FLF01
INF1 Essas senhoras disseram, Amélio, que também estão (...) a fazer perguntas nos Cedros. E agora eu disse que tu que eras dos Cedros... INQ1 Manela, passa para aqui. INF2 Eu sou dos Cedros. INF1 Escuta, mas elas disseram que... INQ1 As perguntas... Va-, va... Os meus colegas que se foram agora embora foram para os Cedros, fazer perguntas às pessoas dos Cedros sobre estas coisas. E nós estamos a fazer aqui na Fajãzinha para ver a diferença que há, está a ver? Portanto, não pode ser o senhor a responder às perguntas, se não, fica tudo respondido para os Cedros. INQ2 Tem de ser ela. INF2 Isso sei eu. Depois fica tudo o que ali há ! INQ1 Exactamente. INQ2 Se não, fica tudo Cedros. INF1 E até mesmo a fala há-de ser parecida com aquelas pessoas dos Cedros. INQ1 Exactamente, pois. Exactamente. Claro. INF1 Que a gente sempre puxa por onde fomos criados. Isso é sempre.
FLF02
INF1 Dão a flor amarela. INQ É a erva que cheira... É a que cheira pior de todas? INF1 Ó, uma erva que cheira mui mal, Amélio, que a gente pega-lhe nas mãos e fica as mãos cheirando mal? INF2 Há 'mastraços' também, que cheiram mal. INF1 É 'mastraços' , vá bem .
FLF03
INQ1 Não há nada aqui que chamem segurelha? Não? Uma erva? INF1 Não. Está alguma erva que se chama segurelha, Amélio? Sabes? INF2 'Selha'? INQ1 Segurelha. Segurelha. Há alguma erva que lhe chamem segurelha? INF2 Segurelha. INQ1 Sim. INQ2 Segurelha. INF2 Não conheço . INF1 Cidreira. Cidreira há. Agora segurelha, eu não...
FLF04
INQ Como é que é a babosa? INF1 A babosa? Pois não dá assim em muitos lugares. INQ Ah! INF1 Mas, até, quando eu vivia para a Cuada, ali pela canada (...) do moinho de fora, tinha muitos, de um lado e de outro, dessas babosas. INQ Mas é uma planta grande? INF1 Não é muito grande. INF2 (...) . INQ Não?
FLF05
INQ1 Mas essa... INF1 Hã, hã, espere que (...) ele há-de saber o nome. Eu já vi dessa árvore! INQ2 Adenda cento e noventa e quatro. INQ1 Vou tirar. INF1 Olhe, a senhora mostre-lhe ao meu marido. INQ1 Tira aí. Abre a porta. INF1 Olha, Amélio, dessa também tu não sabes o nome. INQ1 Tem uma folha assim. INF1 Não viste já? INQ1 Que é uma árvore que cresce muito alta, assim toda. Depois cai a folha toda no Inverno. INF2 Também não sei o nome dessa árvore. INF1 Mas há aqui dessa árvore!
FLF06
INQ1 Não há animais que andem por baixo da terra a roer as raízes das plantas? INF1 Há! INQ1 Como é que lhe chamam? INF1 Ó Amélio, (...) os animais que andam por debaixo da terra roendo as raízes das plantas como é que se chamam? INF2 Hã? INF1 Como é que se chamam os animais que andam por debaixo da terra roendo as raízes das plantas? INF2 Que comem a raiz da planta? INF1 Sim. INF2 A gente trata por veneno da terra; ou, quando as plantas morrem... INF1 Não mas (...) há uma traça; mas essa traça, talvez é nas batatas. INF2 Agora pode haver.
FLF07
INF Mas há quem diz que as aves comem muitos desses bichos da terra - não sabe? Por isso é que eles não comem a novidade toda.
FLF08
INQ1 Este passarinho há cá ou não? Tem assim o peitinho vermelho. INF Tem. Este é lindinho. Eu não tenho visto. INQ2 Nunca viu? INF Não. INQ1 Então... INF E tem as penas de cores, não é? INQ2 Sim. INQ1 Tem pena assim vermelha, amarela. INF Rhã-rhã. INQ2 Aqui na frente é vermelhinha ou amarela. INF (...) Eu o mais que eu vejo é do papo amarelo. INQ1 Como é que lhe chama a esse? INF A gente chama canários a esses do papo amarelo. INQ1 Canários. Mas só tem o papo amarelo, o resto é castanho ou não? INF O resto é castanho. INQ1 E chama-lhe canário. INF Chama-se canários. INQ1 Não há nada aqui que chame um pisco? INF Eu não tenho 'ouvisto'. INQ1 Não.
FLF09
INF É. A lavandeira é assim. INQ1 É? INF É, sim senhor. INQ1 Sim senhor. Duzentos e cinquenta. INF Até muita gente tem agoiro com as lavandeiras - não sabe? INQ1 Porquê? INF Quando elas andam a piar e andam muito alegres, que é a boa nova. Quando elas andam mais tristes, que passam só e não piam, que é má nova. INQ1 Ah... INF Algumas pessoas têm. (...) A senhora nunca tinha 'ouvisto'? INQ1 Não, não. INQ2 Essa não. INF Diz que as lavandeiras que quando Nossa Senhora 'dia' para o Egipto e mais o Senhor São José, elas 'diam' escondendo as pegadas. Que foi (...) naqueles anos que o Rei Herodes queria matar o Menino Jesus e elas 'diam' escondendo as pegadas do animal para não 'direm' à procura deles. Nunca ouviram isto? INQ2 Sim, sim. Eu já ouvi. INQ1 Não. Não. INF E eles... Já ouviu? INQ2 Eu, já, já. INF E chamam-lhe as avezinhas de Nossa Senhora. E estas lavandeiras têm uma certa coisa. Bem basta que elas não são como as outras aves de darem prejuízo (...) na cultura - não sabe? -, nas sementes e nisto. Não são como as outras aves. Têm uma certa coisa. Há muita gente que tem agoiro com as lavandeiras. INQ2 Bom agoiro. INF (...) Bom agoiro. INQ1 Pois. INF Que são as avezinhas de Nossa Senhora. Foram escondendo as pegadas do animal para não 'direm' ao encontro de onde ele está.
FLF10
INF1 Dizem agoireiras sabe por que é? É porque quando eles andam a esvoaçar muito au, au, au, au, dizem que é adivinhando o mau tempo - está a perceber? INF2 Aqui no Verão...
FLF11
INQ Estorninho. INF1 Sim. INQ Mas é uma... Grandinho. INF1 É. INF2 São uns do tamanho de melros. INF1 Tamanho dos melros. INQ Sim senhor. E é assim todos... INF2 Melros pretos. INQ E tem pintas brancas? INF2 Tem bainhas brancas. INQ Sim senhora. Estorninho. INF2 E algumas vermelhaças. INQ Sim senhor. INF1 Fazem uma chiada. (...) . INQ E vêm muitos? INF1 Vêm. Já estão muitos por aí. INF2 Hão muitos aqui. INF1 Agora eles acolá é... Até ali no meu estaleiro do milho eles se metem ali para fazerem o seu ninho. (...) E ali em baixo tem uma terra que às vezes a gente está trabalhando na terra e eles estão a fazer uma chiada lá dentro!
FLF12
INQ1 E aqueles que andam por cima do vinagre quando... Ou quando se tem fruta, um limão, assim, muito tempo, começam a aparecer uns muito pequeninos... INQ2 Ou fruta que começa a apodrecer, começa a aparecer umas moscas muito pequeninas. INF Rhã-rhã. INQ1 Como é que chamam àquilo? INF Pois (...) a gente também se chama mosquitos. INQ1 É tudo mosquitos. INQ2 Também. INF É.
FLF13
INQ1 É o mesmo? INF1 É o mesmo. Ou piolho do melro ou piolho do mato. INQ2 E agarra-se muito à orelha, é? INF1 Agarra-se muito. INQ2 Até custa a desprender. INF1 É. (...) É preciso ser com muita... Olhe, sabe o meu filho que é que fez a um cão que a gente temos ali fora? Ele sulfatou-o. INQ1 Ah! INF1 Com um produto para lhe matar aqueles piolhos, que ele não deixava tirar. INQ1 Pois, pois. INF2 (...) Um produto da farmácia que deitam em água (...) para bem de ele se lhe acabar. INF1 (...) Eles metem-se bem (...) no animal, na pele. INQ1 Sim senhor. INF2 Que ele estava sempre cheio deles!
FLF14
INQ1 Olhe, e agora estas que andam na água. INF A gente chama-se rãs a isto. INQ1 Se for só uma, é só uma? INF Só uma rã. INQ1 E, e às vezes, nos sítios onde há rãs, há um, antes de serem rãs, há assim uns bichos com uma cabeça muito grande e com um rabo estreitinho... INF Já vi (...) . Eles o mais que andam é onde há água. INQ2 Era esses que a senhora estava a falar há bocadinho, se calhar, que têm assim o rabinho comprido. É só uma cabecinha. INF É. Rhã-rhã. INQ1 E como é que lhes chama? INF Eu não sei como é que se chama.
