GRJ01
INF Tudo isto que vê é antigo. Isto aqui tem sido sempre de renda. Agora já não tenho... Depois merquei marquei metade. Um irmão meu mercou marcou outra metade. INQ1 Sim. INF Agora já falei com ele, para ele me mercar marcar a outra metade dele. Agora eu quero ver se componho... (...) Já fiz ali um palhal. INQ1 Ah, portanto, já é seu? INF Agora já é. Já é meu... INQ1 Ah! Ainda bem. INF Ainda não está documentado... INQ1 Pois. INF Só ainda está metade documentado no meu nome. INQ1 Ainda bem. INF (...) Mercou-se Marcou-se . Bem, o dinheirito que havia gastou-se todo e pronto. Depois já ganhou-se mais algum, já fiz ali aquele palhal. Vinte e sete contos, um o palhal que ali está. Não tinha arrumação nenhuma esta... Este moinho não tinha arrumação nenhuma. INQ1 Pois. INF Os covis que ali vês (...) já os fiz eu; aquele palhal já o fiz eu (...) . INQ1 Mas, dantes, antes, assim..., era, era o seu pai que estava cá? INF Não, não. Isto era de renda. Isto era de... Isto em primeiro era (...) do Granjal. INQ1 Sim. INF Do capitão do Granjal. INQ1 Ah, pois. INF De uma casa que lá há que chamavam os... INQ1 Os Emaús? INF Os Emaús é outros. INQ1 Ai, é outro. INF O moinho do Emaús é lá abaixo à ponte nova. INQ1 Ai é? INF Aquele que está na ponte nova lá abaixo. INQ1 Ah! INF Esse é que é o moinho lá dos Emaús. Estive lá eu dezanove anos com quatro meses nesse moinho. INQ1 Com quatro moleiros? INF Dezanove anos com quatro meses. Meses. Quatro meses. INQ1 Ah, meses, ah, sim, está bem, está bem. INF Exerci lá dezanove anos com quatro meses. Depois acrescentaram a renda e eu um ano ainda paguei. Por causa de não ter para donde ir. Assim que me saiu este moinho à mão... INQ1 Ah! INF Mudei cá para cima. INQ1 Muito bem. INF Cá estive depois uns anitos de renda. INQ1 Pois. INF A pagar cento e vinte medidas. Todos os anos, cento e vinte medidas. INQ1 Pois. INF Depois de lá juntar algum tostãozito, o patrão quis vender, merquei metade e disse a um irmão meu para entrar a outra metade. INQ1 Pois. INF Que eu não tinha dinheiro para todo, não podia mercá-lo todo. Disse a um irmão meu: "Olha" - que anda na França, esse tem muito dinheiro já - "Olha, (...) se quiseres mercar metade do moinho, eu também mercava outra metade". "Então, se quiseres mercá-lo, merca". INQ1 Claro, claro. INF Disse-me que o mercasse, que ele que entrava a dar metade do dinheiro. INQ1 Confiou... INF (...) Depois, pronto. Lá combinámos os dois, (...) mercou-se e documentou-se em nome dos dois. Agora já tenho outra vez mais um tostãozito, já lhe disse a ele (...) para me mercar a outra metade. INQ1 A outra metade. INF Pronto, já lha merquei, vá, agora . INQ1 Claro. INF Está mercada, só não está documentada. Quero agora, em calhando, documentá-la. Já lhe dei o dinheiro, só falta... INQ1 Pois. INF Só falta agora pagar depois a sisa e mais nada. INQ1 Mas e, e... INF Documentá-lo, quer dizer... INQ1 Mas tem algum filho que depois continue e que esteja a aprender? INF Tenho aí um garoto, mas ficará depois ... INQ1 Mas acha que ele quer? Ele quer? INF Ainda é pequeno também, mas... INQ2 Ele, se calhar, ainda é pequeno. INQ1 Ainda é pequeno? INF Ainda é pequeno. Tem treze anos. Tem andado na escola. Mas na escola não aprendem nada. Não aprendem nada quase. Andava na terceira classe mas pouco sabe. Aprendeu pouco. Agora ainda... Depois ainda tornará a ir mas não chega a fazer exame. Não aprende. INQ1 Rhum-rhum. INF Pronto. Ele agora no outro dia até partiram-lhe uma perna. Tem estado no hospital. INQ1 Ai é? INF Veio agora há pouco tempo. INQ1 Porquê? Na estrada, foi? INF Foi uma mota contra outra. Ele ia numa mota com um genro meu. Que eu já tenho duas raparigas casadas. Depois ia numa mota com ele, que ele, lá o meu genro ia fazer uma casa e ele ia-lhe ajudar a trabalhar. Para lhe chegar a massa e os blocos e tal. INQ1 Pois. INF Afinal de contas, no primeiro dia, logo no primeiro dia, foi logo atropelado, pronto. Seguiram logo para o hospital. Agora já anda a fazer a casa, já tem feito as paredes (...) . Mas o meu garoto já lá não foi ajudar nada mesmo. Já ajudou tudo . INQ1 Claro. INF Ainda lhe agora dei quatro pinheiros ali na mata para ele serrar aí para madeira, para ele lhe pôr em caibros e isso. INQ1 Pois.
GRJ02
INQ1 Ó senhor Emanuel, desculpe lá, torne-me a dizer o que é que é preciso para fazer um portão. Para fazer uma porta. INF Uma porta? Quantas pedras são precisas? Vou-lhe já explicar. Primeiro é uma soleira; uma. INQ1 É a que se põe em vão? INF É (...) adonde assentam os próprios 'estanques' para formar o portal. Primeiro, a soleira; segundo, é um tranqueiro de cada lado. São logo três peças. A seguir, leva uma agulha dum lado, - (...) são quatro -, outra do outro lado, são cinco. INQ1 A agulha é aquela alta e estreitinha? INF Não, não, a agulha... O tranqueiro é isto. Olhe, eu vou-lhe explicar. Esta é a soleira. Pronto, aqui é o portal, como é este portal. Aqui leva um tranqueiro, pode ser dum metro. E aqui leva outro, não é? INQ1 Também dum metro? INF Outra vez dum metro . Aqui por cima, a parede caminhou para ali e para ali. INQ1 Pois. INQ2 Sim. INF E então dali veio uma pedra grande - chama-se aquilo uma agulha - que vem (...) pousar em cima deste tranqueiro. INQ2 Ah! INF E outra dali para cá. E depois por cima (...) desta agulha, leva outro tranqueiro. Quer dizer, leva outra pedra ao cimo , conforme o portal. INQ2 Pois. INF Pode ser de dois metros e meio, INQ2 Sim. INF pode ser de dois metros e vinte. INQ2 Rhum-rhum. INF E, então, procura-se a pedra própria. Ora, leva mais outra de cada lado. Portanto, leva duas, três, quatro, cinco, seis, sete. INQ1 Três, quatro, cinco. INF Para formar. E depois ainda leva mais duas, que é a toça e o 'escação' . (...) O 'escação' , quer dizer, depois a toça vem assim aqui, não é? INQ1 É essa que está por cima? INF Portanto, no portal. INQ2 Portanto toça é a mais grossa de todas, não é? INF É, é. É a que torceou. INQ2 Pois. INF Que fez o portal, formou o portal. INQ2 Sim. INF Para a gente entrar. Por a parte de fora, tem um rasgo , que é para bater a porta. O batente da porta. INQ1 Pois. INF É feita (...) em rasgo em pedra. E daqui por dentro, tem uma pedra também do mesmo tamanho, mas que é donde a porta passa para bater no batente da frente. INQ2 Pois. INF Portanto, leva (...) uma, duas, três, quatro, cinco, seis, sete, oito, nove pedras. Tem de levar nove pedras para segurar um portal.
GRJ03
INF É uma ombreira. INQ1 Olhe, e a pavieira, o que é? INF A pavieira? A pavieira é a toça. INQ1 É a toça? INF É a toça da casa. É aquela comprida que atravessa o tecto - dum lado ao outro, não é? Depois vêm os caibros dalém para cá, poisa tudo em cima dele. Bom, é isto. INQ1 Sim, sim. INF É esta trave. Pronto, assim isto. (...) É uma trave. Agora vêm caibros dali poisam aqui; as traves que forem preciso dali, voltam a poisar aqui. E depois por cima leva ripas e depois é que leva o telhado. Que é para se formar uma casa. INQ2 Claro. INF Então eu sabia disto, tinha-lhe explicado tudo isto.
GRJ04
INQ E quando vem assim uma chuvada muito forte, muito forte e depois pára? INF Pois. Depois (...) chamam aquilo trovoadas. Trovoadas. E toca o trovão! Às vezes, uns trovões muito fortes que andam umas trovoadas... Outras vezes os relampos. Vêm aqueles relampos, parecem que até alumiam! E até a gente tem medo! Outras vezes dizem que até (...) caem pestes (...) com aquelas trovoadas. INQ O que são as pestes? INF As pestes são coisas que às vezes caem nos pinheiros (...) e racham, e abrasam. INQ Só se chama assim? INF Só, chama-se... Chamam àquilo pestes. (...) E depois caem aqueles... Chamam (...) aquilo pestes que caem (...) no coiso, é tudo da trovoada. É tudo das trovoadas. INQ Olhe, quando se está a ouvir o trovão, diz-se que: "Olha, já se... Já começou a"?... INF O trovão. Já se começou o trovão. Depois a gente diz: "Magníficas"! A gente depois diz: "Magníficas"! INQ Como é que diz? INF Diz... A gente diz: "Magnífica"! (...) Tantos deles, todos fortes, assim! Aquilo metem medo! Quando vêm estas trovoadas fortes, metem medo. Aquilo, a gente até treme! E depois se vem umas trovoadas, (...) quando vêm aquelas trovoadas, dão aqueles relampos que alumia tudo. E a gente tem medo. Olhe, eu tenho bem medo disso. Tenho bem medo. INQ E não rezam nada? INF Rezam. Umas vezes rezam. Quando vem aquelas trovoadas é: "Magnífica"! Ainda diz mais coisas, mas eu, às vezes, agora ainda não sei . (...) Ainda não sei bem feito. (...) E assim.
GRJ05
INQ Olhe, mas a senhora quando ouve falar alguém de, sei lá, de Viseu, a senhora vê logo que é de Viseu ou não? INF Não, eu não vejo nada. (...) Não diferenço. INQ Não diferença? INF Não diferenço. Não diferenço. Aqui só se diferença mais, por exemplo, alemães, que não falam como a gente, não é? Mas aqui nem vêm os alemães. Os que vão daqui para lá também, lá falarão duma maneira e aqui, vêm, falam doutra. O que é crianças (...) que estão lá habituadas na França e assim, já lá vêm para aqui, já falam às vezes diferente. Já não é como nós aqui. O mais, Mosteiro e por aqui estas terrinhas por aqui, é tudo na mesma. INQ Mas, por exemplo, quando eu chego cá e começo a falar, a senhora sabe que eu não sou de cá? INF Pois, sei que a senhora que não é de cá porque a não conheço. INQ É só por isso? INF É só por isso. O mais a senhora fala na mesma como nós aqui. Risos O meu filho é que já esteve na Alemanha. Já esteve na Alemanha uma 'fartada' de anos, uma porção de anos. Já. Esse já lá esteve. E já sabem mais coisas (...) e percebem mais coisas do que a gente aqui. Eu nunca saí daqui. Eu nunca saí daqui. A gente aqui... A senhora sabe que a gente aqui é uma bruta. INQ Ah! Risos INQ É agora! INF E da minha idade mesmo... E da minha idade, mesmo quem não sabe ler, é uma brutinha! É. INQ Não é nada! INF E há muitas coisas já me passaram. Muitas coisas esquece-me. Esquecem-me. E mesmo cantigas. Eu sabia cantigas, eu dançava, eu tudo. E agora tudo já me esqueceu. Tudo já me esqueceu! Tudo já me esqueceu! Passa o tempo e a gente, olhe, a cabeça já não... Já nem regula. Apanha a gente já assim . A gente agora só já vive mas é arreliada e sabe Deus como! E sabe Deus como!
GRJ06
INF Eu ainda hei-de perguntar à Elsa. Porque era: aquele livro tinha muitas histórias antigas. Parece que era: chamavam-na a Dona... Nem sei que nome. Agora já nem me lembra! Estava a filha... Estava a mãe sentada à porta. Nem sei como é que a ele chamavam. Eu hei-de perguntar à Elsa se lá tem no tal livro. Antigo! A minha tia lia aquelas histórias. Lia aquelas histórias, uma coisa muito bonita, não é? E depois a filha estava (...) ... A mãe estava assentada à porta. Chegou um passageiro e pediu pousada. Pediu pousada mas combinou com a mãe da moça para lhe dar a filha. E ao outro dia... (...) A mãe combinou com ele (...) para a filha lhe ir ensinar o caminho. Ao outro dia levantou-se e disse: "Pega, minha filha, na roca e no linho, vai com o triste cego ensinar-lhe o caminho". A moça pegou na roca e foi ensinar o caminho ao cego. Lá chegou uma certa altura que lhe disse ela assim: "Agora, já fica o caminho... O caminho já está seguido. Adiante cego que lá vai o caminho". E ele disse-lhe assim: "Ande cá menina até mais além, sou curto de vista, não vejo bem". A mocinha foi até mais além. Quando viu que ela que já não podia tornar para trás, que já não lombrigava a casa da mãe, ficou a ver - pois ele não era cego; ele tinha combinado com a mãe (...) para lhe dar a filha. Afinal, lá ficou. Lá foi a moça. Depois dizia então: "Adeus minha mãe, adeus (...) meu palácio, foi uma ingrata para mim"! Porque foi à falsa. Foi falsa à filha. E depois nunca mais viu a mãe. Também é fraca mãe, não era verdade? INQ Então não era?! INF Sem combinar com a filha, nem nada, (...) e: "Pega, minha filha, na roca e no linho, vai com o triste cego ensinar-lhe o caminho". A mocinha fez o que a mãe lhe mandou. Quando chega lá longe, ela disse-lhe: " Adiante cego, lá vai o caminho"! E ele disse-lhe: "Ande cá menina até mais além. Sou curto de vista, não enxergo bem". Porque ele lembrava-se que ela que tornava para trás. Depois já não tornava que depois já não sabia e ele lá a agarrou, lá foi. Afinal das contas que a minha (...) ... Eu hei-de ir a casa da Elsa e hei-de perguntar-lhe se lá tem esse livro. Que é um livro muito antigo e tinha muitas histórias bonitas. Eu hei-de lá ir. Hei-de lá ir a casa da Elsa. Porque a minha tia tinha lá aqueles livros na mesa e depois ela, quando a tia morreu, ela... A irmã deu-lhe a mesa, consoante o que lá havia, lá levou (...) para o irmão. Ele lá levou e se lá tem esse livro, que não deram por lá cabo dele, eu hei-de-lhe pedir. Porque tem coisas muito antigas! INQ Está bem. INF Eu hei-de lá ir. Se calhar até vou por ali. Vou por ali, vou lá a casa dela. Eu vou lá a casa dela. E procuro-lhe. Se ela lá tiver o livro, porque era (...) um livro com... A minha tia, pronto, é como ela. Lá se entretinha, lá lia (...) aqueles livros antigos, aquelas histórias, não é? Agora eu nunca li. Lia... Eu lia mas ele depois assim que me casei depois já não tinha vagar - não era? -, não tinha vagar de ler, nem coisíssima , nem escrever. Deixei esquecer tudo. O mais, eu aquilo sabia ler e escrevia e aquilo. Mas depois a minha vida era trabalhar, trabalhar, trabalhar. Pronto, lá esqueceu tudo. E minha tia lia aqueles livros. E ela também. Porque ela também lia e, tudo aquilo, sabe-as. Eu é que não. Mas eu vou-lhe lá. Se lá estiver o livro, ela dá para cá. E depois lêem e já sabem. Eu vou-lhe lá. INQ Está bem. INF Eu vou lá.
GRJ07
INF1 Um livro... INQ Do quê? INF1 (...) De como foi principiada a aldeia do Granjal. INF2 A aldeia do Granjal? Ah! INF3 (...) A Justina... INF1 Parece-me que o tem o Eugénio Faísca. INF3 A Justina é que tem até do princípio do Menino Jesus. INF2 Ah! INF3 Não sei se o levou para o Brasil... INF1 É o princípio do Granjal. A primeira casa que cá houve foi aquela casa lá em cima, porque até sabiam porque era donde dom Miguel montava as peças . INQ Sim, sim. INF1 Uma casa alta, com um pátio muito alto, que já está desmanchado. (...) A segunda foi a casa da dona Elisete. Era da dona Elvira. Foi a segunda casa. INF2 Olha, tia, uma como a tia Élia . Esta é que sabe, canções antigas, não é? INF3 Olha que não sei muita coisa, não. INF2 Faz como que ... INF3 Devia ser um colégio. Aquilo devia ser um colégio. INQ Olhe, andou na escola? INF2 Eu andei, sim. INQ Que classe tem? INF2 Ah! Eu tenho poucas classes. Só cheguei à terceira classe mas tinha muitos irmãos. Tinha muitos irmãos, (...) tive que andar com eles ao colo. Ajudei-os a criar a todos. Eram oito. Eram oito, seis... O mais velho não andei com ele. Mas dava-me tanto belisco, tanto belisco! Era tão velhaco, tão velhaco! E a minha madrinha era brasileira. Estava cá. A tia Élia conhecia-a, que era Alzira. O Linho-Fino. Chamavam-na Linho-Fino. INF3 Sei, sei. Até vivia lá... Vivia lá em São Paulo. INF2 Ela vivia numa casinha que era agora da minha comadre, da Ema, a Emídia. E estávamos todos à lareira. Todos. Daí a nada, pimba! Já tinha um belisco, que eu só dizia: "Ai"! O meu pai dizia assim: "Mas que rapariga que bem ele não chega, dá cada grito que eu sei lá"! E eu dizia assim: "Então pois ele beliscou-me"! "Ai, olha que ele não te beliscou". E ele dizia: "Olha que eu não te belisquei"! "Mas beliscaste"! Minha madrinha sentia os gritos e eu já estava tão coisa com ela, e sentia os gritos, chegava (...) ao pé da porta e dizia assim: "Ué"! Ela dizia-me assim. "Ué! Quem bateu à menina? Quem bateu a menina"? E eu dizia-lhe: "Foi ele que me beliscou". "Ai foi ele que te beliscou"? Timba, timba! Dava tantas, tantas! Ele levava muitas vezes... Corte na gravação INF3 Era o Emiliano ou o Emílio? INF2 O Emiliano. Era muito ruim, o meu irmão! Faltava muita vez à escola, pois faltava. Eu só cheguei à terceira classe. Depois chegou-se a altura de sair, saí mesmo. Não sei nada. INQ Pois não. INF2 Não sei nada.
GRJ08
INQ Olhe, e já alguma vez foi ao mar? INF1 Ao mar? Só fui uma vez a Lisboa. Cheguei lá muito doente, muito doente! Quase nem vi nada. E depois, estávamos a entrar para a carreira já, e eu disse assim para o meu homem: "Vir a Lisboa e não me 'ensinastes' nadinha, que eu não vi nada"! E ele disse-me assim: "Anda cá que então ainda vamos ali numa corrida ver qualquer coisa". Que é que eu vi? Um vapor que vinha de Cacilhas para cá, e depois ficou ali empancado, empancou ali, e depois começou a sair as pessoas. As pessoas a sairem, a sairem, a sairem, que vinham para o trabalho para Lisboa. E vi assim lá umas coisas altas, diziam que eram (...) navios, que estavam lá parados. Não sei se eram nem se não, mas eu vi pouco. E o que vi passar lá, que eu gostei muito, foi: muitos cavalos, muitos cavalos, com muitos homens vestidos assim desta cor - como essa blusa da senhora -, com uns chapeletes grandes, com umas - pareciam umas espingardas... Um com uns colares muito grandes - não sei o que era aquilo. Aquelas tropas! Muitos! Tum, catumba, catumba! Catumba com os cavalos! Pumba, catrapumba! Catatumba, catatumba, catatumba! E eu disse assim: "Ai, Nossa Senhora caiu a que é ele guerra! Ai, que é que vem aqui? Vamos embora! Txihh"! Escapei-me lá para dentro da carreira nem quis ver mais aquilo. Não faz ideia, tia Élia, a tropa que era! Uma coisa que eu nunca tinha visto na minha vida e nunca mais vi aquilo. Não sei que era. E eu disse assim: "Ó homem"... "Ó mulher, deixa lá. Aquilo são"... Depois ele disse-me o que era. Ali assim. Olha, foi a coisa mais engraçada que eu lá vi. INF2 Era a guerra! INF1 Foi (...) aquela carreirona grande, grande, de cavalos muito grandes, muito bonitos. E aqueles homens muito bem preparados, muito bem vestidos. Ah! Metiam respeito! Digo-lhe mais uma coisa: que era de temer a gente. Ali homens de respeito, não é? Homens de respeito, homens...
GRJ09
INF1 Mas olhe que foi verdade. Isso é o que não foi mentira. Olhe, e depois fomos lá dormir... Assim, já há muito tempo, que eu não me dou nos carros, sabe? Não me dou. Cheguei lá (...) ... Fomos dormir a casa de um irmão que eu lá tinha. Ainda pior! Aconteceu-me outra pior! As melgas morderam-me lá toda. Morderam-me nos olhos, morderam-me na cara, morderam-me na testa. Olhe, não parava! De noite, roubaram-me a medalha do meu cordão. INQ Ah! INF1 Oh! Olhe que linda Lisboa eu fui a passeio . INQ As melgas? INF1 Fui lá passear. Não, (...) as melgas morderam-me. Não. Não é? Mas entrou lá um sujeito qualquer, que ele era meio... Hã? INQ Sim. INF1 Eu tinha a minha carteirinha pousada ali, a minha malinha... INQ Não faz mal. INF1 A minha malinha estava pendurada e eu tinha lá setenta escudos. Foi. Calhou não levar o cordão, que eu deixei-o em casa. Mas (...) eu levei - eram cem escudos -, 'destroquei', fiquei com setenta escudos. E comprei, não sei se foi um tercinho no caminho ou não sei o que foi. (...) E levava setenta escudos na carteirinha. INF2 Eu já chorei a rir. INF1 E levava a medalha... A medalhinha que até era da tia Emília, que Deus lhe perdoe, aquela medalhinha. INQ É isso é que... INF1 Mas (...) não tinha... Dum lado não tinha nada. E depois era para a mandar compor. Pôr-lhe lá o meu retrato e o do Eneias. Depois olhe, foram lá roubaram-me (...) a medalhinha e o dinheiro. Pronto, fiquei sem nada. Foi uma tristeza que eu sei lá quando eu dei conta daquilo. INF2 Foi o que tu passaste em Lisboa. INF1 É verdade. E depois lá fomos dormir, de manhã quando me levantei... Eu não parava de noite. Mordia-me, isto mordia-me a cara, mordia-me... Eu não estava bem nem em casa, nem em nada . "Ó senhor Júpiter, quem me dera daqui para fora de Lisboa. Estou cheia de Lisboa, já estou tonta da cabeça "! Olhe, eram só bolhas de água, que tinha na cara, nos olhos. Incharam-me os olhos. Depois meti-me na carreira, não saí mais da carreira, vim-me embora e vinha cheia... Olhe, estive aqui dois, três dias que ainda tive que ir ao médico. Ainda levei injecções. Por causa (...) daquilo que me lá mordeu (...) na cara lá na... Eu não via nada lá em Lisboa! E quê ? Não chamam melgas àquelas coisas?... INQ Sim senhora. INF1 Ai, como eu me lá pus! Foi preciso ir aqui ao médico, ainda levei umas duas ou três injecções. Então a cara, (...) até saía água a cair em fio! Só bolhas de água. Os olhos! Pois eu não parava de noite! Eu mordia-me, eu coçava-me; eu mordia-me... "Eh, mas que raio de Lisboa, como isto está!... Que é que para aqui há"? Fui lá para umas quintas, lá para trás... INQ Pois. INF1 Não sei lá. Foi o que fui a fazer a Lisboa. Foi o que vi em Lisboa. Olhe que eu não vi lá mais nada. Vi lá muita gente, e muitos carros, e pronto. E casas muito altas. Mas o que mais gostei foi daquilo. O que mais gostei foi (...) de vir o navio, ali ver passar aquelas pessoas, e então aquelas tropas. Isso é que eu gostei muito! Foi a coisa que eu gostei mais. Ele não me ensinaram mais nada! Pois então eu fui doente, eu não me dou nos carros. E que via umas tais coisas. Não vi nada, pois. Eu havia de lá andar um dia ou dois a ver tudo. Fomos, chegámos lá tarde; depois dormimos lá; depois viemos ao outro dia embora, só vimos uns civis , só. Na hora em que eu estava para vir embora é que vi aquilo, (...) quase mal.
GRJ10
INQ Olhe, e nas azeitonas, o que é que se põe? INF Louro. Louro... (...) Nas azeitonas, quando estão a curtir? Pomos-lhe cascas de laranja; outras vezes, bota-se-lhe um bocadinho de louro lá para dentro - loureiro, há muita gente que diz loureiro mas tu dizes louro -, para dentro umas folhinhas, e sal, e ficam assim a curtir. INQ Olhe, e quando está a lavar as tripas do porco, para fazer chouriças... Faz-se? Lavam-se as tripas? INF Lavam. E cá lavam-se as tripas. INQ Com que é que as lava? INF Com que as lavamos? Lavamo-las na água, e depois a gente despeja, (...) e depois já encheu o canelinho , depois a gente deita fora; quando estiver aquilo tudo despejado, a gente vira dum lado para o outro, o que está de dentro vira para fora, não é? Está-se bem lavadinhas. E há pessoas que lhe põem sabão, e esfregam-se de cima duma pedrinha, bem esfregado. E há outras pessoas que nem põem sabão, porque têm medo de romper as tripas. Mas com um bocadinho... INQ Não me diga que não se esfregam com ervas nenhumas? INF Com ervas nenhumas, não. Não. INQ Não. INF Não se esfregam. Aqui não costumam esfregar.
