MIN01
INQ1 Quarenta e cinco? INF Quarenta e cinco escudos para cada lado. Veja lá! INQ1 Já é caro para aqui. INF Subiu logo dez escudos para cima. Eram setenta. Foram logo vinte escudos para cima, dez para cada lado. INQ1 Pois. INF É isto. INQ1 Já é um bocado. INF Então, não é um bocado?! É muito é. Então! É muito . INQ1 E quanto tempo é que se demora para chegar do, daqui a Viana, mais ou menos? INF Na carreira é uma hora, mais ou menos. INQ1 Uma hora? INF Uma hora para lá e outra hora para cá. INQ1 E há co-... É uma vez por dia ou mais? INF (...) Vai de manhã, sai daqui às sete horas. Vem do lado de Âncora e sai daqui às sete horas. E depois aos dias de segunda e terça e de quarta e quinta sai de Viana (...) às dez menos vinte e vem para cima. E vai a Âncora. Mas depois vem outra (...) de Viana, sai ao meio-dia e chega aqui volta para Viana. E depois torna a ir para Viana às quatro e meia, a que vem de Âncora. (...) E às sextas-feiras, essa é que eu julgo que (...) é menos. Sextas e sábados. Mas temos todos os dias. Todos, todos, todos. INQ1 E ao fim-de-semana também há? Ao sábado e ao domingo? INF Há sempre. Sábado (...) e sexta e sábado. Só não há no domingo. INQ1 Só não há no domingo. INF Só não há (...) no domingo. INQ2 Ai, ao domingo não há? INF Não, ao domingo não. Não há. INQ1 Já foi há muito tempo que começou a haver as carreiras, assim? INF Assim começou vai duns três anos já.
MIN02
INF (...) Vai fazer três anos que eu fui operada à vista - não é? - mas quando ele vim do hospital - (...) foi em (...) Maio - ainda não havia. Mais adiantes, eu fui à consulta e eu perguntei. (...) Começou (...) nos princípios de Junho, parece que foi. Faz três anos para Junho que é que dissemos: "Olha, começa já a haver carreira ao meio-dia para cima, diariamente, todos os dias". E de manhã há sempre diário. Agora é sempre, sempre diário. INQ1 É que dá muito jeito. INF Ah pois dá! Dá muito jeito, pois! INQ1 É isso. Portanto, quando querem ir ao, ao mercado e à feira é, é a Viana? INF Ou a Lanhedes ou a Ponte de Lima. É assim. Mas (...) em Lanhedes é (...) um mercado pequeno. Ali é pouco. E é só de quinze dias... INQ2 Ai é? INF É. E é pelo sábado (...) ... INQ2 Em Via-... Em Viana é que é todas as sextas-feiras não é? INF Em Viana. E terças-feiras. INQ2 Ai é? Ai agora também há às terças? INF Também. Também há à terça-feira. (...) Inté eu terça-feira fui a Viana, INQ2 Pois. INF porque eu recebo um bocadinho de seguro do meu falecido homem - não é? Pois eu sou viúva logo há trinta e um ano. Tinha a rapariga mais velha... Ainda não tinha feito catorze anos, quando fiquei viúva. Fiquei com cinco filhos (...) . Mas naquele tempo, claro, eu fiquei a arreceber (...) um nada do seguro - não é? Olhe que estive a arreceber uns poucos de anos para mim - à minha banda - (...) cento e oitenta e cinco e oito tostões, veja lá, por mês! INQ1 Não era nada. INF Nada. Agora há muito pouco tempo - (...) não há muito tempo - é que fui aumentada. Também eu recebo dois contos (...) e cem, por mês. Também olhe que não é ele o seguro tamanho! Mas tenho de o ir receber a Viana. INQ1 Pois. E ainda não... A senhora ainda não recebe da Casa do Povo? INF Da Casa do Povo também já recebo. Também já recebo... INQ1 Aqui... Recebe-se aqui a partir de que idade? Dos sessenta ou dos sessenta e cinco? INF Dos sessenta e cinco. É, é . E eu tenho setenta.