FLF15
INQ Olhe, e aquele sítio em que a sua terra junta com a terra do seu vizinho, aquele sítio marcado que é das duas terras, como é que lhe chama? INF A gente chama-se um malhão, que parte as duas terras. Chama-se a estrema. INQ A estrema. INF A estrema. INQ Mas a, e a estrema é feita com um malhão? INF (...) A estrema... INQ Um malhão é o quê? É um bocadinho de terra mais alta? INF Não é. Tem (...) umas pedras aqui e ali. Outras tem paredes feitas. INQ Mas eu, o malhão é que eu não sei o que é. INF O malhão, sabe como é?... INQ O malhão é um, é um marco, é assim uma pedra ao alto? INF Se está uma terra inteira que ali estão dois herdeiros, eles partem-na (...) de malhão. A gente diz de malhão é: com umas pedras aqui, outras ali, assim sem fazer parede, só para fazer (...) INQ A estrema, para marcar a estrema. Sim senhor. INF a estrema. Para marcar a estrema. É isso. INQ Sim senhor.
FLF16
INQ Todos os anos cultivavam no mesmo sítio centeio ou trigo ou não? Ou, ou... INF Pois, tendo várias terras, pode-se cultivar um ano numa... (...) Por exemplo, batata branca - às vezes, o meu marido diz: "Olha, a gente já há anos que faz naquela terra batatas brancas, há-de-se mudar agora para outra terra". (...) A novidade também não quer sempre na mesma terra. Dá melhor se for mudado.
FLF17
INF1 Ele depois de vir do lago é que se amaçava. Amaçava-se bem amaçado. E estendia-se na rua... INQ1 Amaçava-se com o quê? INF1 Com a maça. (...) Um pau assim grosso numa ponta e a outra ponta delgadinha. A gente pegava e 'dia' batendo para o... Olha, assim como a senhora está pegando. Mas aqui era mais grosso. (...) Esta ponta grossa... INQ1 Pois, pois. Era mais, mais grossa. INF1 Era. Ai era mais grosso. INQ2 Era assim, era assim, mais ou menos. INF2 Seria isso tudo. INF1 Isso, isso mesmo! Isso mesmo! E estendia-se na terra três semanas. Quinze dias pela primeira banda e, depois, amaçava-se e tornava-se a estender por a outra banda. O linho. Estava muito tempo sobre a terra. E depois disso, então, era no sedeiro.
FLF18
INQ1 Então, e quando fiava? INF Quando fiava, não. (...) Eu não botava (...) numa roca. Eles depois faziam uma roca de canas. Lascavam a cana e metiam uma concha lá por dentro para ela abrir uma coisinha para fora (...) . INQ2 Concha de quê? INF Concha (...) de lapas do calhau. (...) E sacudiam assim a estriga do linho bem sacudida e 'diam' botando poucochinho, poucochinho. Cada vez 'dia' enrolando nisso e depois fiando outra vez. Muitos (...) era cuspindo (...) no linho para fiarem e diz que aquele que era mais forte do que com água. Eu fiava com água. Eu botava (...) uma vasilhinha com água em cima da roda - eu fiava era na roda - e não o botava em roca. Eu punha lá a estriga; sacudia-a bem sacudida e punha-a lá; e 'dia' puxando poucochinho, com as duas mãos, puxando poucochinho de cada vez... INQ2 E logo para uma roda? Fiava para a roda? INF Fiava, sim senhor. INQ2 Portanto, não punha no fuso? INF No fuso da roda! INQ2 Ah! INF No fuso da roda! Olha, a roda ainda a tenho acolá e tenho o fuso guardado. (...) INQ2 Ai, a roda é aquela? INF É aquilo. A roda (...) era aquilo. Mas (...) eu tenho o fuso ali guardado porque eu também não... Para que Porque é que o houvera de ter acolá a estragar? O fuso (...) é a obra melhor da roda, é o fuso. O fuso é o que mais custa a fazer. INQ2 Pois. E depois do fuso... Não tens aí o desenho do fuso, os desenhos do fuso, para se saber como é que é? Ai este... Era assim o fuso? INF Não senhor. O fuso era... INQ2 Tinha aqui uma coisa? INF (...) Isso era o fuso pequeno. INQ2 Ah! INF O fuso de mão. Eu nesse não sei fiar. INQ2 Pois. INF Nunca soube fiar nem lã, nem nada. Nunca soube. Fiava era sempre na roda é que fiava.
FLF19
INQ1 E o que é que fazia para a montar, então? INF E a gente amarrava a cruz lá em cima, no cabo de cima. (...) Que é aquela (...) é que era a cruz. E amarrava cá em baixo onde voltava para trás. E tirava-se da urdideira, começando por cima, pela cruz de cima. Começava-se a tirar. Tirava-se aquilo para fora e 'dia-se' encadeando, encadeando, encadeando até chegar cá abaixo. E para botar no tear era por esse de cá de baixo. (...) Tinha um compostouro que era um pauzinho assim, grandote, com um cordão. O pau entrava num lugar e o cordão entrava no outro. Que aquilo fazia dois (...) cá em baixo e voltava para trás e fazia dois - dois lugares de meter alguma coisa. Era o pauzinho, bem na ponta, e o cordão da banda de cima. E aquilo ficava encruzado no meio. E (...) punha-se aquilo (...) no tear. (...) Pregava-se essa ponta no tear, no órgão de trás. Já viu o tear armado? INQ2 Já. INF Naquele órgão de cima, (...) naquele último de lá de trás. Era assim. E aqui quase que era três pessoas. Eu cheguei a estar muitas sozinha, mas era três pessoas (...) para botar as teias. Era uma atrás, aguentando a teia, esticadinha. Era outra andando com o órgão - que o órgão era furado, metia-se um pauzinho. E era uma adiante com o restelo. (...) Não viu também o restelo? O restelo é um pau grandote, furado, (...) com tornos todos, todos, todos, todos, tudo . Que a gente botava lá, nalguns - era conforme o tamanho da teia. Nalguns botava-se um cabrestilho inteiro; noutros botava-se só meio cabrestilho; era conforme. Que era para fazer a medida (...) do pente - não sabe? Era assim. E pronto. (...) E depois era... Se o pente estava enfiado, era (...) acrescentado de nó, direitinho - (...) os de cima (...) e os do pente -, acrescentado de nó. Nó por cima da unha. E se o pente estava despido, (...) era enfiar assim um fio, um fio (...) em cada palma.
FLF20
INF Não sabe? Não sabe a roupa o que é? INQ1 Não, a roupa não. Espera aí, deixa lá ver o que é que é a roupa do pente. O que é a roupa? INF Uê, é aquilo que se a gente enfia os fios para vir para o pente - para vir para o pente! INQ1 Ah, portanto é, são dois paus? INF Tem dois paus atrás que estavam se fazendo a cruz. E a gente, (...) se o pente está enfiado, é muito fácil. (...) Traz-se um de trás direito - 'dia-se' trazendo a eito. E os do pente, a mesma coisa: acrescentavam um nó por cima da unha. E se o pente não está enfiado, se a roupa (...) do pente não está enfiada, é enfiá-la. É enfiá-la. 'Dir' contando tantos a tantos (...) nesta palma, outros tantos naquela outra (...) e 'dir' enfiando. É assim. INQ2 Portanto, o que a senhora chama a roupa do pente deve ser aquilo que, no continente, a gente chama liços. É a mesma coisa. Sim senhor. INF Pois há-de ser, pois há-de ser, pois há-de ser. Há-de ser, há-de ser, há-de ser, há-de ser, há-de ser.
FLF21
INF Não se podia tecer daquela largura, senhora! INQ1 Porque era muito largo? Era... INF Não se pode! Não se pode! Eles aí para fora, (...) em São Jorge... Eu não sei onde é, (...) é numa parte daí de fora que diz que tecem. Mas aquilo é preciso uns órgãos muito largos, um restelo muito largo para a botar no tear e duas mulheres que se dêem uma com a outra! (...) Para pegarem nas queixas e nas espremedeiras. É preciso botar dois pares de espremedeiras. Menos do que isso... (...) Uma só não faz 'dir' aquelas palmas para baixo - aquela largura! INQ1 Pois não. INQ2 Era a senhora que fazia... INF Era preciso duas, uma em cada ponta. INQ1 Que se dessem bem! INF (...) E era preciso elas se darem uma com a outra! INQ2 Isso é que era o mais difícil. INF Eu disso nunca experimentei.
FLF22
INQ E um, e um peso que se punha para puxar?... INF Ah! Eu sei! É aquelas canas (...) que se ficam atrás da roupa do pente. Porque elas, às vezes, não queriam 'dir' para trás e botavam um contrapeso (...) para fazer desandar uma coisinha.
FLF23
INQ E também tecia em lã? INF Pois sim. Pois o mais que eu tecia era em lã! INQ E o, qual, como é que tinha, como é que era o trabalho da lã? O que é que tinha que fazer? INF Para fazer uma coisa... INQ Para ter lã, o que é que tinha de fazer para ter lã? INF (...) 'Dia' buscar lã, lá de Santa Cruz; (...) e à Fajã Grande (...) e para essas bandas buscar, para trabalhar de meias. Trabalhava metade para a dona da lã e ficava com metade para si. INQ Rhum-rhum. INF Muita a gente (...) foi buscar!