GRJ11
INF1 Então, a senhora está melhorzinha? INF2 Obrigado. Olhe, hoje até saí. Se tenho ido bem ruim ! Agora estou um bocadinho melhor. INF3 Senta aí um bocadinho. INF1 Mas está com bom aspecto! INF3 Está, está, graças a Deus! Senta-te um bocadinho. INF1 Está com bom aspecto a senhora! INF2 Então, ele o meu aspecto é sempre o mesmo. INF1 Não, mas está, então. Por acaso. Para a idade, não é? INF2 Isto está tão mal ! Ah, pois. INF1 Para a idade que a senhora tem, está com muito bom aspecto! INF2 Mas sabes que quem de novo é bonitinha, de velho tem um jeitinho. INF1 É verdade. INF2 A gente não é jeito, é... Sempre tive... (...) De toda a vez que estava doente, diziam sempre que não parecia doente. INF1 Pois. INF2 Não sei que era. É feitio da gente. Senta-te Encarnação. INF1 Deixe estar que eu... INF2 Olhe, tire esse livro daí. Senta-te. INF1 (...) Eu não me posso sentar. INF2 Porquê? Anda tudo cheio de trabalho, meu Deus! INF1 Tem a gente serviço para fazer. INF2 Estas senhoras têm tanto empenho de que viessem aqui pessoas. Pagam a... A senhora não disse? INQ Sim, sim. INF2 A duzentos mil réis ao dia, a pessoa que viesse (...) trabalhar um dia para aqui. Para dizer coisas antigas. Ela tem que fazer uns livros com uns dizeres dos antigos. INF1 Rhum! INF2 Línguas que agora já não usam em Portugal, mas que eram língua portuguesa. INF1 Pois. INF2 E, mas aqui (...) ninguém tem vagar. INF1 Pois, é aqui... Aqui o vagar é pouco! INF2 Cantar, já para aí cantámos coisas já...
GRJ12
INF1 Ele É o mais pequenino de todos (...) é a carricinha. INF2 É a carriça, é. INF1 É o mais pequenino de todos. É o passarinho mais pequenino que temos. Depois (...) é o pintassilgo. INQ Diga, diga. INF1 (...) A carricinha; depois é o pintassilgo; a seguir, depois (...) é o rouxinol. Não, o rouxinol já é maior, mais crescido. (...) INF2 O pardal. INF1 É o pardal é que é a seguir; depois é que é o rouxinol; depois é o... INF2 As boieirinhas que também é um passarinho . INF1 Mas essa já é maiorzinha. A boieira já é maiorzinha. Depois é o... Ai, a seguir... INF2 Andorinha. INF1 A andorinha... INF2 Pintassilgo. INF1 Eu, o pintassilgo já falei, não já? INF2 Já? INQ Já. INF1 Creio que sim, que já. (...) É a boieira; depois é a andorinha; depois (...) é o papagaio; depois (...) são outros gaios; depois é a rola; depois é o milhafre; corvos... INQ Isso já é muito grande! INF1 É. Isso já são grandes. Já são uns pássaros grandes. O milhafre, o corvo, já são grandes. (...) INF2 A coruja . INF1 O marantéu. INQ Marantéu? INF1 Marantéu. INQ Marantéu é o quê? Como é? INF1 (...) É chegante aos outros passaritos também, àqueles mais pequenos. É um pássaro também muito lindo! INQ Mas de que cor é? INF1 (...) São pintalgados, não é? Há o pintarroxo também. Também já é assim grandinho. Bom e é uma... Há aí muito pássaro, muita qualidade de pássaro. Há a poupa; há o cuco; (...) há o gaio - já é grande -; há então o milhafre, o corvo - esses já são grandes, não é? Os milhafres são os maiores de todos até. INQ E a coruja, aqui não há também? INF1 E coruja também; noitibó. INQ Ah, noitibós também há aqui? INF1 Há sim. INQ Como é que eles fazem? Como é que eles?... INF1 O noitibó é... A noitibó faz... A coruja faz assim: uh! A noitibó já é (...) ... INF2 Cá-vai, cá-vai, cá-vai. INF1 É. INQ Cá-vai? INF1 Cá-vai, cá-vai, cá-vai! (...) E há a coruja também.
GRJ13
INQ Olhe e um que é pretinho e tem o bico amarelo? É muito conhecido. INF1 Esse é o... Ai, como é que se diz? É o rouxinol. Que canta... Que foi o único passarinho que enganou o Nosso Senhor. O rouxinol. O Nosso Senhor só deu meio ano para cantar aos passarinhos, não é? E então ele canta todo o ano. Porque eles os outros só cantam de dia e ele canta dia e noite. INF2 O rouxinol. Que bem que ele canta. "Ora vem cantar ao meu quintal" . INF1 O rouxinol. É. O rouxinol foi o único passarinho - dizem, não é? A gente vai pelo que dizem os antigos -, foi o único passarinho que enganou o Nosso Senhor. Que Nosso Senhor deu-lhes só meio ano para cantarem e ele canta todo o ano. Porque durante o meio ano, canta dia e noite. E depois dizem que é a poupa, diz que enganou o Nosso Senhor. INF2 O rouxinol canta muito! INF1 É. (...) E canta muito bem. O rouxinol canta muito bem. (...) Ainda há mais. INF2 O carapau também é. INF1 Há o... INF2 Há o carapau. INF1 Há a merla, também há merlas. INQ Merlas? INF1 É sim. Há o estorninho. INF2 Há muita ave! INF1 Ele ainda aí há mais. Ainda aí há mais pássaros. É que a gente assim ... INF2 O estorninho é ... Quando vêem uma pessoa muito morena, dizem: "Olha, aquele é mesmo um estorninho"! INQ Ai é? INF1 (...) A gente assim de repente não se lembra assim dos nomes deles, não é? INQ Sim senhor. INF1 Mas aqui há muita qualidade de pássaros. INQ Não chama a arvela? Ou arvela? INF1 Arvela aqui não há. INQ Alvéola? Não há? INF1 Aqui não há.
GRJ14
INQ E a rela também é um passarinho? INF1 A rela é... Não é... A rela já não é pássaro mas também canta de noite. INQ Ah! INF1 Pois. Também canta. INQ Mas está ao pé de, das poças, não é? INF1 É, está ao pé dos rios, e assim. E por aqui, onde houver assim... Mesmo sem estar nos campos , não é? E depois... INQ E maior que a rela? INF1 Maior de que a rela... Maior de que a rela acho que não há. (...) Há a rã, mas a rã já é um bocadinho (...) em ponto mais pequenino. É mais pequenina do que a rela. Porque a rela é grande. INQ Ai é? INF1 É, sim. O que é também canta muito bem. A rela de noite canta muito bem. Que ele também já cá cantou ... INF2 Ó Encarnação chega uma cadeira e senta-te. INF1 Deixe estar, senhora Élia. Eu tenho... INF2 Olha, ou senta-te aqui. INF1 E ele há (...) muita qualidade de pássaros!
GRJ15
INF1 Ele há muita qualidade de pássaros. A gente assim de repente é que não se lembra assim do nome deles. INF2 Morcegos. INF1 É verdade, os morcegos também. INF2 A mim lembra-me... Vão-me lembrando assim, mas de repente, eu não me lembro. INF1 É. Assim de repente, a gente custa-lhe assim a lembrar-se assim de repente, não é? INQ Não se quer sentar um bocadinho? INF1 Se fosse enquanto que a gente... INQ Fosse pensando nisso... INF1 A gente, por exemplo, se fosse pensando e a gente fosse escrevendo - não é? -, isso a gente escrevia o nome dos pássaros todos. Porque aqui há muita qualidade de pássaros. Muitos! INQ E cotovias não há? INF1 Há sim.
GRJ16
INF1 Papalvas, é. São uns bichos. São uns bichos que são mais pequeninos (...) do que aos coelhos. INF2 Papalvos. INF1 Uma papalva. Aquilo dá muito dinheiro! Quem agarrar uma papalva ganha o dia bem ganho. INQ Mas ganha dinheiro porquê? Por causa da pele, ou?... INF1 Por causa da pele. Da pele e (...) para as porem assim, quer-se dizer... Como é que eu hei-de dizer? INQ Para as porem para depois... INF1 Secarem-nas, não é? (...) Secam-nas e depois põem-nas na... Não, aquilo dá muito dinheiro! (...) INQ Olhe... INF1 (...) Aquilo rendem aos contos de réis. E são assim uma coisa assim pequenina. (...) INQ É difícil de encontrar, é? INF1 Aquilo é difícil. Então, quem encontrar uma papalva, ai isso já... Enquanto ele a não vê se a caça, já não descansa. Porque aquilo vem a dar muito dinheiro. (...) Até dão para cima de um conto e quinhentos. A pele das papalvas.
GRJ17
INQ Olhe e, e estas coisas que andam por aqui a voar? INF Moscas. INQ Há o... Há umas muito grandes, verdes?... INF Isso são moscardos. INQ São... Aquelas que deitam... Até a gente nem pode deixar carne, que elas pousam?... INF Sei. São as varejas. Essas não são verdes, (...) são pretas. Essas são pretas. As verdes (...) são moscardos. São uns moscardos grandes. Há outros moscardos também pretos, também são chegante... Também são quase como aqueles verdes. Mas as que a senhora diz são varejas. (...) Nós chamamos aquilo vareja. Chamamos aquilo vareja. Que se poisarem em cima de carne ou peixe, isso fica logo tudo cheio (...) de semente.
GRJ18
INF1 " (...) Não te cases, logra-te da boa vida, quem foi cedo mal casada, chora de arrependida". Era eu uma! Assim que me casei (...) já estava trinta vezes arrependida. INF2 Quem? Você? Então não gostou? INF1 Não. INF2 Ah! Carago! INF1 Eu às vezes dizia-lhe assim para ele: "Eu se de solteira soubesse a vida de casada, nunca homem nenhum me possuía"! INF2 Ai! Valha-nos Deus! INF1 Então são ideias! INF2 (...) Eles têm coisas tão boas! INF1 Olha, sabes porquê? Eu era uma senhora. Eu (...) não estava habituada (...) no campo. A minha mãe era tecedeira. INF2 Nunca tinha visto (...) aquelas coisas, pronto, sabe? INF1 A minha mãe era tecedeira. Eu tratava de fazer as meadas e de lavar as meadas e dobar e emparelhar . Depois casei-me. Era uma vida de cão! Aqui punham as vitelas as poias nas chinelas lá ficavam. Depois punham-me os pés na saia, era muito comprida, punham-me na saia, rasgavam-me a saia. E eu: "Ai! Ai meu Deus! Tu foste um falsador para mim! Disseste-me que não arranjavas vida"... "Ai, querias ser senhora"? "Senhora era eu! Não foras lá à pergunta de mim que eu era senhora"! Porque eu não fazia nada - não era? -, senão aquelas coisinhas de casa. Eu nunca tinha segado um molho de erva. A primeira erva que seguei, disse-me a Emília: "Oh, vem-me ajudar (...) a segar um molhinho de erva". Era dia de entrudo. Depois, quer ver ? A primeira mancheia que eu peguei na seitoira para segar, seguei o dedo. Eu comecei a chorar: "Agora, olha, agora componde-me, agora curai-me"! Já não seguei mais erva nenhuma. E depois era cargas e cargas e cargas, sem eu estar habituada! Ai, muito chorei! Ainda tinha eu vontade de me tornar a casar! INF2 Então não se casava agora outra vez?! Oh! INF1 Nem que fosse um bispo! Nem que fosse um príncipe! Não queria mais saber de homens! Valia mais só (...) a minha regalia e o meu descanso do que quanto havia no mundo. INF2 Mas também faltava aquele amor! INF1 Aquele!... Tudo o que não há, se dispensa. Enquanto a gente não está habituada nem sabe o que é. INF3 Então "se solteirinha não te cases", é?! INF1 É. Enquanto a gente não está habituada, então... É como uma criança pequenina! INF3 Então, tia Elina, como é? "Se solteirinha não te cases", mais? INF1 Hã? INF3 "Se solteirinha, não te cases"... INF1 "Se solteirinha não te cases, logra-te da boa vida, quem foi cedo mal casada, chora de arrependida". Eu, às vezes, dizia assim para o meu Epaminondas: "Eu sou uma"! Sim. INF3 Outra quadra, ó tia Elina. INF1 Hã? INF3 Outra quadra assim desses tempos. "Não há machado que corte"... INF1 Ai, ó meu Deus! Eu já não... Olhe, quando estou sozinha, estou, penso e lembra-me tudo. Agora (...) já 'desqueci'. Olhe, olhe, eu nem sei.
GRJ19
INF1 Depois andámos em jejuns até agora. Agora fizemos uma sopinha e eu cozi umas batatinhas, comemos. Ele deitou-se e eu olhe, é assim, oh. Eu não gosto de me deitar de dia. Fico chateada. INQ Ai é? INF1 Fico, fico. Em dormindo de dia, fico aborrecida todo o dia. Não gosto de dormir de dia. Nunca gostei de dormir de dia. INF2 Hã? INF1 Nunca gostei de dormir de dia. INF2 Ah, eu às vezes também me (...) deito de dia, mas depois, parece-me que me levanto, parece que... INF1 Pois, mole, não é? INQ Olhe, ó, ó senhora Ercília. INF1 Diga, minha senhora. INQ Um homem, portanto, que olha assim é um, é um, um mirolho ou vesgo. INF1 É sim. INQ E um que só tem uma vista? INF1 É cego duma vista. A gente diz: "É cego duma vista". Tem só uma vista, é cego duma vista. INQ Olhe, a pessoa tem que ter cuidado com os olhos para não?... INF1 Para a gente não ter perigo, para a gente não ficar cega, (...) nem ter trabalhos. INQ Olhe, e uma pessoa como eu, precisa de, de usar óculos é quê? INF1 É fraca da vista. INQ Olhe, eu agora não a vejo porque não estou a quê?... INF1 A olhar para mim. INQ Olhe, e isto é o quê? INF1 É as orelhas. INQ E... As orelhas servem para quê? INF1 Para pôr os brincos (...) . E os ouvidos para a gente ouvir.
GRJ20
INQ E o nariz serve para quê? INF1 Para a gente tirar (...) o pus que lá... Que se não fosse isso, a gente... Olhe, uma como a mim morria. Porque eu tenho sinusite na cabeça. E quando eu trouxer estas dores muito grandes de cabeça (...) e a cabeça muito pesada, (...) é o pus que anda cá dentro. INF2 Pois é. INF1 E depois quando começa... Se me deitar assim um bocadinho, assim - que eu não gosto de me deitar assim de barriga para o ar - mas se me deitar um bocadinho, eu sinto correr tudo para a garganta. INF2 Ah! INF1 Aquele pus. Depois, quando eu sinto correr, levanto-me, ponho assim no bacio, corre em fio. Tenho uma sinusite muito grande, eu. Diz que a apanhei de chorar muito, disse o senhor doutor. INF2 Pois é. INF1 E chorei muito, chorei. Chorei muita lagrimazinha. Aquele filhinho que me lá ficou fora, um homem. (...) Se a senhora o conhecesse! Muito forte! Mais forte que o marido da senhora. Muito alto, muito elegante, o cabelo muito grifo, umas sobrancelhas muito carregadas, umas pestanas assim compridas, os olhos pretos, grandes, lindos! Era tão lindo! Não era? O meu filho, não era tão lindo? INF2 Pois era. INF1 Era tão lindo! Era um cravo! Aquilo era um cravo! E lá me ficou, nunca mais o vi. Nunca mais vi aquele filhinho. Já estava para se vir embora. Já só lhe faltavam quarenta dias para vir embora. (...) E lá me ele ficou, lá me morreu. Chorei tanto, tanto, tanto por aquele filhinho, nem me quero lembrar dele! Chorei tanta lágrima e passei tantos trabalhinhos para o criar, tantos, tantos! Tanta fominha, minha senhora. Não tenho vergonha de o dizer. A gente vivíamos aqui e depois... Que aqui não se ganhava nada, não havia trabalhos para se trabalhar. Fomos para Viseu, que o meu marido era de lá perto. Fomos para lá para Viseu, arrendámos para lá uma casinha, estivemos para lá... Eu andava por lá a trabalhar e o pai a trabalhar, naquele tempo não se ganhava nada, não havia... Não ganhávamos para comer. Passámos tanta fominha! Tanta fominha! Até que tivemos de nos tornar a vir-nos virmos aqui meter. Chegámos cá, não ganhávamos também nada. Eu tinha sete filhinhos em volta de mim. Depois o meu marido disse assim: "Olha, vamos para Lisboa". Foi a minha filha (...) que lá está, chamamos-lhe a Ermelinda, Ermesinda. Foi para lá, coitadinha, (...) para lá nos foi chamando, para lá nos foi chamando, para lá fomos todos. Lá a gente já ganhava mais alguma coisinha e eu trabalhava e ele trabalhava. (...) E já começava um pequeno que tinha... Com doze aninhos a carregar já (...) com uma coisinha ao ombro, para uma drogaria, esfolava os ombrinhos todos, e tudo, coitadinho. Mas já ia ajudando a ganhar. Para lá estivemos assim muito tempo, lá começámos a andar numa vendinha, eu e o meu marido, e lá íamos mantendo os filhinhos sem vergonha do mundo. Mas chorei tanta lágrima, minha senhora, tanta lágrima! Passei tantos trabalhos, tantos trabalhos! Eu se (...) soubesse ler, havia de fazer um romance. Fomos, ele ganhava vinte e cinco escudos, e eu ganhava... Nem sei! Davam-me assim coisinhas de casa ainda. Assim (...) comidinhas e roupinhas para as crianças, e assim. E depois lá estivemos assim (...) muito tempo. Depois, um dia eu disse assim para o meu Emanuel: "Emanuel, e se tu saísses do trabalho, que ganhas tão poucochinho, e arranjássemos (...) a ir vender uma frutinha, ou assim qualquer coisinha, que ganhássemos mais alguma coisa"? E ele, coitadinho, disse-me assim... O meu homem, o meu marido, quando era assim novo, era muito perfeito. Era muito elegante, muito... (...) E, sabe, e sabe falar assim como que... Não sabe ler nada mas sabe falar muito bem. Toda a gente gostava dele. E então eu disse-lhe assim: "Olha, ias à ribeira, compravas-me lá um cestinho de fruta e eu mais o Epicurito" - que era o meu filho mais velhinho que eu tinha comigo - "íamos por aí vendê-lo àquele prédio, podia ser que o vendêssemos". O prédio tinha muitos andares. E eram muito nossos amigos. Aquela gentinha toda (...) gostava de nós. Depois lá me foi comprar um cesto de figos. Foi a primeira oferta, a primeira coisa que... A primeira venda que eu fiz. Eu e o pequeno pegávamos - era um cesto -, pegávamos cada um na sua asinha, pelas escadas acima, de porta em porta, de porta em porta, vendemos os figuinhos todos. Ganhámos nesse dia sessenta escudos. Ah, foi uma alegria que eu sei lá! (...) Ele vinte e cinco, e nós sessenta. "Bem, já ganhámos para hoje comermos e amanhã". E os mais pequenos . Estávamos numa 'sobre', 'sobre', 'sobre-cave', minha senhora. Estávamos todos metidos debaixo da terra. Que nos arranjaram lá, uma gente que lá estavam a viver, (...) lá estávamos metidos. Depois, bem, lá ao outro dia (...) , comprámos um cesto (...) de ameixas brancas. Também as vendemos, também ganhámos uns cinquenta ou sessenta escudos. Até que eu desiludi o meu marido, digo-lhe assim: "Olha, se nos houvesse quem nos alugasse um triciclo"... Que é um carrinho que... Não sei se a senhora já viu? Tem duas rodas à frente, tem um tabuleiro, e tem atrás - como que é uma bicicleta, o que é, tem um tabuleiro assim, uma armaçãozinha de madeira aonde a gente punha a fruta. "Se arranjasses quem to alugasse por dia, a pagarmos"... Arranjámo-lo a pagar dez mil réis por dia. Começámos (...) a ficar na venda, depois começámos a vender um peixinho. Lá nos íamos governando. Começaram os (...) rapazes a ir para a tropa, foram... Tinha lá três, foram todos os três para a tropa. Primeiro foi um, e depois juntaram-se lá todos três. Ficámos nós só os dois e as pequenas e os pequenos a estudarem lá na escolinha, e assim, lá ficámos. Lá começámos a ir, lá andávamos quando foi que o meu filhinho morreu. Já íamos ganhando assim alguma coisinha, eles já todos ganhavam e então aquele filho... Não era por ser meu filho, mas coitadinho, recebia o ordenadinho dele, consoante o recebia assim no-lo dava. Eu às vezes dizia-lhe assim: "Ó Epifânio, (...) fica com alguma coisinha para ti, então, se às vezes"... "Ó mãe, para mim chega-me as chegam-me as gorjetinhas"! E lá estivemos até que depois... Quando ele morreu, olhe, perdemos o norte à... Nem ele, nem eu governávamos vida. Ficámos doidinhos! Ficámos doidinhos por com aquele filho, viemo-nos embora. E os filhos casaram-se - alguns lá estão casados - e eu e mais ele... Primeiro vim eu, depois veio ele cá ter. Ele curou aquela perna: ficou sem a rótula do joelho também logo atrás de o filho morrer. Depois ficou muito aleijado, (...) não lhe deram nada, porque o ladrão (...) do patrão com quem ele andava a trabalhar... O que tinha fez tudo no nome (...) duma filha ou dum filho, e não nos deu nada. Fomos para tribunal, não nos deu nada. Depois viemos-nos embora para cá, olhe, temos ficado aí... (...) Ele aleijado e eu muito doente! Apanhei os diabetes, a ureia no sangue e nas urinas, uma sinusite, é o coração, é o fígado, é tudo. Mas cá vamos indo com a graça de Deus Nosso Senhor agora, olhe. Agora dão-nos aquela esmolinha da Casa do Povo aos dois, já a gente vai vivendo. Já a gente vai vivendo. Também nos dão alguma coisinha do meu filho mas dão-nos muito poucochinho. E morreu na nação mais longe que temos: foi em (...) ... INQ Em Timor? INF1 Em Timor. Morreu lá tão longe (...) e ganhamos muito menos que ganham por aí os outros. (...) Dão-nos muito poucochinho. Mas então?! Mas havemos de viver vir até que Deus queira. Também a idade é... Ele já tem setenta e três anos. Já vai fazer setenta e quatro no dia dez do mês do Natal. E eu faço agora no dia dezassete setenta e um. Mas claro . Cá vamos com Deus Nosso Senhor. É assim.
GRJ21
INQ E aquela, o cocó muito mole das crianças? INF As crianças... Às vezes dizem que aquele cocó mole das crianças que é... INQ Das crianças e dos adultos. INF E dos adultos. Que (...) é dores de barriga que dão e são vírus 'viles' . Chamam assim umas coisas. Nós cá chamamos-lhe aquilo, quando é as crianças: "Ai, isto (...) foi quebranto que lhe deu", ou "Foi assim". Mas lá para lá, isso não acreditarão, não sei. "Isso foi quebranto que deu à criança ou é embaçado, e"... Mas embaçado é verdade. INQ O que é isso de embaçado? INF Embaçado, sabe o que é? É o estômago que se vira às criancinhas. E os médicos não dão com isso. Eu dou. Eu componho-as. Eu componho as crianças. Quando é: crianças começam a vomitar muito, a vomitar tudo fora, e a fazerem só cocó muito molezinho, só soltura - chamamos nós soltura - e assim, e eu componho-os. INQ Como é que compõe? INF Olhe, componho-os bem. Olhe, deito-os de cima duma mesa ou duma cama. E os meninos, quando estão assim embaçados, impam: ãhh, ãhh, ãhh! Fazem assim. E a barriguinha muito rija. E então, eu deito-os assim em de cima duma mesa ou de cima duma cama, e tenho um bocadinho de azeite num pires - ou numa chavenazinha, ou numa tigela, em qualquer coisa -, e depois eu lavo as minhas mãos muito lavadinhas, desinfecto-as com álcool, e no fim esfrego-as com aquele azeite, e depois aqui... (...) Supomos que isto assim, isto é a criança e aqui tem os pezinhos, e a gente une um pezinho assim com o outro (...) e se estiver embaçado um pé é maior do que outro. Um dedo cresce - o dedo grande -, cresce mais que o outro pé. E a gente depois, eu depois (...) com as minhas mãos, molho as mãos assim no azeite, esfrego-as assim muito esfregadinhas, e faço-lhe assim, assim, assim. INQ Na barriga? INF Assim, na barriguinha assim. Começa a gente daqui para cima, (...) mesmo daqui das partes assim para cima, a correr assim para cima, tudo para cima, tudo para cima, e a gente dá com o estômago. Quando estão embaçados dá com ele. É assim, vai indo, vai indo, é três dias que a gente o cura e o estômago torna para o lugar dele. Já nem obram mole (...) nem vomitam. Eu componho-os muito bem. Muito bem, muito bem! Até já em Lisboa eu compunha muita criança. Estava lá (...) uma senhora que tinha só uma menina. E era mãe da porteira... Era filha da porteira, mas ela vivia muito bem, a filha. Estava a pôr a mão , como que era ela a porteira, porque a mãe não sabia ler e não a queriam lá, ela é que fazia as vezes da porteira, é que assinava. E depois um dia apareceu-me lá: "Ó Dona Ercília! Ai, a minha menina está tão malzinha! A minha menina morre-me! A minha menina morre-me"! "Não morre, não senhor". "Ai, disseram-me que a Dona Ercília"... - quem está lá , é tudo "dom" - "Se a senhora... Que lhe dá um jeitinho, se a senhora lá viesse"... "Eu vou, sim senhora". Disse-lhe eu. "Eu vou lá". Cheguei lá, compus a menina, (...) quando foi ao outro dia que eu lá fui, já não andava. Ela sentia-se cá fora: ãhh, ãhh, ãhh! E já tinha uns três anos. Já era crescidinha. Compus-lhe a menina. Ao outro dia tornei lá, tornei lá outra vez, curei-a. Essa senhora nem sabia o que me havia de fazer. Porque ele diz que já tinha corrido os médicos todos de Lisboa e que nunca nenhum lhe deu com a cura. Era embaçada!