MIN03
INQ Também ajuda. Também ajuda um bocadinho. INF Ah, pois! É porque ajuda também um bocadinho, não é? Sempre são... Da Casa do Povo são dois contos e quatrocentos; dali agora (...) do seguro são dois contos e cem; sempre são quatro contos e meio - não é? -, pronto, por mês. INQ São. Sim, mas também não é muito. INF Ah! Se a gente fosse só a viver disso não dava! O que vale é a outra rapariguinha que anda diária a trabalhar. Essa anda sempre no serviço. (...) Vem aquele dinheirinho junto. Agora (...) já ela o recebe um bocadinho mais... Dão logo... Bem, é nove contos, ou nove contos e não sei quê. E depois vem mais (...) o subsídio, vem mais (...) umas diuturnidades, vem mais depois (...) das férias do Natal... Vem mais aquele dinheirinho! É o que vale para juntar a gente uns tostões (...) para poder fazer algumas obrinhas. INQ Pois. Não, é que aqui está, está, também está tudo muito caro. INF Tudo muito caro! Olhe que agora qualquer artista aqui... Ele é cem escudos por hora e... A trabalhar! Um artista? Oitenta (...) e noventa e cem. Veja lá! E se ao menos, muitas das vezes, se desembaraçassem serviço, não é? Mas às vezes estão a que passem as horas!
MIN04
INF A gente, ele vivemos para trabalhar e (...) para atender ao que faça falta, não é? INQ1 Pois, tem que ser. Para os filhos também. INF Para os filhos. Olhe, vi-me um bocadinho aperreada porque quando o meu marido morreu - só estive casada catorze anos -, (...) a mais velha ainda não tinha... INQ1 Ainda não tinha quase a escola... INF Ah! (...) A mais novinha, que é esta, tinha dois anos e meio! Veja lá, tudo pequeno. A gente viu-se mal. O que me vale tinha uma irmã - que também já faleceu, coitada -, e essa ajudava-me muito. Essa ele estava solteira e andava assim a servir sempre pouco . (...) Trabalhava era de cozinha e assim pelos fidalgos - não é? - e ganhava um ordenadinho grande. E ajudou-me muito a criar os filhos. Isso digo quanto é verdade. Deus a tenha no céu (...) ! E depois pouco trabalhinho me deu que ela... O bocadinho que tinha deixou-mo a mim. Nós éramos cinco raparigas e dois rapazes - irmãs minhas. E ela ficou assim a viver comigo aqui na casa, não é? A casa ficou para mim e ela ficou a viver comigo. E depois ajudou-me muito. E depois, coitada, também teve uma morte muito, muito triste. (...) Estava em Lisboa - e eu tenho um sobrinho casado em Leiria - e: "Vou passar o Carnaval com o sobrinho a Leiria". Ele a patroa dava-lhe o dinheiro para vir para acá e ela diz : "Ah, vou onde ao Antenor que eu nunca fui a Leiria e vou a Fátima". Foi para lá. No dia de Carnaval foram para baixo, para a Marinha Grande, ou não sei o quê, e ela (...) muito satisfeita. Depois - segundo contavam - veio (...) um vagabundo que vinha meio bêbedo, deu uma meia... E ele diz que já ia devagar, o meu sobrinho, ia desviar-se. Foi contra ele (...) , atrás matou um homem, que vinha de mota, atirou com o homem e matou-o. E veio adiante, veio dar no carro do meu sobrinho e consoante o carro deu no carro do meu sobrinho, o carro revirou e bateu num poste... (...) Olhe com que força não bateu no poste que lhe ele deu com força que partiu o poste da luz! E caiu para baixo para um monte. O meu sobrinho pouco sofreu e a mulher e um pequenino que traziam com eles. Mas ela ia era atrás, deu com a cabeça em cima, foi logo no crânio. Pronto! (...) Ainda esteve seis semanas em estado 'comum' - 'comum' ou 'comum', ou não sei quê - no hospital (...) de Coimbra. Ali, ali assim, seis semanas! INQ1 É triste essa, esses... INF Veja lá, (...) nem falar, nem... Assim, ali assim. INQ2 Coitada! INF Depois, lá me faleceu; depois trouxemo-la para acá. (...) E fomos vivendo. Mas ela ajudou-me muito! Foi a que me ajudou, coitada. INQ1 Pois é. Naquele tempo era muito duro ter-se seis filhos e... INF A vida era assim: dura (...) de romper com ela. Trabalhava-se muito! INQ1 Pois. INF A gente, olhe que íamos... Eu ia para os lados de lá daquela serra, às Arcas - os senhores não devem saber onde são as Arcas lá do lado dacolá -, ao milho. A gente colhíamos pouco milho porque havia pouco quem o vendesse. Eu ia buscar trinta quilos de milho à cabeça INQ2 Lá para cima? INF lá para cima, para detrás daquela serra que se vê acolá. Tudo para alá, mas muito longe! (...) Que a gente levava-lhe mais, a andar, duas horas e meia a lá chegar. (...) E a gente, ai, custou muito! Depois, ainda tecia... A minha falecida mãe tecia; eu ia levar as coisinhas que ela tecia. Eu ia ou para os lados de Âncora - que se ande para a banda de lá -, ou para os lados donde tenho as irmãs, para o lado da Arzela para levar a vida, para a gente ganhar (...) uns tostõezinhos para poder romper com a vida. INQ1 Portanto, mas a senhora tecia por encomenda ou tecia e depois ia vender assim? INF Não, não. Eu tecia por encomenda. Quem encomendava, às vezes, davam até (...) a lã e assim. E a gente tecia e depois ia levar. Ganhava aquele bocadinho, só.