FLF24
INF A gente costumava: lavava-a, quando ela vinha, e escolhia a grossa para uma banda e a fina para outra, para um não ficar com a grossa e o outro com a fina - não sabe? E partia a meio uma e outra: metade para a dona e metade para a gente. E depois, fazia-se a da dona. 'Dia-se' levar um pedaço de peça - ela queria sempre um pedaço de peça para fazer blusas de homens e coisas assim e a mais grosseira para fazer cobertas. Cobertores! E a gente fazia a da dona e 'dia-a' levar lá e depois é que vinha trabalhar a nossa. Agora, eles estão tosquiando e deixam-na pelo mato! Deixam-na a apodrecer por aí de bandas para banda! Lã boa! Melhor do que aquela! INQ1 Então e que trabalho é que tinha que fazer? Tinha que lavar a lã. INF Pois, a primeira coisa (...) era lavá-la e depois de ela lavada é que se escolhia. A grossa para um lado (...) e a fina para o outro. E partia-se a meio um e outro. (...) Não estava bem entendido? INQ1 Pois. Estava, estava. Mas depois, a seguir, o que é que tinha que fazer até chegar ao tear? INF Aiá! Uê, depois (...) era enxugá-la; era varejá-la bem varejada para ver se ela abria uma coisinha; e a que não abria era à mão, assim. INQ2 Chamava-se abrir a isso? INF Abrir, abrir. Mas com uma vara ela ainda abria uma coisinha. Mas não abria o bastante para se cardar. E depois, cardava-se com as cardas mais grossas. E depois disso, tornava-se a dar outro cardo, se era mais de uma cor, para caldear (...) as cores bem umas com as outras, porque elas só com um cardo não ficavam bem caldeadas. E então, depois disso, (...) era imprimar e fiar. INQ2 Imprimar? INF Imprimar. (...) A última coisa. INQ1 O que é imprimar? Não sei o que é. INF Eram umas cardas mais finas. Faziam uns retalhinhos. Fazia-se três retalhos (...) de cada uma vez que se metia nas cardas - umas cardas mais finas. E depois, fiar. INQ1 Um retalho era aquela coisa que fazia assim com as cardas? E saía assim uma coisa fininha? INF É sim senhora. É. É sim senhora.
FLF25
INQ1 E depois aí é que ia fiar? INF 'Dia-se' fiar. (...) A maçaroca se estava cheia, que a gente via, a gente... O fuso tinha uns ganchos de se 'dir' botando o fiado; e quando estava cheia, que já não podia botar mais, dobava-se. INQ1 Pois. INF (...) Dobava-se à mão, fazia-se um novelo. E tornava a começar a fiar noutro e noutro novelo. Eu cheguei a fiar três por serão! (...) Três novelos. Vinham a ser três quartas de lã. INQ2 Não se fiava na roca? INF Não senhora. A lã não se fia na roca. A lã não se fia na roca. INQ2 É sempre na roda. INF É (...) sempre na roda (...) e é assim uns retalhinhos. Minha irmã cardava e eu fiava. A gente também estava até, às vezes, 'passante' da meia-noite.
FLF26
INF Eu houvera de ter uns dezassete, dezoito anos quando comecei nisso. INQ Hum, aprendeu com a sua mãe? INF Não, a senhora minha mãe não tecia. INQ Então aprendeu com outra pessoa? INF Foi (...) com gente de fora. As primeiras teias que eu teci, eu chamava uma pessoa para a botar no tear - não sabe? Que eu (...) não tinha confiança em mim de a botar. E um dia meu pai disse: "Olha, tu esta é que vais botar no tear e eu também te quero 'dir' ajudar". Que ele tinha visto - a mãe dele tecia muito, minha avó. Ele também tinha visto muita vez. " (...) Eu quero 'dir' ajudar também. E tu é que a vais botar. Não se chama ninguém desta vez". E era dezasseis varas - para cobertores. Está bom. A gente foi - e era numa casa velha que a gente tinha lá. Fomos para lá botar a teia. A gente botou a teia e ela ficou 'bonzíssima'. Nunca mais se chamou ninguém para botar a teia.
FLF27
INQ1 E a senhora, além de trabalhar no tear, em que trabalhava mais? INF 'Dia' ordenhar as vaquinhas, que o meu homem não podia - era mui doente. Eu 'dia' ordenhar as vacas duas vezes no dia. E era (...) acolá em cima, bem acolá em cima, naquele cabeço lá em cima, (...) alguns dias. Um dia - eu tenho contado isto grandeza de vezes -, quando se fez aquele palheiro ali, eu que é que faço? (...) Estavam homens chamados para vir para o palheiro. Eu não tinha pão cozido - naquele tempo (...) não havia pão para comprar. Eu faço: escaldo o meu pão - era pão de milho -, escaldo o meu pão, faço o meu fermento, vou ordenhar as minhas vacas. Venho para baixo - vim cozer o pão para o jantar. Botei jantar a cinco homens em casa e fui levar a dois, que estavam sachando milho lá em baixo na terra. E vou à tarde outra vez para o mato. Não foi um dia bem dado? INQ2 Então, foi óptimo! Uma coisa! INF Foi um dia bem dado! E como a este, muitos outros! E como a este, muitos outros, porque ele também não podia muito e eu também já não esperava por ele. INQ2 Pois. Muito trabalho. INF E às vezes embebia-me no tear. Eu cheguei a ter o tear aqui, armado aqui. (...) Ele estava na cama (...) e ele dizia: "Não fazes conta mesmo de te vires deitar hoje"? Que eu estava, eu estava e 'dia' estando e 'dia' estando. E ele dizia: "Na roda não me estrova nada. A roda (...) até adormece a gente". Mas o tear é uma baldeirada agora, outra logo... Que às vezes que se espantava até! INQ2 Claro! Claro!
FLF28
INF Esta é a queiró que a gente chamuscava os porcos noutros anos. Antigamente, não era com o maçarico, que não havia gás. Era com queirós.
FLF29
INQ1 Mas é parecido com o junço, com a junça? INF1 É parecida com junça. Erva-burra. Que, sabe, os burros gostam (...) sempre da erva mais dura. Aquela senhora está dizendo, Amélio, que há uma erva dura que o senhor Anacleto disse que eu que havia de saber, que ceifava muita dela. Há-de ser dessa erva INQ2 Dos lameiros. INF1 (...) que apareceu há pouco tempo aí, que é uma erva dura, não é? INF2 É, é.
FLF30
INF Pois, as que a gente trabalha, trabalha-se quase sempre. INQ Ai é? INF Porque, sabe, a gente se deixar descansar assim uma terra, ela cria outras mondas (...) juntamente. E depois se o dono as quer outra vez trabalhar, já dão mais trabalho a tirar aquela monda, que fica a semente na terra. INQ Exacto. Ah! Portanto, não é costume deixar a descansar. INF Não é costume. INQ Pronto.
FLF31
INQ O que é que a senhora faz para tirar aquele mato? INF Aquele mato? Pois é cortado e é arrancado arrancar as raízes, daquele mato. INQ Com o que é que corta? INF Pois a gente, antigamente, era com com o com um machado, era com serrotes; mas hoje já há moto-serras que é mais depressa (...) para cortar as árvores.
FLF32
INQ Era costume, antigamente, também as mulheres lavrarem a terra? Ou eram só os homens? INF A minha filha mais velha chegava a ajudar o pai a lavrar. (...) E o meu marido conta que o pai morreu ele tinha onze anos e que a mãe (...) que é que lavrava as terras.
FLF33
INF1 Este serve para cavar. INQ Este, este?... INF1 Serve para cavar. Que o meu marido tem um ali... INQ Sim e tem?... E como é que se chama? INF1 É também ancinho que a gente chama. INF2 A gente também trata por o ancinho de três dentes. INQ Ancinho? Com três dentes? Ancinho de três dentes. Setecentos e doze, setecentos e doze, sete. INF2 Até, por acaso, tenho um deles aqui. Noutros anos não haviam. Um rapaz que foi para a Terceira é que o trouxe da Terceira e depois, então, mandaram-na vir e a gente comprou-o aqui. INQ Olhe, e, e se... INF2 Que já não há ferreiro. INF1 Espera aí...
FLF34
INF1 Como é que eles semeiam? Pois, aqui, eles têm animais que sabem trabalhar - está percebendo? Vai uma pessoa adiante e vai outra com um arado - um arado de ferro ou arado de pau. (...) E o gado vai andando e vai fazendo o um rego e eles vão semeando naquele rego atrás. INF2 Não é assim. INQ Ah, semeiam no rego? INF1 É. INF2 Eu andei tanto a semear com o meu avô! INQ Ah, não é, não é assim? INF2 Não é a espalhar! INF1 Não é assim. Assim há-de ser quando é com tractores - não sabe? Vão deitando o grão no rego. O animal vai fazendo o rego com o arado... INQ Ah, sim senhor. Sim senhor.
