aqui em Santa Cruz, também houve um navio por aí largado (...) sem governo. Foi o Floriano ou quem foi? Não sei quem foi agora. Saíram fora, numa lancha, foram botar a cabeça ao navio e ele arreou para trás. E ele veio sem dizer o que é que estava no navio, que ele queriam constar que ele que era tudo gente morta que ia dentro dele. INF2 Era tudo quê? INF1 Gente morta que havia no navio. Eu não sei se era o Floriano, se quem era (...) . INQ E o navio andou sempre, foi? INF1 O navio foi lá levado (...) da maré por aí abaixo, por onde Deus quis. Ele foi botar a cabeça lá no navio (...) e não disse a ninguém que é que é que estava dentro do navio. (...) O teu tio, tio do teu pai, o tio Formosinho (...) é que era o administrador. Foi ao bordo dele - também ia lá meio largado -, lá (...) numa lancha que tinham ali. E a lancha ia-se chegando para ele e ele com um, a modo de um canhão aproado à lancha. E ela ia andando e ele sempre com a pontaria a ela. E ele quando ele chegou: "Que é que queres"? "Queres um reboque para o ancoradouro"? "Que força tens"? "Tenho força de trinta cavalos". "Oh, cheta! Isso (...) não me faz bulir daqui. Anda lá na tua volta, vai-te embora"! Não o deixou entrar dentro. INQ Mas eram barcos de guerra ou?... INF1 Não, eram barcos de (...) ... Coisinhas de navios, os navios (...) eram pequenos nesse tempo. Mas eram (...) de coisas (...) de carga. Não, não eram de guerra. INQ Mas antigamente como é que eles faziam para ir nas baleeiras para a, para a América? INF2 Fugiam. INF1 Como é que faziam? INF2 Fugiam. INQ Ele para fugir?... INF2 Fugiam. INF1 Para irem nelas, ele era só (...) como tu se te der na cabeça amanhã, (...) se o Josué vier e meteres-te na lancha e os teus perguntavam: "Que é do João"? "Não se sabe dele. Foi-se embora". INQ Mas as baleeiras costumavam parar aqui, é? INF1 Paravam. INF2 Eles fugiam de noite. Era de noite. Estava até o tio Jove, também fugiu e estiveram perdidos para (.../NPR) , sem avistar, (...) sem verem a terra, (...) com a névoa ou coiso. E depois os guardas andavam aí. (...) E ele quando chegou a terra, (...) ele disse então ao guarda: " (...) A este já não o apastoras mais". Risos Que eles pensavam que estavam perdidos. INF1 Era o avô do tio Judas. INF2 Caminhavam com as lanchas e depois deixavam (...) a lancha largada no mar e caminhavam nas baleeiras para a América. INQ Mas as baleeiras já sabiam, mais ou menos, que havia pessoas? INF2 Já. Sabiam que estava gente aqui. Agarravam-nos de noite e iam. "Oh, e a lancha"? "A lancha? A lancha ficar lá largada no mar e a gente andava"! A gente se pudesse pagar a lancha ao dono de lá, havia-se de pagar; se não se pudesse, pronto, o dono perdia. Não havia mais nada. Risos
CRV44
INQ Mas eram os primeiros é que faziam assim? Depois já, já começaram... Portanto, o seu pai como é que foi? O meu avô? INF1 (...) Eu penso... Porque ele que contava (...) que ia brincando com os pés na água. INF2 Uma coisinha pequenina! E ele havia assim... INF1 Uma coisinha pequena. Dizia ele que ele ia lá assentado lá na borda (...) do barco e que ia brincando com os pés na água. Foi trinta dias! Um mês. INF2 Foi um mês para chegar à América! INF1 Para chegar aqui dos Açores à América. INQ Mas isso já não foi fugido, portanto? INF2 Não. INF1 Não. Isso não. INF2 Ele a princípio a viagem foi (...) mais demorada do que ele faziam conta. A comida faltou! Então ele ao princípio aqueles mais matreiros... (...) Iam à cozinha buscar o seu pratinho, buscar a comida, não vinha para a mesa. Então os mais matreiros iam com o pratinho: "Tu"! O navio era americano. Tinham comida para dois! Para ele ver se davam mais uma coisinha! Quando era no fim já tudo sabia dizer "tu"! Risos
CRV45
INF A minha mãe falava muitas vezes nele. Quando veio para cá, já veio em barco a motor. (...) E lá na viagem, ora já se sabe, era um vapor já grandinho, vinham mulheres, vinham crianças, mulheres enjoadas, davam-lhe galinha e outras comidas melhores, porque ele quase sempre os doentes têm falta de mais uma coisinha do gosto do que estando de saúde. E o micaelense, lá meio rabugento, (...) e de pouco pensar, e pega a fazer zaragata a bordo. "E dão galinha às mulheres e não nos dão à gente. E a nossa (...) comida é igual à dos outros e a delas"... Zaragata por aí abaixo! Foram dizer ao comandante. "Homem, está ali um passageiro, não está contente com a comida, porque ele dão galinha às mulheres (...) e que também quer galinha". "O cozinheiro que venha cá"! Mandam chamar o cozinheiro: "Faz-me aí (...) um bife bem feito, de boa carne". O cozinheiro arranja o bife: "Está pronto"! "Ora venha o passageiro". "Olha, vai comer o bife e quando acabares... Quando acabares de comer o bife, hás-de comer a galinha então. A galinha não está pronta agora. Agora come o bife". (...) "No fim há-de ser a galinha". Ele come o bife, ora gostou do bife, comeu alqueire e quarta. Foi-se deitar a dormir. Arranjaram a galinha, (...) e vão ter com ele (...) ao beliche, lá à cama dele, que ele que se levantasse e fosse comer a galinha. "Qual galinha"? "Homem, o senhor comandante diz que vais comer a galinha, que querias galinha"? "Homem, diz lá ao senhor comandante que eu que estou satisfeito". Risos Ele ele comeu, comeu... Então ele quase comeu de carne, se calhar, quê, um quilo ?! Risos Ele o tio Fidélio falava muitas vezes do padre Fidelíssimo.
CRV46
INF1 Ganhou aí dinheiro no jogo. Já sabia jogar. INF2 Jogava bem e gostava! Ele sabia e gostava! INF1 Homem, aí gente todos gosta de jogar! INF2 Ele gostava. INF1 Tudo! Novos e velhos - são novos para jogar. INF2 Ele era. Ele contava muitas vezes que estava lavrando no Rancho. O patrão, aquilo era também discurso tirado . Ele o homem (...) maluco, (...) no meu entender, sábado à noite arruma o arado e (...) foi passear para onde chamam-lhe o Tanque. Segunda-feira de manhã, pega no arado e começa a lavrar. Eu não sei se lavrava uma hora, se era hora e meia, se eram duas horas, o arado teve uma avaria. O patrão lá, de pé, revistando os lavradores a ver eles o que é que faziam. "Já vens, não me agarras! A mim não me apanhas"! A avaria era pequena... Ele compôs a avaria que tinha, ele vinha chegando e: "Eh"! Pôs-se a andar. INF1 Eram burros é que lavravam naquele tempo aí. Era com burros. INQ1 Rhum-rhum. INF1 Com burros. INQ1 Mulos? INF1 Burros, aí . INF2 Os burros é que lavravam. Os burros (...) é que faziam as lavouras. (...) Ainda não havia mecanismos. INF1 Ainda não havia nada. INF2 Ele vai andando, segunda avaria. O patrão vai lá ter com ele: "Ainda não me apanhas desta"! Vinha chegando: "Eh! Larga"! Ora, o patrão, aquilo ele ia aquecendo sempre. Eu agora não quero mentir: não sei se ele teve três avarias, se teve quatro. INF1 Ele teve muitas no Rancho. INF2 (...) Até que teve uma, foi apanhado. "Ó Fidélio, tu sabes (...) os regulamentos deste rancho"? "Sei-os tão bem como ti"! "Então oh! Tu para onde é que foste sábado à noite"? "Fui para o Tanque". "Tu, na vez de ires para o Tanque, porque não estavas ao pé do teu arado"? "Porque eu não tinha nada que fizesse ao meu arado. O meu arado trabalhou a semana que passou aí toda (...) e não teve avaria nenhuma. E ainda que estivesse olhando para ele de dia e de noite, não sabia se ele queria avariar hoje, se não". "O que eu havia de fazer era despedir-te". "Tu se me hás hás-de despedir à noite, paga-me que eu já me vou". INF1 Ora, era porque ele já tinha sentido de vir para aqui. INF2 Mas ele ainda não veio tão depressa. (...) Ele ainda se demorou. INF1 Não, eu parece-me que ele disse (...) que tinha vindo para aqui. INF2 Não! Pois, talvez já tinha mas ele ainda se demorou. INQ2 Mas ele esteve, esteve na, esteve foi na Califórnia, foi? INF2 Foi. INF1 Foi. Mas lá fora, na América, de Inverno não se trabalhava. Não havia trabalho. INF2 Ele lá lhe pagou. INF1 Ele ia lá para as lojas jogar, onde é que fica o porto . Jogar. INF2 E ele pôs-se a andar. Esteve seis meses no Tanque, como lhe chamam, sem trabalho. INF1 Dizia que havia homens que não tinham sorte. Homem, dá-me os comprimidos daí, (...) porque eu (...) tenho dores de cabeça. Ele pôs-se a andar. INF2 Nesses dias, (...) nesses seis meses, ele dizia: "Foi o tempo melhor que eu tive em toda a minha vida! Levei boa vida, comi morangos, bebi vinho e com as cartas fiz bastante para eu (...) não ir atrás. Elas davam para eu comer". INF1 Diz ele que ganhava bastante para o comer e ainda depositava dinheiro no banco. INQ3 Um bom jogador. INF1 Sim senhora. INQ1 É raríssimo. INF1 Falava muitas vezes nisso.