MIN05
INF Mas olhe que digo-lhe quanto é verdade: eu falo e falo hoje aqui e diante (...) de vocês que eu não sei como algumas mulheres esquecem o marido. Eu estou viúva faz logo trinta e um ano (...) para Junho - foi no dia vinte e nove de Junho que ele faleceu - mas ainda hoje (...) não posso. E vejo mulheres viúvas de há pouco tempo... Bom, às vezes, eu, às vezes, inté vou na carreira para Viana e não gosto de as ouvir falar: "Eh, porque bem dizem, porque (...) para uns ficar bem, outros têm de morrer, porque o meu homem assim dizia" - (...) inté uma riquíssima que ficou com um ror de contos (...) , trabalhava na França, não era, ele, (...) o homem, e morreu lá. INQ1 Sim. INF Oh, ela recebeu uma pancada (...) de contos: uns trezentos contos, ou não sei quê, ou para cima de trezentos contos. Está a receber (...) uma pensão bruta. E não se vê àquela mulher de botar uma lágrima pelo marido. Eu não sei que sentimentos é os daquela mulher. E muitas! Quem vê essa, muitas! Eu não posso. Eu (...) não sei. Não somos todos iguais, não é? INQ2 Pois não. INF Os sentimentos cada um tem os seus. INQ1 É isso. INF E eu como não tinha também queixa nenhuma dele. Também era um... Não desfazendo, mas era um santo homem. Trabalhava de carpinteiro. Olhe que o tear que tenho lá em baixo, não pense, foi ele que o fez. (...) E foi feito ao domingo, coitado! Ia à missa de manhã e logo vinha, metia-se ali (...) naquele coberto a trabalhar. Não se metia no... Não ia para a venda não. Quando queria beber (...) um bocado de vinho (...) ... A rapariga mais velha (...) não gostava de ir à venda, não - à loja. Mas a outra a seguir gostava - há pais que andam fora no trabalho -, essa gostava. "Antígona vai"... Olhe, um litro de vinho. Um litro de vinho que dava para mim e para ele e para a minha falecida mãe (...) e para dar aos pequenos também um bocadinho. Mas, em vez de ir... Diz ele: "Eu em vez de ir beber um copo à venda e pagar outro, então com outros dois copos de vinho e com mais um bocado bebemos todos em casa". Pronto. Era tudo assim . Não desfazendo mas era muito boa criatura. Meu amigo, costuma-se a dizer que quem é bom é que vai depressa. INQ2 Pois. INF Vamos vivendo.