FLF35
INQ1 Devia estar. Olhe, uma coisa assim, que é um pau comprido e que tem assim uma chapa de ferro grande, como é que a senhora lhe chama? INF1 Chama-se (...) um sacho. INF2 Uns tratam por enxadas, outros tratam por sacho. INQ2 E para que é que serve? INF2 Cavar a terra. INQ1 Tanto se faz chamar enxada como sacho? INF1 A enxada é mais estreitinha. (...) E sendo mais largo, é um sacho. INF2 E sendo mais largo, é um sacho. INQ2 E serve para cavar a terra. INF1 Sim. INF2 Para cavar.
FLF36
INQ A senhora no, aqui, pega, onde é que a senhora pega? INF É no cabo. A gente chama-se o cabo para trás.
FLF37
INQ E como é que lhe chama àquela coisa com que vai tirar a, com que vai sachar? INF Tem uns maiores, que é de cavar terra, e tem outros mais pequenos, que é de sachar milho. INQ E chama-se como? Enxada? INF É sacho. INQ É sacho. INF Isso tudo Esses todos é sacho. Agora, tem duas classes, de cavar a terra - dos grandes. Uns, a gente aqui - mesmo o de São Miguel - trata-o por sacho de São Miguel. E tem outro que é mais com a volta. A gente tem (...) o sacho mais com a volta.
FLF38
INQ E o que é que eles usam? É assim uma coisa? INF1 É. Uma foice. INF2 A foice de mão. INF1 Que é para ceifar o trigo e ceifar o centeio. INF2 É e ceifar... Eu noutros anos, ceifava-se muita erva, ceifava muita erva com ela. INF1 Ó homem, e a gente há pouco tempo (...) que se teve aveia que se ceifava com a foice. INF2 Era com a foice.
FLF39
INF1 Só antigamente. INQ1 Olhe, a senhora alguma vez ceifou? INF1 Já, muito, senhora. INQ1 Então, a senhora lançava a mão esquerda, não era? INF1 É. INQ1 E agarrava um, um pedaço de trigo. INF1 Agarrava um pedaço de trigo com a mão esquerda e... INF2 Pega-se com a mão e com a outra vai-se ceifando. INF1 (...) E com a mão direita na foice e... E lá 'dia' à conta de Nosso Senhor. INQ1 E aquele pedaço de trigo em que a senhora agarrava como é que lhe chamava? INF1 A mancheia. INQ1 E depois que é que lhe fazia? INF1 Que é que lhe fazia? Pois alguma vez amarra-se - não sabe? - que é melhor de malhar. Amarradinha aquela mancheia, 'dia-se' pondo assim ao sol. INQ1 Mas, mas ia-se pondo do lado, era? INF1 'Dia-se' pondo de lado. 'Dia-se' pondo a modos de lhe dar o sol (...) para aquecer - não sabe? - para depois se malhar em cobertas com um pau. Lá se punha... INF2 (...) Pega-se à mancheia com um pau. INQ1 Mas isso é, isso é depois. Não. Até lá chegarmos ainda estamos no meio do campo. INF1 Isso é depois. Está bem. Está bem. INQ1 Portanto, a senhora pegou na mancheia e pô-la para o lado. INF1 E pô-la para o lado. INQ2 Mas atava ou não? Dava-lhe uma volta ou não? INF1 Atava. Atava com uma espadana - com um cordão. INQ1 Mas isso era só depois, quando já... Era cada mancheia ou era já depois de já ter muitas? INF1 Não senhora. Era melhor 'dir' INQ1 Cada mancheia era atada. INF1 cada mancheia atado e pondo assim de lado para não caldear muito umas com as outras. INQ1 Olhe, então, e depois não as juntava? INF1 Ajuntava. INQ1 E fazia o quê? INF1 Pois fazia um molho. (...) Punha num montinho, mas deixava estar assim ao sol - está percebendo? INQ1 Ali no campo. INF1 Ali no campo. INQ1 Cada mancheia. INF1 Cada mancheia em si assim . INQ2 E depois? INF1 E depois, quando (...) era dia de sol, aquilo ficava a modos de se malhar. Com um pauzinho na mão, estendia-se uma coberta (...) na terra... INQ2 Mas, mas ainda no campo? INF1 Ainda no campo, que é mais fácil que depois só se escolhe - não sabe? - aquela pragana. INQ1 Ai e faziam, e, e, e, faziam isso no campo, era? INF1 Fazia isso tudo no campo. A gente tinha uma terra aqui em baixo que era de aveia - ainda há poucos anos -, mas deixou-se porque a praga dava (...) muita perca. INF2 Dava muita perca.
FLF40
INQ Olhe, e depois levavam o trigo para a eira, os molhos; e na eira punham-no, punham-no logo espalhado? Não!? INF1 Espalhado na eira. INQ Não punham primeiro, faziam assim todo junto, um em cima do outro? INF1 (...) Era espalhado na eira toda. INQ Todo, todo? INF1 Porque aquilo, a eira tinha um mourão assim no meio e aquilo era a modo dum... - agora comprido para acolá - que eles chamam-lhe o trilho - não sabe? INQ Sim. INF1 E naquilo é que amarravam o gado - está entendendo?E o gado 'dia' andando à roda. INF2 Numa corda . INQ Sim. Já percebi, já percebi. O que eu não percebi, mas todo o trigo, ele era espalhado logo todo de uma vez? INF1 Todo, não senhora. Era só o tanto que pudesse a eira... INQ Exacto.
FLF41
INF1 (...) . INF2 Olhe, tinha umas cordas. Olhe , ele faz de conta que o animal (...) estava aqui. INF1 (...) Vinha uma corda (...) ... INQ1 Sim. INF2 E tinha umas cordas a chegar a uma canga o pescoço do animal - está entendendo? INF1 Eu vou num instante ao palheiro buscar uma para ver. INF2 Olhe, (...) uma daqui, outra dali. E uma por um lado do animal e a outra pelo outro. INQ2 Pelo outro. INF2 Sim senhora. A chegar à canga do animal. INQ2 À canga. Às pontas da canga. INF2 Às pontas da canga. Ele diz que 'dia' ao palheiro buscar.
FLF42
INF (...) E esta canga é para dois 'animales'. (...) A gente chama-se uma junta. INQ Uma junta. INF Uma junta de vacas ou de bois.
FLF43
INQ Foi para cima; é cabeça. INF Ele sabe-os mesmo fazer, senhora! Ele é que os faz mesmo !
FLF44
INF1 Vermelho. INQ O milho vermelho chamam-se os serões? INF1 (...) Serões. INF2 A gente chama-lhe, chama-se cá... Há um pintadinho - não sabe? São pintadinhos de vermelho. INF1 Há uns pintados que a gente trata por Santo Cristo. INF2 E a gente chama-lhe (...) o milho de Santo Cristo. INF1 Tem desse vermelho e tem branco. INF2 A gente ouviu dizer, aqui há muitos anos, que houve um proprietário que tinha um terreno de milho muito grande. E agora veio uma tempestade muito grande e ele prometeu parte (...) do seu milho - lá o que lhe pareceu - ao Senhor Santo Cristo. E quando foi a apanhar o milho, ele estava dividido - está percebendo? O que era para lhe para ele dar ao Senhor Santo Cristo estava pintado. Por isso é que (...) a gente chama-lhe o milho do Senhor Santo Cristo. Não sei se foi verdade, se não. INQ Sim. Ah! INF2 Olhe, essa ainda começou para pintar .
FLF45
INF1 Descascar o milho . INQ Olhe, e quando juntavam toda a gente a descascar milho, também faziam isso, não? Juntavam-se assim uns vizinhos... INF2 (...) Junta-se, sim senhor. INQ Faziam uma quê? INF2 Faziam (...) uma... Não sabe? Juntavam-se (...) ... A gente dizia: a gente ajunta-se as nossas famílias para ajudar uns aos outros. Também quando é pelo Natal, para se matar porcos, se faz assim. INQ Sim senhor. INF1 Noutros anos, ajuntavam-se e amarravam o milho. INQ E diziam, e diziam, olha hoje à noite vamos fazer o quê? INF1 Era de noite. INF2 Vamos fazer um serão de milho.
FLF46
INQ1 E a parte que vai para baixo, até ao chão? INF1 A gente chama-lhe a... Uns chamam a cana do milho, outros chamam os milheiros - está entendendo? Cada terra tem o seu costume. INQ1 Sim senhor. E na ponta, na ponta da, da maçaroca, costuma aparecer assim uma, uma coisinha que tem... INF1 É o cabelo do milho; (...) uns dizem cabeleireiro. INQ1 Serve para alguma coisa? INF1 Eles dizem que é bom fazer chá para... INF2 Para a bexiga. INQ1 Para a... Para a bexiga. INF1 Para a bexiga. Eu já ouvi dizer. INQ1 Sim senhor, também já. Olhe, e nunca aproveitavam?... INF2 Faziam isso antigamente. Que antigamente não havia os remédios da farmácia. Aqui havia um médico e dava para tudo e sobrava muito tempo. INQ1 Claro. INF1 Mas não havia tanta doença. INF2 Hoje estão três! INQ1 Diga-me uma coisa: esta casca mais fininha era aproveitada para quê? INF1 Olhe, para fazer trança para fazer chapéus. INF2 Para fazer tapetes. Que eu tenho ali - que fiz o ano passado - para alimpar os pés. E alimpam melhor do que os da loja. INF1 Para fazer tapetes. Que (...) o meu marido fez o Inverno passado (...) da casca do milho - não sabe? É a modo duma trança e depois coseu bem cosido uma na outra. E ele tem ali um que eu vou-lhe amostrar. Se quiser ver... INQ2 Está bem. Gostava de ver, sim senhor. INQ1 Sim senhor. INF1 Sim. INQ1 Mas também se fazia?... INF1 Mas também se fazia... Eu já fiz. Trança... Não sabe? Com uma tesoura desfiava-se a... Com a tesoura 'dia-se' partindo assim às tirinhas, (...) INQ1 Às tirinhas, para quê? INF1 a modo de fazer a trança para o chapéu. Eu já fiz. Mas também dura pouco. INQ1 Ah, para o chapéu. Para os colchões não...