CRV47
INF1 No Inverno, minha mãe, minha avó (...) e eles - (...) Deus os tenha a todos no céu - passavam os serões de Inverno todos juntos, aqui. INF2 Então, e quem ganhar, ganha (...) . INF1 As mulheres a trabalhar lá (...) e ele e meu pai para aí. Ele e meu pai, ele era (...) o cão e o gato. Estavam sempre pegados um com o outro e nunca se zangavam. INF2 Mas eles hoje não se gramavam aí uns aos outros. INF1 No fundo, eles estavam moncos. Eles estavam sempre pegados e no fim estavam como a gente estamos agora aqui. Mas estando (...) sempre com a zaragata um com o outro. (...) E ele todos os Invernos contava agora histórias (...) lá da vida dele, coisas que se tinham passado com ele, outras que lhe contavam. E não havia um ano (...) de a gente pensar: "Olha, no ano passado contou isto desta maneira e este ano já é desta". Ele tinha aquilo como que está escrito neste livro, como ele se estivesse lendo dentro dele. (...) Não modificava aquilo por qualidade nenhuma. Estava (...) sempre certinho.
CRV48
INF Aquela vez mais o meu pai, aqui fora. Havia aqui uma atafona, aqui perto. Nós éramos donos da atafona. Ela era de muitos, era de vinte talvez e não sei quantos. A atafona, com falta de ser retelhada, (...) chovia muito dentro dela. Chamam os donos da atafona para ela ser retelhada. (...) A gente chama retelhar é a telha por cima, INQ Pois. INF limpá-la (...) e deitá-la a modo de não chover dentro dela. O Fídias, irmão do Felício, e outro companheiro - não sei quem foi - retelhou metade da atafona, e o outro pessoal, a outra metade. Agora o que tinha retelhado metade (...) ou a quarta parte (...) da atafona não tinha feito o seu quinhão bem feito. E outros, a maior parte deles estavam deitados (...) lá no caminho à sombra, sem mexerem em nada. Quando foi no fim, (...) um homem que morava aqui em baixo, em frente à igreja, ajunta aqueles bocados de telha que não prestavam, mete-os num cesto... "Ó Fídias, (...) vai ao tio Fiel que está bem descansado. Eu já retelhei metade da atafona mais fulano, e o tio Fiel tem estado aí deitado só sombra. Vai a botar fora que também lhe toca". "Tu és é malandro"! "Malandro do tio Fiel". Ora, o Fídias também tinha pouca paciência, (...) o Filémon muita menos do que o Fídias, zaragata para baixo. Meu pai, ele também (...) não gramava o Filémon: "Ó Fídias, o cesto de quem é"? Conhecia o cesto bem. "O cesto de quem é"? "É meu". "Vira lá a telha no meu tabuleiro e vai-te embora". Ora, o moço não quis mais nada. O moço, novo, ele tinha uns quinze anos (...) o máximo que podia ter. Vira a telha no caminho e anda para cá, para aqui. Vem o velho não sei de aonde, quando chegou aqui já sabia de tudo. Meu pai sentado (...) aqui fora ao pé da canada. "Se eu tinha chegado aqui e o indivíduo pondo a telha acolá, ele tinha levado com a bengala". E pega. Ora, foi o tal... Estava um padre aqui que era do Faial, o padre Fileu, vinha o irmão com ele, porque vinham para aqui todos os dias também fazer serão. Estavam morando naquela casa lá em baixo, onde é (...) agora de turismo - eu não sei se conhecem? -, por baixo da igreja. INQ1 Sim, sim. INF (...) Meu pai tinha o peito mais forte do que o pai do Felício. Estava em casa dele, ouvindo os berros (...) do Filinto aqui. "Já viste, é o Filinto, ele que é que tem"? Vinha por aí fora, eles pegados aqui. Uma vizinha daqui, casada de pouco tempo... A Francelina está ele na Terceira ou em São Miguel? Não sabes onde é que está? INQ2 Na Terceira. INF Está bem para lá - já há anos! Estava casada de pouco tempo (...) . "Eles têm sido bem amigos, a amizade deles acabou-se". INQ2 Rhum-rhum. INF "Da maneira que eles estão acolá, já não há (...) mais amizade". Acabando a turra, cada um para sua casa. O meu veio para dentro, esteve-se lavando, estivemos comendo, acaba de comer, para aqui. Minha mãe - Deus te dê o céu: "Ah! Cara sem vergonha - Jesus! - acabaste de sair da turra com aquele homem e agora vais para casa dele"? "Não lhe tenho mal a ele nem ele a mim"! Risos Eram assim. (...) O Felício está aí. (...) Talvez não se passava semana nenhuma que eles não se pegassem aí.
CRV49
INF1 (...) Esta mesa não havia de estar assim, estava era assim. (...) INQ1 E não havia essa porta. Isso estava tudo... INF1 Não. Só não tinha aquela porta de além. INF2 Estava encostada (...) aqui ao fundo. INF1 Aqui (...) este frontal não era bem tapado, não era 'encantilhado' como este é. Quando eu vim de fora, trazia um macinho de cigarros na algibeira e fui o guardar ao pé (...) da trave, em cima, que fazia uma ameiazinha. E ele estava assentado aí e viu. Risos Hum! Viu logo a coisa... E ele diz-me: "Felício, o que é que tu lá"?... Larga-se e vai lá e traz o macinho de cigarros. Fez-me o rabo tão negro (...) ! Risos Pegou aí numa corda e deu-me... Deu-me uma surra a este que eu tenho vinte marcas! Risos INF2 Mas não te tirou o vício! INF1 Mas não me tirou o vício. Ainda a mim, bateu-me poucas, agora no meu irmão Júlio (...) ... INF2 No Júlio. Também por causa do fumo. INF1 Tudo por causa do maldito do cigarro. INF2 Por causa do fumo. INF1 Oh, bateu-lhe muitas! E ele nunca o deixou. INQ1 Mas ele não fumava? INF1 Mas depois arrependeu-se. INF2 O teu avô? INQ1 Cheirava? INF2 Cheirava e fumava bem. E mascava. INF1 Mascava. Risos INF2 As três. INF1 (...) E depois de ser velho largou tudo. INF2 Largou tudo. INF1 Ele estava além numa loja (...) que era do senhor Filipe. E veio lá uma pequena comprar um canudo de tabaco e levou oito ovos, oito ovos numa tigela de pão. Que eu lembra-me que naquele tempo os ovos era a vinte centavos. E o canudo de tabaco era não sei o quê. Era os oito ovos. Diz: "Ó compadre, não me deu o troco"! "O troco? Não, não há troco. (...) O canudo do tabaco é (...) esses ovos". "É esses ovos"? "É, como paga . E é para quem quer! É para quem quer". Lá levou o tabaco. Não quis fiar nada. INF2 (...) Mas dava muito bem... INF1 Davam oito ovos por um canudo de tabaco. "Ah, eu hei-de comer os ovos e deixar o tabaco". E deixou o tabaco, muito bem. INF2 Mas o que me dava que fazer era ele cheirar uma bocada hoje em casa da Francisca e outro dia em casa do Filipino e outro dia em casa (...) da tua tia Gabriela, no outro dia, (...) e aquilo não lhe ter ele feito despertar-lhe o vício (...) ... INF1 Não, não. INF2 Nunca mais. INF1 Pois não. INF2 Nunca mais cheirou. INQ1 O tio Filinto cheirava? INF2 O Filodoro, o meu tio-avô, fumava, e cheirava, e mascava, levou pancada como deu. INF1 (...) Eu tinha (...) um tio meu - um irmão dele - na vila (...) . Casou na vila e (...) tem uma loja lá na vila, em Santa Cruz. E ele, por Nossa Senhora, vinha todos os anos cá visitar o irmão e uma irmã que tinha, que é a mãe desta mulher velhinha que vem aqui, Genoveva. INQ2 Sim, sim. INQ1 A casa da... INF1 Eles 'diam' pela riba do meu patamar os três. Era de a gente morrer a rir, os três juntos! O meu pai, o meu tio e a minha tia Gabriela (...) . O meu tio só ouvia era o meu pai a dar-lhe assim para baixo (...) na minha tia, na tia Gabriela. Oh, mas gente! (...) Era de a gente ria, ria!...
