EXB01
INF E (...) de maneira que ele andava aflito e disse (...) para os colegas - (...) diz que eram dois ou três... E diz que disse para os colegas: "Eu vou fazer uma capela (...) no primeiro alto que eu avistar em terra". Há quem diga que isso foi feito ali por causa disso. INQ1 Por causa de ter sido o primeiro que ele avistou? INF Foi. INQ1 Ah! INF Aquilo é muito vistoso, é muito alto! É mais serra do que... Quer dizer, (...) vê-se (...) a paisagem igual toda à volta. Ele vê-se o mar e vê-se ele as povoações. (...) Aquilo parece que está uma coisa metida no centro (...) e os arredores é tudo igual quase, assim. INQ1 Tudo igual! Pois, pois, pois. INF Não há mais serra nenhuma ali perto. INQ1 Rhum-rhum. E é a Serra da Senhora do Socorro? INQ2 Do Socorro. INF É. INQ1 Serra do Socorro. INF Há quem diga que é a Senhora da Cabeça, outros dizem que é a Senhora do Socorro. INQ1 Pois. INF A gente aqui é a Senhora do Socorro, a Senhora do Socorro.
EXB02
INF (...) As agriculturas antigamente eram mais que agora. INQ Rhum-rhum. INF Porque antigamente semeava-se muita coisa... Quer dizer, eu já conheci também uma época que nem sequer para comer havia. INQ Pois. INF Era pouco. Ele semeava-se pouco. Uma couve levava seis meses a fazer-se. Porque era só à base (...) de estrume INQ Pois. INF (...) e não havia materiais. Assim é que se fazia uma couve. A couve fazia-se muito preta, mas levava muito tempo a fazer, não é? INQ Rhum-rhum. INF Era só à base quase (...) do tempo, pronto. INQ Pois. INF De resto não tinha nada (...) no pé (...) para a alimentar - e mais nada. INQ Pois. INF E havia vinhas. As vinhas eram mais estreitinhas que agora. Havia muitas vinhas, mais que agora ainda, que era tudo amanhado a braço. INQ Rhum-rhum. INF Ele a vinha era apertada, eram umas carreiras muito estreitinhas, muito... A cepa, ela era daí de quarenta em quarenta centímetros ou que fosse de metro em metro, e era aí metro e meio de largo, nem tanto. Andavam os homens ali entalados dentro (...) a cavar. Era tudo feito à mão. E era cavado à mão, era raspado à mão, era sulfatado (...) com um pulverizador antigo (...) desses de cambota... INQ Rhum-rhum. INF (...) Ou então tocados por baixo. Havia ele era tudo coisas antigas! INQ Pois. Pois. INF E a batata era semeada à mão; era tudo à mão. Era abrir covacho. Abria-se carreiras de covacho. Começava-se. Ele os homens começavam dois ou três ao lado uns dos outros a abrir uma carreira de covachos... (...) O covacho era, por exemplos, assim deste tamanho para levar três bocados de batata; acabava de fazer aquele, fazia logo outro, mas é tudo (...) a mata cavalos por aí abaixo, a ver aquele que chegava ao fundo. INQ Pois. INF Depois era tapado à mão, pronto. (...) E era sachado à mão. Agora é tudo maquinismos, não é? Era tudo à mão... INQ Pois. INF Tudo a manual. A batata também não dava tanto como dá agora. INQ Rhum-rhum. INF Dava menos. Porque não havia materiais e quem... Que ele nem toda a gente podia pôr materiais. Quem punha materiais era o lavrador maior e o pequenino, é claro, não podia comprar. Naquela altura era uma miséria, não é? INQ Pois. INF Eram muitos filhos. INQ Pois. INF É. Era tudo diferente do que é agora, não é?
EXB03
INQ Mas assim, assim as culturas e as, as coisas que faziam assim ao longo do ano, como é que era? INF Oh, era batatas... É o que a senhora quer fazer, não é? INQ Sim. INF Feijões, muito mais que agora. Que agora nem se pode semear feijões nem coiso, puseram isto tudo aí (...) em reservas de caça. INQ Ah! Pois é. INF Porque isto até havia de ser proibido, porque os terrenos são retalhados, muito retalhados. É um que tem aí um bocadinho, é outro que tem outro bocadinho, outro tem um bocadinho... Agora nem se consegue semear! O ano passado (...) gastei quarenta contos numa seara, semeei-a de feijão, (...) semeei vinte e dois quilos de feijão e (...) nove quilos de grão, não apanhei lá um. Os coelhos comeram tudo! Começaram logo... Eu pus veneno, (...) eu punha espantalhos, eu punha... Punha lá o que pusesse! Dois, três dias, afastava-os. Depois começavam outra vez, começaram que ele só deixaram o restolho, pronto! (...) Não deixaram nada. Antigamente não era assim. Antigamente havia... O caçador era livre - não é? - (...) e a caça era: era três meses de caça todos os dias. INQ Pois. INF Quem quisesse caçar, caçava. O dono da fazenda ia para a fazenda, levava uma espingarda (...) e de manhãzinha apanhava um coelho ou dois, ou uma perdiz, depois ia trabalhar; INQ Pois. INF (...) à tardinha vinha para casa, apanhava mais um coelho ou dois, e coisa, e os coelhos, havia mais desbaste aos coelhos. INQ Pois. INF Agora não. Agora é três meses mas é só ao domingo e feriados e quintas-feiras. INQ Pois. INF Quer dizer, apanha dezassete dias de caça, ou dezoito, (...) um ano. INQ No total? Pois é. INF Pois, no total. E o coelho, a criação é muita. E depois, agora, eles puseram isto (...) como sócios só de caçadores; caçadores, só em sócios. São muito poucachinhos porque os de fora não podem cá vir. INQ Pois é. Nem o dono da terra pode? INF Nem eu. Eu não sou sócio, sou contra essas coisas... INQ Eu acho uma coisa horrível! INF Passei a não ser sócio, não quis ser sócio. INQ Pois. INF E eu tenho o prejuízo: tenho uma licença de caça, tenho um porte de arma - como outro qualquer - e uma espingarda, e não posso lá ir caçar dentro daquilo que é meu. INQ Isso realmente está mal feito. INF Pois, sim senhora. Uma injustiça mesmo! INQ Pois é. Pois é. Exactamente. INF É uma injustiça mesmo. A gente tem o prejuízo (...) e, no fim, com a licença de caça e tudo, não se podemos caçar desde que a gente não pague ali à sociedade. INQ Pois é. INF Temos que pagar dez contos de entrada; temos que pagar de seis em seis meses cinco contos... Isto (...) é uma roubadeira! INQ Pois é. INF Não é? É só uma roubadeira. Não tem lucro nenhum. O caçador não tem lucro nenhum. INQ Pois. INF Pois então! Pois se as fazendas são nossas, a gente é que tem os prejuízos, a gente é que está a criar a caça! Tiramos uma licença de quatro contos ao Estado, paga-se um porte de armas (...) de cinco contos e tal, paga-se mais três contos e tal (...) de seguro (...) de espingarda, e (...) paga-se um conto de réis de (...) uma vacina dum cão, paga-se mais um conto de réis (...) duma licença dum cão... Então, a gente (...) gasta uns poucos de contos (...) nas licenças, e tudo, e não tem ordem de caçar naquilo que é nosso?!
EXB04
INF E de maneira que agora então... A agricultura antigamente, semeava-se muito grão, muito feijão, muito trigo... Conseguia a estar aqui duas debulhadeiras neste sítio um mês inteiro a debulhar quarenta e tal moios - sabe o que é o moio? INQ Que... A porção que é não sei. INF São dez sacos de sessenta e seis quilos, (...) cada moio. INQ Pois. Cada moio. INF Ele uma máquina fazia uma média de cinquenta, quarenta e cinco, cinquenta, cinquenta e dois moios por dia. E conseguia a estar aqui duas máquinas a trabalhar (...) um mês inteiro. INQ Rhum-rhum. INF O mezinho inteiro era duas máquinas! Olha, que fazia muito moio de trigo, hem? INQ Pois. Pois. INF Hoje não há aqui uma máquina. INQ Pois. INF Hoje não vem aqui uma máquina. Hoje não se amanha nada. Não se amanha nada. E eu (...) há dois anos semeei uma terra de trigo, ele foi um castigo para arranjar uma debulhadeira para lá ir - que é meia ceifeira e debulhadeira -, foi um castigo, porque não queriam cá vir por causa de tão poucachinho, tive que desistir. INQ Pois. Oh! É uma pena! INF Pronto! Tinha duas terras a jeito para trigo este ano e não as semeei. INQ Pois. INF Pronto! Porque a gente não pode... Não tenho já quem me venha cá fazer o trabalho. INQ Pois. INF Porque se fosse muitos, a debulhadeira vinha cá (...) - debulhadeiras que andam aí ao ganhanço - não é? -, que até são de longe. E eles vão a áreas que haja muito trigo, que lhe dê resultado. Agora, por exemplos, vir aqui a uma terra, pois vem a máquina (...) por uns caminhos velhos acima - que aquilo é uma coisa larga - para ir para outra terra fazer umas terras (...) pequeninas, nem lhe dá o rendimento que eles querem. Pronto! E eles não vêm. INQ Pois é. Pois é. INF De maneira que agora não se semeia nada dessas coisas. Então antigamente semeava-se eram muitas vinhas, era muito trigo, era muito grão, era muito feijão. Tirava-se aqui moios e moios de feijão, era moios e moios de milho. Havia eiras antigas, que fazia-se a eira com um rebanho de ovelhas (...) no chão, e com umas poucas de barricas de água molhava-se aquilo, punha-se palha de trigo, as ovelhas vinham de madrugada (...) fazer a eira, tocadas com três ou quatro pessoas, INQ Rhum-rhum. INF andavam ali de roda, de roda, até calcar aquilo. Depois punha-se uma mancheia de palha de trigo a enxugar; depois de ela estar enxuta, é tirada a palha, era varrida, ali ficava uma eira para debulhar feijão, milho, trigo, à mão, a trilho... INQ Pois. INF Antigamente era um trilho. INQ E ainda se lembra disso? INF Então não me lembra?! Então havia tanto trigo a trilho, (...) tocado a bois (...) ... INQ Pois. Pois. INF Puxado a bois e puxado a burros ou a machos. E os palheiros era um... (...) Fazia-se um buraco, não havia enfardadeiras... Nem havia enfardadeiras, nesse tempo! INQ Pois. INF (...) Fazia-se um buraco nas casas, nas casas de palheiros, e depois (...) era acartadas com uns panos a palha e eram metidas (...) pelo buraco (...) do telhado, enchia-se uma casa de palha. Assim é que era o palheiro feito. INQ E agora já não há? INF Agora não. Agora, é claro, depois começou a haver as máquinas, as debulhadeiras assentes nas eiras... INQ Pois. INF Começou a haver as enfardadeiras a fazer os fardos; (...) e começou a haver outras máquinas também a debulhar e depois vir as enfardadeiras (...) enfardar à terra. Agora é tudo diferente, não é? INQ Pois. INF E eu conheci (...) essas épocas que não havia nada dessas coisas. INQ Pois é. INF As uvas eram esmagadas todas dentro dos lagares a pés. INQ Pois. INF (...) Nesse tempo é que havia bom vinho, que se podia beber, não é agora. INQ Pois. INF Porque agora (...) as pessoas não têm consciência. Não têm consciência! Há sempre aqueles truques de se enganarem uns aos outros e de enganarem o povo. INQ Pois é. INF O povo, há certo povo (...) por dinheiro INQ Faz tudo. INF são capazes de envenenar (...) a humanidade toda. INQ Pois é. INF O povo todo. Hoje faz-se um morangal... Sabe o que é morango, não sabe? INQ Rhum-rhum. INF O morango está a querer amarelar, em dois dias põe-se capaz de apanhar. Quando ele está a querer amarelar, é sulfatado com um veneno. INQ Que horror! INF Um veneno mas é veneno! É um Seiscentos e Cinco Forte, ou o Decis, ou essas coisas assim, por causa (...) de o mosquito não poisar, para (...) não o morder, para ele não se espapaçar e coisa. Ao fim de (...) dois dias ou três, é apanhado. INQ Ai, que horror! INF É uma das frutas mais perigosas que a gente hoje come. INQ Ai, pois é! INF A alface é a mesma coisa. Para ela não se picar, é - vá - (...) um sulfato que há aí e um bocadinho de veneno em cima. INQ Que horror! INF Por causa de o mosquito não a picar. INQ E nós a comer isso tudo! INF Vem o mosquito e pica-a. E (...) o pessoal agora come. Antigamente não era nada disso. INQ Pois. INF Porque (...) havia as pessoas a durar cem anos, noventa anos, (...) e a passarem fome, parece mentira! INQ Pois.