GRJ22
INF1 Como se chama aquelas coisitas que rebentam em volta dos dedos? INF2 O espigão. INF1 O espigão. Ele a mim rebentam-me bastantes. Ando sempre com os dedos cheios. INF2 A mim rebentavam-me muito, agora nem tanto. INF1 Também a mim me rebentam. INF2 Mas a mim, quando era no Inverno, quando eu tinha a lida que apanhava frio! INF1 Também eu. Mas eu arranco-os logo. Logo que me rebenta, eu boto-lhe as unhas, fora! INF2 Bem, (...) é pior. INF1 É? Mas eu arranco-os. INF2 Eu, às vezes, punha-lhe um bocadinho... INF1 De cera dos ouvidos. Também. INF2 Assim. E murchava. INF1 Pois murcha. INF2 Mas rebentava-me muitos espigões! INF1 Também a mim. INF2 Depois aquilo doía-me muito! INF1 Também a mim. (...) É mais quando a gente anda com as mãos nas lavagens. INF2 Pois é. (...) Agora não me têm rebentado. INF1 Agora a gente não tem ouvido . INF2 Mas dantes rebentava-me muito.
GRJ23
INF1 Quando é um... Assim quando mancam duma perna, que é mais curta que a outra, como é que se chama? INF2 Manca (...) . Porquê? Porque teve qualquer coisa, sabe? INF1 Teve uma paralisia, ou... INQ Não diz que é manco? INF2 Sim. INF1 Ou assim. INF2 A da minha Ernestina... INF1 É uma paralisia. INF2 A da minha Ernestina foi um ar. INF1 Pois. Foi um ar? INF2 E elas não queriam saber de atalhar o ar. Mas (...) a perna já estava... INF1 Mais curta. INF2 Muito mais curta! INF1 Mais curta! Um ar é muito perigoso! INF2 Quando lhe deu o ar, foi (...) para o ribeiro. INF1 Um ar é muito perigoso! INF2 Lavou as pernas. A pequena ia quente. Recebeu (...) INF1 Aquele frio! INF2 aquele ar (...) daquela frialdade (...) da água. INF1 Pois. INF2 É, foi. Em oito dias ou... Era num grito, num grito, num grito! INF1 Era o ar. Era o ar. Mas bem... Mas veja, os médicos não querem saber dessas coisas. INF2 Foram ao doutor, era injecções. INF1 Isso não. Não querem saber disso para nada. INF2 Era bisnagas para esfregar. Quanto mais esfregava, mais doía. INF1 A gente é que atalha o ar. Atalha o ar. E a gente tem um lenço da cabeça. E tira-se o lenço da cabeça (...) e estende-se assim numa mesa. E a gente vai puxando (...) assim. Mede. Mede os palmos que tem o lenço até ao cabo. E se for ar, o lenço (...) mingua. Mingua. Não tem (...) o que tinha. Supomos que (...) o lenço chegava daqui aqui, não é? Mas se for um ar, e que a gente atalhe o ar e que meça, falta sempre um... Já não chega aqui, já vem assim, já mingua. Mingua um bocado. Mingua bastante. É. Então a gente atalha-lhe o ar. E depois torna a perna ao seu lugar. E há pessoas que até ficam aleijadas porque não sabem o que aquilo é. É. (...) E os médicos não dão com isso. INF2 Ai! INF1 É. Os médicos não querem... INQ Olhe... INF2 Aquela foi assim... INQ Olhe, mas espere lá, mas o ar atalha-se como? INF1 (...) É com umas palavras que se dizem. INF2 E depois... "Se és ar, ou quebranto, ou olhado, saia deste corpo como o sal sai do mar sagrado". INF1 É. INF2 "Em louvor do Santíssimo Sacramento"... INF1 "Sacramento, esta alminha sare no momento". INF2 (...) "Todo este mal seja atalhado". INF1 É. INF2 Diz-se assim umas palavrinhas. E depois defuma-se. INQ Com quê? INF1 Com alecrim, ou loureiro (...) . INF2 Ou uns canelos. INF1 (...) Ou uns canelos (...) dos animais. INF2 Em brasa. INQ Canelos? O que são canelos? INF1 Os canelos dos animais é aquelas ferraduras que trazem nos... INF2 Ou os guilhos... Ou os guilhos do moinho. INF1 Ou uns guilhos do moinho. INQ São aquelas pedras debaixo? INF2 De aço. INF1 Sim, minha senhora. Os guilhos dos moinhos (...) são umas pedrinhas lisas. INQ Que eles põem por baixo do rodízio? INF1 Sim, minha senhora. Sim, minha senhora. E isso, se for ar, a gente mete-o no vinagre, em vinagre quente. INF2 Em brasa. INF1 Em brasa. E estoira. Estoira. E se não for ar, não estoira. E também se atalha (...) com três carvõezinhos. Também se atalha. Com os carvões também se atalha bem. INF2 Também. Eu disse (...) à minha Escolástica: "Vamos (...) à Quinta dos Bacorinhos". A mulherzinha chegou lá, coitadinha! Porque invocam o Espírito Santo para saberem as coisas. A ÿÿssoa que tem força, que é média, puxa o espírito. E o espírito vem... INF1 E diz o que é. INF2 E diz a doença. INF1 É. Já morreu. INF2 Pois já. INF1 Já morreu. Ainda fez falta. INF2 Tem feito muita falta! INF1 Pois ainda. Eu nunca lá fui. INF2 Não. Eu fui lá umas três ou quatro vezes. INF1 Eu não. Nunca lá fui. INF2 E depois... Mas eu, Deus me livre que eu contasse ao padre, isso até me excomungava-me. INF1 Oi, Deus nos livre! A minha mãe ainda lá foi por causa dum boi, duns bois que teve, que foi lá com eles a suar muito e amarrados. Tinham uns vencelhos amarrados às patas e das patas ao pescoço (...) e o focinho, assim tudo (...) tapado. Ouviu? A suarem, a suarem, a suarem. INF2 A mulher disse-lhe assim: "Coitadinha! Vai para a faca! Vai fazer a operação. Não lhe encontram nada porque está metido no osso"... INF1 É no osso que está? INF2 Está. Olhe, viemos, era por (...) . Eram duas horas quando aqui chegámos. E a minha Ernestina não queria crer. Deus nos livre! "Olha que isto (...) é para bem da gente"! INF1 Pois é. INF2 "Anda cá"! Disse para a irmã . INF1 Eu sei atalhar assim muitas coisas. Essas que a senhora me procurou, de íngua, essas ínguas eu sei atalhá-las. INF2 "Trá-la ao colo. Tragam a pequena ao colo"... Nem se tinha, da perna. Já tínhamos (...) os canelos. INF1 Pois. INF2 Os guilhos em brasa. A pequena, assentámo-la numa cadeira, INF1 Aquilo foi um ar. INF2 pusemos-lhe um cobertor, apanhou aquele... INF1 Por mor de receber aquele fumo. INF2 E depois metemos-lhe os guilhos, um de cada vez, por causa de a pequena não se abafar com aquele fumo. INF1 Pois, para ela apanhar o fumo. INF2 Pois. Abafa ela . Metíamos-lhe aquele canelo e depois, tirávamos aquele e metíamos-lhe outro, e depois pus três. Logo nessa noite: umh!, já não gritou. INF1 Pois. É. Há muitas coisas (...) caseiras que são melhores que as dos médicos. INF2 Eu disse-lhe assim: "Olha, e então a pequena"? "Olha, esta noite (...) já dormiu descansada". Na primeira noite. INF1 Muitas coisas. INF2 Telefonou para o doutor: "Olha, a pequena parece que está melhor". Que depois, ao fim de três dias, havia de ir (...) para o hospital, para ser operada. Abriam a perna, não lhe encontravam nada porque aquilo está por aquilo estar no osso. Ao outro dia: "É aqui"? "É aqui que se fazem os fumadoiros. Fechas a porta para ninguém ver". Fechámos a porta, fizemos os fumadoiros, ao fim dos três fumadoiros, passou! Não passou de todo que esteve... O tempo que está há-de estar para sarar. INF1 É. É, que demora a sair, é. INF2 Nisto, já dormia melhor, passaram mais as dores e olha que ainda ficou... INF1 Ainda um bocadinho. INF2 (...) A puxar a perna. INF1 Ainda um bocadinho. INF2 E a perna já estava muito, muito mais minguada! INF1 Pois está. INF2 Magra e curta. Vejam lá.
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INF1 E de qualquer coisa dá. Quer ver o meu Emanuel o ano passado? O meu Epiménides, (...) o meu (...) cunhado, o Epiménides, a mata do Ranhadoiro, deixou ele de tomar conta dela para lhe tomar ele conta das bicas. E ele foi ver, contar quantas bicas eram por causa de o Epitácio lhas pagar. INF2 Ele parece que eram três herdeiros. INF1 Pois. Mas ele foi contar as dele. INF2 Parece que eram três herdeiros, disse (...) a Esmeralda. INF1 E depois pegou (...) , foi e veio. Foi o cãozito com ele, foi e veio, (...) e chegou a casa a queixar-se: "Ai minha perna! Ai minha perna! Ai minha perna! Ai minha perna"! Digo-lhe assim: "O que é que tu tiveste? 'Caístes'?" "Não caí não". Ali além ao pé (...) do Pero Seco, naquela travessia que vai - (...) aquele caminho (...) para a de Junho - deu-me aqui esta dor". Não se calava! INF2 (...) Na encruzilhada. INF1 É verdade. Não se calava! Não se calava, eu lá lho atalhei, e depois ainda não (...) confiei só bem em mim, fui chamar a Estefânia - que Deus lhe perdoe. Olha, foi como a graça de Deus! Era um ar, mas grande, mas grande, mas grande! INF2 (...) INQ Olhe, mas atalha-se de maneira diferente, conforme é uma coisa ou outra, não é? INF1 Não, minha senhora. O ar é... INQ Ou é sempre da mesma maneira? INF1 É sempre da mesma maneira. INF2 Dá um ar de qualquer coisa. INF1 Um ar de qualquer... Olhe, pode-se atalhar, (...) querendo mais depressa: três brasas de carvalho, dum pau de carvalho, queimam-se. INF2 Pois, pode. INF1 E a gente tem uma vasilha com água, e a gente pega naquelas brasas, bota uma de cada vez; se forem ao fundo, é ar; se vierem ao cima, não é. E (...) já se ali conhece, já se atalha por ali. Mas se for pior, é com os guilhos (...) de lá (...) do moinho. Ou então (...) com as ferraduras. Também. Também se atalha bem.
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INQ Ali para os lados de, de Tondela costuma-se fazer um, pôr dentro duma púcara... INF1 Pois. E depois iam botar ao rio? INQ E depois ferve-se aquilo. INF1 Pois. Ah! (...) Mas a gente... INQ Para aqui não se usa isso? INF1 Diz-se Diz que para o lado de Tondela costuma costumam pôr num púcaro e irem botar a ferver dentro do púcaro essas coisas. Nós cá, não. Nós cá, não. Nós cá, depois do fumadoiro, vai-se botar à ribeira. Ao rio, não é? INF2 Pois. INF1 Ao rio. A gente volta as costas - não olha para aquilo. A gente leva as coisas de atalhar o ar (...) num púcaro ou (...) numa tigela, em qualquer coisa. A gente chega lá, vira para trás, toca a andar para casa. INF2 Pois. INQ O quê? As pedras, os guilhos? INF1 Tudo, vai tudo (...) para o rio. Tudo o que fica vai para o rio. É quando o ar larga. Que é: dizem que o ar que foge. Quando a gente vai botar aquilo, vai o ar junto. INQ Olhe, mas isso são pessoas que põem esses ares? INF1 Não, minha senhora. (...) É qualquer coisa mau que às vezes passa por a gente. INF2 Pois é. INF1 Qualquer coisa. INF2 É vento! INF1 Uma encruzilhada. Uma encruzilhada é muito perigosa! A senhora sabe o que é uma encruzilhada ainda melhor do que eu. INQ Sei. É um cruzamento de caminhos. INF1 De caminhos. É isso é perigoso. É que a gente até quando passa nesses caminhos deve dizer assim: "Deus me salve, salve-me Deus! Deus me salve, salve-me Deus"! Três vezes. É muito bom a gente dizer: "Deus me salve, salve-me Deus! Deus me salve, salve-me Deus"! É muito bom por causa de... Já não dá nada. INF2 Pois. Pois é... INF1 Já não dá nada. INF2 Eu tive um filho que esteve uma porção de meses... Morre agora, acaba logo ... INF1 Embaçados. Então embaçados, enquanto a gente os não curar, não saram. Pode a gente gastar dinheiro com o doutor. INF2 E se ele ... INF1 Pois. INF2 Vinha um à noite vê-lo - porque era o pai, que já estava aposentado. INF1 Pois. INF2 E vinha o senhor doutor Erasmo de dia. Mas dantes (...) não receitavam injecções. INF1 Pois não. Não era... INF2 Era ventosas. INF1 Era. E olhe que não era mais mau. Eram boas. INF2 Ventosas. Receitavam aquelas ventosas. Mas já nem tinha donde se lhe poder podia pôr. INF1 Pois não. INF2 (...) Aquela carne tostada daquela ventosa . Depois rebenta a carne, assim, dentro da ventosa. INF1 Elas rebentavam, elas enchiam. INF2 E depois tiravam, porque era para puxar (...) aquele (...) . INF1 A dor fora . Aquela porcaria fora. INF2 Enquanto não fomos lá a um bento, o rapaz secava-se. O doutor não dava com o remédio, (...) com a doença. Como é que havia de dar? Não dava. O homem, assim que lá chegou, disse assim o meu Epaminondas... Disse-lhe o meu Epaminondas... E eu cuidei que... Era no tempo das castanhas, que andavam aí as raparigas, que lhe dessem alguma mistela. E ele estava doido. Não dizia coisa com coisa, com a febre, não dizia coisa com coisa. "O seu filho não foi nada que lhe fizeram! Sabe o que foi? Foi a guardar umas vacas". É por isso que ele invoca um espírito e o espírito é que lhe diz lá para ele o que é e o que é que não há-de fazer. O que é que é? Há pessoas médias. INF1 Pois há. INF2 Eu não. INF1 A minha menina, a minha neta... INF2 Eu não. INF1 Olhe, a minha netinha, a que está lá em Lisboa, (...) a tolita, a que é (...) tolinha. Tenho uma neta (...) já com vinte e seis anos que é doidinha. Não é assim bem doida, coitadinha! Foi a meningite que lhe deu, pequenina. INF2 Foi a meningite que lhe deu de pequenina. INF1 Foi a meningite. Mas essa minha netinha, foi a meningite (...) e quando nasceu, logo quando nasceu, entrou para ela um espírito marinheiro! Pescador. Olhe, a senhora não se lembra que ela ia a uma faixa de palha, ripava-a toda e andava sempre: bumba! Não se lembra? Ela ripava as palhas, ia para o pé do tanque, para a água: bumba, bumba! Tal e qual como o pescador botava o anzol para pescar, assim ela andava sempre com as palhitas. Ou uma linha que encontrasse (...) na rua, andava sempre assim. Em volta daqueles tanques todos. E nunca caiu a um tanque! Nunca! E quando fomos (...) lá àquela que havia ali ao pé de Moimenta, ao Castelo... INF2 Ao Castelo. INF1 Ao Castelo. Ela disse-nos assim: "Essa menina (...) é média. É uma média grande. É pena ela não ter vocação que se possa governar. Porque é uma média mas é uma média grande. Porque entrou para ela, logo quando ela nasceu, um espírito pescador". Ao nascer, ao nascer, veja lá! INF2 Veja lá! INF1 Ao nascer! INF2 Vejam lá!
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INQ E essas pessoas que têm força e que sabem curar as coisas todas e isso tudo, são o quê? INF1 Curandeiras . Chamam-lhe curandeiras . Cá chamam-lhe curandeiras . É ou benta ou a curandeira . INQ E cá, há cá? INF2 Depois, sabe ... INF1 Cá em casa... Cá na terra não há nenhuma. (...) Havia aqui em volta (...) , em Moimenta da Beira, ali perto de Moimenta da Beira. (...) Era uma e outra perto de Moimenta da Beira, não eram? As do Castelo e a dos Bacorinhos. INF2 Ai, pertenciam a Moimenta. INF1 Era. Elas até eram ainda parentas. INF2 Pois, eram parentas. E estava lá um primo. INF1 Acho que já morreram ambas. INF2 Pois já. E estava lá um primo. INF1 Pois. INF2 Em Toita. INF1 Pois estava. Em Toita estava um primo. Acho que esse que ainda consulta. INF2 Foi donde me foi o meu Epaminondas, por causa do mesmo mal . Mas ele disse: "Não foi nada". Ele deitou-se, a guardar ... INF1 Eles não receitam remédios ruins. É tudo remédios caseiros. INF2 A guardar umas vacas. A guardar umas vacas . INF1 Tudo coisas que não prejudica ninguém. INF2 E recebeu aquela lentura. INF1 Ah, pois foi. Isso foi. Pois foi. INF2 Veio, começou a... INF1 Pois foi. INF2 Encheu-se de febre, pôs-se-lhe uma pneumonia. INF1 (...) Não vê o Ernestino da Esmeralda que morreu de se deitar além no lameiro? INF2 Ficava tudo lisinho. Só que ele andasse para não ficar paralítico. INF1 Morreu tuberculoso. INF2 Secava-se, nunca mais trabalhava aquele homem. Ai, meu Deus! E nós já tínhamos gastado tanto dinheiro. Depois o homem disse assim: "Arranjem nove gobos da ribeira". INF1 É verdade. INF2 "O senhor vai por a ribeira e leva logo nove gobos". Que era: três e três, seis, e três, nove. Cada dia três. INF1 São umas pedrinhas que há assim lisinhas, chamamos-lhe nós gobos. É de andar na água, vão-se arrebolando, vão-se arrebolando, chamamos nós gobos. INF2 Aqueles gobos da ribeira . Ainda lá andam alguns. Agora já lá está fraco . INF1 Pois. INF2 E depois o meu Epaminondas veio logo, trouxe os gobos. (...) Logo na primeira noite que fizemos os defumadoiros, nesse dia já falou melhor. INF1 Já 'dormistes'? INF3 Boa tarde. INQ Boa tarde. INF2 E depois vai o senhor doutor, diz ele assim: "Então rapaz"... INF3 Então, passou bem, minha senhora? INQ Bem, muito obrigada, como está senhor Emanuel? INF2 "Eu não sei o que é que me para aí fizeram". INF1 Quem é que disse ? INF2 "Ah"! Boto-lhe a mão ao braço: "Tu estás doido? Ó senhor doutor, não faça caso do que ele lhe diz. Ele é doido. Ele não sabe o que diz. Diz para aí parvoíces". INF1 Era com a febre, era com a febre. INF2 Mas é que eu não queria que o doutor percebesse. INF1 Que soubesse. INF2 Senão, eh!... "Ai"... Quando se ele foi embora, "Ai, o que tu ias fazer"? "Não sei". "Tu não dizes mais nada". O doutor. O doutor era então, eu sei lá! INF1 Que ele não cria, não era ? Era o doutor Esaú, não era? INF2 Olha, e depois fazíamos logo... INF1 Era o senhor doutor Esaú? INF2 Não. O doutor Ernesto velho. INF1 Ai, o doutor Ernesto velho. Ui, e ele então! Isso é muito bom homem, muito boa pessoa, mas... INF2 Ao fim dos três defumadoiros parece que se foi embora ... INF1 Ai, ainda é cedo! Que vais fazer agora à lameira? Então só ainda são... Ainda não são três horas! INF2 Ora, afinal das contas... INF1 Ainda tens tempo de ir à lameira. INF2 Depois não querem crer que há bruxas! Toda a vida as houve! INF1 Queres água ? (...) Bota-las sozinho? Ainda tens tempo. INF2 (...) E a gente sabe perfeitamente como é estas coisas. Mas muitos não querem crer! "Hi! Olha, já foram à benta. Já foram à feiticeira"! Procuramos nós a nossa saúde, queremos lá saber de... Nós não é para fazermos mal! É para procurarmos (...) a nossa saúde! INF1 É fresquinho, Emanuel, queres? INF3 Não. INQ Pois. INF1 Oh! Fui eu buscá-lo... INF2 Se ensinassem para fazer qualquer uma porcaria que desgraçasse uma pessoa, isso é que é pecado! Agora, ora, umas palavrinhas, mais isto, mais aquilo, e a gente... INF1 Não foram ao moinho. INF2 Sarar?! Ah! INF3 Foram. INF2 Uma vez... INF1 Diz (...) que é muito simpático o Elói, que lhe ensinou tudo. INF2 Vou-me confessar. INF3 Ai, o Elói, o Esopo, é. INF2 Fui-me confessar... INF3 (...) É um tipo muito simpático. INF2 Uma vez fui-me confessar. E o senhor padre disse-me assim: "A senhora é curandeira crendeira "? Risos "Nem sou curandeira crendeira , nem deixo de o ser. Quero crer num ar, ou num quebranto, ou um olhado". "Ai, tire-se dessa ideia. Isso é a fé que a senhora tem mas isso não vale nada". Então se ele é a fé, pois sem fé também nós não nos salvamos. INF1 Olhe, o meu Emanuel já passou por isso. Pois, diz que a fé de Deus nos salve! INF2 Se ele é a fé, é com aquela fé que a gente tem, (...) também então sem fé também nós não nos salvávamos. INF1 Três horas, vês que ainda é cedo? INF2 Disse-lhe eu assim. INF3 Vou molhar as rolas de farinha. INF1 Vais lá botá-la agora? INF2 "É agora"! Por lhe dizer isto, faria se lhe dissesse: "Ai, eu desfaço isto"! INF1 Vai lá mais logo, pela fresquinha. Fica mais fresquinho. Mais à noitinha. INF2 Nem padres, nem doutores, a gente não lhe pode confessar isto. Não é pecado. Deus deixou tudo no mundo! INF1 Ai, isso foi. Isso é verdade. INF2 Deus deixou tudo no mundo. Tudo no mundo há-de aparecer.
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INF1 O quebranto. Nosso Senhor andava a pedir. Para nos dar exemplo. INF2 Sim, que ele não tinha precisão de pedir. INF1 Descalço, a pedir. Nosso Senhor. Bateu à porta lá duns grandes senhores . E (...) o homem diz assim para a mulher: "Olha, está ali um pobrezinho. Pedia pousada. Então onde o havemos de deitar"? E a mulher disse-lhe assim: "Olha, na loja". "Oh, está lá um poço de água". "Bota-se-lhe a grade por cima". INF2 Ai Jesus! INF1 Uma pouca de palha e umas mantas. De noite, o homem gritou, gritou, gritou, o homem da tal. O pobre (...) que sabe como é... INF2 Ouviu. Que sabe como é. Era Deus. Era Deus. INF1 E bateu à porta da mulher: "O que é que o seu marido tem"? INF2 Isto é lindo! INF1 "Não sei, está num grito, num grito, num grito"! INF2 Ele canta-se, isto canta-se. INF1 (...) Nosso Senhor disse assim: " (...) Quem te fez a cama"? "Foi a má mulher". "Na grade e na lama, vai-te para a mulher que te fez a cama. Na grade e na lama". Sai o quebranto do homem, vai para a mulher. O homem ficou bom e a mulher ficou a gritar. Hã? INQ Mas isto canta-se, é? INF1 A Lara é que me ensinou este. INF2 E canta-se à moda (...) do lavrador. INF1 Era uma desgraça. A grade era do... INF2 (...) Mas não sabe aquela: "Vindo o lavrador da arada"? INF1 Hum? INF2 Sabe-a, não sabe? INF1 Não. INF2 Não. INF1 E depois... INQ Então conte lá. INF3 É essa a do lavrador da arada. INF2 Eu já não a encarrilharei toda. INF3 É aquela. INF2 Pois é.
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INF1 Ele morreu em casa (...) do lavrador. INF2 Ele morreu em casa do lavrador. INF1 Nem comeu, nem bebeu, nem dormiu, que esteve toda a noite a gemer, e morreu lá e ficou lá pregado na cruz de prata fina. INF2 Mas foi o lavrador que... INF1 E foi com o lavrador. O lavrador é que o levou para casa. INF3 Essa é outra . INQ Essa é outra. INF1 Tratou-o de tudo quanto era bom. INF3 Mas a outra... INF1 De tudo. INF3 A outra (...) mandou-o deitar na loja. INF2 Pois. INF3 Num poço de óleo. Botaram-lhe a grade por cima, que é uma grade de gradearem os lavradores... INF1 Pois. INF3 Ainda lá tenho do meu Epaminondas. Lá na loja. INF1 (...) Ainda lá tem a grade, vê lá tu! INF3 Depois... INF1 Há que anos ele morreu! INF3 Pega... INF1 É verdade. INF3 E uma faixa de palha, e umas poucas de roupa, e assim. E aquele... Já por Deus! Pois. INF1 Pois. INF2 E ele se quisesse não ia lá . INF1 (...) Mas o lavrador foi tudo quanto era bom! INF3 Ah! Mas aquele foi para a loja. Era pobre, coitadinho. INF2 Era ela que era má! As mulheres são sempre ruins, homem ! INF3 (...) Ele tinha mais poderes (...) do que os outros, era? Hã?