FLF47
INF (...) O estaleiro do milho. INQ O estaleiro, chama-lhe um estaleiro? INF O estaleiro. É. INQ Só se chama estaleiro, não tem outro nome? INF É estaleiro... Eu não sei se no Faial eles dizem diferente. Dizem arribana... Ou nos Cedros... Eu acho que é arribana que eles dizem. Mas eu logo pergunto ao meu marido. INQ Ah! Mas a senhora chama-lhe estaleiro. INF A gente chama-se era o estaleiro. INQ Estaleiro.
FLF48
INQ1 Depois de já estar o trigo todo debulhado, o que é que lhe faz? INF Depois de já estar todo debulhado, é escolher - está percebendo? É aventejado. INQ1 Como? É quê? INF Aventeja-se. INQ1 Com quê? INF Depois aquilo pega-se... Não sabem? INQ1 Aventejar. INQ2 Aventejar é com quê? Com que é se aventejava? INF (...) Com que é que se aventeja? Pois é (...) com umas latas ou com baldes ou assim... Pega-se pelo ar (...) e vai-se deixando cair a semente. (...) E o que é mais leve - que é a pragana - (...) o vento vai levando.
FLF49
INF1 Mas ela não dá crias. E sabe porque é que ela não dá crias? Sabe porquê? É porque quando... INF2 É que para criar - para criar mulos -, quando é burra... INQ Espere lá, deixe lá... Diga lá. INF1 Olhe, quando nasceu o Menino Jesus, em Belém, foi numa manjedoura, que ele nasceu. E estava uma mula e um boi, nessa manjedoura. O boi bafejava o menino para o aquecer. INF2 Bafejava, para o aquecer. INF1 E a mula descobria-o; comia a palha. INF2 Comia a palha. INQ Malandra! INF1 Por isso é que Nossa Senhora conjurou a mula para ela não ter crias. INQ Ah! INF1 Nunca tinha 'ouvisto' esta? INQ Não.
FLF50
INF1 Os nomes. Ora, diz os nomes todos àquela senhora, do que é da burra. INF2 (...) O que é da burra? INQ Mas a senhora também sabe. INF1 Sei. INQ Então diga lá. INF1 Que eu já andei com a... INF2 A primeira coisa... INF1 Olha, espera aí, que ela diz que eu que diga. Olhe, a primeira coisa é o freio. INF2 Ou a cabeçada. INF1 Ou a cabeçada. Mas o melhor é o freio, que se sasca nos dentes, aguenta-a melhor. Tem a sela. INQ Em madeira? INF1 Sim, em madeira. (...) O melhor é pôr umas cobertas por cima para ela (...) não esfolar e isso. (...) A sela tem umas correias que lhe vai por baixo da barriga da burra - que é para aguentá-la -, está percebendo? - e por trás do rabo. INQ Como é que se chama? Isso que passa por trás... INF2 É a cinta. INF1 A cinta. INQ A cinta. INF1 A cinta da burra. INF2 Tem outro atrás contra o rabo que é o 'rabisco'. INF1 É o 'rabisco', contra o rabo - não sabe? -, que é para aguentar bem a sela. INQ Para a sela não ir para a frente. INF1 Sim senhora. (...) Já lhe joguei três mergulhos de cima da minha! Mas não vou mais! INF2 (...) E do 'rabisco' pega duas tiras que vai pregada à sela, que é por via de (...) a sela não caminhar para a frente. Para trás anda bem, que os 'quadriles' lhe aguentam; mas para a frente, as espáduas são mais um bocadinho estreitas, para ela não caminhar . INQ E mais nada não leva mais nada. INF2 Não tem mais nada. INF1 Não tem mais nada. INF2 E depois tem os ganchos de prender na sela para pôr (...) a erva (...) ou o que é. INF1 Tem uns ganchos de (...) prender na sela. Tem uns ganchos de ferro, - não sabe? (...) Os ganchos de ferro são assim, mas aqui (...) ... Está entendendo? (...) E levantados para cima para aguentar a comida. INQ Sim. A comida? Ai, aquilo que se leva em cima, a carga. INF1 É aquilo que se leva em cima. É. INF2 E depois tem umas cordas, a sela , pregadas por cima à sela. INF1 Que é comida para o gado ou lenha ou... Acartam o que a gente quer! INQ E depois tem umas cordas ainda que se passa... INF1 Tem umas cordas ainda a amarrar por cima da comida. INQ Como é que lhes chama? INF1 Pois (...) diz-se que é umas cordas de amarrar (...) a comida do gado à burra . INQ E não tem assim umas coisas que, que até se torcem para apertar a, a carga? INF1 É a arças - as arças (...) das cordas. INQ As arças das cordas. INF1 É. (...) INQ E nunca metem um pau pelas arças para apertar? INF2 Às vezes usa-se o pau, mas outras vezes não se usa. INQ Não? INF1 É. Outras vezes não se usa. INQ Não há nada aqui que chamem um garrocho? INF1 Arrocho? Pois (...) no 'gorção', quando eles acartavam comida e acartavam lenha, eles tinham aqueles arrochos - não sabe? INQ Ah, tinham? INF1 Tinham. INQ Para apertar a carga? INF1 Sim, para apertar a carga. INQ Era um pau? INF1 Eram dois até! Um, assim metido no meio; e o outro, (...) enfiava na corda - está entendendo? (...) E depois prendia, ficava ali bem arrochadinho, para a carrada não virar nem para um lado nem para o outro. INQ Portanto, isso era no 'gorção' é que se usava o arrocho? INF1 É. O mais é no 'gorção'.
FLF51
INQ A que é que se chama horta? INF (...) Aqui a gente chama uma horta é uma quinta de fruta - está percebendo? INQ De fruta? Com árvores de fruto? INF É. Árvores de fruto.
FLF52
INF Isto é maçãs, não é? Não é maçãs? INQ Sim, é. INF Também hão aqui. INQ Também hão? INF Hão, sim senhora.
FLF53
INQ1 Não há nada?... INF1 Eles chamam a uma maçã (...) a maçã do navio da farinha. Diz que foi um navio que passou e agora, há muitos anos - isso eu ouvi dizer -... INF2 E talvez botaram algumas árvores ao mar e elas encalharam. INF1 E ficaram as maçãs ao mar e elas encalharam e nasceu na praia essas macieirinhas. INF2 E semearam as pevides e elas nasceram. Tratam-na pela maçã do navio da farinha. INF1 E depois (...) houve quem as plantou e ficou-lhe o nome de maçã do navio da farinha. INQ2 Que giro. INF1 É verdade. É interessante, não é? INQ2 É.
FLF54
INQ Olhe, uma pessoa que... Quando se quer comprar vinho, vai-se comprar vinho aonde? INF Vai-se comprar... Já está na loja; mas aí para baixo hão adegas. Mas aqui não há.