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INF1 Aquilo o pai (...) adoeceu e meteu-se a caminho na cama. Ele tinha tanto medo do frio que ele pendurava (...) um fio de linha (...) no tirante a ver se o fio... Ele até o buraco da fechadura artilhava (...) para não apanhar vento. INF2 Estava artilhado. INF1 (...) Era aquela cisma que tinha (...) . Era doença, era doença. Ele deitava o fio para ver se havia vento que abanasse. Se havia um pouco de vento, ele vento não queria! INF2 (...) Os filhos padeceram, coitadinhos, pequeninos. Ele seis filhos pequeninos e uma amante!... INF1 Olha, foi a caminho (...) , começou a lavrar, a minha tia Gabriela é que mudava o arado (...) ... INF2 Sim. INF1 Tão novo e tão fraquinho que não podia com o arado! Assim quando os bois 'pastravam' na 'pastradura', ele botava o rabo do arado aqui (...) ao ombro e então é que 'pastrava'. Não podia com ele na mão. Que a gente aqui pega-lhe (...) na mão. Mas ele era tão fraco e tão novo que era ao ombro. Maneava agora, virava os bois para trás e o arado tem que 'dir' com os bois. INQ1 Pois. INF1 Ai, o meu irmão ! Por aí padeceram muitos (...) . Eram muitos. INF2 O teu irmão ainda foi um. INQ2 Mas quantos irmãos eram? Eram só aqueles três? INF2 Eram três. INF1 Eram. INF2 Eram três. Eram três irmãos. INF1 Então, o Filomeno foi para o Brasil. INF2 Sim, eles eram três irmãos e três irmãs. INF1 Era... Não. Três irmãs, não. Era só minha tia Gabriela. Era só uma. (...) Para mim, era Gabriela, só uma. INF2 Não havia também uma Georgina? INF1 Não. INF2 Não? Eu pensava que eram seis. INF1 Não. Não, eram três. Eram quatro! Três machos e uma fêmea. INQ2 O meu avô Filomeno foi para o Brasil, foi? INF1 Foi. E acho que ele esse do Brasil teve sete filhos. Eles já foram visitar os nossos (...) e os nossos nunca foram lá. Estão lá numa parte do Brasil, não sei... INF2 (...) Esse Filomeno parece que o estou eu vendo, fez exame aqui. Não sei (...) que estudo é que teve, mas fez exame. INF1 É. INF2 (...) Um padre que estava aí é que é que foi o professor deles. Prometeu-lhe um peso aos que mais soubessem. Ora ele um peso, nesse tempo, era muito dinheiro. INF1 Era muito dinheiro. INF2 Era muito dinheiro. INF1 Meu pai passou... Vá conta, conta que talvez sabes melhor do que eu. INF2 Não, anda lá. INF1 Não, Feliciano. Ele conta, conta! INF2 Ele o padre prometia o peso, e no dia do exame vai o pai do Felício (...) para a escola. A escola era no Outeiro, naquela casa (...) que fica com a porta virada lá (...) para leste. O padre lá bota os rapazinhos a ler, eles lá lêem. Acabaram de ler, estiveram escrevendo um ditado. Não sei agora que erros é que tiveram. Não sei se tiveram muitos erros. Isso agora é melhor não falar. Passa uma conta a cada um deles. Lá vai um a mostrar a conta, o padre vê a conta, agarra no lápis, dá-lhe (...) um traço (...) na conta, estava errada. Vai outro, outro traço e ele nada. Diz que ele que era pequenino, mais pequenino que os outros. Estava fazendo a sua conta lá e a marcar. Ora, ele já estava ele pegando lume de ele estar só a olhar (...) para o ar. E os outros iam mostrar as suas pedras, ele pensava agora que os outros iriam mostrar (...) ao professor que já eles (...) estavam sábios. E ele, nada. Lá quando lhe pareceu, já zangado como uma gata, larga-se para casa. Chega a casa e pega com a mãe: "Ele é um doido! Ele é um tolo"! INF1 "Ele é um tolo! Está só olhando para o tecto da casa e não faz nada"! INF2 "Não faz nada! Não presta para nada! Ele há-de ir assim para as terras com a gente"! "Ó homem, coitadinho, ele é pequenino"! "Ele pequenino ou grande, ele não tem nada acolá, não faz nada, ele é um doido"! Estava muito zangado. Daí a pouco, chega (...) o garoto. (...) As casas, todas usavam um portãozinho fora da porta. Que era - as galinhas estavam nos pátios -, que era para as galinhas não entrarem para a cozinha. Ele chegou, era tonto (...) que nem sequer chegava para abrir o portão. Atirou-se como um gato para o portão fora, para tirar (...) uma tramela que o portão tinha por dentro para abrir. "Ó Filomeno, homem, paciência. O Filóxeno está zangado, diz que tu que não fazes nada, que és um doido"! INF1 "Só a olhar para o tecto da casa". INF2 "Só a olhar para o tecto da casa, que não fazes nada, que és assim"... "Ou doido, ou não doido, o peso está aqui". Risos Então ele : "Porque eu antes nunca vi semelhante peso"! Risos
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INQ1 Explique-me como é que funcionava essa coisa das faxinas aqui? INF1 As faxinas, davam-se três dias de faxina (...) à Câmara e um à Junta. A Câmara intimava agora... Mandava agora o contínuo a casa, iam agora uns tantos (...) por dia, aí uns dez ou doze. E ia então lá um tomar conta (...) nesses homens. INQ1 E ia-se para onde? INF1 Era para os caminhos. INF2 Para os caminhos. INF1 Era para os caminhos e a Junta era para o baldio. INQ1 Era só um dia por ano? INF2 Só um dia. INF1 A Junta, sim. A Junta (...) era um dia para o baldio. INF2 Era só um dia por ano. INF1 (...) E para a Câmara eram três dias. INQ2 Mas era para ir trabalhar, era? INF2 Era. INF1 Trabalhar. Trabalhava-se muito nos baldios, compor os estragos (...) que os caminhos tinham. INF2 E governar pisões! Eram carros a limpar cascalho. INF1 E agora está tudo largado. INQ1 Já não fazem para o baldio? INF1 Não. Por causa (...) de três ou quatro ou meia dúzia, (...) ele está tudo largado. Porque ele eu mais o teu pai, velhos como hoje estamos, é que havemos de ir trabalhar para o baldio, (...) para outros que têm (...) mais gado do que eu não tenho lá mais teu pai darem à mocha por aí abaixo só e a fazer escárnio da gente?! INQ1 Mas há pouco tempo ainda iam pôr, até foram fazer bardos de hortenses para... INF2 (...) INF1 Eles (...) foram fazer isso mas é que (...) alguns não foram lá (...) nem vão! INQ1 Não querem ir? INF1 Não. E há direito nisso? INQ1 Então tirem as reses para fora. INF1 Não, mas é que eles não querem tirar (...) nem querem trabalhar! INQ1 Então porque é que a Câmara não se mete? INF1 Oh, aquela Câmara?! INF2 Mas é que (...) a Câmara não manda nada. INF1 Também não tem manda naquilo. INQ1 Então de quem é o baldio? INF2 É nosso. É do povo. Foi entregue ao povo na Câmara. INF1 O baldio é que foi... A Câmara entregou lá! Foi o Estado! INF2 (...) A gente não gosta (...) do bolchevismo e o bolchevismo é que veio entregar (...) o baldio (...) ao povo. INQ1 Mas depois não ficou ninguém assim que ficasse à frente daquilo? INF2 Pois, (...) está a comissão. INF1 Está uma comissão (...) mas eles não lhe obedecem. INF2 Não obedecem. INF1 (...) A comissão, quem estava o patrão (...) era o Firmiano. INF2 (...) Está isso no Tribunal... INF1 Agora o Firmiano já saiu. (...) É o Firmino. INF2 Mandaram isso para o Tribunal (...) ... Mas não há juiz para dar sentenças e eles fazem o que querem. INQ1 O Firmino? INF1 Não é esse, é o Firmo. INQ1 Firmo. INF2 E quando ele vai a Tribunal, não é ao nosso. Poderão fazer o que quiserem. Ele disse lá: "Se quisessem"... Ele ! INQ1 Mas quem é que não quer? INF2 Pois, ele já há muitos anos... (...) Já está outra comissão e a outra saiu . Entrou outra de repente e a outra saiu, mas continua o mesmo. Agora cá os que querem reunir a gente - ele o povo todo sabe - vão dividir. Eles querem fazer. Eu já li lá os estatutos que ele o baldio tem uns estatutos. INQ1 Quem é que tem os estatutos? INF2 O baldio. INF1 O baldio. INQ1 O baldio tem uns estatutos.
CRV52
INQ, Não, porque depois aquilo até ainda fica perigoso para o, para o gado que por lá anda. INF1 Pois bem se sabe. INF2 (...) Sempre aqui e ali, sempre cai alguma arriba. INF1 Ele também caem nas terras! INF2 Eu, num ano, perdi quatro reses, no baldio. INF1 Não, cinco. INF2 Quatro ou cinco. Num ano perdi cinco, e o último foi um bezerro (...) nascido. Agora as outras quatro eram gueixas. Eram umas (...) três gueixas de um ano e uma de dois. Estava criando um bezerrinho e caiu para uma buraca abaixo. Olha, levei um dia mais este para tapar a buraca, acolá numa ribeira, no Trevo. Estivemos ele um dia lá para tapar a buraca que ela caiu. Caiu, mas quem tivesse dado com ela a caminho, talvez a tinha resgatado. Mas naqueles dias esteve muita névoa (...) e o Nuno é que me disse: "Homem, a bezerra (...) está sem mãe". E eu: "Homem, pois. O nabo levou-a". Quando fui por ela (...) já estava podre. (...) E as outras, uma foi lá adiante na ribeira do Rolão, com o mau tempo, aquilo por força que foi o vento. E homem, e eu estive no domingo para a 'dir' buscar! Digo: "Deixa-ma 'dir' buscar que ele lá para diante é perigoso". Preguiça, não fui! Na segunda de manhã ela estava morta ao pé do bardo. Veio de rolo pelo baldio abaixo (...) . E as outras duas, não sei (...) o fim delas. Caíram pela rocha abaixo, (...) não sei do fim. Quatro resinhas! INQ1 Na, na Figueira da Rocha não caiu nenhuma, uma vez? INF2 Caiu aí um bezerro. Em oito anos perdi onze reses. INF1 Não, eu tenho perdido pouco gado, pouco gado. INF2 Onze reses! INF1 Perdi uma no Inverno que passou. Aquilo foi dor que lhe deu porque ela deitou-se num lugar bem bom e ele ficou. Deitou-se e não se levantou. Se fosse dizer que ela que ia... Ela estava num lugar bom para estar. Está aqui (...) este rochedo daqui, não sei se já viram?... (...) INQ1 ... INF1 Sim, que vai ter às Pingas. INQ2 Não. INQ1 Então caiu lá por cima... INF2 Rhum-rhum. INF1 Não, eu tenho perdido pouco gado. INF2 Ah, eu tenho perdido (...) o meu quinhão.