EXB05
INF Uvas, as qualidades eram melhores que agora. Eram apanhadas mais tarde do que agora. Havia melhores Verões que o que há agora. INQ Pois é. INF Melhor clima ainda. INQ Pois é. INF E, por exemplos, a uva agora é apanhada toda em (...) Setembro, fins de Setembro, princípios de Outubro. Dantes era fins de Outubro e entrava para o outro mês dentro, é que se apanhava a uva, quando ela estava bem madura! INQ Bem madura! INF Ali (...) bem sorvadinha ali para ir (...) para o lagar; depois era pisada; depois ia (...) para os tonéis, (...) ia curtir; depois era tirada pelos postigos, era picada por cima, (...) com aquelas têmperas que eles faziam; picavam-na com uns forcados assim (...) , parecia assim (...) uns ferros, assim ao jeito (...) daquelas rocas de apanhar fruta? INQ Sim. INF Era picada (...) , que era (...) para eles verem mais depressa o curtimento; depois, ao fim de três dias, o vinho era provado: se ele picasse, para não perder o doce e que ele picasse um bocadinho, era logo tirado. Pronto! Era tirado novamente para o... Tirava-se o vinho por baixo pelas torneiras para encher as vasilhas; (...) e o bagaço depois, (...) o que era a massa, ia para o lagar, era pisado e espremido; tirava-se o vinho e depois era outra vez escangalhado, esgadelhado (...) no lagar e, então, levava muita medida de água, conforme o espesso os peso , a quantidade - não era? -, INQ Pois. INF e era repisada a pés outra vez e ia outra para a prensa e fazia-se água-pé para os homens beberem. INQ Água-pé? Pois. Pois é. Pois é. INF É, fazia-se a água-pé que é o que os homens bebiam no trabalho.
EXB06
INF O que é que atravessei uma época que não havia... Com dinheiro na mão! A gente via os padeiros peneirarem, amassarem, enfornarem e com o dinheirinho dentro do saco, a querer quatro e cinco pães e... Toda a noite! Estávamos toda a noite ao pé do... E pequenitos! A gente era pequenitos. Estávamos toda a noite ao pé dos padeiros para vermos se, quando chegasse de manhã, iam à primeira fornada tirarem o pão, (...) para a gente querer três ou quatro pães. INQ Pois. INF Depois só levava um e era quando levava! INQ Isso era para aí no tempo da guerra ou assim, não? INF E esse um, a gente comia-o (...) ... Comia parte dele pelo caminho, chegava a casa levava uma data de porrada. Risos INF Era. A gente éramos onze irmãos... (...) Ganhava o meu pai onze escudos por dia, com onze filhos. INQ Veja só... Onze filhos, meu Deus! INF Onze filhos! A gente nunca pediu, que ele era sapateiro, INQ Mas esse tempo... INF trabalhava de noite e de dia, que nunca quis que os filhos pedissem. INQ Pois. INF Não tinha nadinha! Ele não tinha nada. Amanhava uma propriedade só para ter umas batatas, uns feijões, e coiso; de resto, não tinha mais nada. INQ Pois é. INF E a gente corria o Sobral de Monte Agraço para ir buscar um decilitro de azeite. Um decilitro de azeite, (...) ao Sobral de Monte Agraço, cinco quilómetros! Não tinha. Sabia-se que havia um lagar nas Pontes de Monfalim - mais de três quilómetros -, íamos às Pontes de Monfalim ao lagar buscar um decilitro de azeite. Com um saco na mão e dinheiro, (...) corria-se 'Ceco e Meco' para comprar um quilo de batatas. Não havia. INQ Meu Deus! INF Eu conheci essa época. A gente comia troços de cardos, que era hortaliça, feijão-frade, mas pouco... INQ Pois. INF E era uma miséria, pronto. Antigamente era uma miséria. Isto agora, o pessoal agora está todo rico!
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INF As pessoas agora não têm consciência. Comia-se um porco... Criava-se um porco dentro duma corte, punha-se-lhe um arganel (...) de arame no focinho para ele não... Que era cortes de terra. (...) E se dava umas abóboras, dava-se-lhe umas cascas de batata, que eles nem batatas tinham ordem de comer. INQ Pois. INF Eram umas ervas do 'jerro' que se apanhavam nas bordas. É a bolota, pelo tempo da bolota, que eu não (...) ... Eu não sou de cá. Eu estou aqui há... INQ Ai, o senhor não é de cá? INF Estou aqui há quarenta e sete anos... INQ Ai, mas é de aonde? INF Sou daqui perto. INQ Ah! INF Sou de Pêro Negro. Conhece Pêro Negro? INQ Sim. É aqui ao lado? INF É a cinco quilómetros, se tanto. INQ Sim, sim, sim. INF Mas (...) há ali uns grandes matos largos onde a gente vivia e havia muita bolota carvalheira. INQ Sim. INF E a gente andava sempre à bolota. Com o vento, a bolota caía e a gente aproveitava todos os dias a bolota para dar aos porcos. INQ Pois. INF (...) E levava um ano a criar um porco! INQ Pois. INF E era a carne, o toucinho, era cozido com o feijão... A minha mãe, quando a gente ia espreitar, estava a cozer (...) com o feijão, o toucinho estava no fundo. O toucinho agora a cozer está (...) ao cimo. INQ Pois. INF Parece algodão em rama.
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INF Depois comecei a conhecer outras épocas, vim para aqui, comecei a aprender a sapateiro, pequenino; em vez de ir para a escola, fui aprender a sapateiro com sete anos. INQ Rhum-rhum. INF (...) Depois acabou-se, não havia sola para trabalhar, já eu tinha onze anos, já eu (...) ganhava como um (...) operário grande. Com onze anos! Era um artista já a trabalhar! Com os pezinhos em cima de um meio alqueire e em cima do banco - as botas eram maiores que eu quase -, e eu já fazia botas como um oficial qualquer, à mão; era tudo feito à mão. Depois acabou-se a sola, tive que ir para o campo. INQ Ah, pois. INF Eu e o meu pai (...) e mais dois irmãos que eram sapateiros. Fomos para o campo trabalhar. Depois começou a vir a sola outra vez, lá fui eu... Mas eu, em vez de ir para sapateiro, já fui servir, para ganhar para os mais velhos! Pastar vacas, tratar de vacas, INQ Pois. INF andar (...) a dar águas aos sulfatos, com canecos às costas, (...) a dois homens, a sulfatar à mão... INQ Rhum-rhum. INF E... Ó pá, isso é... INQ É uma vida! INF Era uma vida! Ai, que vida, que vida! E ele cheguei a andar dois meses na azeitona. Lá no meu sítio (...) havia olivais. Hoje não há quem amanhe uma oliveira, hem! Dois meses, vinte e tal pessoas (...) a apanhar azeitona, na Quinta de Nogueiras - chama-se a Quinta de Nogueiras. E eu fazia sempre aquela época toda, que era quando eu, rapaz, ganhava vinte escudos - que era o que se ganhava; um operário ganhava vinte escudos naquele tempo. INQ Pois. INF (...) E eu até era muito pequenino, o patrão pôs-me - era um caseiro muito ordinário que lá havia, ruim -, pôs-me a acartar água quase um quilómetro de lonjura. Com uns canecos de folha que havia de vinte cinco litros, com um arco, (...) cheguei a cortar aqui a carne aqui com o arco. INQ Que horror! INF Fazia-me acachapar-me, ao meio do caminho, para ver... Que achava que eu que... Eu era assim muito teso, muito coiso, INQ Rhum-rhum. INF e queria ganhar sempre como os homens - não é? - e ele fazia-me acachapar, ao meio do caminho, para ver se o caneco vinha cheio ou não - que o caneco trazia uma bóia de cortiça para não deitar água fora -, INQ Pois. INF para ver se o caneco vinha cheio ou não, para eu o ganhar como os homens; senão não me pagava como aos homens! INQ Meu Deus!
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INF Fui outra vez para sapateiro. Já era um homenzinho - que era coiso, (...) já tinha treze anos ou coiso - e fui outra vez para sapateiro. Que eu já sabia aquilo aos olhos fechados! INQ Pois. INF Comecei outra vez em sapateiro, então nunca mais parou. Fui trabalhar para o Bairro da Encarnação. Estive lá dois anos, não gostava de estar naqueles ambientes ali, venho outra vez (...) para o patrão, aqui para Pêro Negro; depois de Pêro Negro, ele pôs aqui uma casa para oficina de sapateiro, éramos cinco a trabalhar, eu é que já tomava já conta da oficina. INQ Pois. INF Depois eu pus-me... Eu casei... Eu abalei com a minha mulher tinha eu dezanove anos, ela outros dezanove. Fugi com ela. Lá me alinhavei. Comecei a pôr uma vida nova, comecei a trabalhar por minha conta. INQ Pois. INF Sapateiro. Comecei a trabalhar por minha conta por sapateiro, mas aquilo era (...) uma miséria! Cheguei então a ter cinco empregados. INQ Ah! INF Fornecia aqui estas áreas todas de calçado. Iam lá lojas e tudo. E então, depois... Mas era uma miséria! Era uma miséria! A gente para arranjar dinheiro para os empregados, INQ Pois. Pois. Pois. INF e para ficar com algum, Jesus, sabe lá! INQ Pois era, era uma vida dura... INF Aquilo era uma miséria! Fazia-se um par de botas (...) por cento e vinte escudos, davam vinte escudos de entrada. INQ E o resto... INF O resto era a dar dez escudos por semana; muitas das vezes, a minha mulher chegava (...) aos postigos a bater, viam que era ela, INQ Não lhe abriam... INF calavam-se e não abriam a porta. Pronto!