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INF1 E São Lázaro? INF2 É verdade. INF1 E São Lázaro. São Lázaro foi pedir ao rei, a casa do rei. Estava num banquete. E vieram, diz que não havia nada que lhe dar. Acenderam-lhe os cães. INF2 É verdade. INF1 E São Lázaro (...) abriu-lhe a capa e os cães foram lamber... Na vez de morderem, lamberam-lhe as chagas. INF2 Lamberam-no. Na vez de o morderem, lamberam-no as chagas todas que tinha. INF1 As chagas . Aquelas chagas. E não deram nada ao pobre. Nosso Senhor foi pedir à casa do rei. De pobre. INF2 É verdade. INF1 "Não venha cá"... " (...) Não tem lugar"! Os ricos estão no inferno! INF2 Ai isso estão! Depois, olhe... INF1 Um pobre... Um pobre, do poucochinho que tivesse, o pobrezinho, olha, está bem. INF2 Ó tia Elina! Ele (...) foi pedir a casa do rico e o rico disse-lhe que não tinha nada para lhe dar. Estava num banquete muito grande! INF1 Pois. INF2 E depois acenderam-lhe os cães. INF3 Esta sabe, esta sabe. INF1 Não. Os cães foi a Lázaro. INF2 Ah, foi a Lázaro? (...) INF1 Nosso Senhor... INF2 É Nosso Senhor... INF1 Depois Nosso Senhor, como lhe ele disse que não havia nada, voltou. INF2 Foi vestir-se de rico. INF1 Foi-se preparar. INF2 Vestiu-se de rico. INF1 Preparou-se de senhor. INF2 Nem ele podia. Vestiu-se de rico (...) que não havia lá nenhum como ele. INF1 (...) A criada veio... INF2 A criada foi a correr: "Ai, vem ali um senhor"... INF1 "Está ali um senhor". INF2 "Vem ali um senhor muito asseado. Vem ali um senhor muito asseado"! INF1 "Está ali um senhor. Que entre"! INF2 "Diga-lhe que entre, que entre"! Todos lhe davam já as cadeiras melhores, a puxarem-lhe a cadeira. INF1 Logo lhe puxaram da cadeira e do prato. E Nosso Senhor disse assim: "Minhas mangas comei aqui que a vós vos honram mais que a mim ". INF2 "Que a vós vos honram a mais que a mim". INF1 "Porque é que o senhor disse isso"? "Porque eu vim aqui há pouco pedir de pobre, não tive nada. Não tinham nada que me dar. (...) Nem tinha lugar. E agora já há de tudo. Já tenho lugar". INF2 "E agora já cá há de tudo". Olhe... INF1 Ficaram (...) . INF2 Tinham lá um galo grande assado e estava na mesa. E eles disseram assim... Um começou assim: "Ai, olhai que é Cristo. Diz que anda Cristo pelo mundo. Olha que é Cristo. É Cristo". E eles, os outros diziam: "É agora lá Cristo. Então, ele já há-de ser tanto Cristo como este galo há-de cantar". O galo assado na travessa levantou-se e cantou três vezes. Bateu as asas e cantou três vezes. Foi que então tudo acreditou que era Deus. É que a vida de Cristo é muito grande e muito linda. INF1 Pois, (...) Deus deixou tudo no mundo. INF2 Já assado, minha senhora. Já estava assado e pronto para o comerem. Mas como ele lá apareceu e (...) uns acreditavam: "Ai, diz que é Cristo que anda pelo mundo. Agora Cristo anda pelo mundo. E olha que é Cristo", (...) aqueles que eram crentes. "É Cristo". E o outro dizia assim: "É tanto ele ser Cristo como este galo agora levantar-se aqui na travessa e cantar". E ele levantou-se, bateu as asas três vezes e cantou três vezes. E tornou-se a deitar na travessa. E foi que eles então disseram: "É Deus. É mesmo Cristo". (...) Isto é que é mesmo Cristo, porque senão o galo, já assado e tudo... INF1 Pois é. Oh! INF2 E a vida de Cristo é muito linda e tem muita coisa que contar. INF1 Olhem eu, eu é que quero crer. INF2 Eu também. INF1 Sou (...) meia feiticeira. INF2 Risos INF1 Sim, feiticeira, não. Sim, crendeira. INF2 Crente, é crente. INF1 Crendeira. INF2 É crente. INF1 Quando for a saber num ar, ou num quebranto, ou num olhado, coisa assim. Se me ensinarem isto ou aquilo para fazer... Mal, não. Isso então desisto. Agora pela minha saúde, eu vou. Vou até... Nem sei! Ao cabo do mundo. INF2 Ao cabo do mundo. Coitadinha! INF3 (...) INF1 Sabe onde é que outro dia fomos? Longe, longe, longe, que eu já estava cheia de andar, andar. INF2 Ai já lá foi? INF3 Foi. INF1 Ao padre ? INF2 (...) Encontrou-se melhor? INF1 Oh! Na mesma. INF2 Pois é. Isso a coisa assim não... Bem... INF1 Ele disse assim... INF2 Ele, pode ser... INF1 Ai, havia lá tanta gente, tanta gente, tanta gente! INQ Um padre? INF1 Que aquilo... INF2 Que é um padre. INF3 (...) É ali para o pé de... INF1 É para lá de Celorico. INF2 É para lá de Celorico. INF3 É para o lado ali para o lado de Penamacor. INF1 Para lá de Celorico. INF3 Diz que é ali para o pé de (...) . INF2 Diz que já têm lá sarado muita gente, mas... INQ Mas é um padre? INF3 É um padre, é um padre. INF2 Diz que é mesmo um padre. INF1 Mas era um padre. INF3 É um padre. INF2 Que era mesmo um padre. INF3 Ele esteve no Ultramar. INF1 E depois... INF3 E no Ultramar foi preso pelas tropas. INF1 E ele... INF3 Porque ele diz que curava muita gente, fazia muito mesmo . Fazia muita coisa, curava muita gente. E depois lá prenderam-no. Prenderam-no, tiveram-no preso muito tempo. Mas ele mesmo preso que dizia: "Podem-me fazer o que quiserem, porque todo aquele doente que vier ao pé da minha porta e eu puder"... INF2 "Que venha com fé". INF3 "Que venha com fé, eu curo-o e ele vai-se embora curado". INF2 Com fé. Pois. INF3 Então começaram a levar lá (...) clientes. Para verem o senhor padre . INF2 No Carnaval há muita gente! INF3 E ele agarrava... Vinham para fora curados. Até que por fim deram-lhe a liberdade, prontos. INF1 Agora... INF3 No cabo , agora veio para cá quando foi esta coisa daquilo lá nos tirarem as colónias . INF1 Põe a mão na cabeça da pessoa. INF3 Ele veio para aí e ali está, ali perto de Penamacor. INF1 Põe a mão na cabeça duma pessoa ... INF2 É. Pois. INF3 É uma terra para lá de Penamacor. Mas esse homem tem para lá curado gente que é uma coisa por demais! INF1 (...) Beijei-lhe a mão! INF2 Pois. INF1 Ele põe a mão na cabeça da gente e ele diz assim. Ele diz assim: INF2 (...) É como o outro padre Ésquilo em Lisboa. INF1 "Eu não sou santo! Eu peço ao Senhor as graças. As que tem sorte de sarar, que é a sua sorte , sara; quando não tem, ficamos assim mesmo. Pronto"! Olha é a fé. INF2 É a fé de Deus deles . INF3 Pois, pois. INF1 Afinal das contas, estava lá tanta... INF3 Mas o que é, ele diz que não receita nada. INF1 Tantos retratos de lhe irem agradecer. INQ Mas a senhora foi lá porquê? INF2 Como ela é mouca, a ver se ouvia, coitadinha. INF3 Pois ela foi lá também por isso. INF2 Estou-lhe a dizer que vossemecê que foi lá por causa de doente e de ser mouquinha. Ela é muito surda. INF1 (...) De todo! Ai meu Deus! Ai meu Deus! E surda, muito surda, Nosso Senhor! INF2 Ela não era surda! Ela não era surda! Era linda, quando era nova! Quando era nova era muito bonita! INF3 (...) INF1 Mas então, olha, eu não estou arrependida de lá ir. INF2 Ela já está velhota e ainda hoje não é desengraçada! INF1 Se calhasse a tornar a lá ir, ainda lá tornava a ir! Risos INF2 Ainda lá torna ela. INF3 Ainda lá torna. INF1 Diz que esteve (...) na Lapa um padre a apregar - não sei quem foi que me disse -, quem fosse àquele padre que ficava excomungado. Eles é que são excomungados! INF2 Oh, elas são doidas! INF3 Não, mas olha que (...) . INF1 Então o padre não receita nada. INF3 E olha que o padre Estácio falou lá nisso. INF2 Falou? INF3 Falou, sim senhor. INF1 Hã? INF3 O Padre Estácio falou, deu lá o toque nesse padre. INF1 Então, ele não receita nada, ele não leva nada a ninguém, hã? Lá propõe. INF2 Eles têm esse vício. INF1 Eu não ouvia nada mas as que foram comigo ouviram o que ele dizia, não é? Então não leva nada. INF2 Pois não. Não aceita nada a ninguém. INF1 Depois dá o Senhor a beijar àquela... Fazem aquela ali fila, ali, pessoal que lá está, e dá o Senhor a beijar. Põe a mão na cabeça da pessoa, bota a bênção. INF2 Não faz mal a ninguém. INF1 Nem leva dinheiro, nem receita nada, nem coisíssima nenhuma. É como ele diz: "Eu peço as graças ao Senhor"! Claro, havia lá tanta gente e havia lá tantos retratos de cima duma mesa, é porque (...) alguns benefícios fez. INF2 Pois. INF3 Sim, pois claro. INF1 Sim, não é? INF3 Pois. INF1 Agora, que ficava excomungada. Eles é que ficam excomungados. Eles é que são excomungados. Ele não leva nada a ninguém. E diz missa todos os dias lá numa capela. E estava lá outro padre. Lá foi cumprimentá-lo, lá estiveram a conversar, mas nós não fomos.
GRJ30
INQ Vamos lá continuar senão já não saio daqui hoje. INF1 Senão nunca mais sai daqui hoje. Depois vem o seu marido e diz assim: "Que 'fizestes' tu? Aqui há tanto tempo. Não 'fizestes' nada"? INQ Não fiz nada?! Olhe, mas essa, essa do Lavrador da Arada é muito bonita! INF1 É bonita, não é? INQ É. INF1 É muito bonita! INQ Olha, mas então esse que cura assim as doenças é um curandeiro, não é? INF1 É. INQ E aquele que só põe os ossos no lugar? INF2 Isso são os jeitosos. INF1 Ah, (...) isso são os jeitosos. INF2 Chama-se-lhe... Isso aqui é os jeitosos. INF1 Olhe, a mim... Quatro costelas que eu parti. Uma vez vinha eu vindo de Lisboa. E trazíamos uns garrafõezinhos que tínhamos levado para lá com aguardente, e vinho, e assim, para os filhos. E depois (...) o meu marido veio com eles, poisou-os logo ali quase à entrada da sala. Ficou já de noite. Eu não sabia! Tropecei, caí de cima dos garrafões, parti logo - foi três costelas, não foi? - três costelas deste lado esquerdo. E olhe, fui ao médico. Andei no médico. Tantas coisas, não sarava. E fui lá ao homem e logo mas compôs. Andei ligada com uns pegões, e muito ligada, muito ligada, mas ainda aos quartos de lua, ainda sinto estas dores aqui. Ainda me dá uma dorzita. (...) Mas são jeitosos. Sim, estes que compõem a gente são jeitosos. Quando eu parti as costelas. INF3 Pois. INF1 Em Trancoso, é em Trancoso. Esse senhor é em Trancoso. INF3 Pois.
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INF1 O marido nem cá andava. (...) Andava a trabalhar fora da terra. E eu andava muito cheiinha de febre - nunca me esta esqueceu. A tia Engrácia - Deus lhe perdoe - fomos além estender um milhinho - que o tínhamos lá da lameira - fomos estendê-lo ali à Dona Estela. E ela foi-mo ajudar a estender por me ver andar assim cheia de febre e esse não estava, que andava a trabalhar (...) . INF2 No Eirado. INF1 No Eirado. E depois fui abaixo buscar uns chamicinhos (...) e o Estentor foi lá e tirou-mos da corda, e levou-me a corda e a podoa e os chamicinhos. E eu cheiinha de febre! INF3 Aquele homem está no inferno! INF1 Ai aquele está! Aquele está no inferno! INF3 Também se aquele salvou... INF1 Eu já disse a podoa? Ele morreu, levou uma podoa... INF3 (...) Esperto. INF1 Olhe, levou uma corda e levou uma podoa. Eu já às vezes digo para este: "Olha, a corda foi para o prenderem no inferno e a podoa foi para lhe cortar o pescoço". INF3 Hum! INF1 Eu tão cheiinha de febre que eu andava! Tão doentinha, que isto dá muita febre! INF3 (...) O meu Epaminondas nunca deixou ir os filhos ao minério. INF1 A gente nem pode andar. Cria aquelas ínguas que a senhora procurou. E eu todinha cheiinha de ínguas, tão doentinha! INF3 (...) Naquela altura ali (...) pediram-me para deixar: "Oh, deixe ir a Ester. Deixe ir a sua Ester. Deixe ir só a Ester". Vieram, trouxeram muito. Ele estava lá na venda: "Ai, hoje 'fostens' ao meu filão"! INF1 Pois, era um invejoso. INF3 Tirou-lhe a metade. O meu Epaminondas não a deixou mais ir. "Se quiser arranjar a barriga que vá para lá ele furá-lo". INF1 Pois. E era verdade. INF3 Não deixou mais ir a filha. INF1 A senhora não se lembra de falar no minério, pois não? Falarem no minério muito assim?... INF2 Lembra-se agora ! INQ Sim. Foi no tempo da guerra. INF1 Pois foi. Quando começou a guerra. Antes de... INQ Antes de começar a guerra. INF2 O volfrâmio. Havia o estanho, havia o... INF1 (...) Nós andámos lá a tirar. INF2 O volfrâmio era preto, e o estanho não. INF1 Nós andámos a tirá-lo. Olhe, foi com que comprei a minha casinha. INF3 Oh! Que o 'poupastens'! INF1 Foi com o dinheirinho que (...) lá ganhei, foi. INF3 Porque se fosse comer e beber, não o 'juntavens', que muitos andaram lá, não têm um tostãozinho. INF1 Porque o poupámos, não fizemos como os outros. Muitos andaram lá, (...) ficaram sem um tostão. INF3 Pois! INF1 Nós comprámos a casinha com ele. E um cordão. INF3 Pois.
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INQ Olhe, e as impingens, como é que são? INF1 As impingens, a impingem também nasce. A impingem (...) é assim: começa-se a esfolar (...) a carne, ou como é. INF2 Aquilo começa a alastrar, a alastrar e vai sempre... (...) Aquela casca vai sempre na frente e aquilo vai alastrando . INF1 A alastrar, a alastrar. Até que a gente a atalha! A gente atalha-a depois não vai mais. INQ E como é que se atalha a impingem? INF1 Olhe: " (...) Impingem rabiça , sai daqui". Se a gente tem comido, diz-lhe que ainda não comeu; e se a gente não tem comido, diz-lhe que já a tem comido. Porque eu já hoje... Por exemplo, eu ainda não tenho comido: "Que eu já hoje comi e bebi, assim como te eu menti, assim tu medres aqui". E depois (...) a gente (...) passa na frigideira a casca dos alhos, ou a rama, num bocadinho de azeite, tosta-a muito tostadinha, e depois desfaz assim com uma colher, e depois chega-lhe aquilo assim um bocadinho , bota, sara num instante. INF2 Em volta, pronto, sara. INF1 É uma impingem.
GRJ33
INQ A erisípela ou erisipela? INF1 Ah, a erisipela. Oh, já a tive eu. INF2 Há quem chame... Há quem lhe dê esse nome de erisipela. INF3 E sarampo. INF1 A erisipela. Lembra-lhe que eu estive a morrer com ela? INF3 É. Erisípela. INF1 O meu marido não estava cá. INF3 É erisípela. INF1 E eu davam-me aquelas dores de... Eu vim-me embora mais cedo e depois davam-me aquelas dores muito grandes de cabeça, aquelas dores de cabeça muito grandes. E eu tinha lá álcool, mas álcool fino. Que eu tenho um filho que trabalha lá para assim donde o há e o patrão, como sabe que eu sofro muito do reumático, de vez em quando manda-me dar um bocado. E eu lembrei-me: "Bem, vou molhar uns pachos de álcool e vou pôr"... Tinha aqui um calor e umas dores! Um calor! Foi quando morreu o meu filho, andava assim meia doida. E depois, peguei no pacho do álcool e pu-lo aqui. E fiquei assim fresquinha. Fiquei fresquinha, fiquei! Parece que fiquei melhorzinha. Estava sozinha. Dormia lá sozinha em casa e tudo. Mas de manhã (...) , mesmo nessa noite, a minha filha... Foi lá uma sobrinha minha - chamam-na Estrela - e disse-me assim: "Ó tia! A tia amanhã podia-me ir cozinhar, que trago lá homens a fazer a ceifa, podia-me para lá ir cozinhar". Que eu, não sou para me gabar mas sei assim muito de cozinhados. "Podia-me para lá ir cozinhar e eu ia acartar o comer, que ainda é bastante longe. É lá para o Perdigão, ainda é bastante longe. E eu ia acartar o comer e a tia fazia-mo". "Está bem. Eu vou". Com aquele calor de andar de cima (...) do forno, lá na lareira, de cima daquele fogo, com aquele calor e com o álcool que tinha posto, apanhei um erisipelão bravo. Olhe, pôs-se-me a cabeça parecia a cabeça dum animal. Grande! (...) E tudo cheio (...) de borbulhas. Levantava-me assim a pele para cima, aquelas borbulhas. Levantava a... Levantou-me a pelezinha da cabeça toda, toda, toda. Depois eu fugi para a rua doida, de noite, com a febre. Estava sozinha, andava na rua sozinha. Depois lá me encontrou um: "Então ó tia Ercília, que anda aqui a fazer"? "Ai, deixa-me, deixa-me que eu estou tão doente! Estou tão doente, deixa-me! Ai, que estou tão doente"! "Vamos lá para casa. Então o que é que tem"? "Estou tão doente"! Ele olhou para mim, viu-me assim muito encarnada e viu-me assim malzinha e foram-me lá levar a casa. E eu lá me tornei a deitar. Lavei-me, assim com a febre, e lavei-me, lá fiquei até de manhã. De manhã a minha família lá deu conta, lá houve pessoas que deram conta, levaram-me ao médico. Lá fui ao médico, o médico lá me receitou então uns remédios - umas pomadas. Metia uma assim por baixo do cabelo. Ele (...) até tinha dito que me cortassem o cabelo. Mas eu tinha um cabelão muito grande nesse tempo. Caiu-me agora há pouco tempo. (...) E depois, elas tiveram pena, metiam-me assim (...) com uma coisinha que o médico lhe receitou, metiam-me assim os remédios. Punham-me os remédios mas estive ceguinha, nem abria os olhos, nem nada. Estive malzinha, muito malzinha. Até mandaram vir este. Que viesse. Eu até lhe disse: "Nem cá venhas. Olha que eu estou muito feia"! Pois eu parecia... (...) Nem sei quem é que eu parecia! É o erisipelão. Olhe que isso é muito mau também. É uma doença que a senhora não calcula. Nem aos cães da rua chegue! Eu tive uma desgraça... Foi uma desgraça para mim aquela doença! Ainda fiquei muito cheia de fístulas. Agora já tenho aqui só já uns bocadinhos. Mas andei muito tempo cheia de fístulas, (...) daquelas empolas, rebentou aquilo tudo, aquele pus. Depois foi então lá uma rapariguinha que chamam-na a Etelvina - que é solteirona, coitadinha -, e foi-me atalhar com o azeite e a folha da oliveira. E ela lá sabe aquelas coisinhas. Lá me foi abatendo, lá foi abatendo... INQ A senhora não sabe? INF1 Eu não sei. Não sei. A Etelvina sabe muito bem. Mas eu isso não aprendi.
GRJ34
INQ Outra doença na pele que dá muita comichão... INF1 É a brotoeja. É o que eu digo que é a brotoeja. INQ É a sa-... É o mesmo que a sarna. INF1 Empolas. Não é umas empolas... INF2 É quase como a sarna. INF1 São umas empolas grandes, umas empolas rijas. E a gente a coçar, a coçar, a coçar. É a brotoeja. INF2 Até fazer sangue. É a brotoeja. INF1 É a brotoeja. INQ Mas é o... É, é, é na mesma como a sarna, ou é?... INF2 É, é, é a mesma coisa. INF1 É quase a mesma coisa, mas a sarna é pior. INQ A sarna é pior. INF1 (...) Aquilo diz que quem souber, que se unte com um bocadinho de azeite e que pegue num bocado de farinha triga, que se esfregue bem com a farinha triga, aquilo desaparece dum dia para o outro. (...) INQ A sarna? INF1 Não. INF2 A brotoeja. INF1 (...) A tal brotoeja. A brotoeja. A sarna é com remédios da farmácia também. Há uns líquidos, uns frascos grandes. INQ Então e o sarampo? INF1 E o sarampo, isso também é mau, o sarampo. INF3 O sarampo. INF1 O sarampo, isso é que é mau. INF2 "Sarampo, sarampelo, sete vezes te há-de ir ao pelo". INF3 "Sarampo, sarampelo, sete vezes vem ao pelo". A mim só me veio uma vez. INF1 É muito mau! Olhe que é muito mau! INF3 Ai, eu estive cheia de febre. INF1 É, é. Também é muito mau. INF3 Meteram-me dentro de um (...) ... INF1 Os meus filhos, quase todos o teve. INQ Olhe, e outra coisa que também, que também dá na cabeça e tem que se rapar o cabelo todo. Pode dar nas pessoas e dá nos cães. INF1 Ah! (...) É a... INF2 Ai, isso é, como é que se chama?... A lepra. INF1 Lepra. Isso é mau. INF2 Isso é lepra. INQ E a tinha? INF1 É a tinha também. INF2 É a tinha é. É a mesma coisa. INF1 Há aqui rapazes... INF2 Tinha e lepra é a mesma coisa. INF1 É. INQ É? INF2 É. INF1 É. É a mesma coisa. É a mesma coisa. INF2 Cai-lhe o cabelo. Fica tudo... INF1 Ficam todos peladinhos.
GRJ35
INQ Esses remédios que se fazem em casa... INF1 Remédios caseiros. INF2 Caseiros. INQ Como é que se chamam esses remédios? INF1 Tem... (...) Há diversos. INF2 É remédio caseiro . INF1 (...) Há diversos remédios. Olhe, se rebenta essas tais empolas que a gente diz que são negras, a gente - eu foi com que me curei -, a gente faz: (...) uma gema dum ovo com um bocadinho de leite de peito, dos peitos da gente, (...) quem tem. Agora quase que nenhumas tem. Ninguém quer criar filhos. Eu é que criei muitos. E um bocadinho de leite de peito, (...) um miolinho, poucochinho, (...) de trigo. (...) O miolinho do trigo, assim muito desfeitinho, muito desfeitinho, tudo muito batido, muito batido, muito batido num bocadinho de azeite. Tudo muito batido. Depois num paninho de gaze ou um paninho ralinho, a gente põe - chamamos aquilo nós as papas santas. A gente põe-lhe aquelas papinhas em cima, aquilo em dois ou três dias rebenta. Nem que esteja bem rijo, bem rijo, rebenta tudo. Não era?
GRJ36
INF1 A perna criou o erisipelão todo. O homem começou a ficar mal, veio lá para Lisboa - veio da terra, das férias -, veio para Lisboa, começou a ficar muito malzinho, muito mal, muito mal, foi para o hospital. Foi para o hospital, não lhe fizeram lá nada. Tornou a... Disseram-lhe que talvez fosse preciso cortar-lhe a perna por aqui, pelo quadril. Era um marceneiro, mas era um marceneiro! Era um santo homem. E depois, coitadinho, vinha lá todos os dias o enfermeiro dar uma injecção (...) e curá-lo, tratá-lo. INF2 Cortaram-lhe a perna? INF3 Não senhor. INF1 Não senhora. Depois ele diz que cada vez que estava pior, cada vez estava pior. INF2 Pois é! Estas coisas não lhe vale de nada remédios da farmácia . INF1 Eu, um dia... Quer ver, eu vou-lhe dizer: eu, um dia, ia a sair para a venda, ia ter com o meu Emanuel - que ele tinha ido à Ribeira buscar o peixe e eu ia ter com ele, ao encontro dele para o ajudar (...) . Ele pesava e eu levava-o às freguesas, que lá não vêm as freguesas à rua. Vai a gente tudo às casas. Depois, o meu Emanuel... Eu ia a sair e (...) a porteira disse-me assim: "Ó dona Ercília, ó dona Ercília"! "Diga, dona Eufêmea"! "Olhe, se vossemecê fizesse o favor logo de vir aqui ver o senhor Estevão. Está tão malzinho, tão malzinho"! "Então o que é que ele tem"? Disse-lhe eu: "Que tem ele"? INF2 Pois. INF1 "Olhe, eu agora não tenho tempo, que vou ao encontro do meu marido para o ajudar". "Mas a dona Ercília quando vem vem cá"? "Venho, sim". Lá fui. Ai, aquilo estava uma miséria! Olhe, os médicos... INF2 Pois, os remédios (...) , para aqueles males, dêem-lhe fogo ! INF1 Olhe, receitam... Olhe, olhe, receitaram-lhe banhos de permaganato. Aquele permaganato meteu-se naquela pele - a pele era desta altura, a pele. E a perna toda, pé e tudo muito inchado, muito inchado! INF2 Os doutores não querem crer nestas coisas. INF1 Aquilo (...) até metia medo! Olhe, eu só lhe atalhei o erisipelão. E fui-lhe cortar umas poucas de folhas de hera - lá ao jardim do Miradoiro - umas poucas de folhas de hera, umas poucas de (...) ... É aquelas folhinhas que eu vi que faziam bem. INF2 Pois. INF1 Cozi-lhas todas. Tirei-lhe as peles todas por fora e depois com farinha triga e azeite... Eu primeiro com uma tesoura que desinfectei, cortei-lhe as peles. INF2 Cortaste-lhe as peles. INF1 Eram lençóis e toalhas a apanhar aquele pus todo. Era um pus muito amarelo! INF2 (...) Oh, coitadinho! Cortavam-no todo ! INF3 Cortavam-lhe a perna, não estavam já para lha cortar! INF1 E depois apanhei aquilo tudo e (...) curei-lha. Aquela vez curei-lha assim. Pus-lhe... Ainda não tinha lá as folhinhas. Depois de fazer aquilo é que eu fui apanhar. Curei-lha assim. Tirei-lhe aquela água toda fora, esfreguei-lha com um bocadinho de azeite quente, pus-lhe por cima a gaze, assim, e à tarde... Isto foi (...) meio-dia. À noite tornei lá já com as folhinhas todas cozidas. Cobri-lhe tudo, tudo (...) de azeite; depois farinha triga, e depois pus-lhe as folhinhas todas, todas por cima; e depois embrulhei-o todo num lençol fresco, todo assim. Ficou assim com a perninha. Quando foi ao fim de oito dias o homem estava quase sarado. Foi lá o enfermeiro. Foi lá o enfermeiro e disse assim: "Então"... Ele dava-lhe a injecção à mesma. "Então (...) não me deixa ver a sua perna"? "A minha perna está melhorzinha". Ele dizia-lhe sempre que estava melhor mas não lhe dizia (...) quem lha andava a tratar. Bem, ele lá andou, um dia calhou eu a estar-lha a curar e entrou o enfermeiro. Entrou o enfermeiro, esteve a ver a minha vida. Esteve a observar o meu tratamento. E no fim, ao outro dia, tornou lá sozinho, esperou a altura que eu lá não estava, e o enfermeiro disse-lhe assim: "Então, senhor Estevão, aquela senhora o que é que lhe é"? "Olhe, não me é nada. É minha vizinha. É minha vizinha, mas é muito jeitosa"... INF2 Ora, pois, pois. INF1 " (...) Cura muitas coisas com os remédios caseiros e aqui a nossa porteira lembrou-se de a cá mandar e, olhe, estou todo satisfeito com ela! O senhor quer ver a minha perna"? Desembrulhou-a já toda sequinha! Já toda... (...) INF3 A largar aquelas... INF1 Aquelas peles, já tinha cortado tudo, já estava tudo a criar coirinho, tudo a encarnar. E ele ficou todo satisfeito. E depois mais tarde tornou lá a (...) ver como é que eu fazia, hã?! Ele andava sempre a ver se me lá apanhava, a ver como é que eu fazia. E foi dizer aos doutores: "Médica é (...) uma senhora que mora na Penha de França, que é mulher dum peixeiro. (...) E olhe, tem... Fulano assim, assim está tratado. Ela é que o tem tratado com estes remédios". Explicou-lhe tudinho, tudinho, tudinho, tudinho. Quantas pessoas depois lá bateram! INF2 É verdade . INF1 Fui eu quem tratei o homem. Mas também lhe digo: a mulher... Chamavam-na dona Eufrosina, (...) tem só duas filhas. Ele morreu agora há pouco tempo. Tem só duas filhas. No dia de Natal, (...) nas vésperas do Natal, olhe, um cesto grande de carga. Olhe, ela levou-me farinha, figos, pinhões, açúcar, arroz, INF2 Trouxeram mais sempre . INF1 bacalhau, olhe, (...) de quanto havia na loja, de quanto me ela levou um cesto. INF2 Aquela minha vizinha... INF1 Um cesto! Um cesto de carga! INF2 Aquela minha vizinha, aos maus tratos que lhe fazem a quem lhe eu fazia, Nosso Senhor (...) lhe dê o castigo que ela merece! A gente fazer bem... INF1 Sempre! INF2 É para com Deus ! INF1 Olhe, ele era tão nosso amigo, tão nosso amigo, se nós precisássemos todos os dias... INF2 Fazemos bem! Fazemos bem a Deus! INF1 Se nós precisássemos todos os dias que nos ele lá fosse fazer qualquer coisa a casa, ele ia sempre. Era um grande marceneiro. Mal empregadinho homem em já morrer ele já morreu !