CRV53
INF1 A geada e o vento é que vai comer a erva que é o que está (.../ADJ) . (...) Não é o gado. INF2 Homem, não! Quando há numa ponta, não há noutra. INF1 Agora vamos com esta. INF2 Por aí, por lá, vamos lá presenciar o estado. INQ Ainda há muito gado no baldio, não? Há muito gado no baldio? INF2 Está. INF1 Está algum. INF2 Já esteve mais. Também já muitos têm além gueixos (...) e bezerros. Naqueles desenvolvidos que vão para o baldio, (...) há os que ficam (...) no baldio. INF1 Agora estão ali espalhados. INF2 Ele algum dia eu tinha (...) ele os bezerros e as gueixas lá para cima também, nas terras. Vá que a mim seja seis cabeças, e muitos assim. INF1 Eu tenho quatro lá. (...) Tinha seis... INF2 Não sei já quantas tenho. Já as tirei. INF1 Tirei dois bezerros. E os meus estão... INF2 E muitos assim. INF1 (...) Os que eu tenho do lado de cá podiam estar lá todos os três bem. Mas ele eu quero mondar e deixo-os estar. INF2 A gente usa para mondar, é. Em vez de a gente mondar com a faca, monda com os (.../N-P) (...) ... INF1 Eles podem mondar. INF2 E (...) dou isso. A erva-bota com o dente do gado mondou-se mais do que com a faca. INF1 Mais do que com a faca. Vão indo comendo. INF2 Já não há muita gente que corta com a faca. E ela num dia cresce (...) . E é uma erva levada da breca. Agora a gente ceifa (...) para fazer estrume ali no poço. (...) Ela tem sede, e a gente arruma-a lá no palheiro, como eu tenho aquela ali, jogada para o poço. Vai para a terra, larga aquele sumo (...) do poço. A gente pode-a trazer do terreno. E se há sol, a gente pode-a trazer outra vez para a terra. Sequinha, a terra come. Agora, ela vindo verde e pondo em cima do poço que vem água que ela apodreça, ela assim faz estrume. Doutra maneira não. INF1 Alguma dela era trazê-la e ele era aparar a água do Inverno aí fora. Ela guardada no palheiro ele endurece. INF2 Ela não endurece. Fica tudo uma palha, ela larga aquele sumo, e vem o sol, torra-a outra vez e ela fica assim (...) .
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INQ Eu queria que me contasse como é que era um dia da lã? INF1 Dia da lã era combinado (...) de véspera ou antevéspera para o povo se reunir. De manhã caminhava o povo por aí fora, juntavam-se no sítio dos Lagos. Depois de estarem (...) todos ou quase todos, os donos das ovelhas, o presidente da Junta, da Junta de Freguesia, lavravam as sortes. Eram (...) dez divisões, se eu não estou enganado. (...) E cada uma (...) tinha uns dez, doze homens, mais ou menos. E tinham as sortes. Cada homem tinha a sua sorte. (...) O cabo da esquadra tirava a sua sorte para saberem para onde é que haviam ir. Era Cantos, Azevinhos, Miradouro, Braço, Junco Queimado, Serão Alto. Era isso. É o Braço e é o Junco Queimado, e é em cima o Cortão Grande, e é (...) o Miradouro, (...) o Serão Alto, em cima, a Fajã das Negras, e a Pedra Grande. Isto mais ou menos. Depois cada um tirava lá a sua sorte com esse nome. INQ E, mas como é que sabia o, o... O cabo de ca-, da esquadra quem era? Quem é que?... INF1 Estava nomeado naquele coisinho, no seu papelinho, (...) com a sua gente, o cabo por cima (...) e os outros, a gente dele, iam inscritos por baixo. Já sabia quem era a sua gente. INQ Mas quem é que fazia essa divisão? INF1 Era INQ O presidente da? INF1 o presidente (...) da Junta. INF2 Da Junta. INQ Da Junta. Portanto, eles daqui de baixo já sabiam quem era o ca-, o cabo e o, e o, e a, e a companha? INF1 (...) Já se sabia. Mas juntavam-se (...) e tirava (...) as sortes. INQ Que era para saber para onde, para onde cada um ia? INF1 (...) E de lá é que se partia então, cada uns para os seus lugares. Juntava-se as ovelhas e vinham-se juntar no curral dos Lagos. Depois de estarem no curral, cada um ia tirando as suas e amarrando numa... Chamava-se cobra. Lá com uns cordões, tiravam as suas; depois de estarem fora, estar tudo amarrado, lá se iam tosquiando e mandando outra vez por lá fora, iam-se lá para os seus lugarinhos. Elas é que iam por si (...) para os seus lugares. Porque elas tinham (...) o seu sitiozinho, direitinho, e iam ter até lá. INQ Rhum-rhum. INF1 Não se iam levar. Elas é que iam por si. INQ Pois. Portanto, e em que dia é que se fazia o dia da lã? Era... INF1 Era como calhava. Era (...) quase sempre era (...) na última segunda-feira de Abril. Mas, às vezes, o tempo não permitia, adiava-se para diante. (...) Quando ele havia bom tempo ou quando o povo podia é que se ia então. E ia-se outra vez em Setembro. Na última segunda-feira de Setembro, iam-se outra vez buscar que era para se marcarem, para agora no Inverno irem-se buscar com os cordeirinhos para as terras (...) da cultura daqui de baixo, para os cordeirinhos estarem abrigados. Iam então outra vez lá (...) para o baldio. Alguns deitavam-nas para lá em Janeiro; outros tinham uma coisinha de comida que lhe dessem, tinham-nas mais um tempozinho para os cordeirinhos aumentarem mais - em Abril, Março, outros mais uma coisinha, lá conforme podiam. (...) E lá é que eles se criavam e era a lã é que (...) fazia a roupa (...) de a gente se vestir. Hoje já ninguém quer isso. INQ Também já andaram quase todas. INF1 Pois já se acabou com as ovelhas. Já não há ovelhas. INF2 Já não há ovelhas. INF1 Já acabaram com tudo. INQ E como é, como é... Portanto, as que, as que conseguiam reunir as ovelhas em cada, em cada lado, portanto, quem fosse para, para cima da Fonte dos Poços, como é, por onde é que ele vinha? As ovelhas juntavam-se todas num sítio? INF1 Tudo nos Lagos. INQ Não, mas... Elas chegavam todas ao mesmo tempo? INF1 Chegavam. (...) As de cá da Fonte dos Poços juntavam-se para lá para o lado da Alameda Rosada, e depois de estarem na Alameda Rosada, vinham todas pelo mesmo sítio ter aos Lagos. (...) Passavam todas (...) no Chão do Tanque. INQ Rhum-rhum. INF1 E vinha tudo ter aos Lagos. INQ E essa, portanto, o cabo e a esquadra era sempre os mesmos todos os anos ou ia mudando? INF1 Não, era quase sempre. INQ Era quase sempre os mesmos? INF1 Quase sempre. INQ E como é que eles se... Como é que eles conseguiam juntar as ovelhas lá para cima? INF1 Homem, andava-se atrás uns dos outros (...) ali em fila. Enfileirava tudo e as ovelhas vinham-se espantando e ele (...) com respostas e foguetes e barulho (...) dos moços novos, elas fugiam da gente. Tinham medo, tinham que vir. INQ E havia os cães também, não é? INF1 Os cães também vinham. E eu gostava daquele dia! Um dia de festa! INQ Gostava? Era um dia de festa. INF1 Um dia de festa. (...) Só para tosquiar é que não gostava. INQ Dava trabalho? INF1 Não gostava nada (...) de as tosquiar. INQ Eu também gostava, que se podia fumar. Era o dia em que se podia fumar. INF1 Risos Eu fumar nunca fumei.
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INQ Para começar com a, com as culturas que normalmente se fazem aqui, em que mês é que começa? INF (...) O tremoço, nas terras altas, é em Janeiro, princípio de Janeiro. E agora nestas terras aqui em baixo semeiam-se ele em Setembro, mais ou menos. INQ Isso é o tremoço. INF O tremoço. Porque aqui em baixo (...) semeou-se em Setembro (...) por causa do Inverno, porque o tempo quando é para diante vem o 'sorreio' do mar (...) e queima-os. Muitos anos eles nem sequer agora escapam. Vem o 'sorreio' e queima tudo. (...) E lá nas terras lá para cima, quem semear agora, vem o frio (...) do Inverno, eles nem crescem muito (...) e ficam queimados. (...) Não vêm. INQ Rhum-rhum. INF Agora semeados em Janeiro, quando é ele para meados de Abril, é que eles começam de aumentar. Estão lá pregadinhos todos, pequeninos, e em Abril, então, é que começam a vir. Quando é lá para meados de Março, meados de Abril, é que eles aumentam muito. INQ Pois. INF E em Maio é que se lavram. Aqui em baixo, semeava-se os trigos era em Fevereiro, princípio de Março. Agora já pouco se semeia. A batata, fim de Fevereiro, Março, Abril. E lá para cima, o milho é semeado no fim de Abril, princípio de Maio, se o tempo permite. E a batata é (...) de meado de Maio por diante. INQ E o feijão? INF O feijão, em Junho. O feijão semeia-se em Junho. INQ Pois. INF Em tempos era em Maio, mas (...) agora já é em Junho. INQ Rhum-rhum. INF O ano passado foi 10 de Junho, este ano (...) foi a 12, ou a 13 talvez. INQ Portanto, no, o tremoço era, era lavrado mesmo sem ser cortado, que era?... INF Não, não. Corta-se. INQ Corta... INF Corta-se o tremoço, depois lavra-se. INQ Rhum-rhum. INF Porque ele quando é tremoço grande, ele com os nossos arados aqui e sem se cortar, não se faz nada. Corta-se. INQ E depois lavra. INF E depois lavra-se. INQ Então, semeava e depois quando é que começava a, a... Portanto, para tirar a mon-, a mondar, e, e as primeiras coisas? Quando... INF Era em Junho. Fim de Maio, princípio de Junho, é que se começa então nos milhos, (...) a mexer neles, (...) lá para cima. Agora estes aqui em baixo é mais cedo porque são semeados no fim de Abril, ou no princípio de Abril, (...) quando é em Maio, (...) já querem sacho. Agora lá para cima não. Lá para cima, eles começam a nascer ele em meado de Maio, mais ou menos. E este ano, veio a força dos milhos... Foram semeados de meado (...) de Maio por diante. Eu semeei os meus em Abril, porque semeio pouco. INQ Rhum. INF E também (...) comecei a caminho. (...) Comecei cedo. Comecei dia de São Marcos. E semeei tudo em Abril. Mas os que tardaram mais uma coisinha, entraram as chuvas, mau tempo, até quinze de Maio semearam pouco milho lá para cima. Muitos, quando semearam os seus milhos, já foi (...) de meado de Maio por diante. Teu pai (...) não semeou nenhum antes de meado de Maio, se eu não estou enganado, mais o companheiro dele. INQ Não sei. INF Não, eu penso que não. INQ Portanto, o... Havia em... Portanto, lá para cima, em Julho, começava-se a sachar? INF Em Julho. INQ E era só sachar a monda ou era chegar também a terra ao pé? INF Conforme o milho vai crescendo. O milho quando é pequenino não sofre de não chegar. INQ Pois. INF O milho vai crescendo, à medida que o milho vai crescendo, vai-se-lhe chegando uma coisinha de terra (...) para se ele suster ali ele de pé, porque quem tirar a terra para fora, ele (...) não se pode suster. Vira (...) , fica deitado na terra. E ele a gente vai-lhe chegando uma coisinha de terra que é para (...) estar aprumado.