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INF Fui para a França, fui para trabalhar para a 'General Motors'. (...) Fui de fugida! Fui de fugida, antes do dia vinte e cinco de Abril. INQ Pois, pois. INF Quando eu cheguei (...) a Elvas, fomos comer. Éramos três rapazes novos, dois casados e um solteiro. Já tinha duas filhas, deixei cá a mulher INQ Pois. INF e arranquei. E a minha mulher ainda ficou com onze vacas! Sozinha! INQ Coitada! INF E a uva toda para vender. E eu abalei. INQ Rhum-rhum. INF Lá estivemos a almoçar, diz uma velhota assim - eu levava vinte e tal contos comigo -, diz uma velhota assim para mim: "Vocês vão fugir para a França, não vão"? "Vamos, vamos". "Ai, filhos, vocês tenham cuidado! Se vocês têm a pouca sorte de ser apanhados (...) pela Pide, eles matam-nos logo"! INQ Pois. INF E a gente lá foi, todos, por aí fora (...) . INQ E conseguiu? INF Andámos oitenta e tal quilómetros a pé! INQ Ah, meu Deus! Isso em Espanha? Em Espanha? INF Foi dois dias e uma noite a andar. INQ Em Espanha ou daqui de Por-, para passarem de Portugal para Espanha? INF Fomos de Elvas a pé (...) para dentro de Espanha. INQ Pois. INF E dentro de Espanha, para apanhar o passador, andámos lá mais (...) quase sessenta quilómetros, dentro, a pé. INQ Que horror! INF Tudo pelo meio do mato, só eucaliptais, ao lado de rios e coisa, tínhamos INQ Pois. INF mais ou menos aquela guia - não é? - por donde a gente passou. INQ Pois, pois, pois. INF Cheguei lá, arranjei trabalho. Já lá tinha sobrinhos! INQ Pois. INF Cheguei lá a uma sexta-feira, na segunda-feira fui logo trabalhar para a 'General Motors', INQ Rhum-rhum. INF que é uma fábrica (...) de automóveis em Estrasburgo. INQ De automóveis. Rhum-rhum. Eh, é lá também do outro lado da França! INF É, é. É (...) INQ Quase na Alemanha! INF ao pé da Alsácia, ao pé da fronteira da Alemanha. INQ Pois, pois. INF A fábrica ficava mesmo ao pé de Estrasburgo, mesmo à fronteira, ali à fronteira (...) da Alemanha. (...) A fronteira da Alemanha ficava mesmo ali. INQ Sim, sim. INF É a Alsácia. E depois onde eu morava ainda é mais quarenta e cinco quilómetros para baixo. INQ Oh, meu Deus, tanto! INF Eu vinha a quarenta e cinco quilómetros, mas era uma carreira já por conta da casa é que levava a gente e trazia. Depois fazia... Eu pedia... Eu gostava de fazer sempre a noite para de dia ir trabalhar outra vez: ia dar serventia a pedreiros.
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INF Depois estive lá sete anos. Sete anos, porque tinha a minha rapariga mais velha... Já estava (...) a querer namorar com um francês e eu não gostava daquilo. Por mim, parava por lá mais... INQ Ai, a sua família acabou por ir com... INF Depois ao fim de dois meses de lá estar sozinho, venho cá buscá-los logo. INQ Mandou buscá-los. INF Já vim com passaporte de emigrante e tudo! INQ Pronto! INF Já era um cidadão! Depois levei-os. Levei-os logo. Arranjei lá uma casa e toca logo. Elas foram lá para a escola, eram pequenitas. Ia uma (...) com sete anos e outra com cinco. E foram logo lá para a escola - INQ Pois. INF para a escola. Uma tirou lá o quinto ano ainda, francês, e a outra o quarto ano. INQ Ah! Pois. INF (...) E depois, a mais velha, já estava a querer andar lá um francês de roda dela. Digo eu assim: "As raparigas, se eu deixo isto andar mais para diante, elas casam-se e ficam cá". INQ E ficam cá. INF "E eu não gosto disto, e depois ou elas prendem-me aqui, (...) ou, se eu for, já também tem (...) anos e anos que não as vejo". INQ Pois. INF "Deixa-me mas é passar já antes"... Eu já estava assim alinhavado, tinha uns tostõezitos... INQ Então resolveu cortar o mar, o mal pela raiz. INF Vá outra vez para cá ... Vá outra vez. E isto estava cá melhor. INQ Pois. INF E isto depois já estava cá melhor. Já as pessoas ganhavam melhor. Eu quando fui para lá, ganhava (...) um homem aí trinta e cinco escudos, que era o ordenado por dia. Eu já lá fui ganhar para lá de duzentos, quase trezentos por dia. INQ Está a ver a diferença?! INF (...) Uma diferença, não era? INQ Pois. INF Depois trabalhava de noite e de dia, eram seiscentos. INQ Pois claro. INF Depois veio para lá a minha mulher, ela ganhava tanto como eu, INQ Pois. INF (...) era um conto e tal por dia! INQ Pois. INF Aquilo era a correr dinheiro. (...) E a comida lá era barata, naquele tempo. Depois estive lá quase sete anos, comecei a ver aquilo e tal, e comecei a medir cá a minha coisa, digo eu assim: "Não. (...) Eu trabalho... (...) Eu trabalho para viver, (...) trabalho para viver. (...) E vivo com as minhas filhas e quero estar perto delas". INQ Pois. INF "E então, deixa-me passar já"... INQ Pois. INF Tinha aqui as casitas, vá, e tinha uma fazenda minha, vá para cá outra vez. Trespassei um café ali em baixo. INQ Rhum-rhum. INF Trespassei um café e começo... E comprei três propriedades! Começo outra vez a amanhar... INQ Pois. INF Comprei um tractor, comecei outra vez a amanhar, comecei outra vez a meter gado ali. Vá outra vez para o campo!
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INQ Fazer assim umas perguntas mais seguidas... INF Eu já era uma espécie de veterinário e tudo. E tirava crias já às vacas e tudo. INQ Ai sim? Também? INF Os veterinários era um castigo para vir aqui. Metia as mãos (...) e lá estavam ao contrário dentro das vacas, às vezes torcidas, as vacas não conseguiam a parir. (...) INQ Pois. INF E toca eu com as mãos lá a ajeitá-las dentro (...) . E conseguia atar uma corda (...) às mãos do animal lá dentro. Levava um nó de porco na mão, chegava lá só com uma mão (...) e atava-o... INQ E deixava lá. INF E deixava lá e apertava, e depois levava a outra, fazia o mesmo, e depois começava a puxar INQ A puxar. INF devagarinho, e até que cheguei a salvar muitas crias assim.
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INF Cheguei a cavar à mão. A cavar à mão é duas pessoas a meter a enxada ao mesmo tempo, a puxar ao mesmo tempo, INQ1 Ah! INF e a meter ao mesmo tempo e a puxar ao mesmo tempo. INQ1 E a puxar ao mesmo tempo. INF É a cavar à mão. E se não for a cavar à mão, cada qual cava por si, pronto. Puxa quando quer (...) e faz quando quer. O que é que (...) a cavar à mão, se for quatro homens ou dois homens só a cavar à mão (...) leva um loro de chão, começa a cavar dali, vai andando, vai andando, vai andando, chega lá ao fim, volta outra vez, fica sempre... Vai... (...) É sempre (...) às mantas de chão. Chama-se a isso uma manta de chão. INQ1 É... INF Cavar à manta. INQ1 Cavar. Portanto, é aquela porção... INF Já sei: cavar à mão e cavar à manta. (...) Quer dizer, vem sempre aquele... Aquela tira de chão anda sempre certo, INQ1 Sempre... INF cá e lá, cá e lá, sempre. INQ1 E aquilo que o senhor disse: "loro"? Falou também... Cavava-se um loro de chão? INQ2 Um loro. INF (...) Um loro de chão, INQ1 O que é o loro? INF quer dizer, (...) é a manta. É a mesma coisa. A gente cá dá dois nomes a isso. INQ1 Sim. INF Era ao loro (...) ou à manta. À manta é o mais prático, é à manta. Cavar à manta. Eram os ajudantes que iam fazer aquilo .... INQ2 Cavar à manta era cada um por si? INF Não. Eram... Eram dois. (...) Era parceiros. Era aparceirados. INQ2 À manta? INF A cavarem, sim. INQ2 Então era a mesma coisa que cavar à mão? INQ1 Cavar à mão? INF É, cavar à mão... Cavar à mão era a mesma coisa. É. Porque levava uma manta de chão cada vez. O cavar à mão é a mesma coisa. É o ser aparceirados. E à manta era a levar à... Era cavar à manta (...) INQ2 Portanto... INF que era aquele loro de chão de sempre, (...) INQ1 Sim. INF aquela tira. INQ1 Aquela... Pois. INQ2 Portanto, o senhor estava aqui atrás e... Eu estava aqui e o senhor estava aqui. A gente... INF Ao lado um do outro. INQ2 Era assim que a gente ia cavando? INF (...) Tinha que ser direito com direito ou esquerdo com esquerdo, senão não dava, batia a enxada um no outro. INQ1 Pois. INF Estava sujeitos de se aleijar.
EXB14
INF Cavava-se. Antigamente cavava-se muito à mão. Sabe porque é que cavava à mão? Porque os patrões convinha-lhe, porque a pessoa a cavar à mão cavava o dobro. INQ1 Pois. INF A troco duns copinhos, e o patrão, um espelho que a gente tinha adiante dele, que era sempre um espelho à frente, sempre à frente... Estava sempre à frente com um olho naquele (...) que fazia malandrice ou que não (...) ... Se a pessoa se atrasasse com a enxada dizia logo: "Olha, olha... Olha vê lá, olha que tu não estás a ser camarada (...) do... Estás a castigar o teu camarada, hem"! A gente, oh pá! A gente éramos guiados como se fosse um animal. INQ1 Pois. INF Um animal! (...) Era uma escravidão, ai Jesus! INQ2 Rhum-rhum! INF Se esta gente agora... Já tenho dito às minhas filhas. As minhas filhas não acreditam. Não acreditam. INQ1 Não sabem, não sabem o que eram essas coisas... INF Já não acreditam! Já andaram sempre calçadinhas, que (...) eu fui sapateiro; andaram sempre vestidinhas; já beberam sempre leite; já comeram sempre um bocadinho de pão com manteiga. Eu?! Eu?! Eu comia pão de milho e era a minha mãe ir buscá-lo à arca, não era... "Ó mãe, dê-me um bocadinho de pão"! "Espera, porque depois, quando for para a hora, não tenho pão para todos. Espera para"... Agora?! Elas as minhas filhas alguma vez souberam o que é que foi a vida! INQ1 Quando se tem fome, pronto! INF E trabalhar ali por diante. A trabalhar ali doze, treze horas e... E escravidão! (...) Eu fui servir a primeira vez, ganhar dez tostões por dia. Já com onze anos ou doze, não havia sola, e fui servir, (...) pastar cinco ou seis vacas para dentro duns matos e apanhar erva para lhe dar. Eu é que tratava delas. E ia dar vinho a um cordão de homens; ia buscar vinho com uns barris às costas - que eu não podia nem com a metade, mas tinha que levar. E todos os dias levava uma tareia de porrada do patrão ainda. INQ1 Ai meu Deus! Que horror! INF Uma vez caí dentro do poço, fui uma vez ao fundo... Como não tinha força para tirar água ao cambão, que era (...) à picota, a picota atira comigo ao ar, tumba, eu de cabeça abaixo pelo poço abaixo. Se não está lá o abegão dos bois, se não fosse ele me tirar... Eu fugi para a casa do meu pai... Tiveram que me tirar a água - que eu estava quase morto quando me tiraram -, e quando eu recuperei, (...) fugi para a casa do meu pai, levei uma tareia dele, tive que ir para lá outra vez! INQ1 Que horror! Meu Deus! INF Levei uma tareia mas uma senhora tareia! E descalço em cima de mato. Os 'jacões' nos pés! (...) Se fosse a explicar... O que é um 'jacão'? INQ1 Não sei o que é. O que é? INF Os pés, de andar descalço, chega a pontos que (...) apanha um vidro e aquilo faz um corte e trilha, faz aquele trilhão, não é? Começa a criar, eh pá, faz ali um buraco, a gente anda ali de bico de pé, ali mais de um mês para curar! Nem vai a médico nem vai a nada. Ali a purgar aquilo. Ele chama-se aquilo um 'bojacão'. INQ1 Ai meu Deus! INF (...) Andava naquelas misérias. INQ2 Um bojacão? INF Eu cheguei a andar de bico de pé meses inteiros!