GRJ37
INF1 Os remédios caseiros muitas vezes são melhores que os da botica. INQ Ai isso são. INF2 Oh, então e essas queimaduras daquela senhora da ponta, lá donde a mulher do Justiniano trabalha . INF3 Olhe... INF1 Pois. INF3 Olhe que eu tive cinco filhos. Os quebrantos era a toda a hora. INF1 E eu, e eu. INF3 Olhe, chegaram-me a atar um lenço aqui ao peito e botavam-mo aqui ao ombro. INF1 Era. INF3 Não podia com o peito. INF1 A gente tinha muito leite. Agora não têm leite e não tratam... INF3 O leite ia atrás . INF1 Não se tratam. Não querem! Então, eu vou contar à senhora quantos filhos eu criei. INF3 O leite é que ia atrás . INF1 Eu tive doze. Já me morreram três, um é que só tinha seis dias. Mas os outros já tinha: um, vinte e cinco meses e outra três anos - chamavam-na Eugénia. (...) E criei os outros sete. E criei aqui o senhor Estrabãozinho. Fui eu que o criei. Tive-o mesmo em minha casa a criá-lo. O Estrabãozinho, fui eu que o criei. (...) E o senhor Evangelista. O senhor doutor Evangelista. INF2 O engenheiro. INF1 É o engenheiro. INF2 O engenheiro. INF1 Também fui eu (...) que o criei. Dava o peito à minha filha mais velha, à minha Eurídice, e dava-lhe o peito a ele, às horas. Tinha tanto leitinho! E elas não têm porquê? Porque não querem. Porque elas agora comem bem e eu naquele tempo tinha muita fome. INF3 Oh, naquele tempo... INF1 Às vezes saía para a várzea, sachar, sachar, cheia de fome, cheia de fome! INF3 E arrancavam, danavam-me... INF1 (...) INF3 É que parecem que arrancavam as veias do peito , ah! INF1 O peito à gente. (...) E eu vinha, quando vinha já, mesmo sem comer nada, em jejum. INF3 Agora, querem o que é bom! Ai, que regalonas! INF1 Era só aquela... É, é. São umas regalonas. Elas podem durar outro tanto tempo. Eu criei muito filhinho! (...) E iam para a feira, por exemplo, estava aqui uma senhora que chamavam a Eulália Justino, não tinha leite. Os filhos dela... A Encarnação - olhe, essa Encarnação que aqui esteve, já vinha atrás de mim; em me vendo, já vinha: "A mãe! A mãe! A mãe"! De lhe eu dar o peito. INF2 Porque ela era amiga de lhe dar a mama. INF1 De lhe eu dar o peito, chamava-me mãe. Uma vez vinha com um tabuleiro de pão para ali para o forno do senhor Euclides, da minha mãe. Em massa. Ainda vinha em massa, a sair de casa com ele. Ela atrás de mim: "Ó mãe, ó mãe"! A mãe, como gaguejava assim um bocadito: "Q-, Q-, Que filhos meus que nunca mais. Nunca mais vão mamar em ninguém. N-, N-, Nunca mais"! Eu fui pôr o tabuleiro ao forno e vim a correr dar-lhe a mama à rapariga. Quase que lhos 'desemborreguei' todos. Eu tinha muito leite. Em comendo um bocadinho de pão, um bocadinho de queijo, ou um bocadinho de bacalhau, ou uma sardinhinha - era mais comer da gente, era a sopinha e um bocado de pão e sardinha - eu já me desfazia toda em leite. Às vezes de noite, eu estava assim: "Eu nem me posso virar mais para ti"! Molhava-o todo! Eles mamavam dum lado e o leite corria do outro. INF2 Era leiteira. INF1 Era muito leiteirinha, ai isso era! INF3 Ai eu também, graças a Deus! INF1 E a minha Eunice também assim era. E a Eurídice? A Eurídice também os criou todos ao peito. INF3 Eu, graças a Deus também.
GRJ38
INQ Então diga lá como é que faz. INF1 Olhe, faço: ponho (...) um bocado de laranja, (...) umas passinhas de uva, um bocado de maçã, (...) uns figos secos, (...) um bocadinho de pera, e bastante açúcar, e, às vezes, uns agriões misturados, uns agriões, e faço assim aquele cozimento. Depois a gente passa aquilo pelo passadorzinho e, bem quentinho, bebem na cama. Aquilo é uma beleza! É um remédio muito bom, um remédio santo! É um remédio muito bom! Um cozimento! Um cozimento que a gente usava a fazer. INF2 Ah pois. INF1 Pois é. Passas de uva... INF3 Uma espécie de xarope. INF1 (...) É um xarope, é um xarope.
GRJ39
INQ E aquela coisa que lhes cresce, assim uns papos? INF1 (...) É papeira. INF2 Tesorelho. INF1 É papeira ou tesorelho. INF2 O nome daquilo mesmo é tesorelho. INF1 É o tesorelho, mas lá (...) na cidade é a papeira. INF2 Antigamente era assim que se dizia: tesorelho. INF1 É. O tesorelho. INF3 O tesorelho, é. INF1 Eu já o tive. Eu, já o tive. INF2 Também eu. INF1 Já estive a morrer com ele no Hospital do Rego em Lisboa! Deu à minha Eunice primeiro, que era ainda pequenita. E a pequena, é claro, ela (...) lá me apegou a mim. Eu fui para o Hospital do Rego, não foi? Estive mesmo a morrer. Deu-me junto um bocado de tifo, deu-me isso e o tifo. INF2 Foi. Nem tinha visitas. INF1 Foi, estive mesmo a morrer. INQ Olhe, quando dá um ataque de paralisia, as pessoas ficam como? INF1 Paralíticos (...) do braço ou duma perna. INQ Só se diz paralítico? INF1 É paralítico, é. INF2 É só paralítico. INF1 Paralítico. INQ Entrevado não se diz? INF1 Ou entrevado. INF2 Ou entrevado, mas a palavra... INQ Olhe então... INF2 Pois, (...) até que a palavra (...) mais antiga é 'encravado'. 'Encravado', é. INF1 Entrevado. Entrevado. INF2 Entrevado, entrevado. Que era essa coisa. Agora é que já não dizem isso. Dizem paralítico. Mas (...) nesse tempo ainda não existia. INQ Olhe, e aquela doença que, que dói, começa... Quando muda o tempo começam a doer?... INF1 Reumático. Reumatismo. INQ E quando a pessoa está doente dos pulmões, diz que está? INF1 Tuberculosa. INQ Só se diz assim também? INF1 Cá é. INQ E quando dão aquelas coisas que a pessoa cai para o chão e começa a deitar espuma pela boca, é o quê? INF1 Ah, isso são ataques epilépticos. INF2 Ataques... INF1 Epilépticos. INF2 É. INF1 Davam a um irmão meu que morreu afogado, coitadinho, com eles. Foi para uma terra e depois não trazia lá ninguém ao pé dele, ele andava perto dum poço, aquilo virou-se... Ele (.../VB) muito, caiu para dentro do poço, não sabiam dele, foram lá dar com ele afogado. Um homenzarrão!
GRJ40
INQ Quando a senhora era nova, o que é que vestia logo por cima da pele? INF1 Uma camisa, não é? Antigamente eram camisas. (...) Agora são combinações e antigamente eram camisas assim de ombreirinha. De ombreira. Muito bordadinhas e muito arranjadinhas, mas era uma camisa. INQ E por cima, o que era? INF1 E por cima, pois, uma blusa, uma saia (...) . INF2 Um colete. Naquele tempo, se calhar, ainda se usavam. INF1 Ah, por cima da camisa era o coletinho, apertado à frente. Não usavam? Eu nunca andei sem ele na minha vida. Nem me ajeito. Hoje já não tenho mamas nenhumas e não me ajeito a andar sem ele. Não me ajeito, não. Parece que ando em coira. E era (...) um soutien. (...) Naquele tempo não se chamavam soutiens. Era um colete. INF2 Era um colete. INF1 Era um colete. Era apertadinho à frente, aqui. Apertava-o a gente como aperto aqui a blusa, atacava... INF2 Com atacadores. INF1 Com um atacador. Os coletes - que a gente usava antigamente. INQ Olhe, e, e por baixo da saia o que é que usava? INF1 (...) Um saiotinho. A gente naquele tempo era o saiote. INF2 Não havia calças. INF1 Era um saiotinho de flanela. Naquele tempo a gente não usava calças nem nada . INF2 Elas naquele tempo não usavam calças que era para lhe verem as ratas. INF1 Não era nada. Não se usavam. INF2 Não as havia! INF1 Não se usavam. Haver, havia. Então há-as... INF2 Havia aonde? Antigamente não havia nada disso. INF1 Então não havia pano para se fazerem e muita costureira? INF2 Mas não havia calças. INF1 Ouve lá, a irmã do Epicuro - o Epicuro já tem trinta e tal... INF2 Havia só calças era para os homens! INF1 Espera aí, eu já te calo! Do Epicuro eu já (...) ... O Epicuro já tem trinta e tal anos e eu já não andava sem elas. INF2 Mas isso foi há trinta anos. INF1 Ah, então! Mas já andava com elas. INF2 Agora há cinquenta anos ou uma coisa, havia lá alguma coisa? INF1 Isso não. Nalgum tempo não. Nalgum tempo, a gente foi criadinha muito... Até porquinha! Vinha a menstruação, a gente nem... Era só limpar às roupinhas que trazia, era uma porcaria. INF2 Não havia nada como agora, homem. Isto foi o melhor tempo que apareceu no mundo! INF1 Era, era. INF2 Agora!
GRJ41
INF1 Olhe, eu, a do meu casamento foi cor-de-vinho. Uma saia cor-de-vinho toda empregueada. Era. Já se usava naquele tempo empregueado. INQ Já não tem essa roupa? INF1 Oh, já não, minha senhora. Era linda, não era? (...) A mim... Olhe, quando foi - eu digo-o diante dele é para que me não digam que eu que sou mentirosa -, quando foi a primeira vez que o meu homem me levou à terra, juntou-se o povo todo que ficaram doidos comigo. Foi ou não foi? "Ai, o Manel"... Lá não dizem Emanuel. "Ai que ragariga o Emanuel arranjou! Ai que rapariga"! Ainda eu fui solteira, mais o meu pai e ele. Fomos lá conhecer lá a família dele. E depois a minha saia do casamento foi cor-de-vinho toda empregueadinha, toda, toda, em toda a volta empregueada, as pregas todas a abrirem. E uma blusinha aos ramos, de seda. E essas saias, era mesmo a varrer o chão. Não se viam os sapatos. INF2 Pois não. Não me lembrou , porque havia de lhe trazer o meu retrato que tirei de solteira. INF1 Pois tem, tem. Tem lá essa roupinha comprida tem. INQ Ai, traga, traga. INF3 Ai isso usava. INF1 Pois tem. INF3 E então esta, que luxava, luxava (...) . INF1 (...) O sapatinho... Olhe... INQ Ai era? INF1 Era! INF3 Oh! Era! INF1 A minha mãe... INF3 A mãe trazia-a sempre que parecia um pombo . INF1 Olhe, (...) a minha mãe - a minha mãe que Deus lhe perdoe - usava naquele tempo umas saias de merino. Mas era merino mesmo, merino de lã. INF2 Pois. INF3 Pretinho fino, não era? INF2 E quem ficou com ela ? INF1 A saia da minha mãe levou-a. INF2 Ah! INF1 Levou-a. Olhe, não era... Era para as lavradeiras. Cá alceavam os andores nos carros de bois. INF2 Pois, pois. (...) INF1 Para irem lá em cima à capela. INF2 Uma vestimenta como essas que aí estão, como essas moças que aí estão. INF1 Pois. Era assim. INF2 Cheias de oiro. INF1 Tudo (...) com os lenços assim atados como elas levam acima. INF2 (...) Eram assim umas raparigas como aquelas (...) . INF1 E levavam... Aquela saiinha da minha mãe chegou a ir para o Senhor dos Caminhos, não sei se a senhora sabe onde é. Nas Rãs? INF2 Pois, pois, pois. E para a Senhora dos Remédios. INF1 Vinham-nos buscar assim para fora... E para a Senhora dos Remédios, e tudo. Levavam para alcearem nas moças. Estas moças bonitas que havia é que iam a chamar os bois, com uns lenços todos de franja - eu até ainda lá tenho um -, todos de franja (...) e outro xaile também de franja, e com aquelas saias e aqueles aventais, e com muito oiro! INF2 Muito rodadas! INF3 (...) INF1 Com uma barra de veludo. Punham naquelas saias pretas uma barra de veludo preto. Levou a minha mãe para a cova. Era uma linda saia a da minha mãe. INF2 Ai era! INF3 Na Senhora dos Remédios é que a senhora via coisas antigas se lá fosse! INF1 Muito ele custou! INQ Aonde? INF1 E chinelinha? INF3 Na Senhora dos Remédios. INF1 Amanhã é a Senhora dos Remédios. INF3 Aí é que a senhora... Amanhã. (...) INF1 (...) Amanhã ainda lá... (...) Lá ainda vão os andores assim a bois. INF2 Pois ainda, pois ainda. INF1 Ainda vão assim. INF3 Puxados com cangas. INF1 Puxados com os bois. INF3 Com aquelas cangas. Tudo puxado a bois. INF1 Ali é que as senhoras tiravam uns retratos bonitos, na procissão. Uma procissão rica! INF3 Pois. Isso é coisa boa ! INF1 Ela leva tanta criança, tanta imagem, tanta imagem, tanta, tanta! Uns vestidos duma coisa, outros vestidos doutra. Aquilo é lindo! INF3 Pois é bonita, com esses bois, as lavradeiras que vão carregadas de ouro , elas vão carregadas de ouro! INF1 (...) Aqueles andores dão volta à cidade. Aquilo é muito bonito! INF2 Eu ainda fui duas vezes. INF1 De lavradeira? Eu também ainda fui mais a minha Eusébia duas vezes. INF2 Também ainda fui duas vezes. INF1 Eu mais a minha Eusébia. INF2 (...) Mais a Eva, a mãe da Evangelina. INF1 (...) E a Fábia. A Fábia é que quase sempre é que ia, a Fábia. INF2 Era, era. A Fábia também quase sempre ia. INF1 Coitadinha, também já lá está. INF2 (...) INF1 Mas antigamente era aquelas saiinhas rodadas... Olhe que ainda não havia moda mais bonita! INF2 Ai Jesus! INF1 Não havia moda mais bonita! Uma comadre da minha mãe... Um tio meu - chamavam-no Eudóxio - era muito... Como esteve a contar cá ontem à noite o senhor Eneias (...) com aquele Estentor, indigava-os e ele era um (...) ... Só chamavam o Derrubadinho, o meu tio. Era muito lindo, alto! Um homenzarrão! E olhe que esse meu tio, esse meu tio - o tio Eudóxio - isso (...) era sempre o da frente. Sempre. Sempre o da frente. Mas olhe que uma tia minha que eu tinha, que era minha tia e minha madrinha, essa então foi tanta vez de lavradeira! INF2 Ai, meu Deus! INF1 Era linda! (...) Era uma rapariga! Havia cá muito boas raparigas! INQ Olhe, e essa coisa que se usava na frente da saia? INF1 É o avental. INF2 (...) INQ E, e como é que a senhora chama a esses brincos que traz hoje? INF1 Isto é umas argolas. Chamamos isto umas argolas. INF3 (...) Argolas. Argolas era para prender os burros. INF1 Mas eu não te prendi a ti. INF3 Pois (...) . INF1 E tu és burro?
GRJ42
INQ Olhe, e os homens, o que é que usavam? INF1 Os homens também... INF2 (...) E tudo lá ficará . INF1 Os homens usavam camisas de linho, minha senhora. Olhe que o meu pai - não éramos ricos, mas éramos uns lavradores abastados. O meu pai (...) cultivava muito e nós éramos sete filhos e assim tínhamos muitas... Trazíamos muitas terras. E andava... Ele andava sempre com... O meu pai, não andava? Aquilo ninguém dizia que era um lavrador. Olhe que ele ia para uma festa ou para uma feira com as camisas bem engomadas. Engomadas. Usavam a goma. INQ No linho? INF1 Sim, minha senhora. E (...) nas camisas brancas e no linho. Tudo engomado! Aqueles colarinhos aqui muito assentes! Tudo muito... Todos alvos - não é? -, muito engomadinhos, muito... Aquilo era uma beleza! E (...) usavam fatinhos pretos. Usavam fatos mais grossos, casimira - chamavam a casimira, para andarem mais a uso -, usavam bem. Antigamente usavam melhor que agora. INF3 E calças de burel. INF1 (...) Calças de burel era só para os pastores. Era só para os pastores. (...) Não usavam calças... INF3 E umas capuchas. INF1 Isso era para os pastores. INF3 Usavam capuchas. INF1 E até eu (...) muitas vezes. E eu não precisava. INQ E assim por cima da camisa? INF1 Usavam um colete. O meu marido ainda tem. INF3 Eu ainda lá tenho uns três ou quatro. INF1 O meu marido ainda usa quando é no Inverno. Não os usas? INF3 Eu gosto. INF1 Colete e depois era o casaco. E até usavam outra coisa, minha senhora. O meu pai usava e acho que o senhor até... Uma faixa, grande, que chegava como daqui a além, preta, com uma franja na ponta, de merino também. Embrulhavam-nas aqui todas. INF2 (...) INF1 Ligavam . Andavam aqui sempre com aquelas faixas... INF2 Como o que fazem agora (...) na feira franca, em Viseu, que trazem aquelas faixas. INF1 Pois. (...) Os toureiros, é, é. (...) E uma boa corrente de ouro. O meu pai dum bolso ao outro usava (...) aqui uma corrente de ouro, que eu sei lá! Era. Agora pouco se usam essas correntes. Já vi. Já vi (...) . INF3 Até eu já usei. INF1 Tu também 'usastes'!
GRJ43
INQ Olhe, e, e agora ainda há quem faça essas capuchas? INF1 Há, pois há. (...) Aqui não. Aqui não usam, mas ali para Quintela - Lapa e Quintela e Lamosa. INF2 Ali para a serra... Aqui não. Mas ali para a serra usam. A senhora se passar aqui da Lapa para lá, INF1 Já usam. INF2 chegar ali a uma terra chamada Lamosa - Lamosa, Seitosa, Alhais - por ali, a senhora, mesmo aos domingos , se a senhora chegar lá no Inverno, vê aquela gente toda de capucha. INF1 Tudo! INF2 Com aquelas capuchas, umas em preto, outras (...) em cor de castanho. INF1 É. INF2 Há quem as tinja em preto e cor de castanho. Mas do trabalho vão à missa, tudo de capuchas. INF1 Vão, vão. INF2 Que aquilo lá, aquilo está frio! INF1 E tamancos já de virar assim. Antigamente usavam-se uns tamancos que viravam assim as trombas para cima. Tornam a usar agora. INF3 (...) Viravam a tromba para... INF1 Não era? INF2 Pareciam uns barcos . INF1 Tornam a usar. INF3 (...) INF1 Olhe, a minha Encarnaçãozita... INF3 Com umas testeiras. INF2 Com umas testeiras. Umas testeiras ferradas no ferreiro, nos cabos. Ferravam os cabos com (...) . INF1 A minha Encarnaçãozita quando tinha dois anos ou três, o pai tinha os tamancos fechados. De cabedal por cima, e eram fechados. Ele só usava tamancos fechados. Ela ia, tirava os sapatitos ou as botitas que trazia, toca dentro (...) dos sapatos, dos tamancos do pai. Ela andava ali na casa: tchap! Tchap! Tchap! Tchanc! Era uma risada com ela! INQ Olhe, e na cabeça, o que é que usavam os homens? Ainda usam alguns. INF1 Olhe, usam chapéu e (...) uma boina. INF2 (...) Alguns uma carapuça. INF1 Ou uma carapuça. INF2 Uma carapuça. Uma carapuça, que a gente dizia: "Olha aquele traz uma carapuça de trinta réis". Uma carapuça de trinta réis. INF1 Usam-nos até aqui por causa do frio. INF2 Por causa do frio. Tapava até aqui em baixo às orelhas. Era o que se usava. INQ Mas caía assim para o lado, ou não? INF1 Caía para a frente. Para o lado (...) ou para trás. INF2 Pois, com uma bola. Tinha uma bola. INF1 Tinha uma bola na ponta. O meu pai tinha, tu nunca 'tivestes'. INF2 Eu já tive. INF1 Ai, também 'tivestes' uma verde. INF2 Já tive. INF1 Pois 'tivestes'. INQ Olhe, e aquelas que têm assim uma pala? INF2 Isso é boina de pala. Isso também lá tenho uma. INF1 Isso é uma boina de pala. INF2 Ainda agora uso. INQ Boina de pala? INF2 Isso ainda eu uso agora. INF1 É sim. INQ E aquelas redondinhas que têm assim uma coisa aqui espetada na, no coiso? INF1 Isso chama-se um carapuço. INF2 É o carapuço. INQ Um carapuço? INF1 É um carapuço. INF2 É um carapuço.
GRJ44
INQ Olhe, e agora o que é que usam?... Olhe, e socas não havia? INF1 Havia sim. Havia socas. Pretas, bem brochadas (...) . Andavam bem a gente nelas, as mulheres e os homens. INF2 É. INQ Mas não era a mesma coisa que os tamancos? INF1 E para as crianças. INF2 Não senhora. INF1 Não, minha senhora. Para as crianças... INF2 As socas eram fechadas. INF1 A gente para as crianças só comprava aqui ... INF2 E o tamanco era aberto. INF1 São como que são umas botas mas ainda andam os pés mais quentes, que é mesmo em madeira por baixo. INF2 As socas eram fechadas. Era como que fosse umas botas. INF1 É madeira. E anda-se com o pé mais quente do que se anda na bota. Olha que eu este ano, se os houvesse, havia de comprar uns. INQ Capaz de haver nas feiras grandes. INF1 Pois. Há lá... Para aqui são muito caros. INF2 Ele mesmo na feira franca há-de haver. INF1 Já vi em Moimenta, mas lá para a feira franca já... INF2 Ele ali na feira franca em Viseu deve haver. INQ ... INF1 É que a gente anda muito bem naqueles socos. Porque aqui isto é muito frio. INQ São muito quentes! INF1 Isto aqui é muito frio, minha senhora! INF2 É, aquilo anda-se muito bem. INF1 É. Isto aqui é muito frio em vindo o Inverno, minha senhora. Aqui há muito frio. O que vale é as fogueiras! A gente põe para ali lenha! A gente é para ali cada fogueira até 'derreda' atrás! INF2 Deus te livre! INF1 Nunca criei chouriças nas minhas pernas! INF3 Ai eu também não. INF1 Nunca! Mas há-as para aí que são umas badalhocas! INF3 Ai credo! INF1 Até criam feridas. INQ Olhe, e agora vamos falar de, de comida. INF3 As minhas pernas, olhe . Estão aqui, olha para aqui. INF1 Olhe, e eu também. INQ Olhe, o que é que?... INF1 Eu também. Quer ver, olhe. Olhe, vê. INF3 Mas há-as que têm umas chouriças ou... Olha, ai! INF1 Olhe. Olhe, se eu cá tenho... Nunca, nunca. Nunca cá tive uma chouriça! Nunca na vida! E o meu homem também não gosta. INQ Chama-se chouriças essas coisas? INF1 Chamam-se chouriças. INF2 É chouriças. INF1 É o sangue queimado, sabe? (...) É de: estão ali a apanhar aquele calor, daí que o sangue dentro queima. INF2 É sangue queimado. Eu se te visse estar assim, arrumava logo com umas poucas de brasas que a queimava logo. INF1 Este nunca gostou (...) de que eu tivesse isso nas pernas. Mas eu também não consinto aquele calor nas pernas. Não sou capaz.