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INQ Não, em Agosto. O que é que se apanha já lá em cima? INF1 (...) Ah, mas em Agosto ele lá em cima não se apanha nada. INQ Ou em Julho, já nem sei. O feijão e a, e a... INF1 O feijão é em Setembro. INQ Em Setembro? INF1 Setembro, ou Agosto, ou fim de Agosto, princípio de Setembro, mas em Agosto pouco. INQ Pois. INF1 Pouco. Mas, no Verão, só se mesmo no fim de Agosto. INQ Rhum-rhum. INF1 Ele quando era semeado cedo, semeado em Maio, quando era (...) de meado de Agosto por diante, nalguns lugares, (...) já estava maduro. Mas agora semeia-se mais tarde, em Agosto chega pouco. INQ Rhum-rhum. INF1 É quase sempre em Setembro. E agora em Setembro ele já chega (...) o tremoço lá em cima, chega o feijão, a batata. (...) INF2 Está tudo a vagar aí em baixo. INQ Sim, diga, diga. INF1 Aqui em baixo é o milho, em Setembro. Em Junho apanha-se a batata. Em Junho, Julho, já se tira a batata da terra porque já está madura - semeada mais cedo! Quando havia trigo, era debulhado em Julho - trigo, centeio, cevada. Mas já (...) pouco disso se cultiva agora. INQ Agora já há pouco. Portanto, e lá em cima era só o feijão, a batata da terra, e os milhos. INF1 (...) E o milho. INQ Lá para cima, trigo e coisa, hum? INF1 (...) Também semeava-se centeio. INQ Centeio. INF1 Centeio naquelas terras de lá (...) do Pico João de Moura, da Baleia. INQ Rhum. INF1 Essas terras daí, também semeavam de centeio. Mas (...) já ninguém semeia. Essas terras, (...) em tempos, essas terras no Pico João de Moura, Baleias, eram muitas delas cultivadas com centeio. Quando elas já não queriam produzir o centeio, era giesta. INQ Rhum-rhum. INF1 Mas as giestas agora já não queriam produzir, azougavam. Agora têm tudo a relva. Ele já estão essas terras (...) todas a pasto. INQ Pois já.
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INQ Quando é que se começavam a apanhar os milhos lá de cima? INF Em tempos, era no princípio de Outubro. Mas agora - não sei porque é - tardam mais. Oh, ele ainda estão alguns verdes agora! Teu pai tem trazido agora da Manguinha e tem estado apanhando a maçaroca madura e a verde tem ficado para trás. INQ Pois. Acabou por semear mais tarde, ou?... INF Ah, pois, semeou mais tarde uma coisinha, mas também não era por isso. Ele é do tempo ou não sei (...) que é que influi isso. INQ Rhum-rhum. Portanto, apanhava-se o milho e que é que, e que é que se fazia a?... INF Era cortar a cana para ele para limpar a terra, (...) para semear o tremoço em Janeiro. INQ Portanto, e entre, entre Outubro e Janeiro, a terra ficava assim? INF Agora fica. INQ Não se punha nada? Não... INF Nada. INQ Ficava... Até, até se pôr tremoço, não se lhe toca? INF Não se toca em nada. Fica lá. Em tempos, era as ovelhas é que andavam nelas. Como eu lhe já disse, (...) vinham as ovelhas do baldio para baixo, para essas terras (...) da cultura. INQ Rhum-rhum. INF Mas agora já não há ovelhas, estão para lá.
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INQ E aqui em baixo, a batata-doce era quando? INF A batata-doce era plantada em Abril, princípio de Maio. Quando era no princípio de Setembro, já tirava batata para os porcos comerem. INQ Rhum-rhum. E a abóbora, e o mogango, e isso? INF Isso começavam a caminho em meados de Agosto, (...) a trazer (...) para deitarem (...) aos porcos. INQ Rhum. Portanto, não tinha altura assim de, de semear? Era... INF Era (...) quando o tempo permitia (...) , em Março, Abril... Era como o tempo... Ele o tempo é que permitia essas coisas. INQ Rhum-rhum. INF Semeavam às vezes em Março ou em Abril (...) , vinha o tempo, queimava tudo. Elas 'diam-se' embora, já não vinham. E outros anos - olha, espera lá aí -, e outros anos semeiam mais tarde (...) por causa do tempo. E agora era como o tempo ajudava. O tempo (...) é que influi (...) com as coisas aqui - ele. Porque isto é um cabeço muito mau aqui. O tempo, é! O tempo (...) é que tange isso tudo aqui dentro, aqui neste lugarinho. É conforme o tempo vem. Há anos que o tempo vem bom, (...) as culturas (...) crescem mais. Outros anos que ele não há sol, nada produz. Vêm morridinhas, vêm ele 'enfossadas' lá na terra que (...) não fazem nada .
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INQ E aqui nunca acontecia a gente dei-, de se deixar a terra dum ano para o outro e sem ser cultivada porque ela estava fraca, ou não? INF Nunca. INQ Semeava-se todos os anos? INF Todos os anos. Agora (...) tínhamos agora isto diferente de todo o mundo: as terras acolá, lá para cima, quando já não queriam produzir, nós íamos com os bois e os carros; ia-se buscar agora terra longe. (...) A terra é pequena, mas lugares aí levar o dia para se ir buscar dez carradinhas de terra! Já viram os nossos carrinhos de bois aqui? INQ Rhum-rhum. INF Levar o dia para se ir buscar dez carradinhas (...) daqueles carrinhos, dez vezes, de terra, (...) de acolá para aqui (...) para a terra produzir! E outras onde (...) a terra era (...) mais possante, que tinha terra dentro de si, era com estevas a fazer covas (...) na terra e a ir para o fundo. Covas (...) mais altas e mais profundas do que daqui (...) do telhado para baixo. Porque a terra, ele mais (...) do fundo vinha, melhor era! Tinha diferentes qualidades de terra e aquilo (...) tudo caldeado uma na outra (...) é que era bom. Quando a terra não queria produzir, e nós fazíamos isso: íamos buscar terra fora (...) para a terra poder produzir. De maneira que elas produziam sempre. INQ Rhum-rhum. INF O que fustigava aqui era o vento. O vento é que era mau. INQ Pois. INF Em anos que havia vento em Agosto e Setembro, (...) dava mau caminho a tudo. Os milhos (...) ficavam a nada. Agora quando não havia vento, que o tempo ajudava, a terra produzia bem de tudo. Produzia milho, trigo, centeio, batata, abóbora. Produzia de tudo. O vento é que era mau.
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INQ Antes de se pôr o tremoço, põe-se outra coisa na terra. INF Estrume. INQ Em que, em que altura era? INF Em Janeiro. Janeiro, Fevereiro. Janeiro, Fevereiro é que é que nós (...) limpamos (...) o estrume (...) do curral do porco; lavram-se as terras então nesse tempo. Mas (...) o bom disso ainda era em Março (...) como as terras estão agora, tudo a milho. E o milho é semeado no princípio de Abril. Havia de ser em Março. Porque o estrume quanto mais perto (...) da sementeira (...) se caldear na terra, melhor é. Porque o estrume deitado agora na terra e a terra estando (...) até Abril (...) sem ser semeada, quando se semeia o milho, (...) a água já derreteu aquilo tudo, já não está nada na terra, se pode dizer. E em estando agora o estrume lá perto (...) da sementeira, eu penso que é melhor mas (...) eu não tenho paciência para isso. Porque quando se chega ao princípio de Março, as vacas começam (...) a dar leite novo, já é preciso ir para cima ter com as vacas duas vezes, os dias já não dão nada. (...) E eu gosto de me desembaraçar e todos (...) como eu. É antes de as vacas darem (...) as crias (...) para os dias renderem mais uma coisinha, para serem maiorzinhos. Tudo gosta (...) de se despachar dessas coisas. Mas ele eu tenho (...) que ele é um erro que a gente temos aqui. INQ Rhum. Em Janeiro é que se tira o estrume?... INF É (...) em Janeiro. É, pois, vamos lá ver , a gente quer-se despachar. INQ Pois.
CRV61
INQ Se acontecesse, por exemplo, uma terra que, que não tivesse sido cultivada durante aí, que tivesse sido abandonada, que não tivesse nada, e depois se quisesse pegar outra vez a, a cultivar, o que é, como é, o que é que se tinha que fazer? INF Então, era lavrá-la. Lavrá-la bem lavrada, estas daqui de baixo. Agora lá para cima, essas terras que estavam assim, já disse: era desterrada. INQ Pois. INF Desterrada. A gente chamava-lhe desterrar. Era ir agora, como eu já disse, buscar terra profunda ou ir buscar onde estava, longe. INQ Rhum-rhum. INF Porque havia muitos sítios que não tinham. Ia-se buscar a outros sítios que tinham. Os donos das terras davam: "Olha, vai buscar acolá à terra de fulano - a terra é minha -, que eu tenho". INQ Pois. INF Ia-se buscar. Ele juntavam-se agora aos grupos, dez, doze, quinze, bem, (...) tudo a tirar (...) do mesmo sítio e os carros (...) dos bois a carregarem (...) para esses lugares. Nessas terras agora, botava-se uma coisinha de terra (...) nesses sítios, (...) nessas terras que estavam largadas, abandonadas. E depois então é que se começavam a lavrar e elas produziam. INQ Rhum-rhum. Portanto... INF E... INQ Diga, diga. INF E outras que (...) não tinham terra, que (...) era rocha, era arrancar aquela rocha com pólvora e cunhas (...) ... E depois é que se deitava a terra em cima daquilo e produziam (...) . Também fiz isso INQ Rhum-rhum. INF em mais de uma. INQ Tinha muita pedra? INF Tinha. (...) Teu avô Filóxeno arrancou muita pedra. Muita! INQ Por isso é que fizeram tantas paredes. INF Não, arrancou das terras dele, aí para cima. Arrancar pedra (...) para dar milho! INQ Rhum-rhum.