FLF55
INF1 Pois eram os que iam para a América que 'diam' (...) apastorar ovelhas. Chamava-se pastor. 'Diam' apastorar ovelhas. Por exemplo, meu pai foi pastor de ovelhas quando esteve na América. (...) INQ1 Lá? Lá? INF1 Sim. Lá. Quando esteve na América. Eu já não me lembro de do meu pai, que eu tinha dois anos quando meu pai morreu. Mas as minhas irmãs mais velhas contavam aquilo que meu pai lhe dizia: que tinha andado apastorando ovelhas nas serras, (...) que ficavam ao rigor do tempo. Hoje em dia, já é mais fácil, que já tem as casas que mudam... Não sabe? As casas que mudam (...) dum lado para o outro. (...) Mas meu pai foi assim - foi ao rigor do tempo. E o meu pai não tirou 'papeles' americanos, porque não sabia ler. INQ1 Pois. INF1 Não sabia ler. Trabalhou para um patrão dois anos e oito meses. E esse patrão não lhe pagou. É verdade. INF2 Naqueles anos era assim. INF1 Não sabia ler, mas não teve dificuldade - não sabe? - por não saber ler, nem tirar 'papeles'. Mas foi assim. Esse patrão não lhe pagou. INQ1 Pois. Pois é. Mas um patrão americano? INF1 Era, sim senhor. INF2 Ele quando foi para a América até saiu em baleeiras. Embarcavam para o alto aqui no rolo. Que não podiam embarcar nos portos, que a Guarda Fiscal não lhe deixava. INQ1 Pois, pois. Pois. INF1 E as minhas irmãs contavam, e a minha mãe, que o meu pai, quando veio da América, veio num navio que foi atacado por outro navio. (...) E, agora, todos aqueles que vieram nesse navio prometeram as suas promessas - está percebendo? Ora, o meu pai, quando veio, era para tornar a voltar, outra vez. Mas depois casou-se e começou (...) a chegar filhos - que a gente éramos onze irmãos - e ele já não se atreveu a deixá-los (...) e a ir outra vez para a América. E o tempo foi-se espaçando e havia quem dizia... Que os meus irmãos adoeceram muitos da cabeça - está percebendo? Muitos da cabeça, que foram para São Rafael! E a gente tinha-se uma relva, que ficava lá em cima no Curralinho, que também caía gado lá. E começou o povo a dizer que o meu pai que devia um jantar, e que era devido a essa promessa que os outros todos tinham... Mas (...) o meu pai nunca o disse a minha mãe. Ele nunca lhe tinha dito isto. (...) Mas o povo começou a dizer e, então, a gente deu-se o jantar e ficou melhor. Está percebendo? É porque ele tinha necessidade... Nunca disse porque (...) não se atrevia - está percebendo? - a dizer, porque como ele estava criando os seus filhos... INQ1 Mas era um jantar, devia um jantar a quem? INF1 Era um jantar a correr (...) as portas com carne e pão. INF2 Com pão e carne. (...) Como o uso do Espírito Santo. INF1 Com pão e carne. INQ2 Ah! Um jantar do Espírito Santo? INF1 É um jantar do Espírito Santo.
FLF56
INQ1 Tudo isto, não há nada disto? INQ2 Mas os seus irmãos depois ficaram melhores? INF Depois ficaram melhores. Ah, e depois de dois anos de o meu pai morreu, queimou-se a nossa casa. A gente tínhamos uma irmã que já não era assim muito discreta. Mas isso acontecia a qualquer pessoa. INQ2 Pois. INF A sala era de alto e baixo e agora as galinhas 'diam' pôr os ovos na loja e ela levou uma vela acesa (...) e tinha feitos e, olhe, foi derivado a isso, ardeu tudo, ficámos sem nada! Onze filhos e a minha mãe, sem nada. Há dois anos que o meu pai tinha morrido, quando aconteceu isto. INQ2 Então, e depois, o que é que fizeram? INF Depois, tínhamos uma casinha velhinha. Depois, dois homens lá da Cuada correram a ilha em volta a pedir - não sabe? - roupinha e cobertores e isso. Ajuntaram muito - e dinheiro e coiso. Tudo. O meu pai ainda tinha umas quantas terras, mas minha mãe nunca quis vender - não sabe? Quis deixar aos seus filhos, nunca quis vender. Um palmo de terra ela quis vender! (...) E tinha sua casinha, então, velhinha, que tinha sido duns tios que tinham criado minha mãe, que lhe tinham deixado aquela casinha. Mas era mais velhinha do que essa onde a gente vivia. Quer dizer, não tinha soalho, nem nada. Mas consertou-se e, graças a Deus, não morreu nenhum. Lá fomos vivendo. INQ1 Ali na Cuada. INF Ali na Cuada. Está despovoada. As últimas duas pessoas que ficaram na Cuada foi minha mãe e a minha irmã. Estava a Anastácia e o filho. Mas depois ela morreu, e o filho - ela morreu em São Miguel, que tinha um filho mesmo lá em São Miguel, que foi-se tratar, que já estava cancerosa -, e o filho ficou cá, acharam-no morto, sozinho. É verdade. E, então, minha mãe e a minha irmã já não puderam estar, que minha mãe já tinha oitenta anos. Já não podiam estar sozinhas na Cuada. Compraram uma casa na Fajã. E foram, então, viver para a Fajã. E ficou (...) a Cuada sem ninguém. INQ1 Está deserta, agora? INF Está deserta. Mas agora estão recuperando as casas. Não sei se é o governo se quem é. (...) Recuperaram várias casas e já estão cobrindo. E já está a estrada até lá, que não estava! A gente nem tinha luz, nem tinha água, nem tinha estrada. Para irmos à Fajã era dois quilómetros de distância. Para 'dirmos' à missa, 'dirmos' à escola (...) e à loja, tudo o que se precisava, ficava a essa distância. A água, era aqui à Ribeira Grande, que também que ficava muito distante: um quilómetro ou mais para se vir buscar água.
FLF57
INF Antigamente, era mais difícil tratar do gado. Agora, eles estão dentro dos contentores. E, antigamente, eles 'diam' só nos porões amarrados - não sabe? Era mais difícil de chegar ao pé deles do que não é agora. Agora, eles abrem os contentores, eles estão ali amarrados, eles só lhe deitam a comida. É mais fácil.
FLF58
INQ1 Mas cá não há ovelhas? INF1 Cá, pois há alguém que tem, mas, quer dizer, havia antigamente no concelho muitas ovelhas! INQ1 No concelho? INF1 Sim senhora. E eles 'diam' duas vezes por ano tosquiá-las. Ajuntavam... INQ2 E quem é que ia? INF1 Pois eram os donos delas, que eles assinavam-nas - está percebendo? Mesmo agora uma ovelha que tinha muitas crias, sempre a cria se chega para o pé da mãe. E eles ali assinavam, 'diam' multiplicando sempre as suas ovelhas. INQ1 E assinavam como? INF2 Isso é nas orelhas. INF1 (...) É, é nas orelhas. (...) . INF2 A Florestal, quando veio, é que proibiu as ovelhas no concelho. INQ1 Sim, sim. Mas eles assinavam com?... INF1 (...) Nas orelhas tinham o seu sinal, registado pela Câmara - está percebendo? Cada pessoa tinha o seu sinal (...) . Na orelha (...) das ovelhas, conheciam o seu sinal! Que isso era registado na Câmara.
FLF59
INQ Olhe, e onde é que os bezerros mamam? INF1 Pois é (...) no mojo (...) da mãe, nos tetos. Nos tetos (...) do mojo. (...) Alguns (...) é preciso lhe ensinar a pegar no tetinho e a metê-lo na boca. Mas é muito mais fácil, senhora, do que (...) tirar leite... Eu criei alguns... Não sabe? INQ Com garrafas? INF1 Sim. INF2 Alguns são muito tolos! INF1 Alguns são muito tolos!
FLF60
INF1 Na ponta dos galhos. INF2 Na ponta do galho tem rosca. INF1 (...) Umas ponteiras que têm umas roscas, vai-se enroscando (...) no galho (...) do animal (...) e mesmo é bom esses (...) que andam lavrando, não sabe?... INQ Pois, terem as pontas... INF1 Porque anda uma pessoa de diante e é mais fácil - ou mesmo pessoas que querem amarrar o galho de um no outro - tendo a ponteira. Segura melhor a cordinha para eles 'direm' ali juntinhos. INQ Pois.
FLF61
INQ E ordenham não importa em que sítio ou há um sítio especial, quando são muitas? INF (...) Não senhora. Pois a vaca estando acostumada a andar por fora, pára. Se é mansa ou está amarrada, pois pára ali para se ordenhar. Mas hão outras que não querem parar sem comida! Sem uma maçaroca de milho ou assim uma coisa, é! Tem que ter comida! E elas acostumando-se a ter a comida, não param!
FLF62
INQ Olhe, e o que é que se faz com o leite que se tira à vaca? INF Pois, há pessoas que fazem queijo para vender (...) e outras deitam na máquina para vender. Está ali um posto - não sabe? - que vai para a fábrica que está em Santa Cruz. Ele anda pelas freguesias ajuntando - aquele carro -, ajuntando o leite, que vai para o posto. Que eles fazem manteiga, fazem queijo - para mandar para fora.
FLF63
INQ Tiravam essa coalheira e o que é que faziam? INF O E que é que se fazia? Aquilo (...) lava-se bem lavado (...) e salga-se - está percebendo? Tem-se salgado uns dias e depois torna-se a lavar bem lavado (...) e põe-se em vinagre e mais uma coisinha de sal, dentro dum garrafão. Parte-se aos bocadinhos. Eu partia assim aos bocadinhos e punha depois de - já se sabe - de estar bem lavado. Punha-o no vinagre e botava-lhe mais sal; enxogalhava aquilo bem enxogalhado. O bom, quem tem o no frigorífico, aguenta muito tempo. E então, deitava mais uma percentagem do que não desse coalho da loja. Mas fazia o queijo a mesma coisa, com essa coalheira.