EXB15
INF Alembra-se de há muito ano - já o quê? -, aí há cinquenta e tal - há cinquenta anos, talvez -, cair muita neve? INQ Lembro-me. INF Lembra-se? INQ Era eu muito miúda. INF Andava eu no monte com vacas nessa altura (...) ... Isto já há mais de cinquenta anos, lá por aí acima! INQ Não me lembro. INF Cinquenta anos! Até foi... INQ Só se foi outra vez. INF Foi o ano da neve. Caiu neve aí que nunca se constou! INQ Sim. Sim. INF (...) Ou pelo tempo do ciclone, vá lá. INQ Do ciclone, ainda eu não era nascida. INF Não, não. Andava eu a dar água... INQ Do ciclone, eu não era nascida, mas houve uma altura em que nevou muito e eu já era nascida. INF Andava eu a dar água...Andava numa arroteia de mato vinte e tal homens e eu é que era (...) o aguadeiro. Quer dizer, dava-lhe água-pé e água quando eles queriam. E nesse ano que caiu a neve, andava eu (...) a aquecer, com uma panela grande, a um lume, na rua, debaixo dum telheiro, água-pé, para dar água-pé quente aos homens para eles aguentarem aguentar a trabalhar. Porque eles não aguentavam com a neve. INQ Pois. Que horror! INF Muitos ainda se foram embora. Arrefeceram, eles foram-se embora. INQ Rhum-rhum.
EXB16
INF Ai, eu a semear trigo não queria ninguém a semear senão eu. Eu podia semear pior que os outros, mas tinha mais confiança em mim que nos outros próprios INQ Rhum-rhum. INF para semear trigo. Que eu tinha medo que ele semeasse trigo em cima de trigo. INQ Pois. INF Porque depois nasce aos montes. E eu não. (...) A gente, por nós próprios, é que temos mais o cuidado. INQ Pois claro. INF Nós próprios temos... O que vai a ganhar dinheiro ou o que vai trocado (...) distrai-se sempre mais que o próprio dono. INQ Rhum-rhum. INF Distrai-se sempre mais. INQ Pois, pois. INF Há sempre aquela coisa de... Chega a pontos que estramalha-se, nem sabe já nem... INQ Não está... Não está com aquela atenção. INF Não sabe se já semeou este lanço daqui, se semeou aquele dacolá, porque o trigo, a belga é semeada em dois lanços. É: mancheia e manchinha. A gente larga o trigo, o trigo sai por aqui e sai por aqui. INQ Ah! INF A gente semeia assim e eu... Depois fica uma manchinha, muito poucachinha, vai para o pé dos pés; depois vai com a mão ao saco, semeia dali e a outra pequenina vai para o meio, para o pé dos pés. INQ Ah!
EXB17
INF Mas era uma coisa triste! O meu romance era muito triste! A contar o princípio da minha vida INQ Pois, pois, pois. INF e aquilo que eu tenho passado, aquilo que eu tenho feito e aquilo que eu tenho coiso, INQ Mas também é um estímulo para os, para as suas... Pois. INF e as 'apoupas' que eu tenho feito (...) e os azares que eu tenho tido, e a subir quatro, cinco degraus e depois vir para o fundo outra vez... Já me aconteceu isso umas poucas de vezes. Estive um ano sem trabalhar e tinha trinta contos naquela altura, na época barata, que já era muito dinheiro, era para fazer estas casas, foi tudo para a doença. Quando comecei a trabalhar não tinha nenhum, comecei outra vez de princípio. INQ Tudo do princípio. INQ Se eu fosse a contar, tudo como deve ser, (...) no primeiro arranco, isso metia choque. INQ Mas devia, devia gravar isso. INF Metia choque e não interessava a ninguém. INQ Pode ser que alguma neta sua, um dia... INF Não interessa a ninguém. Eu, às vezes, ponho-me a contar (...) às minhas filhas, aquilo que eu passei, INQ Pois. INF e elas: "Homem, cale-se com isso, que isso não interessa nem ao Menino Jesus"! INQ Não. Então não interessa?! INF Pronto! Isso é o que elas dizem: "Cale-se com isso"! Elas nem me querem ouvir! INQ Não? INF Não. As minhas filhas já passaram melhor que eu, as minhas netas já estão a passar melhor que as minhas filhas, INQ Que as suas filhas. INF e os filhos que vêm atrás não sei se será melhor se será pior... INQ Nunca se sabe, sabe? INF Porque agora é que eu já não estou a dar nada por isto, outra vez, INQ O tempo agora... INF que isto está outra vez (...) a ver-se coisas que nunca se viu. INQ Pois é, pois é.
EXB18
INQ Olhe, quando há assim esses trabalhos como a ceifa, ou assim, quando de manhã iam para o trabalho, como é que se dizia? Olha... INF Ao nascer do sol, às avé-marias. Às avé-marias. INQ Às avé-marias. INF Tocavam o sino... INQ É a hora de quê? INF Tocava o sino... Era o nascer do sol, é quando tocava o sino! Se a gente não estivesse à porta do patrão, para matar o bicho, para pegar no serviço, quando tocasse o sino, (...) se chegasse lá cinco minutos depois de tocar o sino, já não pegava ao serviço. Ao nascer do sol! INQ Portanto, diz-se pegar? INF Era. (...) INQ Quando começam de manhã é pegar? INF Era. Ele ao tocar do sino tinha que estar (...) à porta do patrão, ao nascer do sol. Era as avé-marias. INQ Rhum-rhum. E depois à tarde, quando... INF E depois ao meio-dia tocava... Ao meio-dia pelo sol - que é à uma e trinta e sete minutos (...) pelo oficial -, tocava o sino outra vez para a malta ir almoçar, que era ao meio-dia pelo sol que se ia almoçar. INQ Pois. INF Ia jantar. Chamava-se isso jantar. INQ Jantar! INF Almoçar (...) era às nove horas, que era meia hora, ao almoço. Ao jantar, era a tal uma e trinta sete, que era meio-dia pelo sol, tocava o sino... Assim que tocava o sino, que o patrão (...) não desapegava a gente, dizia assim: "Olha que o sino já tocou"! Que era para roubar tempo depois à gente! INQ Pois. INF Em vez de a gente estar duas horas à sesta, a dormir a sesta, estava uma hora e quarenta minutos, ou quarenta e cinco... Roubava sempre um quarto de hora, dez minutos. Todos roubavam! INQ Horrível! INF Isso mandava sempre a gente a levantar ao trabalho. E, por exemplos, à noite tocava as avé-marias outra vez - que já era o pôr-do-sol, já não se via sol - INQ Pois. INF para a gente desapegar. Muitas das vezes, o patrão fazia conta que não ouvia. Ele depois começavam uns para os outros a dizer assim: "Eh pá, é preciso ir buscar (...) um candeeiro a casa, ou quê"? Já andávamos com o escuro, mesmo. INQ Pois. INF "É preciso ir buscar um candeeiro a casa"? INQ E ele nada de... INF E ele nada. E ele às vezes, então, dizia assim: "Eh pá, se está assim escuro, vamos embora"! INQ Pois.
EXB19
INF Tínhamos a merenda também às seis horas (...) da tarde. INQ1 Da tarde. INF Que (...) era um quarto de hora só. Era só comer uma buchinha. INQ1 Pois. INF Aquilo era violento. Era um fartão de horas sempre a cavar, ou a 'sachinhar', ou... (...) Sem endireitar (...) os quadris; ai senhor se ele ia endireitar! (...) Havia a fumaça para os que fumavam! Havia a fumaça! INQ1 Ai era? Um intervalo? INF Havia a fumaça. INQ1 Era um intervalozinho? INF (...) Não, o que fumava, parava um bocadinho. Mas os patrões quase que descontavam sempre depois à noite. INQ1 Ai, que incrível! INF Havia a fumaça da... Acendia o cigarro, dava duas, três fumaças, tinha que apagar o cigarro, começar outra vez. INQ2 Quer dizer, era um minuto, se tanto. INF Era, nem tanto. INQ1 Era um minuto. Pois. INF Era a fumaça. Quando o patrão... Pedia licença ao patrão: "Ó patrão, posso tirar... (...) Posso fazer a fumaça"? "Faz lá". INQ1 Mas então esses depois atrasavam-se relativamente aos outros? INF Quer dizer, saía do cordão. INQ1 Saía do cordão. INF Os outros chegavam-se, compunham. INQ1 Pois.
EXB20
INF Eu fui um grande fumador, em novo! INQ Ai, sim? Ai sim? INF Cheguei a fumar dois maços de cigarros por dia. INQ Ah! INF Mas houve uma altura - que eu fumava sempre... Por exemplo, eu (...) quando acabava de comer, eu não comia o resto, já estava com o vício no cigarro, que era o maior manjar depois que me ia assentar o comer. Houve um dia que eu puxo uma puxada cá para baixo, em jejum! Eram seis horas da manhã, INQ Claro. INF estava a trabalhar por sapateiro. Parece que provocou-me aqui uma dor, uma ferida. INQ Pois. INF "Ai, que dor"! Digo eu assim: "Eu ponho"... O maço de cigarros debaixo dos pés, fiz assim Ruído com os pés - mas já há quarenta e tal anos... INQ Pois.... INF (...) Ele quarenta e tais já estendidos! Pus um maço de cigarros inteirinho assim debaixo dos pés, fiz assim: tuca-tuca-tuca. Três dias, ninguém me podia dizer nada. Ao fim de três... Ao fim de quinze dias, eu ia na carreira, se uma pessoa se assentasse ao pé de mim a fumar, cheirava-me mal. Eu tinha que me alevantar ou vir para trás ou para diante. INQ E ir para outro lado. INF Apanhei um enjoo de tal maneira!... INQ Pois. INF Ao deixar, apanhei um enjoo. INQ Pois. INF Foi uma maravilha!