CRV62
INQ1 E não há nada assim na terra, duma terra que chame roça? Ou... INF Homem, não sei porque é que deitaram esse nome a ele. INQ1 É porque está cheio de mato. INF Pois ele eu não sei. Mas quem sabe se não?! (...) INQ1 Pois. INQ2 Roçar também não? Roçar também não... INQ1 Roçar ele já disse. INQ2 Ah. INF Meteram esse nome na Roça e era Serrado das Vacas e era Lomba e era o Fundão. O Fundão, deram-lhe o nome de Fundão, mas é ele, às vezes, mais (...) fundo ainda acolá do que (...) nesses outros sítios. Outros é o Quarteiro. INQ1 Rhum-rhum. INF Porque é que lhe deitaram agora o nome de Quarteiro? INQ1 Não sei. INF Outros é Lomba, Palheiros. Agora Palheiros diz que ele que as primeiras habitações cá que houveram (...) que foi aí. INQ1 Lá em cima? INF (...) Nos Palheiros. Mas deixaram (...) de habitar lá; ele vieram fazer aqui abaixo por causa da água, que não tinham água.
CRV63
INQ E quando se estava a, a lavrar a terra, por exemplo, depois de cortar o, o trigo, lavrava-se? INF (...) Alguns lavravam, mas (...) eram poucos que lavravam. Só se para ele para cultivar a terra com (...) segunda cultura: batata-doce para semente; outros semeavam milho era para os bois comerem agora em Outubro, quando carreavam (...) o milho das terras (...) altas... INQ Rhum. INF Os bois comiam agora esse milho... Ceifava-se e os bois comiam esse milho agora. (...) Ainda estão algumas terras aqui (...) com esse milho. O milho, por esta altura, mais ou menos, era cortado por baixo e os bois então comiam esse milho. INQ Rhum-rhum. INF Ou então alguma terra que tinha ele mondas que as moças queriam amansar . INQ Pois.
CRV64
INQ1 Quantas vezes lavrava a terra? Era só uma, ou?... INF Era conforme a cultura, conforme (...) a qualidade (...) da cultura que se (...) semeava na terra. (...) INQ1 Então, quando é que lavrava mais de uma vez? INF Para o milho era uma vez só. Era raro se lavrar mais de uma vez (...) para semear o milho. INQ1 Rhum. INF Semeava o tremoço em Janeiro e semeava o milho agora em Maio, só. (...) Agora para o feijão, o feijão quer umas três lavouras, pelo menos. Para a batata, umas duas, outros lavram três, mas eu lavrava duas. (...) INQ1 Pois. INF (...) E também para a batata-doce, também era lavrada duas vezes e ele em algumas terras três. Agora INQ1 Mas... Diga, diga. INF o milho era (...) só uma vez. INQ1 Só uma vez? Mas para o feijão e para a batata, lavrava sempre na mesma direcção ou depois?... INF Não! INQ1 Como é que era? INF Era ao contrário: uma vez da esquerda e outra vez para a direita. INQ1 Não, não dizia, a primeira... Como é que chamava a prime-, a primeira?... INF Ah! INQ1 Não é cruzada ou?... Não se chamava? INF Ah! INQ1 Ou a travessar... INQ2 Como é que era: uma vez para a direita, outra vez para a esquerda? INF Por exemplo, (...) a terra é este livro agora. INQ2 Sim. INF Uma vez a lavoura (...) ou o rego ia agora como daqui para aqui. Percebe? INQ2 Pois. INF E outra vez, (...) para o rego não ir sempre no mesmo sítio, já ia daqui para acolá, que era (...) para cortar a terra, (...) para não ir sempre ele a terra (...) lavrada (...) da mesma maneira sempre. INQ2 Mas chamava... Quando fazia o segundo chamava cortar? Ou não? INF Era cortar a terra - cortar a terra. INQ2 O segundo que fazia? INF O segundo que fazia. INQ1 Era cortar? INF Era cortar a terra. INQ1 E o, e o terceiro já era no sentido da primeira vez ou era ainda, ainda era diferente? INF Quando eram três... Aqui em baixo, ele para semear o trigo eram três vezes. INQ1 Rhum. INF Cortava da primeira vez, cortava daqui; era aqui logo direito. A segunda vez, a gente chamava atalhar; dava-lhe daqui. À terceira vez, dava-lhe ao comprido tudo o que podia. Alguns, como estes da fraga aqui em baixo, (...) à primeira lavoura, dava-lhe ao comprido. E as outras duas, ao lavrar ou ao botar ali a sementeira é que cortava. E eu, eu era ao contrário dele mais dos outros. Eu, da vez da sementeira queria-me despachar, eu queria-as cortadas já (...) das duas primeiras, que era para o dia (...) da sementeira (...) safar-me tudo o que podia. Eu se podia semear tudo num dia, semeava.
CRV65
INQ1 Como é que se chama o homem então que anda atrás do arado? INF O lavrador. INQ1 As mulheres nunca lavravam aqui? INF Talvez em tempos lavravam. Mas em meu tempo não. Eu via a minha avó que era (...) ... Eu agora não sei qual era. Não sei se era a avó daqui do Flamínio, se era a avó (...) do Flamino. Essa tia, quando queriam semear junça... Também cultivavam junça, mas em meu tempo pouca. Já cultivaram pouca junça, em meu tempo, aqui. Mas antigamente (...) cultivavam muita junça. (...) E gostavam agora de ver (...) o reguinho da junça direito. Porque eu era lavrador porco; o meu rego, ele (...) tinha cambas. Mas diz que essa mulher que lavrava direitinho, que parecia que o rego dela (...) que era feito com uma fita. O que tinha opinião, que queria ver o rego sempre direitinho, tinha que a ir buscar para ajudar a semear a junça. Mas eu nunca vi mulheres lavrar aqui. INQ1 Rhum-rhum. INQ2 Essas co-, esses desvios que faz, como é que chama? INF Olhe, chamo-lhe cambas. Risos INQ1 Portanto, ainda se lembra como é que, como é que se cultivava a junça, a junça? INF Homem, não sei. Mas a junça queria (...) a terra direita, (...) toda à monda. Que a terra era bem lavrada, (...) ele toda à monda, tudo escolhido. Depois é que semeavam aquilo. Estava um lavrando e estava outro (...) a deitar a junça atrás (...) do arado para ela ficar enterrada na terra. Era como o milho. A diferença que tinha é que queria (...) mais semente do que o milho. O milho quer pouca. INQ1 Pois. INF E a junça queria muita. Mas dava muito trabalho. INQ1 Mas a semente, a, aquilo da junça era parecido com a coisa do juncilho? INF É. INQ1 É? INF É. INQ1 E aquilo, portanto, tinha o seu tempo de crescer, era? INF Tinha. Tinha. Ele amadurecia agora em Outubro. Agora aquilo dava um trabalho (...) levado da breca, acarearem milho dacolá de cima (...) e apanharem junça. Era preciso ser batida numa pedra. Depois diz que botavam aquilo num cesto, limpando como quem limpa trigo. Estava uma mulher por baixo (...) a rodar aquela pedra e a terra que vinha junta com ela (...) e aquilo a cair por cima dela, ela depois vinha para casa. INQ1 Vinha suja? INF Oh, vinha suja?! INQ1 Mas ela não era... A junça não era seca, nem era nada? Portanto, aquilo apanhava-se, sacudia-se?... INF Rhã-rhã. INQ1 E como é que eles cor-... Cortavam aquela parte de cima? INF Não. Batiam-na (...) numa pedra. Tinham uma pedra agora assim mais ou menos, por exemplo, (...) esta largura, INQ1 Rhum. INF uma pedra agora ao alto na terra, e estava agora um homem (...) com a junça. Ela (...) deitava rama desta altura, mais ou menos. Estava com aquilo (...) a bater na pedra, o grão ia caindo para baixo (...) e estavam então rodando para trás (...) para dar lugar. E levavam agora o dia agora (...) a baterem naquilo para aquele dia ir... A rama iam botando lá para um monte (...) e a junça ia para outro. INQ1 Rhum-rhum. E depois ela ia directamente ali para dentro da, daquelas coisas de terra, era? INF Limpavam-na como é que é limpo o trigo. INQ1 Rhum-rhum. INF E metiam-na então (...) nessas covas até por aí adiante. Porque no Inverno... Para o outro ano, naquele tempo é que a tinham lá. INQ1 Depois não sabe como é que se fazia para fazer o, o?... Aquilo fazia pão! INF Alguns faziam, com fome! Mas o mais era (...) para alimentação dos porcos. INQ1 Era mais só para a alimentação dos porcos? INF É. INQ1 Dava-se-lhe assim? Aquilo ficava lá assim um ano a?... Dentro das covas... INF Pois, ele era (...) conforme a falta que tinham. INQ1 Rhum-rhum. INF (...) Os que tinham muita, ela estava lá até ao Verão; outros que tinham mais pouca, acabavam-na mais cedo. Era (...) como a falta que tinham dela.
CRV66
INQ Nunca se foi buscar água aos poços para, para regar as terras nem nada, não é, nem nada? INF Nunca. O que se vai buscar é para encher (...) os bebedouros onde o gado bebe. Vai-se buscar às vezes às ribeiras do baldio, quando correm. Por exemplo, estas terras daqui, das Covas Vermelhas, os Covões, Urzes são ele terras (...) que bebem a água. (...) Os poços são maus de ajuntar água. É preciso muitíssima chuva; ele só com enchentes (...) é que juntam. Vai-se buscar a um sítio que é chamado a Ribeira da Merenda. Lá (...) num rego, vai-se buscar água para encher (...) esses bebedourozinhos. Agora (...) para regar as terras nunca. INQ Pois.