MIN06
INQ1 Ele trabalhava aqui só ou trabalhava assim para, para as terras à volta? INF (...) Não. Trabalhava. Ele trabalhava de carpinteiro - não é? - e logo foi para Lisboa. Ele morreu-me em Lisboa. INQ2 Ai, ele trabalhava em Lisboa? INF Trabalhava em Lisboa. Trabalhava em carpintaria. Morreu em Lisboa. Naquele tempo - lá ficou, coitado - não havia meios de o poder trazer. Naquele tempo o ordenado dele também era pequenito. Pronto, ficou lá (...) no hospital (...) de São João - parece que foi. (...) INQ1 No cemitério? INF No cemitério de São João. É assim a vida. Vamos andando, que ele lá vai e eu não tardarei a ir também. INQ1 Ainda está aí rija. INQ2 A senhora está muito boa. INF Ai, ai! (...) Olhe que eu estive aí... Foi ali pelo Carnaval que me deu uma colite que (...) o meu filho teve de ir comigo às onze horas da noite para o hospital para Viana. E adiante, isto foi (...) na terça-feira à noite - foi (...) no dia (...) treze de Fevereiro - e na quinta-feira tornou-me a dar e tiveram de ir outra vez comigo para Âncora para o doutor. E ainda estou a dieta, que eu ainda não como... Estou a comer de dieta. INQ1 Pois, pois. INF Ai, ai! Uma colite que me deu que quase morria! INQ1 Pois é. Agora é preciso tomar cuidado com a alimentação. INF Pois, pois é isso. INQ2 Não abusar... INF Nada, eu nada. Elas bem compram, coitadas. Eu digo: "Vocês têm de comprar aí"... Trazem-me aí um bocado de carne e eu meto-a no frigorífico - que eu não tenho, mas tem a minha nora - e vou-a pôr lá e vou (...) trazendo aos bocadinhos, cozo-a cozidinha. Tem de ser tudo cozido. Não posso comer nada... INQ2 Pois é, faz mal. Pois não. INF Não posso comer nada estrugido. De estrugido nadinha! Tudo ou grelhado ou cozido. Mas, então!... INQ1 Também é bom assim. INF Sim. Sustento-me bem. Eu como ando pouco... Até hoje, até quando ia buscar um bocado da carne lá - que eu logo parto-a aos bocadinhos e ponho cada qual bocadinho na sua saquinha (...) , trago um bocadinho daquela saquinha para não estar a abrir a saca e a partir -, hoje quando ia buscar lá, a minha nora já não estava na casa, já tinha saído. E: "Pois e agora o que faz de comer"? E eu digo: "Ai, eu faço muito bem para mim"! Fiz ali a minha sopinha, botei-lhe uma batata, ralei-a, botei-lhe uma manadinha de arroz, botei-lhe uma cenourinha cortadinha, botei-lhe um bocadinho de azeite (...) e logo ainda botei uma couvinha desta penca, cortadinha, cortadinha. Olhe e tenho... Comi ao meio-dia e já tenho para a noite. Pronto, já tenho a minha comida feita! INQ2 Para o dia todo? INF Sim, para o dia todo. E passo bem. A gente já chegamos a uma certa idade que já a gente come menos. Sustenta-se com pouco. Eu de manhã bebo um gole de cevada e estou inté ao meio-dia. Não como também. INQ2 Ai, não come? INF Não como de manhã. Mesmo quando me deram comprimidos para tomar agora quando estive assim, tinha de tomar dois ao almoço, ao meio do almoço. E depois tomava um às dez horas do dia. E depois tomava outro antes (...) do comer ao meio-dia. E depois ao meio do comer - (...) a meia hora antes do comer e logo ao meio do comer - dois. E depois de tarde outro, às sete da tarde. (...) E antes do comer, meia hora, outro. E depois ao meio do comer outra vez. Mas eu de manhã não comia, não os tomava. Sim, os de de manhã (...) só tomava o que tomava às dez horas, o mais não tomava mais nenhuns que não comia. Bebo o gole da cevada... Pronto, já estou! A gente passa. Chega-se a uma certa idade já a gente está feito, a gente não precisa de muito comer. É assim.