EXB21
INQ1 Quando faziam a escarapela, quando encontravam assim um milho... INF Um milho ou (...) uma maçaroca preta é que os rapazes tinham de beijar as raparigas todas. INQ1 Pois. E, e davam algum nome a essa maçaroca preta? INF Era uma maçaroca preta, que aparecia e pronto! INQ1 Era a maçaroca preta! INF Era a maçaroca preta. Isso a gente tratávamos quando éramos novos, solteiros. Ia rapazes e raparigas. Era a ver aquele que apanhava mais! (...) Era só as ordens que se tinha de dar um beijo numa rapariga, era só (...) nessa altura. INQ1 Nessa altura. INF As mães não diziam nada. Estavam lá as mães, não diziam nada. Já se sabia (...) que era o hábito. INQ2 Elas também já tinham levado beijinhos. INQ1 Era o costume. INF Pois. Era o hábito. INQ1 Pois. Pois. INF É. A gente corria para as... Era noites inteiras a escarpelar milho aí na mão dos... (...) Não se ganhava nada! INQ1 Não? Pois... INF Ia-se de graça para as escarpeladas. INQ1 Pois. Mas era, era a festa. INF Oiça, era aquela tradição. INQ1 Pois. INF Às vezes, (...) havia quem soubesse cantar versos, (...) INQ1 Pois. INF e havia concertinas pequeninas, aparecia lá um doido qualquer com a concertina, fazia-se lá um bailarico. INQ1 Faziam um baile. Pois. INF Pronto, era assim.
EXB22
INQ Olhe, e quando se quer pôr uma, uma cepa nova, quando... Fazer uma, uma vinha nova... INF É uma bacelada. INQ Bacelada é o quê? INF É: vai-se pôr uma bacelada nova que é para enxertar. Aquilo é bacelo bravo que se põe. INQ Cada um, cada um daqueles... INF (...) É uma cepa. Cada um faz ou vai fazer... (...) É um bacelo. Cada um é um bacelo. E esse bacelo depois é enxertado e no enxerto depois é que arrebenta; vem esse e é que forma uma cepa. Em manso. INQ Pois. E como é que é enxertada? INF É enxertada... (...) Há várias maneiras de enxertar. (...) O bacelo é enxertado... Por exemplos, o buraco é no liso, em baixo, é cortado, fica rente ao chão, ou que seja um bocadinho mais para baixo do chão, vai-se buscar (...) o nó que seja mais liso, por baixo - INQ Sim. INF o 'naique', que chama-lhe a gente o 'naique' liso -, depois (...) é rachado, com uma rachadeira ou com um canivete de enxertia; e depois arranja-se o garfo (...) da tal vide, que é da vide que for mansa, é desgastado dum lado e doutro, e é metido, espetado entre (...) o rachamento (...) do bacelo, INQ Sim. INF e passa-se uma junca; depois é composto com terra, tudo tapado com terra, e ali é que vai arrebentar depois aquela vide (...) no buraco. INQ Portanto, esse, esse, esse processo é o enxerto de garfo? INF É o enxerto. (...) É enxerto de garfo.
EXB23
INQ1 Olhe, e eu não sei se há aqui um, um processo também que é ir buscar uma vide, suponho eu, e pôr na terra para ela voltar a crescer ali e pôr do... INF Isso é... Eu sei como é que é. INQ1 Sabe como é que é? Não sei se... INF Chamam-lhe eles... Eu nunca fiz mas há quem faça. Isso não! Ele essa (...) cepa nunca é duradoura. É... Ai, como é que se diz: é enxertado à... É (...) enxertado à cadela. INQ1 À ca-?... INF A gente aqui chama-lhe enxertado à cadela. INQ2 Enxertado à cadela? INF Sim. É: (...) a vide verga-se da própria cepa, INQ1 Sim. INF e vai-se espetar a ponta no chão, INQ1 Sim. INF e ela arrebenta naquele ângulo, INQ1 Exactamente. INF e depois corta-se com um certo lanço e dali forma-se uma cepa. INQ1 Pois. INF Chama a gente (...) enxerto à cadela. INQ1 Rhum-rhum. Portanto, aqui não lhe chamam mergulhia ou mergulhar ou mergulhão? INF É, é. (...) Ou que seja (...) borbulha (...) de mergulho ou mergulha... INQ1 Sim. INF Aqui dão assim vários... INQ1 Mas é mais esse? INF A gente chama, pois... Até pode ser mais bonito, não é? INQ2 Não. Mas há dois sempre. INF Eu, eu fiz... Isso é como lhe digo, eu nunca fiz... Nunca fiz esses enxertos. INQ1 Pois, pois. Ó João... INF Porque eu sei que essas cepas... INQ1 Essa 942, eu não sei muito bem perguntar. INQ2 Já está. É a vide. INF Eu sei que essas raças ... Eu sei que essas cepas não são duradouras, mais ou menos. INQ1 É isto é que são as vides? Ah, pois é! INF Há uns enxertos importantes. Quando a gente tem uma qualidade de uva na vinha, INQ1 Sim. INF que não interessa, que ela arrelia (...) ou que não dá regenera, INQ1 Pois. INF a gente vai, corta, serra a cepa com uma mão travessa por cima do cavalo - hã? -, o que é o bravo, e na própria cepa depois é que vai fazer outra vez outro enxerto de garfo. INQ1 Pois. INF (...) E pega à mesma. E depois ele depois já vem (...) com a qualidade que a gente vai enxertar, na própria cepa. INQ1 Na própria cepa. INF Dum ano para o outro dá logo uva.
EXB24
INQ1 Dão algum nome às ovelhas já velhas? INF É ovelha velha, pronto. A gente aqui diz que (...) é ovelhas velhas e é a borreca nova - ovelha nova. Tem cabeiros. As que não tem cabeiros são ovelhas velhas; INQ1 Cabeiros? INF e as que tem cabeiros são ovelhas novas. INQ2 O que é cabeiros? INF Ai, é os dentes da mama. INQ1 Ai, isso eu não sei o que é. Ai, que engraçado! INF Elas têm seis cabeiros. Isso quando são novas, têm o dente todo da mama, são seis cabeiros. É os dentes da frente, a presa toda da frente. E depois cada ano vai-lhe caindo um, ou dois. INQ1 Ah! INF Cai dois, quase. É como as vacas. A vaca que não tem cabeiros, é velha, pronto. Já não tem idade conhecida. INQ1 Ah! INF Com cabeiros tem idade conhecida. INQ2 Mas já... Por ano cai um? INF É. (...) Cada ano quase que cai dois. (...) Há anos que até que pode cair quatro, conforme. Ele (...) com quatro cabeiros, uma vaca com quatro cabeiros (...) tem duas parições, tem uma parição. (...) Ainda parem às vezes com os seis cabeiros! INQ1 Conhece... INF São novas! São novilhas novas! - a parir e coiso . Depois largam; à segunda barriga só têm quatro cabeiros; depois à terceira barriga já têm dois cabeiros; depois à quarta barriga, já não têm cabeiro nenhum, já não têm idade conhecida. Tanto podem a gente dizer que ela tem ou seis anos, como tem sete, como tem oito. INQ1 Pois. INF Já não tem idade conhecida!
EXB25
INF Este precisa de muito rodado, que eu tenho ali outro. INQ Pois, o seu marido já nos mostrou. INF E tenho ali outro, por causa de não... Que ele o tempo tinha alturas que me deitava o fumo pelo fumeiro abaixo, enchia-me as casas todas de fumo. Digo eu assim: "Deixa estar que eu hei-de comprar (...) um fornozinho pequenino para pôr ali". A gente também já somos menos (...) e, se for preciso, coze-se até nem que seja duas vezes por semana. E depois ele pensei comprar então o forninho. Aquele ali não leva rodado nenhum. Tenho a cana, mas é para pôr as brasas assim para o lado, que é para depois puxar com o rodo. Depois tiro a brasa toda para dentro dum caldeiro, que está assim à boca (...) do forno, e depois é que molho um pano e ponho enrolado (...) no rodo, (...) e lavo o forno todo por dentro, fica todo lavadinho.
EXB26
INQ Quando o pão já estava cozido, tiravam do forno e punham aonde? INF (...) O pão depois era, por exemplos, dava-se uma hora a cozer... Calculava-se uma hora a cozer, depois a mulher abria a porta do forno quando era a meia cozedura para ver se o pão se estava a chamuscar ou não - se estava com bonita cor. Se estivesse branco ainda, fechava (...) a boca do forno; se estivesse já corado, deixava a porta do forno já aberta. INQ Rhum-rhum. INF E depois esperava o resto da outra meia hora (...) ... Ah, ia... Quando é a abrir a primeira vez (...) a boca do forno, para ver se o pão estava corado, ia descasar o pão, que o pão às vezes fica casado - encostado um ao outro, fica agarrado. INQ Rhum-rhum. INF Com (...) um 'radiador' (...) , que é uma cana, com uma mocazinha dum cepo, ia lá, dava um empurrãozinho a este, um empurrãozinho àquele, desencostava uns dos outros. Fazia aquilo . INQ Pois. INF Depois (...) aquela ferida que estava verde ainda, que era do casamento do pão, depois já ia cozer. INQ Pois. INF Que é o que ganhava 'codeca' também, para o pão ficar bonito. Depois então, via que ele estava corado, não fechava mais o forno; quando estava cozido, metia a pá ao forno (...) e ia tirar o pão do forno. INQ Pois. Mas como é que se chama esse, esse pau com que vai afastar os pães? INF É (...) um 'radiador'. (...) Um 'radador', um 'radador'. Ah, ele dão-lhe assim um nome, ou um 'radador' ou 'arradador'. INQ Sim. 'Radador'. 'Arradador', talvez. INF 'Arradador'. É 'arradador', pois.