CRV67
INQ Como é que se debulhava aqui? INF (...) Espalhava-se o trigo na eira; depois amarrava-se o gado numa cobra (...) - seis reses; mais ou menos seis. Cada um tinha (...) o seu cordão e andava-se à volta. Estava um tocando o gado (...) e estava outro com a forquilha virando a palha. Quando dava a volta à eira (...) ... O gado, por exemplo, andava agora por aqui assim. O que estava forquilhando, virando a palha, ia ao contrário do gado; quando dava a volta, (...) o gado que estava aqui por fora vinha para aqui para dentro - chama-se mourão a esta parte de dentro -; e o que estava aqui (...) no mourão ia para fora. De maneira que (...) o gado andava assim, depois obrigava o gado a andar assim. (...) O da forquilha deu outra vez ao contrário. Ia sempre (...) virado para o gado. Nunca ia (...) com o gado. (...) O gado se ia assim, a forquilha ia... INQ Pois. INF Andava-se assim até à noite.
CRV68
INQ E mais ou menos, um, um calcadouro quanto é, quanto tempo é que demorava para, para sair?... INF Era conforme o tempo, conforme o sol. Em dias (...) que a atmosfera estava pesada, debulhava-se dois calcadouros num dia. INQ Rhum-rhum. INF E outros dias, em duas horas deitava-se fora. INQ Em duas horas? INF Duas horas. INQ Portanto, e, o que é que fazia quando, quando estava debulhado? Tirava o... INF (...) Tirava-se a palha para fora, emolhava-se (...) e mais palha para cima dele. Quando estava debulhado outra vez, fora. (...) E o grão ia-se tirando (...) conforme os donos queriam. Alguns debulhavam (...) na eira (...) com o grão até à noite. E outros (...) cada calcadouro que iam deitando, iam (...) tirando o trigo para fora (...) para o irem aventejando ao vento e ele estava aliviando sempre. Mas ele o que não tinha gente para isso, ia-se lá amanhando como podia. Mas era melhor tirar porque ele debulhava mais depressa. INQ Pois. E com que é que juntava o, o grão na eira, quando ele estava?... Quando tirava a palha para fora?... INF Era com um garrancho e com um rodo. INQ Rhum-rhum. INF Eu nunca usei essas coisas. Eu andava era com a forquilha. Aqui era a forquilha (...) para tirar a palha para fora. INQ Pois.
CRV69
INQ1 Olhe, a eira era feita de, de quê? INF1 Antigamente já e agora ainda há pouco tempo, era terra, terra calcada! Mas agora ele é tudo cimento. (...) E antes do cimento era com as... Chamava-se lages, umas pedras que haviam ali (...) naquela rocha do rego. INQ1 Rhum-rhum. INF1 Acartavam isso para cá que era... A minha também era dessas, aqui ao pé da casa do Flausino. INQ1 Pois é. INF1 Era (...) dessas pedras. Mas a maior parte delas eram de terra. Era terra (...) só calcada. INQ1 Como é que ela se acal-... Como é que ela ficava assim dura? INF1 Pois ele era com o gado. Era andar com o gado (...) até ela endurecer. INQ1 Antes de debulhar. INF1 Sim. Era (...) certa camada de terra, (...) uma terra pesada (...) ... Não sei agora o nome (...) que eu que lhe hei-de dar. Mas era (...) de barro mau, (...) barro pesado. INF2 Barro. INQ1 Rhum-rhum. INF1 Aquilo o gado acalcava aquilo, ela ficava pegada que (...) nunca mais amolecia. INQ1 Ficava rija. INQ2 Mas todas as vezes tinha que se preparar? INF1 Não senhora. Ficava para sempre. INQ2 Para sempre? INF1 Sim senhora. Não digo que ela (...) aqui ou ali (...) não desmoronasse lá uma coisinha mas pouca coisa.
CRV70
INQ1 E onde é que se guardava o, o trigo? INF Era nos sacos. INQ1 Dava-se outro nome, quando é, aqueles brancos... INF Ah, (...) os pequeninos? INQ1 Sim. INF Chamavam-lhe passageiras. E sabes porque eram passageiras? Porque eram as malas (...) dos emigrantes que iam para a América. Levavam a roupinha dentro desses saquinhos e então que chamavam-lhe passageiras que eles também eram passageiros. INQ1 Mas esses sacos eram feitos de quê? INF Isso (...) vinham da América! INQ1 Vinham da América. INF Vinham da América! INQ1 Rhum-rhum. INF Mas também faziam... INQ2 Aqui... INF Faziam sacos aqui também de estopa - uma coisa que semeavam (...) - e com linho. Semeavam o linho... INQ1 Ainda se lembra? INF Não! Isso dava muito trabalho! Faziam roupa (...) com o linho. E então esses sacos era com (...) aquela parte mais grosseira do linho. (...) Aproveitavam para fazer então sacos (...) para guardarem então o cereal. INQ1 Rhum. É que a tia Gertrudes disse-me que, na altura da guerra, que ela ainda chegou a semear. INF Ela talvez semeou mas eu não. Não, homem, não liguei nada a isso. INQ1 Pois. Mas aquilo já era no tempo, já era, já era muito antigo, o linho... INF É do tempo (...) de minha bisavó! Porque a minha avó já trabalhou talvez pouco nisso depois de se casar. Agora minha bisavó sim.
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INQ Mas o tio Feliciano falou-me ontem - como é? - que havia um, antigamente que os porcos iam para?... INF Para os Lagos. (...) Ele é (...) de pouco tempo para cá, depois que aqui está a estrada, é que deixaram isso. INQ Faziam todos os dias? INF Todos os dias. Iam de manhã e vinham à noite. Para cima, a gente é que levava, os lavradores é que levavam para cima. Eu levava os teus. De manhã, eu não podia ir, tu: "Ó Feliciano, leva. (...) Vais lá (...) para o baldio, leva lá para fora". Íamos juntando os que estavam por além fora, íamos levando tudo, botavam-se fora da cancela. Eles estavam por lá (...) enquanto lhe dava na cabeça, (...) enquanto lhe parecia. Quando chegava para a tarde, lá vinham andando devagarinho. Um passava na cancela, deixava passar; outro vinha (...) daí a bocado, estava outro rebanho, deixava passar outra vez e eles vinham andando por o caminho abaixo devagarinho e aquilo tudo ia sair a sua casa direito. INQ Portanto, para baixo eles vinham por si? INF Vinham por si. INQ Ninguém, ninguém vinha com... INF Não vinha ninguém. Eles é que vinham por si. INQ Rhum-rhum.
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INQ Então diga-me lá: depois de ele estar morto, o que é que se tinha que fazer? INF Era chamuscado. INQ Com o quê? INF Era com queiró, ou (...) com palha, ou fetos, ou qualquer erva seca. INQ Rhum-rhum. INF Mas agora já têm (...) outro processo. Aqui em minha casa, eu tinha lenha (...) para trazer (...) de cima - já a tinha cortado há tempo -, o genro diz que não, que já não quer isso, que já comprou um maçarico (...) para os chamuscar. INQ É mais depressa. INF Nosso Senhor o ajude, menos trabalho para o velho! Risos INQ Olhe, enquanto... Aquilo enquanto estava quente, estava a chamuscar, tinha que estar a?... INF A rapar. INQ Com quê? INF Com um facão. INQ E depois? Depois de ele estar rapado com o facão?... INF (...) As mulheres lavavam (...) com água. INQ E, e tinha depois um?... INF Uma rapadeira. INQ Rhum-rhum. Olhe, o, o porco foi sempre aberto no mesmo dia aqui, ou alguma vez se deixou de, de um dia para o outro? INF Não. Alguns (...) deixavam de um dia para o outro. INQ Mas era anti-... Mas antigamente? INF Antigamente. Tiravam as tripas e deixavam-nos pendurados de um dia para o outro. INQ Ainda se lembra? INF Ah, mal. Pouco. Eu, o mais que eu me lembro era em casa (...) do avô (...) do Flaviano. Faziam quase sempre assim: matava à tarde, deixava-os pendurados para o outro dia, no outro dia (...) é que os cortavam. INQ Ainda se lembra, ainda se lembra como é que eles ficavam pendurados? INF Amarravam-nos (...) por o queixo e ficavam pendurados numa trave lá (...) no palheiro que eles tinham. INQ Rhum-rhum. Mas eles hoje disseram-me que antigamente chamuscavam de outra maneira. É dentro da cozinha... INF É dentro da cozinha numas covas. (...) As cozinhas tinham uma cova, agora isto, mais ou menos. Eram chamuscados dentro da cozinha. INQ Como é que chamuscavam? INF Ah, era (...) com palha da... Chamavam-lhe palha de resteva. (...) Ceifava-se o trigo (...) e era a parte que ficava na terra. INQ Rhum-rhum. INF Arrancavam aquilo e chamuscavam com isso. INQ Mas o porco como é que?... Andava-se com ele para trás e para a frente, era? INF Andavam lá com ele! Porcos grandes, que matavam porcos (...) de treze, e catorze e quinze arrobas, e eram chamuscados dentro da cozinha. Não sei (...) como é que se amanhavam. Aquela quentura (...) e andar com eles acolá dentro! INQ Mas isso já não se lembra, tio Feliciano? INF Ainda me lembro, nalguns lugares, de chamuscarem dentro da cozinha. INQ Era naquelas cozinhas que eram de terra, não era? INF Era. Era tudo. (...) Aquela casa que eu tenho ali em cima, INQ Rhum. INF ao pé do Outeiro, pus ali uma cozinha baixa. Eu sou baixo e ela tem pouca mais altura (...) do que o meu braço estendido, ou (...) não tem mais nada. INQ Rhum-rhum. INF Eu já me lembro (...) de uma tia minha, tia de meu pai, que estava morando lá, chamuscarem o porco dela lá dentro!