MIN07
INF Não fiquei cansada nada! De quê? De estar sentada? Ou de falar? Isso falar foi sempre o costume de falar, não vê? Eu tenho ali (...) o meu irmão, que está numa casa também ali à frente, e hoje a cunhada viu (...) a minha rapariga, disse: "Ó Antónia! O padrinho viu aquela carrinha ali, que gente era"? - a carrinha ali. Ele a Antónia contou-lhe, a minha filha contou-lhe. "Ai Jesus"! Ela é assim muito... "Olha lá (...) se são ladrões que andam a ver"... Diz-lhe a Antónia: "Ó madrinha Antonieta, não diga uma coisa dessas. Você se os visse falar"... Mas é. É porque ela é muito desconfiada, sabe? Eu nunca desconfio de nada. (...) E bondava olhar para vocês. (...) Conhece-se bem... Conhece-se bem a gente! Porque ela é um bocadinho ... INQ O seu filho mora ali senhora Anselmina? INF Hã? INQ O filho da senhora mora ali? INF Mora ali à frente. INQ E trabalha aqui também? INF Não, não. O meu filho não trabalha. O meu filho é o 'tais' que tem ali a casa nova... Tenho um irmão que tem a casa dele ali adiante, também, e a cunhada. E o meu filho (...) inté ainda não tem o lugar fechado. Esse é que é o sargento. Está na Madeira agora. É sargento (...) do exército. INQ2 Do exército? INF É, é esse. Esse também está com um bom ordenado: está com vinte contos, ou vinte e tal. Agora tira mais porque foi... Mudou-se para a... Foi para a Madeira uns meses porque senão tinha de se mudar... Ele tinha de sair do Porto (...) uns meses, não era? Se não fosse para a Madeira... Porque ele viveu muito tempo na Madeira. Foi acabar a tropa à Madeira,quando serviu a tropa. E depois lá ficou a trabalhar - também trabalha (...) de carpinteiro -, ficou lá a trabalhar. Bom, namorou uma rapariga, casou lá, não é? Casou, inté nem me mandou dizer nada nem... Eu, às vezes, escrevia-lhe e (...) nem mandava dizer... Às vezes, eu digo: "Eu só queria ter uma pessoa (...) de conhecimento aí na Madeira para saber a tua vida", não é? Porque, claro, lá estava, não me ajudava nada - porque acabou a tropa e não ajudava nadinha... E eu sabe Deus aqui! É que tive a minha falecida mãe ainda na cama cinco meses, quase os seis... E sabe Deus como se a gente via, não é? E ele nada. (...) Não me contava nadinha. Escrevia era tr-r-r. Só passado tempo é que soube, então. Já ele tinha três filhos: duas rapariguinhas (...) gémeas - são as mais velhas, essas já têm quinze anos, são umas moças já - e um rapazito que agora tem-no também no seminário, em Braga, a estudar. E logo teve outra rapariguinha mais nova que essa tem-na no Porto, no colégio no Porto. Pô-los todos assim, coitadinhos, lá estão. Ele logo veio para cá. A vida é assim. Veio para cá tocou-lhe a vir para o Porto. Ele no Porto, a mulher ficou lá com os filhos... Adiante teve de ir para Angola - que foi no tempo que Angola estava má que teve de ir para alá também -, foi promovido para lá, pediu-me se aceitava aqui a mulher e os filhos. Eu disse-lhe que sim. Tinha de desocupar (...) a casa na Madeira que era (...) do exército. Adiante veio-me a mulher trazer as três meninas e o menino deixou-o lá. Eh, que tinha de ir outra vez que o menino tinha de ser operado lá à garganta, lá as anginas, não sei o quê. Digo eu - ela chamava-se Antonina -, digo: "Ó Antonina, você escreva-me que eu quero saber como o menino está". "Eh, não tenha medo, é ao chegar lá". Escreveram-me os senhores? Assim me ela escreveu. "Mas você (...) quando escrever ao Antero" - que ele (...) o apelido do meu filho (...) é Cirano Antero - "quando escrever ao Antero (...) não lhe diga que eu que tornei para a Madeira". Eu, ele escreveu, eu escrevi-lhe e mandei-lhe dizer que tinha cá chegado a Antonina com os meninos; não lhe expliquei mais nada. Adiante já me ele responde à carta. Diz: "Minha mãe, mandou-me dizer que a Antonina tinha chegado aí com os meninos. Mas eu já tive carta da Madeira donde me disseram que ela que andava lá já a passear. Mande-me dizer se levou os filhos, se deixou, se levou os míudos ou deixou-os consigo. Conte-me a verdade"! Diz: "Porque eu"... Ele tinha estado no Porto... Já há meio ano que estava aqui no Porto e ela