GRJ45
INQ Olhe, ó senhora Ercília... INF1 Diga minha senhora. INQ Diga-me lá o que é que?... O que é que se costuma aqui?... O que é que as pessoas comem? INF Ó minha senhora, o que calha, olhe, o que a gente pode. A gente come a batatinha, come comemos feijão, come a hortaliça, (...) faz um bocado de arroz com tomate ou sem tomate, umas vezes com carne, outras vezes sem carne, (...) a massa. Isto tudo que houver assim de cereais, a gente come. Um coelhinho. INF2 Um coelhinho, uma galinhinha. INF1 Um franguinho. Não, galinhas é muito raro. Agora nem cá há galinhas. Aqui há tempos morreu tudo para aí, a gente... INF3 Antes ninguém comia frango. INF1 Em tempo, ninguém comia nada disso. Agora comem. Agora come-se cá bem, minha senhora. Agora em todo o lado já não há fome, minha senhora. Não há fome! Qualquer um pobre vai buscar um frango e come. Eu é que não sou amiga de frango. Não sou amiga de frango. 'Dondes' que tive a pneumonia aborreci frango. Aborreci (...) que nem sei. (...) E um bocadinho... (...) O bacalhauzinho é pouco. INF2 Então, deixa-te estar por aí, sim? Eu vou-me embora. INF1 Então vai lá, vai. O bacalhauzinho há pouco.
GRJ46
INF1 Ó minha senhora, no Verão a gente levanta-se cedo, aí às seis horas, cinco e meia. INQ E o que é que comem logo que se levantam? INF1 Alguns comem, outros não comem. Há pessoas... Olhe, nós andámos em jejuns até agora que comemos ao meio-dia. (...) Mas há pessoas que logo de manhã comem um bocado de pão com azeitonas, ou com bacalhau, ou com queijo, ou com (...) marmelada. INQ Logo às seis da manhã? INF1 Logo de manhã, minha senhora. INQ E isso é o quê? INF1 E outros tomam o cafezinho. INQ E chama-se a isso o quê? INF1 O pequeno-almoço. INQ E chamou-se sempre assim? INF1 Sempre. O pequeno-almoço. INQ E depois aí por volta das dez da manhã? INF1 Das dez da manhã, às vezes, come-se uma bucha. Chama a gente uma bucha. Às vezes um bocado de pão com qualquer coisa. INQ Olhe, e depois... Isso é o quê? INF1 É uma... Chamamos uma... (...) "Olha, vamos comer uma bucha antes de"... Quando a gente às vezes vai mais tarde com o jantar, come-se uma bucha. Ou uma bucha (...) de presunto, ou uma sardinha, ou assim qualquer coisa. INF2 Qualquer coisa. INQ Então e o jantar a que horas é? INF1 O jantar é ao meio-dia, uma hora. INQ Então e o almoço a que horas é? INF1 (...) Cá chamam-lhe o jantar. Nós lá chamamos o almoço ao meio-dia e o jantar à noite. INF2 Na cidade é. Pois. INF1 E aqui chamam a ceia à noite e ao meio-dia o jantar. INQ Pois. Mas sendo o meio-dia, ao meio-dia sendo o jantar, a que horas é o almoço? Não é o tal da, da manhãzinha? INF1 Não. Agora daqui para diante almoçam... Muita gente almoça logo de manhã. INF2 Pois é. INF1 É. (...) E outra é logo de manhã cedo. Aí às sete, oito horas. Às nove horas. INF2 Sim. INF1 Às nove é que é o almoço. INF2 É que é o almoço. INF1 À uma hora é o jantar. INF2 É ao meio de... INF1 O jantar. E à noite, aí às nove da noite, é a ceia. INF2 É a ceia . Chamam-lhe a ceia. INF1 Mas quando é no Verão, (...) ali às seis da tarde, chamamos nós a merenda. (...) Quando a gente traz pessoal é a merenda. INF2 A Senhora dos Remédios amanhã já é o lanche, já passa . A Senhora dos Remédios já leva a gente ... INF1 Leva a gente (...) o que calhe. Tratam-se bem cá as pessoas. A minha cunhada no outro dia trouxe lá a tirar as batatas, fez um bocado de massa com coelho, fez feijocas guisadas com trigo... INQ Isso é a merenda? INF1 É a merenda. Queijo (...) e uma fritada grande de ovos com carne e batatinha assim tudo na frigideira, uma fritada assim grande. Não passam mal, cá não se passa mal. INQ E depois à ceia? INF1 À ceia, é batatinhas, aqueles que as querem; outras vezes só comem... Nós só comemos a sopinha. Mas há muita gente que come um bom prato de batatas. O meu Emanuel come! O meu Emanuel antes quer um prato de batatas do que quer a sopa. Ele não é muito amigo de sopa, não. INF2 Ah! INF1 E eu gosto mais da sopinha. INF2 Ah, pois. INF1 Gosto mais da sopinha. INQ Olhe, mas no Inverno não é assim, pois não? INF1 É a mesma coisa, minha senhora. Só se não merenda. A quem apetece comer uma côdea, come, mas quem não tem... INQ E a ceia é mais cedo, não é? INF1 A ceia é sim, minha senhora. Aí às oito horas. Oito horas, sete e meia. Oito horas.
GRJ47
INQ A senhora então como é que faz? Por exemplo, compra um frango. INF1 Pois. INQ Mata-o. INF1 Mato-o, depeno-o, limpo-o, muito limpinho, abro-o, (...) tiro-lhe as tripinhas fora, tiro os fígados, tiro-lhe o fel, e depois, se me apetece de... Olhe, eu até gosto... Ainda como gosto mais de frango é frito. Depois corto-o aos bocados, boto (...) numa vasilhinha de vinha-de-alhos. Boto-lhe um bocadinho de vinho branco, boto-lhe um bocadinho de alho, boto-lhe um bocadinho de louro, um bocadinho de colorau (...) e um bocadinho de sal e cubro assim tudo com aquele molhinho e está assim um dia. E ao outro dia é que eu o frito, é que é saboroso. É muito saboroso o frango frito, minha senhora! (...) Não costuma? INQ Sim, sim. INF1 Também costuma? (...) É bom, não é? Os meus netos lá em Lisboa ainda gostam mais... Quando eu lá estou, está sempre: "A avó hoje é que vai compor o frango"! Gostam muito que eu componha as coisas. Gostam. Gostam muito de que eu faça as coisas. E um caldo verde? Em lá estando, "Ó velhota"... Tenho lá um que chamam-lhe Eufrásio, estiveram cá agora no outro dia de férias, oito dias. "Ó velhota, quando é que lá vais para me fazeres o caldinho verde"? "Então a tua mulher não te faz? Ou a tua sogra, ou a tua mãe"? "Ó velhota, eu só quero o caldinho verde feito por a tua mão"! E gosta muito! INQ Como é que faz o caldo verde? Diga lá. INF1 O caldo verde, boto-lhe só batata. É a batatinha, aquela batatinha muito desfeitinha. Eu nem ainda tenho máquina de esmagar. Elas têm lá, mas eu ainda não comprei. Esmago (...) com a colher de pau - uma colher que tenho de pau grande -, eu esmago tudo assim. Fica toda desfeitinha. Deixo cozinhar até que posso esmagar. Depois de estar muito esmagadinha, parto... Eu é que parto o caldinho, não temos máquina. Parto tudo assim à faca. Parto. Depois esfrego muito esfregadinho em duas águas, muito lavadinho, muito limpinho, depois é que o meto em a batatinha estando desfeita, meto. Depois quando começa a ferver é que lhe ponho o azeite e o sal. Cozinha um bocadinho, tiro e boto-o nas tigelas ou nos pratos. INQ Quanto tempo tem de deixar ficar a cozer a couve? INF1 Não, não é preciso muito. Agora ainda é preciso porque agora ainda é rijinha um bocadinho. Mas em sendo Inverno, aquilo é ali só um quarto de hora. Nem um quarto de hora leva a cozinhar.
GRJ48
INF A minha Ermesinda teve uma pensão ainda bastante tempo. E eu ia para lá ajudá-la a cozinhar às criadas. E eu é que esfregava , é que tratava do frango. Estava o frango limpinho e pronto. Depois esfregava-o muito esfregadinho com sal, com aquele sal miudinho. Muito esfregadinho, muito esfregadinho. Depois fazia um molhinho de colorau e o alho, e tudo, e esfregava tudo por dentro e por fora, por fora e por dentro, assim tudo muito esfregadinho, e com azeite, bem azeitadinhos. Punha-os todos no tabuleiro e depois metia-os no forno. Depois virava-os. Aquilo ficavam loirinhos, lindos (...) ! Quando às vezes eu (...) tirava-os para fora para os partirmos, diziam os clientes... (...) Ele tinha clientes que comiam lá sempre - chamávamos nós aquilo clientes. E então: "Hoje os frangos são da Avó"! Só me chamavam a Avó. "Hoje foi a Avó que tratou dos frangos"! Eles consolavam-se todos que eu fizesse... E as caldeiradas? Isso é que eles gostavam que lhe eu fizesse a caldeirada! Isso é que ele... Em eu fazendo a caldeirada ali o (...) ... Era um tacho grande! Era uma pensão! Era ali, levantava tudo ao ar! "Ele foi tudo embora hoje"!, dizia a minha filha. "Ai, veio a velhota, foi tudo levantado"! Eu cozinhei lá bastante, olhe.
GRJ49
INQ Um mentiroso passa a vida a?... INF1 Olhe, passa a vida a falar na vida alheia. Chamam mentirosos, levantam testemunhos falsos. E levantam! Olhe que há muitos cá, que há aí muitos que levantam falsos testemunhos. Quando foi que a minha casinha se queimou, olhe, levantaram-me que nós que éramos comunistas. Eu mais o meu marido, que éramos comunistas. Veja lá! No meio da rua, só com a roupinha que tínhamos no corpo (...) . Ficámos só com o que tínhamos no corpo. Ardeu tudinho, tudinho, minha senhora! Tudinho! Não ficou nadinha! Não ficou uma tigelinha adonde eu comesse um pratinho de sopa. INQ Tchii! INF1 Ardeu-nos tudo! (...) E fartaram-se de dizer que nós tínhamos lá umas bombas - que tínhamos lá umas bombas, que éramos comunistas. (...) Aquilo que rebentou, (...) as bilhas do gás, que rebentaram, e garrafas que lá tínhamos de bebidas (...) - que lá tínhamos, que tínhamos trazido de Lisboa, e que os meus filhos me davam -, diziam que foram bombas que nós lá tínhamos, que tínhamos lá umas bombas. Olhe que ainda fomos a Moimenta, ao tribunal, mais de quantas vezes chamados, minha senhora. E depois quem nos a nós valeu foi o senhor tenente da Guarda Republicana de Moimenta. Que nós estávamos lá para Lisboa, porque nós ficámos muito malzinhos. Eu deram-me uns ataques, fiquei muito mal. Esta mão mesmo eu nem a sinto, nem a mexo, a modo de dizer. (...) E as minhas filhas vieram-nos cá buscar, levaram-nos para lá. E olhe que cá intimavam-nos para lá irem. Andaram (...) a dizer que até... Espalharam por todo o mundo que nós que éramos os comunistas e que tínhamos lá as bombas. E as bombas que lá tínhamos foi as garrafas 'da' gás Cidla e foi as garrafinhas das bebidas que lá tínhamos. E tínhamos lá um garrafão de aguardente, tínhamos lá outro de azeite, tínhamos lá as nossas coisinhas - que era para levarmos para o casamento do meu Eufrónio. E lá ficou tudo! Olhe, esta senhora ainda me deu uma mantinha. Uma mantona! Uma manta boa! (...) Que é uma manta que é uma beleza! Deus Nosso Senhor lhe acuda de glórias como ela ainda me deu a mim! Fiquei sem nadinha. Ficámos sem nadinha, nadinha do mundo. INF2 Ai Jesus! INF1 E as minhas filhas cá me vieram buscar. (...) INF2 Por causa disso é que o meu Emanuel não me deixou cozer mais no forno. INF1 Pois. Elas e as minhas netas, (...) e as mulheres dos meus netos. INF2 Foi por isso, (...) que queimavam a casa (...) . Ah! INF1 Coitadinhas lá nos cobriram (...) . Tenho uma neta chamada Fátima, que já está casada, que trabalha numa alfaiataria muito forte e depois lá disse às colegas, as colegas diz que chegaram a andar, a juntarem-se e a comprarem-me toalhinhas até de rosto. Mandaram-me meia dúzia de toalhas. (...) Outras mandavam-me um lençol, outras mandavam-me assim estas coisinhas. Mas nós ficámos sem nadinha do mundo. Nadinha! Nadinha!
GRJ50
INQ Olhe, quando se pede dinheiro emprestado ao banco, eles marcam um, um dia para... INF Pois. Olhe, eu devo cem contos. INQ Pu! INF Cem contos, que eu ainda lhe devo. Cem contos. Ao Estado. Que foi o que me emprestaram (...) para a ajuda da minha casinha, para fazer outra vez a casinha. E ainda não está acabada. (...) E depois eu ainda lhe devo cem contos. E ainda me não veio... Ainda agora nós fomos a Sernancelhe - agora não sei que dia foi que lá fomos - e fomos lá mais para falarmos com o senhor presidente a respeito disso. Que ainda não tivemos para pagarmos os juros, nem nada. E nós queríamos ir indo pagando. (...) E a gente vai recebendo e ia pagando. A gente vale mais pagar assim, ir pagando logo (...) do que estar a ajuntar. E depois o senhor presidente e mais (...) dois colegas dele - um que chamam o senhor Mariozinho e outro senhor Figueiredo - disseram assim: "Você não se aflija! Não, ó Justo, você não se aflija porque ainda não veio parte nenhuma. Quando a parte vier, se você cá não estiver, que esteja para Lisboa, nós pagamos do nosso bolso. E depois você dá-nos a nós". INQ Pois. Mas o banco empresta como? A?... INF Olhe a nós... INQ Tem?... INF A nós ainda foi a quatro por cento. INQ Não estou a perguntar o juro. Estou a perguntar... INF (...) O tempo? INQ Olhe, quem põe dinheiro no banco... INF Pois. INQ Pode pôr com conta aberta, não é? INF Pode sim. INQ Ou então pode pôr como? INF Pois, nós tínhamos... Pode pôr a meio ano ou ao ano. INQ E meio ano e esse ano, diz que é a quê? INF É... Pagam os juros à gente. INQ Está bem. INF Eu tinha lá cinquenta contos. Foi o que me valeu. Tinha lá cinquenta continhos. Levantei-os quando foi para a casinha. INQ Olhe, o... INF Nós gastámos ali muito dinheiro. Ainda estamos muito empenhados. INQ Ai estão? INF Ainda estamos muito empenhados. INQ Ah, mas passa, vão pagando. INF 'Imos' Havemos de pagar, se Deus quiser, então. Se não morrermos. Se morrermos que paguem os filhos.
GRJ51
INQ Aqueles homens que andam sempre, sei lá, que gosta de cozinhar, por exemplo?... INF Ah! São maricas. Chamamo-los maricas. INQ Não é a mesma coisa que um paneleiro? INF É quase a mesma coisa. "Olha aquele na vez de trabalhar a mulher... A mulher está a dar à língua e eles a trabalharem"! INQ É a história do outro que ainda ia varrer a casa à mulher. INF É, era. Ainda ia varrer a casa e lavar a louça. Cá um até o chamam o Lava-a-Louça. A mulher vinha cá para fora dar à língua - (...) está para a França. (...) Ele e a mulher. Também agora também levou a mulher. Só chamamos o: "Olha, o Juvenal Lava-a-Louça". É o Lava-a-Louça. Porque (...) ela vinha cá para fora e ele é que ia lavar a louça. INQ Olhe, e o que é um mulherengo? INF É: um mulherengo é serem assim, meterem o nariz em tudo o que pertence às mulheres. Que eles metem o nariz... "Olha, isto, aquilo... Então, gastaste tanto disto? Gastaste tanto aquilo"... Eu às vezes digo para o meu Emanuel... O meu Emanuel não tem a mania de reparar no que eu gasto. Isto toda a vida... Honra lhe seja feita! A gente matávamos o porco, podíamos arrumar o porco na salgadeira, o fumeiro, ele não me procura nem "dás a esta", nem "dás àquela", nem "desapareceu isto", nem aquilo. Não senhora. Nunca, nunca. Isso é verdade, diga-se. Mas às vezes, quando ele diz assim: "Fulana assim andando"... "Olha, estás um mulherico. Não te envergonhas? Deixa-as lá". INQ Como? INF Um mulherico. INQ Um mulherico. INF Um mulherico. "Estás um mulherico. Deixa-as lá". INQ Olhe, e, e um homem que anda sempre atrás das mulheres? Só gosta é de mulheres. INF É um vadio. INQ Vadio? INF É um vadio. Diz que lhe chamam um vadio. "Aquele não faz nada. Anda sempre só atrás das mulheres". INQ Não. Mas um que trabalha. Um que trabalha como, como toda a gente... INF Ah, que trabalha! INQ Mas que gosta, tem lá aquele coiso. INF Aquela coisa de andar (...) atrás das mulheres. INQ É um quê? INF A gente... Eu nem sei dizer essa palavra. Eles dão cá uma palavra muito feia! INQ Diga lá. INF Não me lembra! Bem feito! "Anda sempre a cheirar. Anda sempre a cheirar. Olha, anda a cheirar fulana, anda a cheirar a 'aliana' , anda sempre a cheirar, aquele cheirão. É um cheirão"!
GRJ52
INQ Olhe, quando vem um rapaz, um, um, um rapaz e uma rapariga, os dois muito bonitos, diz assim: "Olha que lindo"... INF1 Que lindo casal! Olhe, disseram-nos assim a mim e ao meu marido quando nos casámos por civil. (...) Naquele tempo era tudo de cavalo. Não havia carros, ia tudo a cavalo. E nós fomos... O meu homem foi montado (...) numa égua que tinha aí o senhor Eugénio, o senhor Faísca. (...) E um cavalo, uma égua que tinha (...) o senhor Juvêncio fui eu. Fomos montados numas cavalgaduras muito grandes. E quando estávamos no registo, o senhor do registo - chamavam-no Evaristo. Vossemecê conheceu bem. INF2 Eu conheci bem. INF1 E depois ele casou-nos e disse assim: "Há bem tempo eu não fiz cá um casamento com um casal tão jeitoso e tão bonito"! Disseram, disseram. O meu Emanuel era muito bonito (...) de rapaz novo.
GRJ53
INF1 E no pão, olhe, governava quatro fanegas. A senhora sabe o que é uma fanega? INF2 É quatro alqueires. INF1 É a rasa quatro vezes cheia. INQ A rasa quatro vezes cheia? INF1 Governava quatro vezes. Veja lá. Quatro... Governava: quatro e quatro, oito; oito e quatro, doze; doze e quatro, dezasseis alqueires que eu governava por dia. E noite. Assim me eu pus também. Governava para levar para Moimenta, para levar para... INF3 Chegavam eles com os plásticos ... INF1 (...) INF2 Para Aguiar. INF1 Para Aguiar, (...) para aqui. INF2 Para Trancoso. INF1 E aqui então era... Bem, não tirava até ferver (...) . INF2 E até chegámos a levá-lo a Vila Nova de Paiva. INF1 É verdade. INF3 Andavam todas toda a noite com os fornos a arder. INF1 Era, sim senhora. Toda a noite. INF3 E era preciso não lhe dar pausa. INF1 Era. INF3 Quando (...) alguém tirasse, já estava outro tanto pronto para entrar mais. INF1 Era. Eu às vezes pedia vez (...) para cozer, dizia assim: "Ó senhor... (...) Ó Eurípides, eu quero cozer hoje quatro vezes". "Então, entrega-te do forno", ali o Eurípides da Rês. Cozia lá quatro vezes. Quatro taleigas que eu lá cozia! Duas de trigo e duas de centeio. A gente governava pão de trigo que era assim! Ai! INF3 Também antigamente governava-se ... INF1 Quem diria! Com estes pulsos! INQ Agora já, agora já não dá resultado, é? INF1 Era tudo amassado. INF2 Isto agora é tudo amassado com máquinas. INF1 Agora é tudo... INF2 Tudo a máquinas. INF1 Têm só padarias, padarias... Olhe, não presta o pão como era antigamente. INF3 Ai, não. Não presta, não. INF1 Não presta. A gente não lhe punha farinha, fermento de fora. INF3 Passa de hoje, o pão fica duro , já se não come. INQ Ai é verdade! Já teria vindo da Lapa, o padeiro? INF3 Não sei. Já viria o padeiro da Lapa? INF1 Olhe, eu vi vir um padeiro. Não sei se era o Juvino. INF2 Ele esteve cá já hoje. INQ Ah! INF3 Já? Então ele já trouxe. INQ Que pena! Queria comprar pão. INF2 Esteve cá já hoje. INF1 Há cá pão, minha senhora. INF3 Eu hei-de comprar . Também lhe comprava. INF2 Ai, ele fica aí nas tabernas. INF1 Há aí pão nas tabernas. INF2 Ele deixa-o aí nas tabernas. INF1 Se a senhora quiser, eu vou lá buscá-lo. INQ Deixe. Olhe, alguma das senhora ainda cultiva o linho? INF1 Agora cá já ninguém cultiva nenhum, minha senhora. Eram aqui... Cada fornada de linho que aí faziam que era um encanto! Agora ninguém tornou a semear um grãozinho. Ninguém tornou a semear um grãozinho de linhaça! INF3 Agora já nem o algodão usam! É nylon. INF1 Nylon. INF3 Coisas feitas já (...) . INF1 É. Coisas que até prejudicam a gente. Olhe, eu em vestindo alguma coisa de nylon rente ao corpo já não paro. INF3 (...) O corpo não respira. INQ Dona Ercília, mas sabe quanto é que custa agora o metro do linho? INF1 Ai, minha senhora, suponho bem (...) quanto não há-de custar! INQ O linho muito fininho? INF1 Pois. INQ Seiscentos e cinquenta escudos. INF1 Veja lá. Eu tenho lá uma toalha, que ainda agora lavei, que ainda me escapou do fogo... Ainda me escapou do fogo, aquela toalha! Com uma franja grande de renda, que (...) não apanhou nada (...) de queimadura. (...) É para levar eu por cima de mim quando morrer. Para ma botarem de cima.
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INQ1 E depois onde é que se fazem as meadas? INF1 E depois vai para o sarilho, (...) - uma coisa que anda assim - a dobar, a dobar. INF2 Uma dobadoira. INF1 E depois vai (...) para as meadas. Do sarilho arranca-o fora - como estas meadas que a gente doba do algodão -, tira-as fora, e depois enrodilha em cima, depois vão ser cozidas numa panela com cinza e mentrastes, (...) e assim, e água, fervidas, fervidas, e sabão. Mas primeiro são batidas no lavadoiro. E depois é que são metidas (...) na panela. INF3 Com cinza. INF1 Com sabão. E depois é que lhe põem cinza e água a ferver. Fervem ali quase, às vezes, um dia inteiro, não era Fausta? INF2 Ou um dia ou, às vezes, mais. INF1 Às vezes um dia inteiro e mais. INF3 Mais! INF1 Depois de cozidas, depois tiram-nas - deixam-nas arrefecer, tiram-nas -, vão para o tanque, batem-nas muito batidas, muito batidas, muito batidas, muito batidas, e sai aquela sujeira toda. Ficam branquinhas. Depois ensaboam-nas muito ensaboadinhas, muito ensaboadas, estendem-nas a corar dias e dias ali. Coram e regam com um regador, borrifam com um borrifador, regam aquilo até que cora. INF3 Fazem aquilo umas sete pessoas . INF1 (...) Depois, depois de estar assim coradinha, tornam-nas a apanhar, tornam-nas a cozer em água limpa, sem a cinza - (...) em água limpa. INF3 (...) Com sabão. INF1 Hã? INF3 Com sabão. INF1 Pois, com o sabão. Bem ensaboadinhas e depois são cozidas assim com água limpa. Depois de estarem assim branquinhas, batem-nas muito batidinhas numa 'lanteira' - muito batidinhas, muito batidinhas - (...) e estendem-nas a secar. Secam. Depois dali dobam numa dobadoira que anda assim de roda, com os paus. INF2 Fazem os novelos. INF1 Fazem os novelos e dali depois dos novelos vai para a tecedeira. Vai ser tecido. Depois de ser tecido é que vem para os donos. Os donos depois fazem lençóis, toalhas (...) e travesseiros. INF4 Antigamente é que era (...) para camisas de homem de linho. INF1 Camisinhas branquinhas lindas! INF2 E ceroulas para os homens, de estopa. INF1 E ceroulas e tudo. INF2 Eu ainda usei algumas. INF1 Pois. INF2 Ainda as vesti. INF1 Agora acabou tudo. (...) INF2 De estopa. INF1 Dava muito trabalho! INQ1 E tear, também não havia? INF1 E despesa. Tear para tecerem? Teciam! INF4 Agora não há por aí ninguém... Ninguém sabe tecer como a gente de antanho . INF1 Aqui havia tecedeiras. INQ1 Havia? INF1 Teciam o linho, só o linho. E teciam a estopa, só a estopa. INF2 Urdiam. Urdiam aquilo. INF1 E outras vezes, misturavam a (...) estopa com o linho, para ficarem assim as toalhas mais fortes. Faziam toalhas e lençóis (...) e o que queriam. (...) INF2 E camisas para mulheres! INF1 E colchões, e colchões. Da estopa faziam colchões. INF2 Eu ainda me lembro de minha avó e as minhas tias terem (...) camisas de linho. INF4 E a minha mãe. INF2 E usavam-nas com umas mangas até aqui em baixo. INF4 A minha mãe teceu quatro mantas (...) de farrapos. INF1 Pois. De farrapos. INF4 Tecidas na estopa. INF1 Lindas, tecidas. INF4 Foi quando me quiseram roubar as fitinhas . Ainda tenho uma ali. INF1 Pois, com fitinhas (...) de pano, e (...) a estopa, ficava ficavam umas mantas que era um amor! INF4 (...) Foi junto tudo numa teia, de linho. INQ2 Pois. INF4 Minha mãe é que tecia os sacos e as sacas. INF1 Pois. INF2 Eu ainda me lembro de semearem muito linho. A minha avozinha semeava. INF4 Afinal das contas, agora já ninguém... INF3 Agora já não sabem. INF1 Vinham aqueles rolos (...) daquilo que era uma beleza! Até cheirava bem aquilo. Aquelas meadinhas cheiravam que consolavam!