EXB27
INQ1 Aqui cada um tinha o seu forno? INF Cada um tinha um forno ? Não. INQ1 Não havia fornos assim para todas as pessoas? INF Toda a gente ia fazer. Houve padeiros já... (...) Antiga idade, havia aí um padeiro. INQ1 Rhum-rhum. INF Mas toda a gente quase cozia. O padeiro andava com um macho a vender pão por vários sítios, a quem não tivesse gente empregada, que não quisesse cozer ou... INQ1 Pois. INF Havia sempre quem não cozesse, não é? Mas aqui neste sítio toda a gente cozia. INQ1 Rhum-rhum. INF Quem não tinha forno, havia um forno aí (...) do povo. INQ1 Ah, pois! INF Havia aí um forno, em cima, que donde todas as mulheres que quisessem lá ir cozer coziam. Tinham de combinar era os dias das cozeduras e as horas, para ele desencontrarem-se umas das outras. INQ1 Pois. INF Havia aí um forno que era o forno do povo. INQ1 Rhum-rhum. E esse, portanto, ninguém pagava nada de, de, de se ir servir? INF Nada. Esse forno (...) era feito pelo povo, ou coisa assim; ou havia uma pessoa que não precisasse, tinha lá (...) um pátio (...) com um telheiro grande e mandava fazer ali um forno para o pessoal cozer, pronto! INQ1 Pois. Pronto, parece que daqui está tudo. INQ2 E o, os, os fornos normalmente estavam aqui dentro da cozinha ou era numa casa ao lado? INF Havia quem tivesse numa casa ao lado e havia quem... Mas praticamente era feito tudo nas cozinhas. INQ2 Tudo nas cozinhas. INF Sim. A minha sogra tem ali um antigo que levava trinta quilos de farinha! Trinta pães. Ainda lá está o forno feito. É na cozinha também! Eu fiz... Quando fiz aqui a casa, 'fize-o' logo dentro da cozinha também. INQ1 Rhum-rhum. INF Porque isto aqui era uma cozinha que era só para cozer. INQ1 Sim. INF A cozinha foi sempre ali dentro. INQ2 Rhum-rhum! INF (...) Era para cozer e fazer lume a lenha, que cheguei a fazer lume a lenha. INQ1 Rhum-rhum. INF Tinha fogão a petróleo, mas também cheguei a fazer lume a lenha. E depois mandei fazer aqui o forno. INQ1 Rhum-rhum. INF Mas (...) o fumeiro como é (...) meio baixinho, não acompanha... Ele é alto, do telhado, INQ2 Sim. INF mas este telhado aqui é muito mais baixo que o outro; o outro era muito mais alto. Como não apanha bem o espigão para cima, quando o tempo está dali, ele faz ele moer e recolhe abaixo e enchia as casas de fumo. Eu depois tive que comprar outro para ali, que a mulher, às vezes, fartava-se de ralhar comigo.
EXB28
INQ1 E, portanto, o, era pendurado, o senhor disse, no?... INF No chambaril. Chambaril. Chambaril. Chama-se chambaril. INQ1 Chambaril. INQ2 Diga? INF Chambaril. INQ1 Que era, que era?... INF E depois era atado ao tecto duma casa. O chambaril, ficava ele preso, que é um ferro... INQ1 Por onde? Por onde? Por?... INF (...) Os tendões dos pés. Pelos tendões dos pés. Era cortado ali aos tendões dos pés, que há ali uns tendões, puxava-se, metia-se o chambaril (...) ele entre o pé e os tendões, e ele ficava naquela pontas, abria o porco, que era para o porco conservar-se ali aberto. INQ1 Pois. INQ2 E o chambaril no meio o que é que tinha? INF Tinha (...) uma argola, donde ia prender um arame (...) ou um pau em cima - onde que a gente punha - (...) ou um barrote... (...) Era um ferro - não é? - e depois aqui tinha (...) uma pega (...) donde se formava uma argola. INQ1 Rhum-rhum. INF Porque lhe soldou... INQ2 E essa argola enfiava aonde? INF (...) Enfiava-se lá um arame nessa argola e depois ia-se atar a um pau, ao tecto da casa, ou um barrote. INQ1 Rhum-rhum.
EXB29
INQ1 Davam algum nome a essa parte toda junta? INF Então era o... A gente chamava que era o bandulho porco, pronto. Era o bandulho do porco. Era o que pendia tudo em conjunto, não é? INQ1 Que eram essas coisas... INQ2 Mas... INF Depois é que era dividido em peças. (...) Tinha as suas peças dentro. Tinha... A fressura era então depois tirada; depois de estar tirada, era tudo para um alguidar. Caía tudo num alguidar. Conforme ia-se abrindo o porco, aquilo ia caindo, não é? INQ1 Pois. INF Aquilo é um peso doido, ainda, grande! Depois caía tudo aí num alguidar que se aparava por baixo. Depois de estar tudo caído dentro do alguidar, ia-se apartar. Punha-se... Atirava-se com tudo para cima duma mesa (...) ou dum pial grande donde se fazia aquilo, (...) ia-se tirar a fressura, tirava-se os 'rinzes'... Os 'rinzes' não, que eles ficavam no próprio porco; tirava-se mas era a seguir. Tirava-se a fressura, o bofe, a língua e a goela, que era o que se aproveitava do porco; depois as tripas também se aproveitavam, mas as tripas era à parte. Depois a tripa cagueira, que é a grossa - chamam-lhe a tripa cagueira -, (...) era bem lavadinha, ou era cortada para meter nos chouriços de sangue, ou comia-se assada. (...) Era cozida - primeiro escaldada - com um tempero especial, depois ia a assar na brasa, que aquilo é uma categoria! É melhor que o porco! INQ1 Ah, deve ser. Ah! INF Isso para mim é melhor que o porco. Isso é uma categoria! E a tripa magra era para ir lavar e virar; era lavada e depois virada com uns pauzinhos que elas arranjavam, viravam logo a tripa ao contrário, lavadinha, para encher o chouriço de sangue e para os enchidos. INQ1 Pois.
EXB30
INF Então, antigamente, cortava-se à maneira que as mulheres queriam, pronto. INQ Pois. INF Era à maneira (...) de pobre. Às vezes, (...) em vez de ser maior, ser mais tudo pequenino, tudo para o mais pequenino, cortado. INQ Pois. INF E aproveitavam muito as carnes então era para o chouriço de sangue, porque o chouriço de sangue ia durar muito tempo, porque o chouriço de sangue ia para o fumeiro, era curado, e depois metiam-no em azeite caseiro, em latas, de folha, era acamados ali dentro das latas (...) e era coberto de azeite e depois dali é que se comia, ou cru, ou feito com ovos, ou para a panela - para temperar uma panela -, ali é que havia chouriço para seis, sete meses, um ano, se fosse preciso, que não se estragava. INQ Rhum-rhum. INF E o chouriço curado tinha que ser comido dentro dali de dois meses ou três senão estragava-se. INQ Pois. INF Porque, tirando no fumeiro, começavam a ganhar bolor. INQ1 Pois. INQ2 Havia o chouriço de sangue e havia o outro de carne, que era os... INF O outro era o de sangue do porco também. E esse era curado... Esse só agora é que dura mais por causa de que vai para a arca, não é? INQ Pois. INF Esse quando não fosse para a arca, estava no fumeiro até se comer todos. Tinha que ser comido naqueles dois meses, ou coisa assim, porque senão ganhava ranço.
EXB31
INQ1 Eu ia-lhe perguntar o tutano, já disse. INQ2 É. É aquela coisinha... INF Isso é uma das coisas que eu bastante adoro com uma batatinha cozida e um bocadinho de tutano (...) , tanto se faz ser-se o osso da vaca como o osso do porco... INQ1 Pois. INF Eu gosto, a minha mulher não gosta. Aquilo é muito gordo. INQ1 É gordo, é. INF É muito gordo. Mas é tão 'paladoso'! INQ1 Pois. INF E quando é o tal pão de milho a molhar-lhe - no tutano, o pão de milho - e comer com uma batatinha?! Isso é um manjar do diabo!
EXB32
INQ1 Aqui é costume caparem os galos? INF Não. Nem nunca tal ouvi. INQ1 E o?... INQ2 Está operacional. INF (...) Há o galo capão. INQ1 Há o galo capão. INF Que (...) não enche. INQ1 E esse é o quê? INF É, quer dizer, é o que cá tínhamos . INQ2 Foi capado, não? INF Não foi capado. (...) Não nasceu com aquele destino de galo de encher, pronto. INQ1 Ah, está bem! INF É capão. É, pois... INQ1 É já, é já de natureza. INF É de natureza. INQ1 Não é por ser capado. INF É como pode haver um homem que não faça filhos, pode haver uma mulher que não faça filhos e ele é a mesma coisa. INQ1 Está bem. INF É. Chamam-lhe um galo capão. (...) Não faz filhos.
EXB33
INQ1 A que manda nelas é a?... INF (...) Há quem diga que é o abelhão, não é? Eu não sei. (...) É a abelha-mestre. INQ1 E o?... INF E outros dizem que é um abelhão... Uns dizem que é um abelhão porque é grande. Ele é grande. (...) Até eu conheço isso. INQ1 Sim. INF Que eu já tive ali uns (...) ... Dei cabo deles, até os matei! Porque eu não quis aquilo. Eu ia ali para a fazenda, andava ali com o tractor à hora do calor, elas não me conheciam, eram mordidelas em mim e na minha mulher e nas minhas netas, comecei-me a chatear com aquilo, digo assim: "Tens que ir à vida"! Olha, larguei-lhe o fogo (...) . Umas fugiram, outras morreram, porque não as quis ali. (...) INQ1 Pois. INQ2 Mas o abelhão será o macho da abelha? INQ1 Será o macho ou será a abelha-mestra? INF Eh, pá! (...) A abelha-mestra é maior que a outra. É o dobro! INQ1 Sim. INQ2 Claro. INF E há quem diga que elas quando é no (...) desenxamear, quando abala o enxame, que vai... Estão quatro ou cinco ou seis ou uma dúzia deles, não é? INQ1 Rhum-rhum. INF Daqueles grandes, da abelha grande. INQ1 Sim. INF E então, depois elas é que começam (...) a lutar umas com as outras e naquelas todas vai ficar só uma, que é a abelha-mestra. INQ1 Pois. Pois. INF Porque é o segredo da abelha, dizem. INQ1 Pois. INF E dizem que é assim. Porque a gente, não dá para a gente ir ver isso, não é? INQ1 Pois claro. INF Mas é o que a gente ouve dizer, não é? INQ1 Pois. INF E, então, andam na flor - não é? - andam em várias flores. INQ1 Pois.
EXB34
INQ1 Nem sabe com que é que se tirava o mel? Uma, uma... INF (...) O mel tirava-se com... (...) Ele era com as próprias mãos é que eles tiravam, que eu vi ele via-lhe (...) tirar o mel. Não vi ele via-lhe tirar o mel com mais nada. E era espremido com as mãos! INQ1 Ah! INF Num alguidar, era espremido, fazia aquela... Ia, andava de roda com aquilo, INQ1 Mas esperava provavelmente para tirar... INF a espremer, sempre a espremer, sempre a espremer, e às vezes metiam-no, depois o resto, dentro dum pano assim ralo, que era (...) para conservar, para apertar mais ainda, e depois ficava a bola de cera, pronto. INQ1 Rhum-rhum. INF Assim é que eles escorriam aquilo. Mas ele há agora uns cinchos. (...) Agora em moderno é que há uns cinchos de o apertar; antigamente não havia. INQ1 Não havia. INF Há umas prensas mesmo agora de... Fica... Sai o mel e fica a cera. INQ1 Mas, pr-, mas eu julgo que eles usam uma... INF E é apertado. INQ2 Uma espécie duma faca. INQ1 Uma, uma espécie duma faca... Mas se calhar não é para tirar o mel, é para tirar os favos. INQ2 Não. Para tirar o, para cortar os favos dentro do cortiço. INQ1 Para cortar os favos. Isso é outra coisa. INF Ah! Ah, isso é (...) ... Isso é (...) uma... (...) É uma faca mesmo. INQ1 Pois. Pois. INF (...) É uma faca destas facas como seja de matar porcos, ou coisa assim, uma faca comprida. INQ1 Pois. INF Eu cheguei a ver, ele era com uma faca... E há quem faça com um arco também, um arco assim desgastado dum lado para cortar (...) os favos, para descolar os favos donde eles estão presos. INQ1 Sim senhor. INQ2 Passa para outro. INF Eu tenho pouca sabedoria disso!