estava lá. Diz: "Porque eu estou... Ela abandonou a casa da minha mãe, deixou de ser minha mulher. Qui-la tirar da lama e ela não quis". Pelos jeitos a mulherzinha lá perdeu a cabeça, não se sabe, não é? Aquilo passou, ela nunca mais se importou de escrever. Adiante diz: "Que eu hei-de buscar-lhe (...) o menino ainda que tenha que a matar"! Ele tinha ido em Novembro, adiante em Fevereiro já veio cá, de Angola, já pediu férias e veio cá. Foi à Madeira, foi buscar o filho. Denunciou-a num jornal, pôs-lhe a fotografia dela num jornal. Pronto, abandonou-a, não é? Veio para acá, aqui andou. E ela, coitada, logo lá chegou a pontos... Porque logo a vida é assim: lá se viu sem ver a família, sem ver marido, sem ver os filhos, tomou veneno e matou-se. Veja lá o desespero dela depois. INQ1 Coitada! INF Ao fim de um ano! Ele, que veio, casou segunda vez aí com uma rapariguinha. Fez agora vinte e cinco anos, a rapariga. Ele tem trinta e nove. E ela já tinha um... Quando casou, ela ainda não tinha inté vinte e um ano, mas ela já tinha uma rapariguinha. Que a rapariguinha já tem... Ela teve a rapariga tinha (...) dezassete anos. Casou com essa rapariga, coitada. Enfim, uma rapariga nova. Trabalha (...) no 'tais' quartel a mais a mãe. Mas (...) que lá está, miúda... Agora parece (...) que vai ter bebé. E os filhos dele tive de os pôr cada um para o seu lado. Eu dá-me muita pena, que isto é que é verdade. (...) INQ1 Pois. INF Um pai faz muita falta a uns filhos, mas uma mãe!... INQ2 Também faz! INF Olhe que eu criei-lhe aqui (...) os filhos. Estiveram aqui comigo os meninos todos. Estiveram cinco anos e eu (...) lembrava-me tanto, digo: "Ora estas meninas, se tivessem a mãe"... Agora mesmo, se tivessem a mãe delas... Eu bem sei que as duas são umas moçotas... Uma está na Espanha, é, lá na Espanha com uma minha prima; e outra está... Foi aprender um bocadinho, a ver se aprende um bocado de costura, mas ajudar a trabalhar, primeiro, a fazer as limpezas de casa, aí para umas senhoras que têm ali ao lado de Viana, também ali em Outeiro do Chão, acima de Perrocos (...) ... INQ2 Na serra... INF Pois foi para onde ela foi. Para lá foi. INQ2 Tem que ser. INF E o rapazinho lá está em Braga. A outra lá está no Porto, a mais novinha... (...) Ainda não tem doze anos... E a vida é assim, sabe. INQ1 É assim. INF Que havemos de fazer, não é? INQ2 Tem que ser. INQ1 Pois. INF Cresceu-lhes os filhos, cada um está por si . E o outro está casado, tem a mulher na França, está na França. Também está a fazer casa aí à frente. Tem casa nova também aí à frente, para lá. E eu, a casa, esta é para mim, para enquanto vivo, e logo para as filhas. INQ1 Claro. INF A vida é assim! Tem que ser!
MIN08
INQ1 Mas também trabalhou alguma vez na lavoura? INF Eu trabalhei na lavoura, pois. Trabalhei na lavoura. Sei sachar o milho, sei como é que se semeia, sei como é que se lavra, sei tudo, não é. INQ1 Ai sabe?! Ah! INF Ai, isso sei. (...) Não haja dúvida nenhuma que sei. Por acaso sei. INQ1 Os seus pais eram daqui, já? INF Não. (...) O meu pai era de Paredes de Coura. INQ1 Ah! INF É. Era aqui de Ferreira. INQ2 E o senhor veio nascer aqui? INF E minha mãe era daqui. Minha mãe era. Os meus avôs (...) moravam aqui assim em cima. Eu nasci aqui numa casita que está aqui assim, que agora só tem o terreno que as pedras já caíram. É. Pois é. INQ1 E andou na escola? INF Andei. Andei na escola, andei. Andei inté à terceira classe. Depois as professoras, naquele tempo, não era, a gente não era obrigado, não é? Depois o meu falecido pai morreu de desastre (...) de pedreira... INQ1 Oh, que azar! INF E eu depois, está claro, andei meio assim, (...) fui para Lisboa. Depois que fui para Lisboa é que fui para o comércio. Estive no comércio! Depois do comércio fui à tropa, depois vim-me embora, resolvi casar, fiquei por cá. É, é. INQ2 Sim senhor. INQ1 Então andou à escola aqui? INF Andei na escola aqui, andei. Era uma professora, era lá da beira do Porto. Ali, do Porto, ou fosse ali de Penafiel, para ali. Morreu agora há pouco. Mas devia de morrer... Devia ter uma idade boa. É. Pois é. É assim.