FLF64
INQ1 Até se chegar a ter uma linguiça, o que é que é preciso fazer? INF1 Sim. O que é que é preciso fazer? Pois, a gente, (...) mata-se o porco. Divide-se já... A carne que é para a linguiça já a retalham... (...) Há pessoas, hoje em dia, que já a picam no mesmo dia. Mas disso eu não gosto - está percebendo? -, no mesmo dia. A carne é retalhada já assim, quer dizer, que fica só presa. Mas a da linguiça já se põe de parte para se fazer a vinhada. Faz-se a vinhada, (...) deita-se uma percentagem de água: aí uns dez litros de água para um quilo de sal. Isso é o que eu faço... INF2 Ah, é a carne do porco, a da vinha-de-alhos. INF1 É, é. Que a senhora agora quer saber isso da linguiça. E esses dez litros de água para um quilo de sal. Se são vinte litros de água, pois são dois quilos de sal. Mas sempre a gente deita mais uma coisinha, quem quer. O meu gosta sempre dela mais uma coisinha salgada, pois já se sabe que ela tem melhor sabor e para não se estragar. E deita-se (...) numas selhas grandes. Numas selhas desses 'barriles' (...) INQ2 De vinho. INF1 de vinho. Divididos ao meio dá duas - está percebendo? -, que é melhor depois de a gente mexer. E põe-se ali o alho, o sal; (...) pode-se deitar também adubos, cominhos e jamaica, que dá muito gosto (...) à vinhada. INQ1 Tudo pisadinho, não? INF1 Sim, tudo pisadinho. Os alhos também pisadinhos. Os que a gente lhe parece! Também não precisa agora de muitos! (...) E ali bota-se (...) a carne. INQ1 Jamaica. Isso era um segredo. INF1 Bota-se a carne ali, naquela água, a ela (...) não ficar muito encostada - não sabe? -, a ficar a se poder mexer bem. Ali fica a água, dois ou três dias. Há pessoas que matam hoje e como a depois de amanhã já fazem. Mas a gente gosta de estar mais um dia ou coisa assim. Depois, tira-se a carne para fora - a carne já está adubada! -, tira-se a carne para fora (...) e deita-se a escorrer. Pica-se então... (...) Já está aquelas tirinhas - não sabe? - que se fez já ao jeito de se picar. INF2 São bocadinhos assim. INF1 Bocadinhos, quanto mais miudinhos, melhor. A gente, depois de ela toda picada, torna-se a juntar toda ali. Ainda se caldeia mais uma coisinha de adubos, para aquela que teve o traço, que não teve adubos, ficar toda bem adubadinha (...) e está pronto a encher. As tripas do porco, então, as que são da linguiça são mais estreitas. Que a gente também faz morcela! Mas não quer saber agora da morcela, é da linguiça, não é? INQ2 Primeiro é da linguiça. INF1 Sim. Depois, então... Antigamente, não havia máquinas de fazer linguiça - está percebendo? -, mas hoje já há. INQ2 Não, mas antigamente como é que era? INF2 Era nuns 'funiles'. INF1 É. Quer saber é antigamente. Era uns 'funiles' que se metia (...) a ponta da... Aquilo era (...) assim como um canudo, mas largo por cima. E metia-se aquele canudo na tripa. E lá se 'dia' tirando da carne e botando aí. Levava muito tempo! - para se fazer a linguiça, passando pela linguiça toda. E enchia-se a linguiça e depois... INQ2 Toda inteira? INF1 Toda inteira. Toda inteira não! Escute! INF2 Aos quatro metros. INF1 (...) Era partida em quatro, as linguiças do porco. Desculpe de eu não lhe ter dito no princípio mas não me veio à ideia. INQ2 Não faz mal. INF1 Partido em quatro ou partido em seis, conforme as pessoas querem. Que não se podia encher toda (...) - já se sabe que não. Porque, às vezes, ela chega mesmo a arrebentar mas é quando é muito cheia. E, então, pica-se para aquela moira sair. Pica-se a linguiça bem picadinha, dum pico a modo duma agulha (...) ou como a gente tem... E pica-se bem picadinha que é para sair (...) aquela moira - está percebendo? -, para sair aquela moira toda. E depois de a linguiça estar pronta, 'enxuta-se' bem enxutinha e pendura-se nos paus. INQ2 Que tamanho é que tem uma linguiça? INF1 Como é que tem uma linguiça? INQ2 Que tamanho? INF1 Pois olhe, há-de ter aí uns dois metros, dois metros e meio, coisa assim. Põe-se em quatro, presa no pau - em quatro (...) ou em cinco, como a gente vê para ficarem todas ao nível. E pendura-se, então, onde se quer fazer o lume. Faz-se o lume por baixo delas. No primeiro dia ninguém as põe assim, porque se for com muito lume, elas arrebentam todas - escacham. É preciso ser só à maneira que a gente vai vendo. E vão-se virando no pau. Têm-se aí, aí uns quinze dias. Sempre todos os dias a fazer lume, a virá-las dum lado e doutro, para ela curar bem curadinha - a linguiça. E depois, quando a gente vê que a linguiça que está bem curadinha, tira-se para fora, lava-se bem lavada - já se sabe -, que ela tem muito fumo. (...) E então, 'estrala-se' em graxa; ou há pessoas que guardam na caixa - também podem-na guardar assim. Há pessoas que também (...) que a guardam sem a 'estralarem': botam-lhe a graxa, então, bem fervendo - a banha - bem fervendo, em cima. E aí está a linguiça para todo o ano.
FLF65
INF1 A morcela? Quer saber agora da morcela? Pois a morcela é aquelas mais grossas. São aquelas mais grossas. A gente apara-se o sangue do porco. Põe-se numa... INF2 Primeiro apara-se o sangue. INF1 Primeiro apara-se o sangue. Homem, já disse! (...) Ali numa vasilha, já se tem cebola picada e refogada. Sendo com cebola de casco, não precisa refogá-la. Mas sendo com rama, (...) é melhor refogá-la. Fica melhor (...) a cebola. (...) E já se tem ali numa vasilha. E caldeia-se o sangue. Caldeia-se tempêros: cominho, jamaica, noz-moscada - ali. Arroz, também se deita arroz - e banha. Com mais uma coisinha de banha elas são mais saborosas. Banha... E há pessoas também que deitam carne, não sabe? - picadinha também faz saborosos. Também uma mancheia de salsa, se pica uma mancheia de salsa. E ali está as morcelas a encher. Ora, a morcela, a gente 'faze-as' mais pequeninas que as linguiças, que é para se tirar do caldeirão. Faz-se mais pequeninas, amarra-se duma ponta e doutra a morcela e enfia-se nuns cordõezinhos ou numas espadanas para meter no caldeirão grande, que é para se tirarem melhor para fora. Não se está ali a revolver nelas. E vão ali a cozer. Quando a gente vê que ela que já larga a pelinha... Ah, e também se deita as mãos e os pés do porco, juntamente. Porque são mais saborosas - não sabe? - se for a cozer com a morcela a mão (...) INQ E o pé do porco. INF1 e o pé do porco. São mais saborosas se for ali a cozer com a morcela. E quando a gente vê que a pele - a pelinha - já arrepelou da morcela, quando já há tempo que elas estão a cozer, estão cozidas. Que elas também é para elas não desfazerem. Tiram-se a ferver para fora, que são (...) melhores assim. E pronto. E depois, é fritá-las. Há pessoas que gostam delas quando saem do caldeirão, já as comem assim. E depois fritam-se. Então, a morcela - não sabe? - não é como a linguiça. Não tem aquele cheiro que a linguiça tem. A graxa da morcela (...) não há-de fritar linguiça ou a da linguiça... A da linguiça pode fritar morcela mas a da morcela... Eu muitas vezes quando frito morcela, deito a graxa fora - está percebendo? -, que tem outro gosto. Mas está muita gente que gosta de morcela. INQ Pois, pois. INF2 Já tem outro sabor.
FLF66
INF A minha filha já criou em casa. Que a minha filha tem cinco porcas, que ela cria. (...) E alguns, a mãe ou não tem peitas bastantes para o filho mamar - o bacorinho - (...) ou não os quer e é preciso eles... Com uma chucha, chegam (...) a se criarem em casa.
FLF67
INF1 Antigamente, senhora, eles 'diam' levar os porcos ao mato - não sabe? -, quando era concelho. Levavam a marrã e levavam os bacorinhos. E ela, a mãe, é que os sustentava - a bem dizer -, que foçava raízes de feitos que comia - está percebendo? Eles 'diam-nos' buscar já grandes, já a modos de vender. Mas hoje em dia, não se pode fazer isso porque está as estradas... INQ1 Pois, mas ficavam lá os bacorinhos com a mãe? INF1 Ficavam lá. Ficavam lá. Eles faziam-lhe uma furna ou um lugar e ensinavam, então, uns dias, (...) à porca - à marrã -, INQ1 A ir para a furna. INF1 à porca 'dir' para a furninha. E ela 'dia' ficar na furna com os bacorinhos e quando amanhecia... Eu lembra-me isto que o meu pai - Deus o tenha no céu -, minha mãe contava que ele tinha porcos no mato, que os 'dia' buscar... INF2 (.../VB) um lugar no fundo dum 'eiraço' , cortavam junco com a boca e amontoavam, faziam (...) uma coberta grande num monte - e metiam-se debaixo daquilo para estarem à abrigada. INQ2 Mas eles próprios faziam, os porcos? INF1 A porca é que fazia.
FLF68
INF (...) Alguns anos convida-se os vizinhos. Mas, hoje em dia, já eu tenho os meus genros e o meu filho, é que a gente é que arranja.