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INQ Portanto, onde é que prende a, a ferradura? INF Olha, na unha, ou na pata. Porque uns chamam pata e outros chamam-lhe unha. INQ Quando eles são... Quando eles são, são maus, vê-se que podem dar um?... INF Um coice. INQ E quando, quando se tira a cela, às vezes eles fazem assim na terra? INF Estão-se rolando. INQ E que é que lhe põe de uma pata à outra quando não quer que ele salte pela terra fora? INF Uma peia. INQ Era feita de quê? INF Hã? Ou de espadana (...) ou de nylon. Quando às vezes há muito nylon, que ele tem saído no mar, fazem (...) de nylon. Mas quando não havia disso, era espadana. INQ E havia duas maneiras de prender a peia? INF Homem !... INQ Ou era só pela mão ao pé, ao pé? INF Da mão ao pé. INQ Às duas da frente ou não? INF Não. Da mão ao pé. INQ Rhum-rhum. Olhe, e como é que chama a porcaria do cavalo? INF Ah, estrume.
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INF O vime (...) é cortado na Primavera. O que quer (...) fazer (...) o cesto branco, planta o vime (...) quando é cortado, e quando é para diante, em Julho, por exemplo, o vime cobriu-se de folha (...) e larga a casca. A gente descasca o vime; depois então faz-se então o cesto, ou a sebe, ou lá o que é o que se precisa. E o que não quer... O que quer o cesto preto corta (...) e faz quando ele (...) começa a secar. Porque fazendo o cesto com ele verde, nunca o cesto fica bom. Porque (...) o vime está verde, quando vem o cesto a secar, o cesto fica molencão, não se aguenta. (...) Nem se pode acalcar bem. (...) Mas ele o bom do vime preto - agora (...) já não há disso - era: as casas, muitas não tinham chaminé, era (...) um fumeiro, como a gente lhe chamava. Eram agora: como é da chaminé para lá (...) não tinha sobrado por cima. INQ Sim. INF Ficava tudo aberto até acima. O fumo da cozinha saía para cima. (...) E o vime, o vime era cortado (...) e deitava-se ao fumo. Estava no fumo até para diante, Agosto, Setembro. Quando era nesse tempo deitava-se na água salgada. Ele estava três semanas na água salgada. (...) E fazia-se então (...) ou a sebe, ou o cesto, (...) ou o que se precisava e o que o vime dava. Eram então melhores do que estes que se fazem agora verdes. INQ Rhum-rhum. INF O vime era bom de trabalhar e o cesto era mais resistente, aguentava mais tempo. Estes ele (...) dá-lhe caruncho. Mas ele já não há fumo. (...) E também já não se precisa de cestos. (...) Já não se usa estrume, (...) nem se tem milho. Para que eles querem cestos e sebes?! É bem boa vida!
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INQ Tinha alguma, algumas coisas especiais para, para t-, para cortar o vime, ou para descascar, ou era?... INF1 Não. Cortar, tenho cortado alguns com a minha navalha. Ele vejo alguns cortar com tesoura. Eu também tenho uma tesoura de cortar. Tesoura (...) de podar. INQ Pois. INF1 Mas nunca utilizei para cortar o vime. INF2 Isso não dá. INF1 É uma navalha - navalha. E descascar o vime é as mãos. No dia (...) que a minha mulher morreu eu estava (...) numa horta ao pé de uma tua, na Cabaceira, descascando. E eles em procura de mim aí para cima, tudo, tudo ele tapado de nevoeiro, que não se via nada. Quase que não me acharam, não contavam muito de me irem achar lá. INQ Ninguém sabia que estava lá? INF1 Ninguém sabia de mim. INF2 "Eh, Feliciano, estás aonde" ? Quem é que ia dar com ele lá? INF1 "Homem, hão-de dar comigo". INQ Estava a descascar vime? INF1 Estava. (...) Tudo ali orvalhou, nevoeiro, e eu lá abrigado lá ao pé (...) duma pedra que estava lá, lá duma rocha. INQ Rhum. INF1 Estava abrigada lá, e eu estava lá pensando que ela que já queria vir para aqui, e estava enganado com isso. O médico (...) diz que ela que já queria vir, que estava melhor, foi-se embora dum momento para o outro. INQ Ah foi?
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INQ Portanto, a candeia como é que era aqui? INF A candeia era (...) umas... Quando eu era criança, havia umas coisinhas assim como a palma da minha mão, coisinhas pequeninas, só com uma boquinha diante, (...) e eram presas por (...) um bocadinho de arame atrás. E tinham então: fazia a modo duma espécie dum gancho e esse gancho tinha uns três ou quatro orificiozinhos, (...) onde o arame prendia. INQ Rhum-rhum. INF Se queriam que ela inclinasse mais (...) para o azeite ir para diante, deitavam... Porque o gancho era assim inclinado. INQ Rhum-rhum. INF Era na parte de baixo. Se queriam que ela levantasse mais, era um gancho de cima para levantar para cima. E depois (...) já não gostavam dessas, arranjaram uma que era espécie (...) disto (...) . Mas ele este é inclinado para cá, aquelas eram direitas. Faziam-lhe ali um pedal assim por baixo, e tinha lá (...) a sua torcidazinha. Deixavam lá ele óleo (...) ou de albafar, ou de baleia, ou (...) dessa coisa. Serviam-se com isso. INQ Rhum-rhum. INF E depois vieram então estes candeeiros de petróleo, já pareciam (...) tanto bons (...) como a electricidade. Estávamos muito contentes com isso e hoje (...) já não se vê com isso.
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INQ1 Portanto, na festa do casamento, como é que era? Os de... Cada um dos pais pagava?... INF1 Pagava metade. Cada um era como podia . Agora (...) alguns talvez é que pagavam tudo, talvez, (...) ou o que melhor podia. Mas o normal é: os dois lados pagavam. INQ1 E como é que era o casamento antigamente? INF1 O casamento, antigamente, ele era casar só e vir (...) alguns. Não digo todos. Olha, a madrinha sabe melhor do que eu. Coziam lá uma coisinha de biscoitos, uma coisa com pouco açúcar, uma coisinha (...) de farinha, uma coisinha de vinho e lá se enganavam assim. Não havia mais nada. Não era? INF2 Era. Mas agora já fazem mais. INF1 Agora fazem mais alguma coisa. Mas ele está perguntando antigamente. INQ1 Pois. Antes. INF2 Ah, pois. INQ2 E quem é que vinha beber esse vinho e comer esses, esses bolinhos? INF1 Convidavam talvez a gente (...) da ilha toda. Então ele vinham agora... Não vinham todos. Vinham lá alguns mais amigos, (...) mais parentes, mais conhecidos. Não era tudo. INQ2 Mas convidava-se toda a gente? INF1 Convidavam tudo. Começavam numa ponta e acabavam noutra. INF2 Convivia-se com todos, pois vinham todos juntos . INF3 Ainda há aí casamentos que têm sorte . INQ1 E as pessoas costumavam trazer alguma coisa assim para a casa ou traziam só?... INF1 Não traziam nada! Que é que haviam de trazer?! Não havia nada que trouxessem! INF2 Eles agora é que trazem. INF1 Agora é que trazem! INF2 Agora é que trazem muita coisa.
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INQ1 O que é que se fazia no dia de São Marcos? Antigamente, no seu tempo? INF1 Ah! Andavam com um carro aí pelos caminhos. (...) O último (...) que se casava, iam-no buscar a casa e andavam com ele em cima dum carro a percorrer as ruas e os outros a puxarem o carro. INF2 E com a cabeça dum carneiro. INF1 Com a cabeça (...) dum carneiro ou (...) dum boi ou duma vaca ele às costas. INQ2 Mas era só, era só o último ou eram aqueles que tinham casado naquele ano? INF2 Eram só homens. INF1 Eram todos mas o último é que andava em cima do carro. INQ2 E os outros é que puxavam? INF1 Andavam puxando e atrás iam acompanhando. INQ2 Isso ainda foi até há pouco tempo? INF1 Pouco tempo! INF2 Ainda fazem agora! INF1 Mas (...) já vão deixando mais. INQ1 Já vão deixando... INQ2 Rhum-rhum. INF1 Mas antigamente faziam. Não, eu nunca assisti a essas coisas. Ah! Eu fiquei isento disso! Risos INQ2 Pois, eu lembro-me, quando era, os miúdos também faziam aquela festa. INF1 Faziam. INQ2 Ainda me lembro de pôr o... INF1 Andavam (...) com uma latinha, (...) ou os que eram (...) do Faial... (...) Ainda há pouco tempo... Penso que ainda está uma latinha em casa. INF2 Com resina. INF1 Com coisa de resina e cera (...) e andar a fazer fumo pelos caminhos com aquilo! INQ2 Levava-se os cornos espetados num pau, não era? INF1 Levavam. E um andava (...) com os cornos num pau (...) e os outros andavam com as latinhas então (...) a incensar. INF2 A incensar. INQ1 Mas iam à igreja ou não? INF1 Não senhora. Não senhora. INF2 Não, não, não. INF1 Não, era aqui nos caminhos. INF2 Isso não era coisa de igreja. INF1 Não, era aqui pelos caminhos. INQ2 Olhe... INQ1 Isso era no dia, que dia era? INF1 25 de Abril.
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INF1 Isto agora é uma asneira talvez. INQ Não. INF1 'Houvia' um chefe de finanças que esteve aqui, o Flávio - tu já não conheceste, ele foi-se embora antes de tu nasceres - que (...) os filhos que eram (...) filhos (...) do casal... INF2 Estão em França . Do casal. INF1 (...) Agora, por exemplo, o pai tinha casado duas vezes, filhos (...) da mesma mãe (...) e do pai eram INQ Diferentes. INF1 diferentes, chamavam filhos... Como é que diziam? Consanguíneos. INQ Rhum. INF1 Ou filhos da mesma mãe (...) e com pais diferentes eram filhos uterinos; (...) e irmãos todos, que eram filhos germanos. Agora eu por mim é que não sei nada. (...) Sou um tolinho. INQ Pois. Tolinho?! Então ainda se lembra disso, dos filhos uterinos... Eu não, isso nunca tinha ouvido. Portanto, nunca, nunca ouviu aqui chamar que era, era meio-irmão? INF1 Também. Também diziam aí meio-irmão. Meio-irmão. É meio-irmão. INQ Rhum-rhum.