MIN09
INQ E então no rodado, como é que se chama?... Portanto aquela, aquilo que fazia andar o carro era o quê? Era?... INF Eram rodas, eram rodados. Era as rodas. INQ E havia uma parte do meio na roda. A roda tinha?... INF É. É aquela que anda à roda que então tem as cambas... (...) Isto suponha que isto aqui assim (...) é o meão, o meio, e depois tinha aqui assim (...) as cambas, saía o pau daqui assim para trabalhar. Trabalhava aqui em cima (...) então (...) uma relha, não é? (...) E trabalhava aqui assim alta que era para não a deixar abrir. E depois tinha em volta a ferragem em ferro - ou que era em madeira, ou que era em madeira. INQ Sim senhor. Essa ferragem em ferro era presa com uns, com uns pregos grandes ou era toda, ou era só uma peça? INF (...) A que era em madeira que tinha a ferragem era (...) pregada (...) com pregos. Os pregos, não é pregos - não, não -, nós chamávamos-lhe os barrotes. INQ Os?... INF Os barrotes. Um barrote tem uma cabeça grande - não é? - INQ É. INF que é para segurar. INQ E, e quantas partes de ferro havia à volta do, do, do?... INF Ah, (...) eu usei sempre nos meus duas, mas agora já estavam a usar quatro peças. É. Quatro peças. INQ E aqui no, no meão também havia, costumava haver duas coisas de ferro que era para reforçar um bocadinho... Portanto... INF Então, isso (...) são as meias luas, INQ Exacto. INF tudo em volta - não é? -, INQ Sim senhor. INF que é para não deixar ele esbandalhar. INQ Rhum-rhum. INF É. E aqui assim (...) , quando era no meão, tinha então assim também umas chapas em ferro... Agora, por fim, já se usavam uns parafusos. Agora eu, agora não tenho. Agora esbandalhei tudo, senão inté amostrava-lhe alguns velhos. Agora vem - há-de estar aí a chegar logo - umas já é tudo em ferro. É. É de ferro.
MIN10
INQ1 E no, no focinho do animal o que é que se punha? INF Bom, no focinho do animal, quando era assim (...) não era nada. Agora quando é para ultrapassar um campo de erva (...) ou que se ande (...) à erva, está claro, (...) punha-se-lhe (...) umas cestas. INQ2 Como é que se chamavam essas cestas? INF (...) As cestas é uma coisa feita em arame que se mete no focinho do animal, como quem açaima (...) um cão. É quase no mesmo jeito mas não é bem, bem, bem igual. Pois. INQ2 E chamava-se cesta? INF Eram as cestas.
MIN11
INQ Os rojões é... A rojoada é só com carne ou leva também o sangue e as tripas? INF1 Não, a rojoada, isso é... Temos que ir a 'edo'. Mas (...) quando é a matança... Mata-se o porco - não é? -, e depois (...) abre-se, tira-se-lhe a tripa toda fora, e tudo o mais - não é? -, tudo limpo por dentro. Depois vai-se àqueles entretinhos que tem e àquelas faldas, tira-se-lhe daquela carne, já para se comer rojões - que isso agora (...) é à parte para a rojoada da matança. E depois, dali a um dia ou dois, (...) quando se vai desfazer o porco... Depois desfaz-se o porco - a gente põe-o todo em peças e todo em miúdo, não é? -, então depois é que se faz a rojoada que é o que leva o sangue, que é o 'tais' serrabulho. É o serrabulho à moda antiga. E depois há quem faça... Nós agora já não (...) ... Aqui até já não se usa fazer a 'tais' papa... INF2 Aqui não se usa! Ele não se usa quem não o faz! INF1 Quem não quer! Fazer (...) com os ossos do porco e com carne (...) mais ou menos - não é? -, fazer aquela, (...) a 'tais' papas de rolão - a 'tais' papas de rolão. Eu gosto muito; a minha mulher agora não quer; agora (...) já a gente não é moderna. INF3 Já não há o milho traçado no moinho de água... INF1 É. Era (...) esmagado todo ali então no moinho de água - não é? -, faz aquele milho (...) trilhado. INF3 É quase como arroz. INF1 É quase como arroz. Depois é: é muito bem peneirado, muito, muito bem peneirado. Depois (...) é limpo com água, que é para ficar só o que é verdadeiro milho - não é? - para não ficar com aquela parte (...) de farelo. INQ Com a casca. INF1 Com a casca do milho. É, é. E é assim.