FLF69
INQ Olhe e, e, portanto, é a mulher que fica a aparar o sangue? INF É, sim senhora. INQ E como é que ela faz para o sangue não coalhar? INF Ela mexe muito no sangue - não sabe? INQ Com um pau? INF É. Com uma pá, mexe, mexe... INQ E onde, onde é que apara o sangue? INF Às vezes, é num balde. Outras vezes, é num alguidar. É conforme a pessoa quer. INQ E põe alguma coisa para o sangue não coalhar? INF (...) Aquele sangue depois é coado - não sabe? - por um pano ralinho. INQ Mas, portanto, não põe nem sal, nem vinagre, não põe mais nada? INF Põe. Põe o sal antes de ir aparar - está entendendo? INQ Ah, no fundo do, do coiso. INF No fundo. INQ Sim. Põe lá o sal e depois apara o sangue e mexe. INF Pôs lá o sal e depois apara o sangue (...) e mexe. E depois, então, já se tem a cebola - a cebola das morcelas - que se deita logo o sangue na cebola - está percebendo? (...) . INQ Enquanto não coalhou? Ou já está coalhado? INF (...) Ele já não coalha, ele sendo - não sabe? - deitado logo. Se a cebola está (...) da caixa ou do frigorífico, está bem fria, aquele sangue é coado e deitado lá. INQ Mas é coado para quê? INF Pois, é que - sabe? - sempre o animal tem escumas; faz escumas no sangue; às vezes, vêm espumas no sangue. E aquelas espumas ficam por cima (...) do pano. Toda a gente coa o sangue. INQ Ai é? INF É, sim senhora.
FLF70
INQ E os homens continuam ao pé do porco? INF Os homens continuam ao pé do porco. Quando o porco está ali que já não mexe - eles vêem-no nos olhos e coisa que o animal já está bem morto -, eles acendem-lhe a... Agora já é com o maçanico. INQ Pois. Mas acendiam a carqueja e raspavam. INF É, sim senhora.
FLF71
INF1 Nalgumas freguesias já não penduram e não se abre - Não sabe? - o porco. Mas, quando o porco é mui gordo, a gente gosta de lhe ver o toucinho e tem três paus que põe ao alto. Ainda o meu há-de ter os três paus ali... INF2 Com um bocado de corda prende pelo focinho e amarra-se aqui em cima e os paus são assim esgalhados em baixo. INF1 E então, por trás do porco, por cima da suã do porco, lascam-no de cima a baixo, que é para se ver o toucinho. INQ1 Espere mas ele fica de cabeça para cima ou para baixo? INQ2 Deixa ouvir. INF1 É com a cabeça para cima. É pendurado pelos queixos. INQ1 Que enfiam naqueles paus. INF2 Pelo lombo abaixo. INF1 Que enfiam naqueles três paus que estão para o ar. Aqui, na Fajãzinha, muitos fazem assim. Agora, noutros lugares, eles já não o penduram. Retalham mesmo logo em cima da mesa, após lhe tirarem as tripas e ele estar lavadinho. Eles tiram-lhe as tripas mesmo sobre a mesa. Quer dizer, (...) retalham mesmo sobre a mesa. INQ2 Mas senão, penduram-no. INF1 Senão... INQ2 E depois, aquela coisa para ver a, a gordura do porco, a altura da?... INF1 (...) A altura (...) do toucinho. É. Porque - a senhora sabe? - antigamente havia mais porcos com mais toucinho do que não há hoje. Hoje já não há qualidade de porco que tenha muito toucinho. Têm mais carne do que não têm toucinho. INF2 Hoje é de carne.
FLF72
INF Espera aí que a senhora quer saber agora como é que se faz a caçoila. Olhe, eu vou-lhe explicar como é que faço à minha moda. INQ À sua moda. INF Sim. O fígado não há-de ser lavado para a caçoila ser boa. Não se lava o fígado. Pica-se miudinho, pica-se o coração, (...) ajunta-se mais uma coisinha de carne, também, e uma coisinha de toucinho. Está ali bem picadinho num alguidar. Deita-se tempêros: cominhos, jamaica, alho, bem picadinho, miudinho. Tem-se ali... Eu vou-lhe dizer como eu faço; há pessoas que não hão-de fazer assim. INQ Não mas interessa-me é como a senhora faz. INF É. Sim. Pico ali, miudinho, umas três, quatro cebolas - quanto mais uma coisinha, melhor. Roso, bem rosadinho. Depois de aquilo estar rosado, se tenho polpa de tomate, junto-lhe, se tenho tomate, junto-lhe. Junto-lhe vinho branco - não sabe? - a fazer o molhinho. E aí caldeia o que tem picadinho. Mas deixo estar então - que eu esqueci-me de dizer -, deixo estar ali coisa duma hora, que é para aquilo tomar o gosto dos tempêros.
FLF73
INQ Sim senhora. INF1 (...) Hão pessoas... Até, mesmo (...) dentro da mesma ilha, uns chamam duma maneira e outros doutra. INQ É. INF2 É.
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INQ1 Se tiver dois cavalos? INF1 Tem dois... Ó Amélio, se tiver dois cavalos, como é que se diz? INF2 Dois cavalos? INF1 Sim. É uma junta de cavalos? INF2 São dois cavalos. INF3 É dois cavalos, para puxarem um carro, não ? INQ1 Nunca lhe chamam uma parelha de cavalos? INF1 Não senhora. Sabe aqui costumam pouco. É. INQ2 Pois é. Aqui não há cavalos pois não? INF1 Cavalos, hão... INF3 Hão. Já houve mais. INQ1 Há um cavalo. INF1 Eu acho que sim. INF3 Mas ainda hão.
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INQ1 E quando eles se deitam na erva e que... INF1 Estão-se rolando. INF2 Estão-se rolando. Rebolando. INF1 Eu, olhe, eu, disse-me uma pessoa aqui para trás que aqueles 'animales' que têm que se rolar. Que o que não se rola que não vive. Que é meio sustento daqueles 'animales'. INQ1 Ai é? INF1 Já tinha 'ouvisto' também? INQ1 Não. INF1 Nunca tinha 'ouvisto'? INQ2 Já, já. INF1 Já? Olha, aquela senhora já tinha 'ouvisto'. INQ1 Nunca tinha ouvido.
FLF76
INQ Olhe, e quem é que faz esses trabalhos de fazer os cestos? INF1 Isso qualquer... Estão muitos que fazem. INF2 Isso, isso, ele já fez, ele já fez muitos . INF1 Que eu também já cheguei a fazer. Daqueles que estão ali no meu palheiro, (...) são feitos dele pela minha mão; e outros, é esse rapaz. INQ Ai é?
FLF77
INF1 Oh senhora, nesta freguesia, as mulheres trabalham mais do que os homens. INF2 Oh, oh, oh, oh! INF1 Aqui na Fajãzinha, as mulheres eram umas escravas. A senhora quer saber? Eu morava ali na Cuada. Ora a gente éramos pobres. O meu pai morreu - Deus o tenha no céu - a gente éramos pequeninos. A gente tinham falta de dar dias. Dar dias. Vinha-se ajudar porque a gente chegava (...) a meio do ano (...) já não se tinha nada para comer - já não se tinha milho. E vinha-se dar dias - vinha-se ajudar a juntar batatas - a essa gente, aqui à Fajãzinha. INF3 Oh, coitadinhos ! INF1 E 'dia-se' buscar camas de musgo ao mato. 'Dia-se' apanhar musgo no mato - está percebendo? -, para se vender. Uma cama de musgo era um alqueire de milho! INF3 Oh, sim . INF1 Ainda fazia muito bem! INF3 Ainda! INF1 Mas uma cama de musgo, era preciso quatro sacas (...) destas grandes cheias de musgo bem acalcadas - para uma cama! INF3 Oh (...) sim senhor. Sim, sim, sim. INF1 (...) E havia essas mulheres... Aqui trabalhavam muito noutros anos. INF3 Muito! INF1 Oh grandeza, elas acartavam sargaço de lá debaixo do calhau, coitadinhas, que era para trazer para o estrume para as terras - está percebendo? -, para botarem nessas terras mais aí em baixo do Moldinho. Que o sargaço é estrume bom para batatas! INF3 É mui bom! INF1 (...) Eu dizia: "Oh, pobres das mulheres da Fajãzinha, são umas escravas, coitadinhas! O que elas trabalham"! Elas 'diam' ao junco para o mato. Elas 'diam' ao leite para o mato - tinham o gado no mato -, era preciso 'dir' de manhã cedo ao leite. (...) INF3 Quatro horas, no Verão! INF1 Às quatro horas, no Verão, que elas 'diam' ao leite! E eu dizia assim: "Jesus, (...) eu nunca queria ser da Fajãzinha"! Mesmo não gostava! Olhe, a gente não pode dizer... INQ Foi onde veio parar! INF1 É verdade! A gente não pode dizer nada neste mundo. (...) E aqui é que estou há quarenta anos! INF2 E muitas vezes estavam apanhando os 'xemenos' ou o musgo nas terras (...) - nas relvas -, chegava o lavrador e corria com elas.