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INF1 Eu vou-lhe explicar aqui então uma coisa: o linho estava já plantado... INF2 Assisti eu. Assisti eu a isso. INF1 Deixa falar. (...) E estava ali na terra. Arrancavam o linho, iam-no meter ao rio, a curtir, na mesma noite! INF3 Só numa noite. INF1 Só numa noite. Nove Marias e nove Manuéis. E metiam-no no rio; tiravam-no do rio, punham-no a secar. Malhavam-no, pisavam-no... INF3 Malhavam-no, tascavam. INF1 Tascavam-no, fiavam-no, coravam-no (...) e teciam-no e faziam as bandeiras para pôr (...) nesses... INF3 Faziam bandeiras . INF1 (...) INF2 Uns postes para as malinas . INF1 Para levantarem umas malinas que andaram muito cá na pneumónica. A senhora nunca ouviu falar na pneumónica? INF3 Isso - oh! - era, era, nesse tempo... INF1 Nesse tempo, o meu paizinho esteve a morrer com ela. Éramos nós garotinhas (...) , gaiatas. E eu era Maria (...) e andei também com elas. Ia a fiar, eu a fiar. (...) E levantou. Olhe, púnhamos aquilo de noite. Sem ninguém saber, andavam a pôr tudo... INF3 Mas havia de ser só Marias virgens. INF1 Era Marias virgens. INF3 Mas naqueles dias , não havia cá nenhuma virgem. INF1 Pois não. INF3 Quem tecia (...) era uma mulher viúva. INF1 Então, mas tecia-o. E Deus aceitou na mesma. E andámos a pô-lo de noite! INF2 Olhe que eu enchi-me de ir pôr paus lá (...) ... INF1 (...) Todos caladinhos. INF3 Os postes. INF2 Os postes. INF1 Muito caladinhos, muito caladinhos! Ninguém dava conta senão de manhã quando se levantava tudo, que viam aqueles postes. (...) INQ Mas como é que podiam fazer isso tudo numa noite? INF2 Tudo numa noite! INF1 Tudo numa noite, minha senhora! Tudo! INQ Mas como é que podiam ...? INF1 Iam cortar os pinheiros... INF2 Tudo! INF1 Iam... Fazíamos isso tudo numa noite, minha senhora. Tudo! INF2 Tudo! Tudo numa noite! Ao outro dia de manhã havia de estar feito. INF1 Tudo naquelas bandeirinhas (...) ... INF2 Normalmente eram umas coisinhas pequeninas! Não era uma coisa apurada! INF4 (...) Nove Marias e nove Manuéis. INF1 Nove Marias e nove Manuéis. INF2 (...) Não era assim uma coisa apurada, está a perceber? INF1 Eram só assim umas bandeirinhas assim pequeninas. INF2 Eram umas bandeirinhas assim pequeninas, assim estreitinhas! INF1 Assim como a minha mão, assim pequeninas, estreitinhas. INF2 Assim. E depois aquilo mal fiado e (...) mal preparado. INF1 Aquilo (...) assim muito mal arranjado. (...) Era uma insignificância. Que a gente ia lá com aquela fé... Ia lá... Deixa acabar. INF4 (...) INF2 (...) INF1 Era uma fé muito grande que a gente tínhamos com Deus para levantarmos aquilo, nove Marias e nove Manéis. INF4 (...) INF1 (...) Nove Marias que representava Nossa Senhora e nove Manéis, representava Nosso Senhor Jesus Cristo. E então a gente, com aquela grande fé, levantavam-lhe as febres, minha senhora! INF4 (...) INF2 Ah! Ah! Por acaso foi. INQ Olhe, mas a sua senhora quer falar... INF1 Deixa falar. INQ Quantas vezes fez isso? INF1 Ah, nós ainda as fizemos duas vezes. Aquilo era só quando vinham as malinas grandes ao povo (...) . Houve aí uma malina que estava tudo na cama. Ainda me lembro uma senhora que pertencia aqui - chamavam-na dona Feliciana -, morreu... A senhora dona Feliciana morreu com essa doença. (...) E um caiador que era maneta, (...) de Lamego, também morreu. INF2 Morava na casa da Felícia. INF1 E o meu paizinho esteve mesmo a ir e a vir. Esteve mesmo também a ir. (...) O meu paizinho tinha os sete filhinhos em volta dele, todos pequeninos. Éramos todos pequenos. INF3 Já foi (...) uma malina que foi (...) provocada por os gases. INF1 Foi. Foi por uns gases que vieram. INF3 E morriam (...) . Eram muitos doentes ! (...) INF1 Era. Morreu muita gente, muita gente! Olhe, numa terrinha aí, lá para lá de Aguiar, chamam-lhe Coruche - uma terra que chamam Coruche - morreu tudo! A modo de dizer não ficou ninguém! Foi uma vaga... INQ Isso foi em que ano, mais ou menos? INF1 Oh, aí há já uns anos. Eu ainda era rapariguinha, já tenho setenta anos! INF3 Já foi há muito ano . (...) Foi quando da grande guerra. INF1 Foi. INF3 1914... INF2 (...) Foi depois da grande guerra. INF1 Eu era rapariga. INF3 1918 acabou a guerra. E foi depois da guerra é que veio (...) . INF2 (...) Ficaram muitos cadáveres ali fora da terra, não é? INF1 Morreu muita gente, muita gente, muita gente. INQ Mas espere lá. Isso era com... O padre sabia que se fazia isso? INF1 O padre não sabia de nada, nem o povo, nem o povo. INF2 Nada. (...) Nem o povo sabia isso. INF1 Só de manhã quando viam isso levantado... INF2 Só quando vissem as coisas feitas é que (...) ... INF1 É que tudo estava com aquela fé, não é? Tudo pedia a Nosso Senhor que nos levantassem a malina. Tudo pedia a Deus. E então, com a graça de Deus Nosso Senhor, levantavam as malinas, minha senhora.
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INF1 O meu marido diz que até ... INF2 Houve aí muita gente doente. INF1 "Olha, adeus até para a semana se formos vivos". Porque no Brasil foi tanto, tanto ... INF2 Morria muita gente! INF1 (...) Onde mais gente morreu. INF2 (...) Morreu lá o pai do meu homem e a mãe (...) com essa doença. INF3 A mim, morreu-me o pai e a mãe . INF2 Morreram ambos dois. INF3 Olhe veja lá que há tantos... Olhe, minha senhora, há tantos anos, que eu tinha três anos - pronto, já sabe. Tenho setenta e três. Já lá vão setenta anos. INQ Setenta anos. INF2 Já. Isto já foi há muito tempo. INF3 Está a ver? Tinha eu três anos quando o meu pai morreu e a minha mãe. O meu pai durou sete meses e a minha mãe durou oito. INF2 Eu era rapariguinha pequena ainda. INF3 Em oito meses morreram ambos com esse mal, com essa pneumónica. INF2 Ai, andou cá uma doença muito grande, mas nós aqui, assim que levantamos levantámos os postes, com aquela grande fé, levantou. INF1 Quando foi na... INF2 Mas nalgumas terras morreu quase tudo. INF1 Na segunda guerra, (...) quando foi na segunda guerra, veja lá . INF2 Em Coruche, como eu digo à senhora, morreu tudo. Só se via gente de luto naquelas feiras. INF4 Não se precisava , não fizeram nada disso, não fizeram nada. INF2 Quem? Quem? Mas foi em Coruche? INF4 Pois não levantaram os postes . INF2 Pois não levantaram os postes . Aonde levantaram os postes , levantou a malina, com a graça de Deus Nosso Senhor. INF1 Quando foi na segunda guerra fizeram a combinação, as nações, de não deitarem gases. INF2 Pois. INF3 Se fosse só isso ... INF1 Morria muita gente. INF2 Na guerra da França... Eu já me lembro da guerra da França, a senhora também se lembra ainda melhor do que eu. INF3 Lembras-te ... Tu lembras-te... Tu como é que estavas mais ela, homem ? Lembro-me eu!
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INQ Sim senhor. Então a senhora andava com quê? A guardar o quê? INF1 Olhe, ainda há pouco tempo eu tinha duas cabrinhas. Andava a guardá-las. Mas depois tive uma doença muito grande. Porque a gente... Ardeu-nos a casinha toda, não é? E a gente ficámos na rua. Ficámos numa casinha emprestada, velhinha. Depois precisavam-na e nós... Andavam a rebocar a casa e nós lá. Depois ele apanhou (...) uma tapação muito grande, uma bronquite; e eu apanhei uma bronco-pneumonia. Vieram cá os meus netos de Lisboa buscar-nos ambos dois a morrermos. Estivemos para lá dois meses internados. (...) E eu tinha aquelas duas cabrinhas. E o meu homem quando ele ficou melhorzito, cá veio, e pegou vendeu-mas. Vendeu-mas. Era mocha, uma cabra tão bonita e uma cabrita. (...) Tinha uma pena daquilo que eu sei lá! Dava muito leite e era muito mansinha! (...) E ovelhas, os meus pais - que Deus lhe perdoe -, o meu pai tinha... Chegou a ter - não era, tia Fausta? - um rebanho de cento e tal cabeças, gado que eu sei lá! Íamos todos ... INF2 E carneiros bons! INF1 Carneiros. Uns carneiros e ovelhas. Tínhamos (...) um empregado, um criado, e a gente íamos ter com eles às vezes, ajudá-las a guardar. INQ Mas um, um homem que guarda ovelhas é um quê? INF1 É um pastor. INF2 É um pastor. INQ E as mulheres também costumam guardar? INF1 Também sim, minha senhora. INQ Um rebanho grande? INF1 Pois guardam. Ajudam. Ajuda a gente. INQ Olhe, e aqui os rebanhos estão sempre no mesmo sítio, ou levam-nos assim para?... INF1 Levam-nos para fora, cá (...) na serra (...) e nos campos. Levam-se por aí fora para comerem adonde há os comeres, para comerem. INQ Mas não se levam assim para outras terras longe? INF1 Para outras terras não, minha senhora. Daqui não era preciso irem para outras terras que cá havia muitas comidas. INF2 Havia cá que comer. INF1 Agora não há cá é rebanhos. INF2 (...) quando as levavam para a feira . INF1 Há cá só um rebanho. Há cá rebanhinhos pequeninos. Era só para as feiras ou para as festas. Os meus irmãos até o levavam a Santa Cruz. Como era grande o rebanho e eram as ovelhas... INF2 E à Senhora da Aparecida (...) , à Senhora da Aparecida. INF1 E à Senhora da Aparecida.
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INF1 Olhe, a gente, vem a farinha (...) do moleiro, depois tem a... Apronta a masseira; depois pega nas peneiras e peneira-a; depois faz um fermentinho. Por exemplo, numa tigela de farinha, ou duas tigelas de farinha, a gente tem um bocadinho de massa já azeda e faz-se fermento. Depois de se fazer o fermento, que o fermento esteja finto, a gente acaba de peneirar e amassa o pão todo. Depois de estar já fintinho, que esteja já a fintar, já a abrir, a gente vai botar lume ao forno, tende o pão para um tabuleiro e depois ali finta. A gente acaba de aquecer o forno e mete o pãozinho ao forno. INQ Olhe, antes de meter o pão no forno, não costuma passá-lo para, para, para assim, para outra coisa? INF1 Não, minha senhora. Nós cá é com a mão. INF2 É o milho, o milho. O milho é que se passa. INF1 Nós não. INQ É. INF2 O milho é que se tira (...) duma forma de madeira, e depois tira-se , põe-se assim. INF3 É o tigelão. INF1 É o tigelão, mas isso não é aqui na nossa terra. INF3 (...) Mas cá não fazem. INQ Cá não fazem? INF1 Cá nunca fizeram. Ninguém faz. INF3 Cá não. Cá fazem tudo à mão. Na minha terra não. INF1 Cá é à mão. Eu, não havia cá... Eu falo diante de toda a gente: não havia cá quem governasse milho como a mim. (...) Tudo ia ter comigo para a Ercília lhe ir governar o milho. Mas nunca tendi lá com essas tigelas. Era sempre à mão. Fazia ali um pãozinho mais gostoso! INF2 a nossa terra não é terra de pão milho. Pão milho nunca ninguém (...) ... INF1 Ai, pão milho, é lá para além para a (...) ... INF3 E para a minha terra. INF2 Olhe, onde eu estive em Carvalhais é que tu havias de ir ver governar o milho. INF1 Eu já o vi governar. INF3 Na minha terra é que se governa pão milho que nem é em parte nenhuma. INF1 Eu já o vi governar na terra do meu marido. INF3 Aquilo Que ele não há lá centeio, é só milho.
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INQ Portanto, quando nasce, quando é pequenino, é um quê? INF1 É um borrego. É um cordeirinho. INF2 É um borrego. É um cordeirinho. É um cordeiro. Mas habituam-nos logo nisso. Quando assim é que têm assim, habituam-nos logo a dar-lhe alguma coisinha à boca. INF1 De pequeninos. INF2 Assim que chegam, ou um bocadinho de pão, ou uns 'grães' de milho ou assim. E eles habituam-se, ficam já habituados. INF1 Depois quando vêem a pessoa, vão sempre ter com ela . É como um cão. INF2 (...) Já chamam os outros todos. INF1 É que é pior que um cão. Uma ovelha é como um cão, tal e qual. INQ Ai sim? INF1 É. INF2 É, é. INF1 Desde que seja habituada de pequenina, INF2 Muito meigas, muito meigas. INF1 para onde for a pessoa, vai ela. INF2 Aquele vivo é tudo muito meigo. INF2 Eu tinha aí (...) um burro que entrava para um taberna detrás de mim, (...) como outra pessoa qualquer. INF1 Era. INQ Um burro? INF2 Um burro. INF1 Um burro. Habituei-o! Eu entrava para a taberna, se fosse preciso o gajo entrava também. Era, era. Os animais é tal e qual como as pessoas. INF2 Tomam conta no que se faz. INF1 Tomam muito conta daquilo que se faz. E basta que têm mais uma coisa: (...) é que um animal passa por um caminho e nunca mais se esquece. INF2 Olhe, a minha cabra que o meu marido me vendeu... Eu tinha uma neta que está em Lisboa e veio cá passar umas férias. Ainda ela era assim mais novinha. Já foi há uns três ou quatro anos, a Felisbelinha. INF1 Oh, há mais de cinco. INF2 Há mais de cinco. E ela era cabritinha. INQ Não. Estou, estou a separar o... INF1 Não. Já tinha... INF2 Era cabritinha, pequenina. (...) E nós criámo-la lá em casa. E consoante a pequena estava em cima em casa e que falava, assim ela ia: "Mé"! INF1 Chamava por a garota. INF2 Em a garota falando, se a sentisse falar, dizia... Eu às vezes dizia-lhe assim: "Ó Felisbelinha"!, ia ela logo: "Mé"! Depois ela dizia: "Ó avó", isto ou aquilo... "Mé"! Estava sempre... INF1 A chamar por ela. INF2 Um vivo toma conta como a gente, é só lhe falarem. Mas há vivos... Olhe, este cão meu, este cãozinho meu. A senhora pode aqui pôr, nesta cadeira, carne - ou seja lá o que for, tudo quanto é bom - e pôr aqui... INF1 A ver se ele toca aí! INF2 (...) E não estarmos cá mesmo nós, sairmos todos. INF1 Pode sair qualquer pessoa. INF2 A ver se ele aqui toca em nada, não toca em nada. INF1 Mas também lá não chega gato nenhum enquanto ele aqui estiver. INF2 Não toca. Não toca em nada. Há vivo também muito espertalhão. INF3 Há, pois há. INF1 Oh, oh! Ele está aqui. Eu se disser... À noite chego ali e digo assim: "Vá, vai para o quintal, para o pé dos coelhos". De manhã está lá. INF2 Está lá deitado. INF1 De manhã, quando eu lá chegar, ele está deitado, lá ao pé das coelheiras. INF2 (...) Este cãozinho é que só lhe falta falar. INF1 Ele está lá deitadinho! INF2 Muito limpinho, muito asseado, não faz nada em casa, não bole em nada, (...) é uma beleza de cão. É por isso que eu tenho pena dele às vezes. INF1 Já está velhote. INF2 E pouco pára ao pé de nós. INF1 (...) Já tem mais (...) de quatro anos.
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INQ A cria da cabra? INF1 É um cabrito. Um cabrito ou uma cabrita. INF2 Pode ser um cabrito ou uma cabrita. INQ Eles nascem aonde? INF2 Nascem no campo. INF1 No campo, olhe. (...) Outras vezes na loja onde estão, na corte, ou por lá. INF2 Outras vezes em casa. Olhe, a minha uma vez, (...) quando foi que se me queimou a casa, que estava lá na casa da minha comadre, nem sentimos gritá-la de noite, nem nada, de manhã quando nos levantámos, chegámos lá, tinha lá três. INF3 (...) INQ Tchii! INF2 Ela paria sempre três. INF1 E ela... E paria quatro. INF2 Três e quatro, que ela paria. INQ Olhe, mas não costuma haver assim um sítio para meter lá os cabritinhos? INF1 Isso a gente mete... Se quer para os criar, vai-se com um cesto ao pé de nós. INF2 Isso somos nós que os arrumamos. A gente é que os arruma debaixo dum cesto, INF1 As próprias pessoas. INF2 que é para elas não estarem sempre a mamar (...) . INF1 E para eles medrarem mais, que ali sossegam, ficam ali... INF2 E para medrarem. Quando não saltam. Senão saltam, saltam por todos os lados. INF1 E assim não. Assim criam-se muito mais rápido. INQ Olhe, eles berram como as ovelhas, não é? INF2 É sim, é a mesma coisa. INF1 É a mesma coisa. É diferente o berrar. INQ Olhe, um, um cabrito quando cresce passa a ser quê? INF1 Passa a ser uma cabrita, (...) ou um chibo, quando já está maior. Enquanto é pequenino é um cabrito. INQ E um chibo velho? INF1 Um chibo velho, isso (...) é um chibo. INF2 É um chibo. INQ Na mesma? INF1 Até há quem lhe chame um bode.
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INQ Olhe, então explique-me lá, devagarinho, como é que fazia o queijo. INF1 Olhe, minha senhora, tirava o leite da cabra; (...) coava-o; deixava-o arrefecer; e depois, que se ele ainda demorava a arrefecer, metia-o (...) numa vasilha com água, num alguidar, uma latinha (...) com o leite a arrefecer. Depois de arrefecer, botava-lhe um bocadinho (...) de coalho, mexia muito mexidinho com uma colher grande. INQ Que coalho era esse? INF1 Olhe, é duns vidrinhos que vêm da farmácia. INQ Nunca utilizou outra coisa? INF2 Não. Utilizava-se também uma coalheira. INF1 Não gostava (...) . Em primeiro, ainda (...) do coalho deles. INF3 (...) Antigamente era das coalheiras. INF1 Antigamente. Mas agora já não gostam das coalheiras. Já pouco usam. INF3 (...) Agora já pouco usam isso, mas em primeiro era. INF1 Primeiro era, então... INQ O que são as coalheiras? INF1 A coalheira é o... Mata-se... INF2 É o próprio leite que ele mama. INF1 Aquele leite... É um cabrito e cria-se; quando chega a hora de ser morto - que é um chibo -, mata-se e tem dentro... É o estômago. INF3 Pois, é uma coisa dentro. INF1 É o estômago. INF2 Cheio de leite. INF1 Aquilo está cheiinho de leite. E a gente tira-o e pendura-o lá num preguinho (...) ao pé do lume. INF2 Do lume. INF1 E aquilo seca, seca, seca, seca. INF2 Depois fica uma massa. INF1 Depois fica aquilo muito sequinho e a gente corta assim um bocadinho - desfaz muito desfeitinho num bocadinho de água, muito desfeitinho - põe no coador e põe no leite. E depois com uma colher mexe-se muito mexidinho, muito mexidinho, e põe-se (...) a latinha, ou a panelinha, ou que é, ali mansinha, num lugar onde esteja bem, depois coalha o leite. Depois a gente tem o acincho, depois de coalhado, a gente, claro, lava o alguidar, lava (...) as francelas, lava as mãos, lava-se tudo para aquilo que... Tem o acincho, tudo muito lavadinho. E depois de tudo muito lavadinho, a gente põe o acincho dentro da francela, põe um alguidarzinho a apanhar o soro - chamamos nós o soro, o que sai da coalhada - e faz-se ali... Com um copinho, a gente... Ou com um panelinho limpinho que a gente tem... Eu tinha mesmo de propósito um pucarinho de alumínio para tirar. Faz a gente ali o queijo com as nossas mãos, espreme assim, espreme, até que faz o queijo.
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INQ Então como é que se faz? INF1 É queimado com palha. INF2 Olhe, (...) vem o matador, mete-lhe uma corda (...) na focinha e amarra-o. E depois os homens ajudam-no... INF1 Já têm um banco. INF2 Têm um banco grande e os homens ajudam-no a pôr em cima do banco. E depois o matador rapa com a faca e água quente donde há-de meter a faca - tudo com muita limpezinha! -, depois mete-lhe a faca - mesmo com a mesma faca . INF1 Sangra. INF2 A gente apanha o sangue num alguidar. Se quer coalhar, para cozer, apanha para um alguidarzinho. Põe-se-lhe um bocadinho de sal e apanha para aquele alguidarzinho. E o que é para se mexer, para se fazer (...) o fumeiro, mexe-se todo até que fica mesmo desfeito, todo desfeitinho. INF1 Porque aquele (...) não coalha. INF2 Que é para não coalhar. (...) É isso . É a primeira assadura que dá o porco (...) é o sangue. INQ E depois o que é que se faz? INF2 E depois, (...) com palha, queimam todo muito queimadinho, muito queimado. Com umas navalhas, rapam-no todo muito rapado - e com umas pedras, esfregam tudo. Fica alvinho de neve. Fica sem um pelinho. Quando são bem arranjadinhos, aquilo é uma beleza! INQ E é com pedras que se esfrega? INF2 É com umas pedras. INF1 Com umas pedrinhas. INF2 Esfregam aquele coiro bem esfregado. E com as navalhas rapam os pelos todos. Cortam os cabelos todos. Depois (...) é pendurado - chamamos nós um chambaril, um pau -, é pendurado naquele pau até ao outro dia. INQ É assim? INF1 É isso mesmo. INF2 É isso mesmo, minha senhora. INF1 É isso que aí está o chambaril. Tal e qual. INF2 (...) E então (...) depois é que é desfeito depois de estar escorrido, de estar já enxutinha a carne - é desfeito. INQ Olhe, e... INF1 Depois vai para a salgadeira.
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INQ Olhe, e como é que chama aquela água com muito sal onde se põe a, a carne de porco para conservar? Ou aqui não é costume? INF1 Não, aqui não é. INF2 Aqui não é... Não lhe pomos água. INQ É só sal? INF1 Aqui é sal só, mais nada. INF2 Não (...) . (...) É vinho. Para se conservar, (...) para o fumeiro? A gente parte tudo muito miudinho, miudinho, muito miudinho para as chouriças. INF1 Para as chouriças. INF2 E para os salpicões parte assim pedaços, consoante a gente os quer, uns maiores, outros mais pequenos - que é os lombos. E a caluga de porco, aquela coisa grossa que se lhe tira, chamamos-lhe nós a caluga, também se faz salpicões, rente à cabeça. INF1 Junto à cabeça. INF2 O pescoço. (...) E depois a gente põe numa panela... Primeiro põe no tabuleiro aonde tem as carnes, põe ali aquelas carnes todas. E depois bota-se-lhe ali um bocado de alho, um bocado de sal, um bocado de colorau, é tudo muito mexido, tudo muito arranjadinho, tudo muito compostinho, e põe-se no... Eu tenho lá (...) uma talha assim grande. INQ Já tudo partidinho? INF2 Já tudo partidinho. Põe-se tudo dentro duma talha e depois, já com o alho, e com o sal, e com um bocadinho de colorau, pouco - que depois o colorau põe-se-lhe mais quando for nos enchidos. Depois põe-se aquilo coberto de vinho. De vinho bom! Há-de ser vinho bom. A gente mexe aquilo muito mexido, muito mexido, muito mexido, fica ali (...) a curtir oito dias. INF1 Oito! E às vezes nove e dez. INF2 E às vezes nove ou dez, consoante está o ao frio. Ali a curtir. Depois é que se mete na tripa. É que se compra a tripa e é que se enche e é que se põe tudo a secar. INF1 Se enchem os salpicões. INF2 A secar no lume - secar em cima... INF1 Farinheiras, moiras. INQ Então diga-me lá que espécie de enchidos é que faz? INF2 Olhe, a gente costumamos a fazer farinheiras, costumamos a fazer um fumeiro que chamam moiras, costumamos a fazer chouriças, salpicões. Fazemos assim, por aí fora. INQ As moiras como é que são? INF2 Salpicões... As moiras é de sangue (...) . INF1 É de sangue. (...) Carne ensanguentada. INF2 E das carnes ensanguentadas. E a gente também lhe bota sempre um bocado de 'cobro'. (...) INF1 Pois. INQ O que é o 'cobro'? INF2 O 'cobro' é das bandas. INF1 É do que está nessa barriga. INQ Ai, das bandas. INF2 É da barriga. (...) Mas para ficarem assim com muita carninha, a gente gosta de as... Não gostamos de fazer muitas, mas bem feitinhas. E cebola - picadinha, muito picadinha. Depois aquela cebola é picada para uma toalha. E depois é escaldada com água a ferver. E depois é que escorre - fica ali a escorrer até de manhã. De manhã depois, quando a gente quer encher as moiras é que põe a cebola dentro (...) daquele sangue. INF1 Das carnes. INF2 E as carnes. Faz aquela... É um fumeiro preto, mas é muito bom! É um fumeiro muito bom. (...) E o primeiro dia, quando a gente mata... INQ Nunca provei. INF1 Nunca provou? Já lá não tens nenhuma? INF2 Está lá umas mas já está muito seca. INQ ... INF1 Já deve estar é seca. INQ Conheço as morcelas, que é diferente. INF2 As morcelas fazem-se no dia que a gente mata. A gente põe-lhe para dentro um ramo bom de salsa, põe-lhe um bocado de canela, põe-lhe o sangue, põe-lhe trigo, põe-lhe... INQ Farinha de trigo? INF2 Trigo bastante. INF1 Não, não. Trigo mesmo, cozido. INF2 Trigo... INQ Ah, o miolo de trigo. INF2 Miolo e côdea e tudo. Depois bota-se-lhe um bocadinho de água a ferver, para amolecer, e bota-se-lhe as gorduras todas muito compostinhas na frigideira, (...) e depois é que se mexe aquilo muito mexidinho, muito compostinho, e depois é que se fazem (...) as morcelas. Dão muito trabalho! Mas dão muita coisa! INF1 Aquilo até é bom para comer logo quase na mesma da hora! INF2 Ele até cozidas. Depois são cozidas. São cheias... São cheias e cozidas logo numa panela de água a ferver. Enquanto estiverem a botar, (...) que a gente pique com um garfo, que bote sangue, não se tiram.