EXB35
INF É um casaleiro, que chama-se um casaleiro, que está lá a morar e a amanhar. É o casaleiro. INQ1 Rhum-rhum. INF Pronto, esse não tem... INQ1 Mas esse não tem pessoas a trabalhar depois? É ele que faz tudo? INF Não senhor, não tem. Se ele quiser faz sozinho e se quiser fala a homens. Mesmo que fale a homens, ele é sempre o casaleiro à mesma. (...) Não é caseiro de ninguém. INQ1 Rhum-rhum. Pois. INF É ele é que manda. Ele é que (...) é o patrão próprio. Trabalha por sua conta própria. INQ2 Pronto. Pronto. INQ1 Pois. INQ2 A nossa dúvida está só em perceber é se, se casaleiro e caseiro era a mesma coisa. INF Não, não. INQ2 Mas não é. INQ1 Não é. INF Não senhora! Caseiro é, por exemplos: eu agora tenho uma quinta e vou ter consigo - vá lá, isto é um supor -, INQ2 Sim, sim, sim. INQ1 Pois. INF vou ter consigo: "Queres ser meu caseiro? Queres ir para lá morar? Dou-te xis por mês e vais mandar no meu trabalho, recebes as minhas ordens para dares ordens aos outros"... INQ2 Sim. INF E depois andam lá dez, quinze homens, você é que dá ordens àquilo tudo. Faz de conta que ele que é como que seja o dono. Em não estando o patrão, é o dono. INQ1 Pois. INF Põe e dispõe. Esse é que é um caseiro. INQ1 Pois. INF Está lá a morar dentro e manda e fecha portões e abre portões e (...) faz de conta que representa o dono. INQ1 Rhum-rhum. INQ2 Sim senhor. E o casaleiro não. INF E o casaleiro não tem nada. Esse não tem nada ordens a dar a ninguém. Só tem que chegar ao fim do ano e pagar a renda (...) ao senhorio. Pronto, é um xis de renda: dois, três, quatro, cinco, dez, vinte contos, chega ao fim do ano - (...) pelo São Martinho, que é quando se paga essas rendas das fazendas, é pelo São Martinho - INQ1 São Martinho. INF vai-se pagar as rendas ao senhorio, pronto. Onde o senhorio só tem a arreceber o dinheiro e passar o recibo e mais nada.
EXB36
INF Um rendeiro chama-se a um rendeiro duma propriedade INQ1 Não tem casa? INF ou rendeiro duma casa mesmo - pode ser, é sempre rendeiro. INQ2 Sim. INF É, arrenda - não é? -, é sempre rendeiro. (...) Se não tem casa, dá-se o nome dum rendeiro, pronto. É um rendeiro que lá está... INQ2 Isso... INF Olhe, ele o dono da propriedade é que pode dizer assim: " (...) Tenho tantas propriedades e tenho tantos rendeiros"! INQ2 Pois. INF E se tem lá uma casa a morar, vai para lá (...) um rendeiro para a propriedade e vai para lá um homem morar para uma casa que está lá dentro, chama-se um... É um casaleiro, pronto. INQ2 Já é um casaleiro. Sim senhor, já percebi. INQ1... INF Está lá a morar. INQ2 Então e aqueles, e o, e os homens que vão trabalhar contratados, por exemplo, por dia? INF Isso são servos. São os servos INQ1 Que ganham o quê? INF que vão (...) ganhar a jorna. INQ2 Rhum-rhum. E chamam só?... INF Vão ganhar o ordenado, ou a jorna. INQ2 Chamam só servos? Não lhe chamam?... INF É só servos. INQ2 Jornaleiros não chamam? INF (...) É jornalistas. Quer dizer, para fazer (...) uma assinatura, o tipo que não trabalha por sua conta, que vai fazer uma assinatura, eles dizem assim: "No que é que você se emprega"? "Sou jornaleiro". Anda à jorna aqui e acolá, não tem patrão certo. Hoje trabalha o dia ali, amanhã trabalha o dia acolá, esse é jornaleiro. INQ2 Exacto. Sim. INF (...) E o que trabalha por sua conta, esse (...) já é (...) proprietário. INQ2 Pois. INF Ou proprietário (...) ou - como é que se diz? - INQ1 Agricultor? INF agricultor. INQ2 Pois.
EXB37
INQ1 Olhe, quando se faz um, um negócio qualquer, quando se vende uma vaca, quando, enfim, se faz um negócio qualquer com outra pessoa, é costume depois um pagar ao outro um copo para, para fechar o contrato? INF Não. Isso paga se pagar. Eu vendi tanta vaca! INQ1 Um copo ou outra coisa qualquer. INF (...) Venho do negócio das vacas. Também comprei e vendia, INQ1 Quem diz vacas, diz outra coisa qualquer. INF mesmo nas próprias feiras. E eu nunca ia beber copos nenhuns de ninguém. INQ1 Não? INF Não. Não senhora. INQ1 Não. INF Às vezes é que há um intermediário que chegou a fazer isso. Eu cheguei a fazer isso. Estava-se aí a negociar com aquele senhor, e eu como (...) percebo de negócios, aquele senhor (...) ... Você tem pouca prática de comprar, tem medo de estar a oferecer muito dinheiro, começa-se a chegar a mim: "Qual é o valor daquela rês"? - e tal. E diz essa pessoa assim: "Ah, eu não me importo de lhe dar um conto de réis ou quinhentos escudos e você ajuda-me a comprar". E eu então faço tudo por tudo para comprar o mais barato possível para ti . INQ1 Pois. INQ2 Rhum-rhum. INF Porque lhe estou já... Já só estou a ser um intermediário. INQ1 Um intermediário. Pois é. INF Já você já está-me a dar dinheiro de ganho. INQ1 Pois, pois. INF (...) Com medo de ser enganada! INQ1 Rhum-rhum. INF E eu se tiver consciência, (...) não a engano. Estou a ganhar dinheiro a você. Mas os maiores ciganos de negociantes INQ1 São esses. INF são tão práticos que já lhe vai ganhar um conto de réis a você e vai ganhar outro conto ao outro. INQ2 Ao outro. INF É que faz parede para si e faz parede para o outro. INQ1 Exactamente. INF (...) Está a fazer parede para os dois lados. Isto a vida... INQ1 É horrível! INF A vida, isto a vida é tão horrível! Quem não tiver olho, não é rei em Portugal, seja naquilo que for. INQ1 Ai, meu Deus! INF É, é.
EXB38
INQ Olhe, e assim no fim dos, dos trabalhos, como seja a vindima ou a ceifa ou assim, é costume fazer assim uma?... INF A adiafa. Isso as adiafas faz-se mais é nas vindimas, no fim das vindimas. Há quem faça a adiafa - faziam muita, agora já se faz pouca -, e há quem faça... E então donde faziam isso (...) - onde era sempre certo - era nos grandes olivais (...) ... INQ Ah! INF Eu estava ali na Quinta de Nogueiras, faziam-se... Ele fazia sempre vinte e tantas pessoas, um mês e tal, a apanhar a azeitona, no fim fazia-se uma grande... Os patrões faziam uma adiafa. INQ Uma adiafa. INF Atum de barrica - para comer o bom azeite -, a nadar em azeite, e batatas, naquele dia, um tocador a tocar, e tal. Ele isso era... INQ Uma festa! INF Era uma festa! Isso fazia-se. INQ Pois, sim senhor. INF Era a adiafa.
EXB39
INQ1 O senhor, ontem, eu acho que disse que no seu princípio de trabalho também tinha feito isso, que era quando era mais novinho, que eles andavam a trabalhar nos campos, nas propriedades, o senhor levava água, fazia recados, que é que o senhor fazia? INF Ah, pois era. É. Isso era criado de servir. Andava a servir. Pois. INQ1 Tinha falado em aguadeiro? INF (...) Era aguadeiro. Que chama-se-lhe um aguadeiro, que andava a dar água-pé e água aos homens. INQ2 Ai, era aos homens. INF Quando era mais pequenino, ia e era aguadeiro. Chamavam o aguadeiro ou o água-pezeiro (...) ... Quer dizer, dava bebida. Era mais o nome de aguadeiro INQ2 Sim. INF que davam aí. INQ2 Olhe... INF Mas era sempre um criado de servir (...) . INQ1 E também fazia recados? Pois. INF Era sempre. O que estava lá a servir era um criado de servir, não é? O que é que o casal tinha sempre trinta homens, vinte homens diários a trabalhar, dava que fazer à pessoa a acartar água-pé, vinho, água... (...) Eu era pequenino, INQ2 Pois. INF e ao fazer isso, já fazia muito, com barris de (...) dez litros às costas, desses barris de arcos, um para trás e outro para a frente, presos os dois no meio... Tinha umas asas, levava ali vinte litros, ia ali coitadinho todo de rojo (...) com aquele peso. E era criado de servir, o que é que chamavam-lhe ele o aguadeiro, não é? INQ1 Ou água-pezeiro, era? INF É. Água-pezeiro ou aguadeiro. Aguadeiro quase é que se dava sempre o nome. INQ1 Era o aguadeiro. INF Tanto levava água-pé como levava vinho! INQ2 Pois.
EXB40
INQ1 Davam algum nome aqui nas aldeias aos homens que fazem coisas à mão, portanto, que têm aquelas profissões de fazer coisas à mão; portanto, sei lḠo... INF (...) Havia tanoeiros a fazer as vasilhas, que era feito à mão; havia, por exemplos, o cesteiro, que era feito à mão fazer os cestos; havia... Havia assim um certo número de coisas, que eu me lembre, era (...) assim. E havia carros a ser feitos à mão; (...) também ele eram feitos à mão, os carros. INQ2 E aquele que fazia as... INF Por exemplos, fazer os arreios dos animais, era feitos à mão. INQ2 Quem é que?... INQ1 E esse homem como é que se chamava? INF Era o correeiro. Ou (...) o tipo que fazia uma albarda era um albardeiro. INQ1 E aquele que punha?... INF O que fazia a vasilha era tanoeiro. INQ1 E o que punha os gatos na, na?... INF Era um caldeireiro. INQ1 Caldeireiro. E fazia outras coisas também, não punha só gatos. O que é que ele fazia? INF Fazia. O caldeireiro, quer dizer, arranja... É o que põe os gatos nos alguidares, (...) arranjava um chapéu de chuva, punha um... E havia então... (...) O caldeireiro só amolava tesouras, arranjava um chapéu de chuva, (...) punha gatos nos alguidares e fazia essas coisas. E havia então depois a seguir o caldeireiro, que esse punha fundos nos tachos e nas panelas e punha pingos nos buracos das panelas. INQ1 Pois. Pois.