GRJ64
INF1 Mas olhe que quem matar um porquinho... INF2 É só para dar aos filhos todos (...) . INF1 E aos netos. INF2 Chouriças, moiras (...) . INF1 É tudo. Nós não comemos nada, a modo de dizer. Olhe, mas... INF3 Olhe, ela não pode comer. INF1 (...) Mas quem... INF3 E eu também não. INF1 Mas mesmo que seja pequenino... INF2 Eu também não posso comer. INF1 Costuma-se cá dizer às vezes... A minha avó - que Deus lhe perdoe - dizia assim... Ele , às vezes, eu dizia-lhe assim: "Nunca mais matais um porquinho! Ponde-vos a matar um porquinho"! Dizia-me ela para mim, a minha avó. E: "Olha que diz que quando o teu vizinho matar um porco, mata tu um tordo! Olha, conheceis a novidade de tudo "! E é verdade. Nem que seja pequenino, a gente conhece (...) de tudo. E escusa de a gente estar a olhar para as mãos dos outros. E a gente nas feiras não sabe o que compra. E em casa sabe o que tem. Pois é. Nós estávamos os aninhos todos a matar. Eu matava... Todos os anos matava um para mim e outro para uma minha filha que tenho em Lisboa, para a minha Juvina. Ela este ano vai estranhar. Mas que o mande comprar à feira. Manda-o comprar. Ela a mim também mo pagava. Eu este ano não pude, olha, não posso. INF3 Ela manda a massa e eu vou comprando e mato, pronto! INF1 Ela manda o dinheiro e a gente mata-lho. INF3 E mais nada. INF1 Vai-lho comprar a Trancoso ou ali em Sernancelhe, ou assim, e mata-se-lhe. INF2 Pois, eles sabem quem é . INF1 Eles lá não podem fazer estas coisas. Não têm adonde fazer estas coisas, lá não há... Nem o sal de lá... Não derrega. INF3 Nem o sal lá aguenta a carne. INF1 Vê lá tu, o que faz a diferença às coisas. INF3 O sal de Lisboa não derrega a carne. INF1 Ó senhora dona Élia olhe que não derrega! INF3 Eu vi aqui em Moimenta INF1 E o nosso aqui derrega. INF3 mais o meu cunhado Eusébio, levámos daqui quase um porco inteiro, tivemos que o botar quase todo fora. INF1 Estragou-se tudo! INF3 Estragou-se tudo! INF1 Então foi como quando o meu irmão para lá foi... INF3 Salgámo-lo lá nos caixotes, viemos, quando foi ao fim de pouco tempo estava tudo estragado. INF1 Cheirava mal, muito mal. INF3 Para botar fora. INF1 Agora (...) aqui também é o frio. O frio é que ajuda (...) a fazer os fumeiros bons. INF3 E quem derrega o sal? É o tempo, a humidade. INF1 É o tempo, a humidade.
GRJ65
INF1 E, às vezes, o burro quando assim está agora, quando chega, quando é no Maio - que é quando eles roncam mais, que é quando é no tempo da cevada. Começam a roncar porque estão sempre assim : Risos a abanar. INF2 Ai, senhor do céu! INQ Então aqui não costumam cruzar éguas com, com burros? INF1 Costumam sim. Havia aqui... Até agora ainda há no prado. Quer dizer, a égua é natural como o cavalo, não é? Mas (...) para sair uma mula ou um macho, tem que ser ao contrário. INF2 É de burro, é de burro. INF1 A burra tem de andar a um cavalo e (...) para a égua parir um macho tem de andar a um burro. Mas para isso é preciso enfeitá-las muito. Não é assim de qualquer maneira. Isso ainda leva tempo. É preciso os gajos ensaiarem-se, não há burros ... INF2 Mas ainda é muito tempo . Há muitos que não se atiram. INF1 Há burros que não atiram às éguas , se não estarem (...) bem feitos e ensaiados. Ensinados . Mas depois lá vão.
GRJ66
INF1 Ai, Senhora da Lapa! A gente, quando éramos novas, nós, ai!... Íamos à Senhora da Lapa, ou à Santa Eufémia... INF2 Dias sem deitar ! INQ Não! INF1 Ou à Senhora da Lapa ou assim, em lá chegando já diziam: "Olha o Granjal! É o Granjal"! Cantava cá tudo muito bem, sabe? Não é lá por ser a minha terra. Essa mocidade juntava-se tudo, armavam para ali aqueles bailes a cantar, o povo vinha todo! Depois quando era que iam lá no Espírito Santo, iam lá as procissões todas, não era? (...) Ou era no São Barnabé? INF3 O Espírito Santo. INF1 Hum? INF3 Pelo Espírito Santo andava... INF1 Era o Espírito Santo. INF4 Era quando iam as cruzes... INF1 Iam as procissões do concelho inteiras! De todas as freguesias, iam as cruzes. E depois, o povo, cada um ia a acompanhar (...) a sua cruz. A gente cantávamos aqueles versos. Punham o altifalante a ouvir, (...) em a gente começando, cá o Granjal, começavam: "Olha o Granjal! É o Granjal! É o Granjal"! Punha-se tudo a ouvir o Granjal cantar. Tudo! (...) Não era lá por ser a nossa terra nem sermos nós!
GRJ67
INF1 Uma vez o meu marido foi fazer uma covinha de carvão. A gente não tínhamos lá nada em casa para comermos. Era um rebanho de filhos. E não tínhamos nadinha em casa. E ele foi de noite... De dia cortou (...) a torga, e de noite foi queimá-la e mais uma filha que eu tenho em Lisboa. Com a Ermesinda. INF2 Ia indo à fugida ! INF1 Ainda a Ermesinda... A Ermesinda tinha sete aninhos. INF2 Ia indo à fugida, não era ? INF1 E deu em nevar. Às fugidas! INF2 Às fugidas, senão os da Junta!... INF1 Senão roubavam-no-lo. A Junta tirava-no-lo. INF2 Senão os da Junta ainda lhe ele roubavam tudo . INF1 Pois, tiravam. INF2 Porque era metade para eles. INF1 Era. E metade para a guarda. E então (...) o meu marido... INF2 Tempos tristes! INF1 Começou a nevar, a nevar, e ele (...) a queimar o carvãozinho, e a neve a cair de cima da menina e dele, de noite, pelo escuro da serra, no monte, muito longe, quase ao pé da Senhora da Lapa. E então ele, em menos de nada sentia: "Uh"!, os lobos a uivarem. "Uh"! E a pequena dizia assim: "Ó pai, que é aquilo"? "Ó minha filha, aquilo não é nada. É uma raposa que para aí anda. Nós já nos vamos de caminho"! Coitadinho, nem deixou acabar (...) de queimar o carvãozinho, abafou consoante estava, pegou na menina aqui (...) ao (.../N) , (...) no pescoço, a rapariguinha já com sete anos... Às escuras por aquelas pedras! Por aqueles penedos afora e por aquele mato! E os lobos, dois, a seguirem-nos! INF2 Isso é que são trabalhos! INF1 Até aqui à entrada (...) do povo, vieram com ele dois lobos e com a pequena. (...) E ele dizia assim: "Eu só tinha medo se me comia a pequena! Se me eles botavam... Se se botavam a mim e eu deixava cair a pequena e ma engoliam logo"! INF2 Pois era. INF1 "Eu só tinha"... Ai, tantos trabalhinhos, tanta fominha que a gente passou, ó minha senhora! INF2 (...) E a nós, aconteceu-nos também uma partida, mas deixe. Não se pode dizer mais, deixe! INF1 Tanta fominha! Tanta fome! INQ Pode, pode. INF2 Os da Junta deram um bocado de serra ao meu pai e ao meu compadre Eustáquio. De noite. E foram também . "O carvão que der é metade para vós e metade para nós". INF1 "E metade para nós". INF2 Fizeram uma poça dele. INF1 Ainda na Junta, o melhor que tínhamos era o Evandro, o pai do meu Everardo. INF2 Queimaram. Queimaram uma cova dele, mas já deu para tarde, para de noite. INF1 Pois. Dava para muito de noite. INF2 Ao outro dia - aquilo está apagado - e ao outro dia foram. Cortaram mais e queimaram e foram tirá-lo. Mas já deu para de noite. INF1 Já deu para de noite. INF2 O meu pai disse assim... Fui eu, mais o meu irmão e o meu pai - Deus lhe perdoe - e mais o meu compadre. INF1 Pois. INF2 E assim: "Deixa estar que nós agora 'haviademos' os amolar, aos da Junta". INF1 E vossemecês ainda não eram dos que tinham mais precisão, graças a Deus! INF2 Pois não, graças a Deus! Mas ele também às vezes iam, como eram muitos filhos e assim, lá iam. INF1 Pois. INF2 E como foi assim para todos, também deram, e ele também foi, também aceitou um bocado. Que é que eles fazem? Tiraram para cada sua saca. INF1 Pois. INF2 "Deixa estar que também os da Junta não hão-de comer tudo"! INF1 Pois. INF2 Com tanto suor, tanto trabalho! (...) E lá para cima para a Serra da Lapa. INF1 E tanto frio! E tanto fome! INF2 De noite. Depois o meu compadre e o meu pai - Deus lhe perdoe - tiraram quatro saquinhas. INF1 Pois. INF2 Duas sacas para o meu compadre... INF1 E duas para ele. INF2 E duas sacas para nós. Quer dizer, eu trouxe uma saca para o meu compadre e o meu compadre trouxe outra. INF1 Pois. INF2 E o meu pai - Deus lhe perdoe - e o meu irmão trouxeram para cada um sua. INF1 Pois. INF2 Mas já era muito assim cerro , de noite, e escureceu-nos já lá metidos na Serra da Lapa, para os lados de Forca , passados os Três Corvos . INF1 Pois. INF2 E começa a escurecer, a escurecer, e nós com medo que a outra malta nos não vissem, INF1 Pois. INF2 ora para onde é que o meu compadre foi cortar? INF1 (...) INF2 Para a Serra de Forca . INF1 Ai Jesus! INF2 (...) Para aquele matagal muito forte! INF1 Jesus! INF2 Olhe e escureceu! Nós só víamos neve branca nas urgueiras, aquele assim gelo branco, muito branco! INF1 É. Ai, a gente passou trabalhinhos! INF2 E ele o meu pai - Deus lhe perdoe - diz assim: "Ó compadre"... INF1 Esta gente agora nem sabem que são criados no mundo! INF2 "Ó compadre, (...) nós andamos perdidos na serra". E diz ele assim: "Olha pois andamos nós... Andamos muito, que já estamos quase (...) aos 'cimas' dos soutos de Forca ". INF1 Pois era. INF2 "Ai, para onde nós estamos?! Onde nós estamos metidos?! Ai, que aonde nós estamos metidos?! Aonde é que nós agora vamos sair"? As pedras eram tantas, os pedrões, aquelas urgueiras, aquilo é um penedo ! INF1 Aquilo para ali há penedos! É tudo penedos! INF2 O que é que fazem? Lá demos com uma rodeira. INF1 Pois. INF2 E ficámos naquela rodeira, eu mais o meu compadre Eustáquio - Deus lhe perdoe. INF1 Pois, exactamente. INF2 Com as saquinhas. E a água a cair. INQ O que é uma rodeira? INF2 Então o meu pai deu... INQ É uma... INF1 É um caminhinho que faz aí nos matos. INF2 Um caminho que se... Abrem (...) os carros, que às vezes fazem aquelas rodeiras, não é? INQ Ah! INF1 Pois. INF2 E estava ali aquela rodeira dos carros passarem, estava ali... "Bem, paramos aqui nesta rodeira a ver para onde é que esta rodeira segue". E nós ficámos naquele lugar e eles cortaram outra vez, sempre à direita. INF1 Pois. INF2 A cortar, a cortar, a cortar para aqui para os lados do Granjal. E eles disseram assim: "Vós 'ficaides' a cantar a Morgadinha" que era alta, não é? Cantávamos alto. "Ficais a cantar a Morgadinha". O meu compadre Eustáquio sabia-a muito bem! " (...) E nós vamos ver para onde segue esta rodeira". INF1 Pois. INF2 "E depois por o cantar, nós vimos atrás deles sem nos perder . Porque senão assim depois perdemos, se não 'dizedes' nada, perdemos-nos uns dos outros e aqui andamos". Bem, assim foi. O meu compadre começa a cantar e eu começo a cantar. Eu tinha os meus dezasseis, dezassete anos. (...) E pronto. (...) E eu lá ia, lá estivemos a cantar. Passado de quase uma hora, eu disse assim: "Perderam-se na serra. Agora é que eles andam perdidos. Olhe, nós temos que estar aqui, aguentar aqui até de manhã. Nós quando é de manhã estamos mortos, com tanto 'relo'". Pois estava aquele 'relo' a cair, aquele gelo, aquele 'relo' a cair, a cair, a cair, a cair. "Já estamos todos orvalhadinhos"! Já estávamos todos orvalhados! (...) INF1 Ai Jesus ! INF2 "Ó pai"! Deram-nos um berro longe e eu assim: "Ai! É mesmo no cimo "! INF1 Aquele matagal! INF2 Começámos a cantar, e eles lá foram, lá vieram, lá vieram, lá vieram... INF1 Eles era para os ouvirem, para saberem onde vocês estavam. INF2 Lá vieram, lá vieram, lá vieram, e lá vieram depois então ter connosco. E diz ele assim: "Estamos não sei em que sítio é. E agora pegamos na saca e já vamos sempre nesta rodeira para irmos outra vez ter ao mesmo sítio (...) "... INF1 Aonde vocês estavam. INF2 "Aonde nós tínhamos a cova é que andamos a seguir para aquele lado". INF1 (...) Pelo cântico eles vinham lá ter. INF2 Ora, lá tornámos a ir, e na mesma coisa. Mais de três horas que nós demorámos a chegar ao mesmo sítio, com a saquinha, de noite. INF1 (...) INF2 Caíamos aqui, levantávamo-nos além, caíamos aqui, levantávamo-nos além. E até que demos lá com o carreiro, lá viemos. Ao passar da ribeirinha - pimba! -, o meu pai - Deus lhe perdoe -, coitadinho, pimba! INF1 Caiu para dentro. INF2 Caiu para dentro da ribeira. Era um escuro que não se via! INF1 Não se via nada! INF2 Digo logo eu: "Eu já deixo ficar a saca! Parece que até foi castigo que nos deram ! Eu não quero saber da saca, nem saco. O que me quero é ir embora, quero lá saber disto". E comecei assim a berrar. Lá peguei na saca, pu-la de cima da parede do senhor Ezequiel. INF1 Pois. INF2 Eu e o meu pai lá tirámos a saca toda molhada, lá deixámos a saca lá detrás (...) do coiso, para o outro dia para enxugar ao sol. E lá pega ele depois na minha saquinha... INF1 Coitadinho! INF2 E a dele ficou lá a escorrer. INF1 Pois. INF2 Chegámos a passar ao lameirinho (...) do meu compadre Eustáquio, lá no moinho velho. INF1 Pois. INF2 "Cai o meu compadre Eustáquio para a presa dele". INF1 Ai, credo! INF2 Lá ficou a saca dele também toda molhada dentro da presa. INF1 Ai, que trabalhinhos ! INF2 (...) Só arrumaram a minha saca e a do Labão. INF1 Trabalhinhos que passavam! INF2 (...) arrumaram a minha saca e a do Labão... Lá na corte dele. Que tinha lá uma corte lá na serra. Lá naquele lugar para baixo . INF1 Pois, no moinho velho. INF2 Pois. Lá ficaram as duas arrumadas e as outras... Estava tudo cheio de água. INF1 Lá ficaram a escorrer. INF2 Lá as trouxeram e lá as secaram dentro da corte. INF1 Pois, dentro da corte. INF2 Lá as secaram. Chegámos a casa... O gado que nós tínhamos era daquela senhora. Que era ao ganho . Só as cabras é que eram nossas. E também tínhamos o gado mas era menos. Mas o gado era da senhora Elina. INQ O gado o que são? As ovelhas? INF2 Era as ovelhas. INF1 É as ovelhas e os carneiros. E as cabras. INF2 Chegámos a casa, a minha mãe e os meus irmãos a chorarem lágrimas de sangue porque o meu irmão, o chegante a mim - ainda hoje aqui esteve na minha casa, o meu Fábio -, tinha perdido as cabras todas. INF1 Ai Virgem Mãe! INF2 Chegámos a casa - eram três horas da manhã, com este sarilho. Três horas da manhã que nós chegámos. E foi ao escurecer que nós tivemos isto. INF1 Oh, valha-me Deus. INF2 As cabras tinham desaparecido. Olha, lá vai o meu pai - Deus lhe perdoe - e o meu irmão, o mais velho, o Fabrício, e lá vai a minha mãe, e lá vão todos à pergunta das cabras. Lá estavam lá metidas na serra, de cima dos calhabouços... INF1 Pois, elas fogem para os calhabouços por causa dos lobos. INF2 E lá estavam as cabrinhas. Quando chegaram a casa... INF1 Elas em lhe cheirando os lobos, fogem para o penedo mais alto que podem. INF2 Quando chegaram a casa... INQ Os calhabouços são o quê? INF1 É as pedras. É pedras. Os penedos grandes! INF2 É pedras, calhaus, penedos. E elas vão sempre para cima daqueles muros. INF1 Fogem por causa dos bichos. INF2 Para verem os lobos. INF1 Pois. INF2 Para verem os lobos. São muito finas. E lá chegaram a casa era de manhã. E nós a cuidar que as cabrinhas estavam todas comidas dos lobos. Está a ver? A tirarmos dum lado íamos perdendo do outro? INF1 Pois. INF2 Cada um com aquilo que é seu! Deus me livre! Nunca mais! Foi a primeira vez que fizemos aquilo e a última. INF1 Nunca mais. INF2 Nunca mais andámos lá nos carvões. (...) INF1 Dava muito trabalhinho, dava! Olha que o meu marido passou-me ele passou bem poucos trabalhos!
GRJ68
INF1 Eu às vezes digo para os meus: "Vocês haviam de ser criados"... Os meus netos. "Ai, eu não quero ovos estrelados"! "Ai, eu não quero"... O Eufrónio: "Eu só quero uma costeleta"! "Eu quero um bife"! Ou assim. Digo assim: "Ai, meus filhos, meus filhos! Se vós 'passassens' o que nós passámos, 'comiens' até pedras"! As 'codinhas' (...) que muitas vezes lhe dava a tia Felisberta ali, que nos dava às vezes aquelas abadas de... Tiravam com a faca o miolo. INF2 Pois. INF1 Elas governavam o pão sempre muito bem governado. Tiravam aqueles miolos por cima e eu ia lá buscar assim às vezes... INF2 Então senhor sabe ? Muitos pobrezinhos de antigamente vingavam-se assim. INF1 Éramos uns desgraçadinhos! INF2 Nós íamos : "Ó senhora, (...) a senhora, faz favor, dava-me aqui vidinha a ganhar"? Agora?! Vai-os a gente rogar, há-de-lhe pagar bem... INF1 Já não querem ir. INF2 E ainda por favor! INF1 Ainda é por favor. INF2 Ainda é preciso convidá-los e assim. Ainda se viram à gente e pronto. INF1 Eu ontem fiquei doida quando a sua mãe disse que eram cento e trinta mil réis um dia! INF2 Então! INF1 Fiquei maluca! Algum dia para se ganhar cento e trinta mil réis! INF2 Cento e cinquenta agora, que já andam as mulheres. INF1 Ai Senhora de Fátima. INF2 Cento e cinquenta. Foi quanto (...) a Felismina já pagou às mulheres. E os homens duzentos. INF1 Deixa lá...
GRJ69
INQ Como é que um rapaz pede uma rapariga em, em casamento? INF Oh! O meu Emanuel pediu-me em casamento... Foi lá mais o Fabião. Disse aos meus pais que: "Olhe, o Emanuel gosta muito da Ercília e... Este é pedreiro. (...) É bom rapaz e é trabalhador. (...) Se o tio"... Ele chamava o meu pai tio. "Se o tio lha quiser dar, olhe que ela vai bem, porque ele é muito bom rapaz". E o meu pai disse-lhe: "Isso é com ela. Eu não mando. Quem manda é ela. Ela é que sabe se gosta (...) dele ou não gosta. Porque se gostar dele, é uma coisa; se não gostar dele, (...) não vai agora casar à força com ele". E depois o meu pai disse: "Olha, isso é contigo, rapariga". Virou-se para mim: "Isso é contigo. Tu é que sabes se gostas dele ou não". E eu disse-lhe: "Olha que tu tens"... Disse-me ele: "Olha que tu tens o Faustino da Vila da Ponte"... Que namorei cinco anos com ele. "Tens o Faustino da Vila da Ponte e olha que tu, se ele me vem cá inquietar à porta, que me vem cá"... "Ó pai, mas eu não gosto dele. Antes quero este". (...) E casei com ele. Só namorámos dois meses. Só dois meses. Conhecemos-nos em Junho (...) e em Agosto, casámo-nos. INQ Olhe, e o que é que os pais dão às filhas quando elas se casam? INF (...) Consoante têm os teres. Olhe, a mim não me deram a modo de dizer nada. Deram-me duas mantinhas (...) e mais nada. Eu é que comprei dois lençoizinhos, e duas almofadinhas - fez-mos a Fernanda -, uma colchinha de vinte e cinco mil réis. Foi o que levei para a minha casa. INF2 Havia cá muita gente . Gente pobre. INF1 A minha mãe - éramos muitos e éramos pobrezinhos - deu-me uma mantita maior, melhor, e outra mais ruim. Foi o meu enxoval. Risos E graças a Deus nunca dormi na cama suja. Tinha... Ele adoeceu, passado pouco tempo, teve uma doença muito grande, e eu fiquei grávida da minha filha mais velha. Estávamos os dois doentes. Ia lá uma senhora - a senhora dona Felizarda, que era professora... Coitadinha, tantos anos a acompanhem como de fome me matou! Matou-nos muita fome! INF2 Ainda tem muitas folhas. Tem que fazer esse livro todo? INF1 Matou-nos muita fome. INF2 Oh, oh! Ainda tem muita coisa, não podemos estar a falar. Tem que ser assim. INF1 (...) E depois (...) casámo-nos e graças a Deus, olhe, lá fomos indo. Como pobrezinhos sempre, mas sempre limpinhos. INF2 Então pois ... INF1 Ele Eu tinha aqueles filhinhos, olhe, descalços. Iam para a escola descalcinhos. Mas sempre lavadinhos. Ali a tia Felisberta dizia para a Fernanda: "É uma vergonha, rapariga"! INF2 Havia muito pobre. INF1 " (...) A tua cunhada faz-te tanta roupinha para os"... Ela tem seis filhos. "E faz-te tanta roupinha boa. E esta Ercília que tem aqui sete de volta dela, trá-los sempre lavadinhos. E tu que tens tanta roupa trá-los sempre uns porcos". INF2 Eu ainda me lembra que a senhora dona Filipa, a senhora professora... INF1 Hã? Essa então é que era?! INF2 Levou uns sapatinhos muito bonitos, dela. INF1 Pois. INF2 Ela dava à criança que lá estivesse, que lhe servissem . INF1 Pois, mais pobrezinha. INF2 Sim. Àquela que lhe servissem. INF1 Pois. INF2 E ela disse aquilo e eu disse assim: "Ai, se me servissem a mim! Eles são tão lindos"! INF1 Risos Também os queria! INF2 Eu era pequena, também lá andava na aula. INF1 Pois. INF2 E eu também ia descalça. INF1 E a Lucília. INF2 (...) Digo: "Ai, se me servissem a mim"! A quem serviram? À Etelvina do Faustiniano. INF1 Ah! INF2 Que tinha o pé mais pequenino. INF1 Mais pequenino. INF2 A senhora Filipa tinha um pé muito pequeninino. INF1 Pois tinha. INF2 Só serviram a ela. Todos o calçaram, para experimentar, e (...) só aquela é que serviu, ficou para ela. INF1 Ficou... Foram para ela. INF2 Foram para ela. INF1 Eram só uns. INF2 Eram só uns, foi só para ela.
GRJ70
INQ Olhe, e quando há um casamento, como é que se chama àquilo que o padre começa a dizer na igreja uns dias antes? INF1 (...) É os pregões. INF2 É os pregões. INQ Olhe, e quais são aqui os costumes do casamento? INF2 O casamento cá é... É: a gente namora; no fim os pais ajudam, aqueles que têm vontade e que gostam... INQ Mas no dia do casamento, o que é que se faz? INF2 No dia do casamento fazem uma boda muito grande. Fazem... Vão à igreja... INF1 Aqueles que fazem, não é? Os que fazem. INF2 Vão à igreja. INF1 Outros casam-se... INF2 Levam os padrinhos, e as famílias, e as pessoas amigas. No fim fazem para aí um jantarão que eu sei lá. No fim, (...) tocam e cantam e dançam. Divertem-se. Aquelas que são ricas, vão para fora gozar a lua-de-mel. INF3 A lua-de-mel. INF2 As que são pobrezinhas, coitadinhas, vão para a cama mais eles. INF1 Risos Ainda não vão para a cama. Ainda têm que os ver a dançar. INF2 Ah, mas no fim. Mas no fim do baile, vão para a caminha. INF1 Pois, é dele e ele é dela. Já têm ordem. INF2 (...) Pois.