EXB41
INQ1 E ele usa assim uma coisa para ver se as paredes estão direitas? INF É o prumo. INQ1 E uma outra para ver se o chão está direito? INF É o 'aníbal'. INQ2 Mas não é o Cavaco? INF É (...) anivelar a casa. INQ2 O 'aníbal'? INF Sim. INQ1 Um é o 'aníbal' e mais do que um são?... São dois, por exemplo?... INF Se são dois, por exemplo, são dois 'anibales'. Porque a casa é anivelada porque quando... Por exemplos, vai-se fazer uma casa, para fazer quadrada, para fazer os cantos, vai-se anivelar a casa é (...) com um tubo de água. INQ1 Com o quê? INF Um tubo cheio de água. INQ1 Rhum-rhum. INQ2 Rhum-rhum. INF Abriu-se, mediu-se a altura daqui, anivelou-se, pôs-se o tubo àquela direcção, o tubo acolá tem que... Desde que a água chegue ao cimo, está anivelada, (...) está na mesma... INQ2 Tem que estar à mesma altura no tubo. INF Pois, na mesma altura. INQ2 Porque é para o chão ficar direito. INQ1 Pois. INF Fica anivelado. INQ1 Pois, pois.
EXB42
INF Armar à ratoeira, isso é uma coisa muito antiga. E ainda se usa muito, não é? Os passarinheiros usam muito. Até aqui. O meu genro ainda vai aí às vezes armar a isso. E arma-se... Abre-se (...) uma ratoeira de arame, feita com (...) como uma espécie de bicha - não é? -, (...) tem umas molas, abre-se, tem um gatilho, passa-se (...) aquele gatilho por cima do arco que vira para trás, e mete no 'bichininho'. E no próprio 'bichininho' tem (...) ou que seja trigo para o pardal, ou tem um bichinho a mexer, que seja para o cartaxo e para esse pássaro de bicho que caia àquele bicho - ou 'matrela' ou um bicho de cardo que se apanha dentro dos troços dos cardos -, um bichinho assim grande, prende-se pelo meio. O bichinho está ali a mexer ao cimo da terra, INQ Pois. INF o pássaro tosca o bicho... (...) Anda no pasto - não é? -, ou melro, ou coisa assim, chega ali, vê aquele bicho, atira-se a ele, manda-lhe a bicada, disparou a ratoeira e ficou lá preso. INQ Toma. Ficou lá preso, pronto. INF (...) E havia também um... Ele , por exemplo, aos tordos ou ao melro, havia também (...) a armação de laje. INQ E essa como era? INF A armação de laje era com um gatilho (...) com dois espequezinhos de madeira. Punha-se uma laje assim (.../ADJ) com (...) coisinhos de madeira, assente noutro coiso de madeira que ficava engatilhado, vinha outro ao meio que vinha engatar (...) naqueles dois; e o pássaro ia lá, estava o isco para eles comerem - o bicho ou uma azeitona ou coisa assim -, ia lá, estava preso, puxava, como puxava caía aquele gatilhozinho, a pedra caía em cima. INQ Pronto. E ele ficava ali preso. INF Alguns passavam-se e outros, os que estavam mais fundos, mais (...) entranhados na pedra, não tinham tempo. INQ Pois. Pois. INF Ficavam lá. INQ Pois, pois. Ficavam lá. INF E outros não tinham, passavam-se.
EXB43
INF Não estou a ver bem... Ai, ele há, ele há... Eu conheço uma erva nas bordas que dá assim (...) uma flor alta, mas também não sei bem o nome dela. Há uma flor... Eu conheço uma do género desta, mas a flor não é bem parecida com estas. (...) É uma erva que até cheira muito mal. Mas não é esta. INQ1 Rhum-rhum. INQ2 Como é que se chama essa que cheira muito mal, ou não sabe? INF É erva de arruda. INQ1 É. Também temos para aqui, não temos? INQ2 Não, não tens a fotografia. INQ1 Não temos fotografia? INQ2 Que é a que cheira muito pior. INF Cheira. É, é. INQ1 Cheira pior. INF A gente até se lhe mexe é um cheiro!... INQ1 Pois.
EXB44
INF Há 'espilriteiro' e há o abrunheiro bravo. INQ1 Mas o abrunheiro bravo é aquele de que a gente falou ontem quando estava a falar da ameixa? Ai, esse é outro. INF Não. (...) O abrunheiro bravo não tem nada com a ameixa. Quer dizer, (...) esse nasce mesmo pelas bordas fora; e matos e tudo, dá o abrunheiro bravo. INQ2 Rhum-rhum. Rhum-rhum. INF Tem muitos espinhos que nem se pode lhe tocar! (...) E dá aquela ameixazinha miudinha, aqueles abrunhozinhos pretos. INQ2 Sim. INF Às vezes, até estão engelhadinhos, a gente pensa que aquilo é muito bom, vai ver - eh pá! -, aquilo até amarga... Amarga?! Trava na boca! INQ2 Sim. INQ1 Mas o, o, portanto, o senhor diz que aqui não há o espinheiro, mas conhece. Não é parecido com o 'pilriteiro', ou é? Também tem picos, é? INF É, é, é. É. Também tem picos. INQ1 Mas esse não dá a baguinha preta, esse espinheiro? INF Não, não, não, não. Esse, esse não dá nada. INQ1 Não dá nada? INF O 'espilriteiro' não dá nada. INQ2 Olha, não sei se será, se não. INQ1 Ah, o 'pilriteiro' não dá, não dá... INF É. Não dá fruto nenhum. INQ1 E o espinheiro dá? INF Dá, dá. O espinheiro dá (...) e o abrunheiro bravo. Até que há outra coisa! Vou-lhe dizer: a gente aqui chama-lhe o abrunheiro bravo e também podem dar o nome ou 'espilriteiro' bravo - à mesma coisa. INQ1 Rhum-rhum. INQ2 Rhum-rhum. INF Porque (...) o 'espilriteiro' dá o flor, mas o fruto dele nunca vi. Dá uma florzinha, dá-me a impressão que (...) a flor dele vai-se embora. INQ2 Rhum-rhum. INF Agora o abrunheiro bravo é que... INQ2 Rhum-rhum.
EXB45
INQ1 Olhe, e este? INF Isso é coelho. É... (...) Isto até pode ser uma lebre. E tem mais tipo de lebre que um coelho. Este é um coelho. INQ2 Já está?... INQ1 Pois. Olhe, e o filhote do, do coelho, do coelho? INF (...) Do coelho? É o coelhinho. São coelhos pequeninos. INQ1 E o macho da lebre, dão-lhe nome? INF É o lebrão. INQ1 E o buraco onde o coelho se esconde? INF É uma loca, ou covas. A gente chama, ou diz: "eles vão 'alinhar'". Praticamente elas não 'alinham' em buracos. O coelho é que 'alinha'. São lousas que se chama, onde elas vão 'alinhar'. INQ1 Onde 'alinha'? Sim. INF E donde elas se escondem (...) é nas locas. INQ1 E a, a, a lebre não faz?... INF (...) Faz (...) um linheiro no meio de qualquer terreno. INQ1 E, e conhece-se que esteve ali uma lebre porquê? INF Faz... Ela faz (...) uma espécie duma caldeirazinha no chão, uma barrocazinha no chão, um linheirozinho. INQ1 E dão nome a esse?... INF (...) É um covil duma... Uma solapa (...) duma lebre. A gente se diz que é uma solapa duma lebre, INQ1 Duma lebre. INQ2 Que é um linheiro? INF (...) onde ela esteve ali assolapada. INQ1 Rhum-rhum. INQ2 Que é onde... Vê-se que esteja lá uma camita e isso tudo, não é? INF É, é. (...) Está lá uma barrocazinha no chão e uma caminha, (...) ou tem uns fenozinhos por cima, (...) tem o sinal donde... Eu ontem achei um ninho de perdiz! INQ1 Ah sim?! INF Vi um buraquinho nos fenos. Digo assim: "Isto é um seguidouro seguidor dum coelho". Fui espreitar - ali ao pé do cemitério -, fui espreitar, mais à frente, vejo assim (...) uma coisa a luzir, digo eu assim: "Eh pá, está lá um coelho dentro"! Fui ver era um ninho de perdiz. INQ1 De perdiz. INF Tinha sete ovos.
EXB46
INQ1 E não há um ditado que se diz, se a víbora ouvisse e o?... INF É. (...) Não. Eu ouço dizer é que se a gente... Apanhando a... Vamos lá ver, se se conseguir apanhar uma víbora, que dá sorte. INQ2 Ah! INQ1 Pois, mas nunca ouviu uma lenga-lenga que se dizia "se a ví-"?... INF A cabeça da víbora. Eu já vi uma! INQ1 Pois. INQ2 Já viu? INF Eu uma vez vi uma. Tem duas cabeças! INQ2 Ah! INF A víbora tem duas cabeças! Quer dizer, é o género disto assim, um bocadinho mais larga, e tem duas cabecinhas. INQ2 Ah! INF Forma quase uma... E tem uma orelha de rato, uma orelhinha de rato, quase que parece... E canta que tal e qual (...) uma có-có: cré-qué-qué-qué, cré-cré-qué-qué, cré-cré-qué-qué-qué, assim na bordas (...) dos regueiros ou dos rios. INQ2 Ah! INQ1 Vamos lá a ver se... E é venenosa, é? INF É venenosa. INQ1 É orelhas de ga-... É orelhas de rato. Não sabia. INF Nunca ouviram isso ? INQ1 Eu estava-lhe a perguntar era, porque há nuns, nuns sítios, em muitos lados diz-se: se a víbora ouvisse e o outro visse, não havia quem, quem resistisse... INQ2 Quem resistisse. INF Não sei. Não. Diz que (...) a víbora, o canto dela que encanta! INQ2 Ah! INF O canto dela! E que quem tiver (...) a cabeça da víbora, que tem sempre sorte. Assim é que eu tenho 'ouvisto' dizer. Agora de resto... INQ2 Pois, não sei.
EXB47
INF1 Eu, às vezes, não me vem à ideia as coisas, nem a rela, nem (...) este coiso aqui, que foi um castigo para eu me vir à ideia, pronto. Mesmo eu é raro andar aqui. Agora é que eu ando, que ele tem estado doente. INQ1 Pois. Pois. INQ2 Pois. INF1 (...) Isto também não se faz, a bem dizer, nada. É só por dizer que uma pessoa está aqui entretida e ele (...) sempre gostou disto. INQ2 Exacto. INQ1 Pois, pois, pois. INF1 Pouco mais que é para a família. Vem aqui um leva uma manchita... INQ2 Pois. INQ1 Pois. INQ2 E aquelas coisas que tem penduradas ali na parede como se chamam? INF1 É o crivo, peneiras... INQ2 O crivo e o peneira. INF1 E a peneira. INQ2 E antes quando era para escolher de pedras e isso?... INF1 Têm a bandeja. INQ1 Rhum-rhum. INQ2 E depois havia um, esta máquina, que também se fazia?... INF1 É o aviador. INQ2 Diga? INF1 É o aviador. INQ2 Que era para quê? INF1 Para aviar o trigo. INF2 O aviador do trigo. INF1 É o aviador do trigo. INQ1 Ai era? Está tudo? INQ2 Também era para, para limpar também à mesma? Era para... INF1 Pois, limpava... INQ2 Dizia-se que ia aviar, era? INF1 Pois. Antigamente era à bandeja; INQ2 Sim. INF1 depois acabou, veio o aviador, a bandeja ficou quase para o lado. Isto tira a pedra, isto tira o torrão, isto tira o pó, tira tudo. INQ1 Pois. INF1 Já nos escusou-se de andar assim (...) a bandejar.