MIN12
INQ Deixe lá. Olhe, e isto que está a andar à volta, como é que se chama? INF1 É a mó. INQ E a que está por baixo? INF1 E isto é o pé. INQ E o sítio onde co-, bo-, corre a farinha? INF1 (...) Para botar farinha? A farinha sai por aqui. O milho cai para dentro e depois a farinha sai por aqui. (...) A mó anda de volta - não é? - e bota a farinha para fora. INF2 E deita a farinha para fora. INQ E este sítio onde cai a farinha, como é que se chama? INF2 Oh, bom, isso é o chão, vá. INF1 (...) Sim, este é o chão, vá. INQ Então, e fica assim espalhada pelo chão fora? INF1 Fica. INF2 Fica. Depois há que a varrer. (...) INF1 Tens vassoura Aristodemo? INF2 Há que a varrer e depois apanhá-la. INF1 Tens vassoura tu? INF2 Não trouxe que esqueceu-me. INF1 Não 'trouxestes'?
MIN13
INF1 (...) E aquela barbela, (...) chamamos-lhe nós o rei, serve para urina. INQ Ai é? INF1 É. INF2 É. INF1 (...) INQ Chama-se o rei? INF1 É o rei. (...) Quer dizer é uma espiga escura, percebe? INF2 É o milho-rei. É o (...) milho-rei. Uma espiga-rei. INQ Ah! INF1 É uma espiga escura. INQ É só a barbela da espiga escura? INF1 É verdade. INF2 E a barbela dessa espiga de rainha dá (...) para chá. Para chás. INF1 (...) E depois aquela barbela escura (...) , quer dizer, então de rei, como eu lhe estou a dizer, bota-se uma panela ao lume - ou uma coisa qualquer, não é? -, bota-se e coze-se aquilo e faz-se assim a modo em chá. E toma-se aquilo para depois o ardor da urina. E a salsa, o pé de salsa, também fervida em água, e cozida, tomada, que também faz bem ele o pé de salsa para a urina. INQ Eu não sabia. INF1 É, sim senhora. Há muita coisa, e a gente muitas vezes até não o sabe. INQ Sim, sim. INF1 É, é.
MIN14
INF É cá, é tudo cá... INQ Aqui não havia sachola? Pronto. INF Não, sachola não. Isso sachola... É outro nome qualquer que lhe dão. (...) INQ Ah! Mas aqui não se dá. Pronto. INF Pois, aqui, aquilo era uma enxada. Pois era. Ou o sacho. INQ É uma enxada. É tudo enxadas. INF Eu também posso chegar aqui a um miúdo: "Vai buscar aquela sachola acolá"! Que às vezes eu falo... Agora já a gente há... Quer dizer, nós aqui, aqui há coisa de cinquenta anos, a gente do lugar de Bade era do lugar de Bade. Agora é: já vêm de Coura, já vêm de muito lado e já metem mais nomes (...) INQ Diferentes. INF mais diferentes... INQ Sim senhor. INF Agora até já estão a falar - agora até a falar a canalha, (...) e muitos já - é americano, é: "ciao", "ciao", como é que se diz adeus? INQ Adeus? INF "Ciao", "ciao", "ciao", "ciao", ou "ciao". Parece que é americana a palavra. Oh, "ciao", "ciao". Oh, "ciao". Para dizer "até logo" dizem "ciao" ou "ciao". (...)
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INQ1 Como é que se disse... Como é que disse que se chamava aqui o sítio? INF Aqui é o lugar do Barreiro. INQ1 Lugar do Barreiro. INF É, sim senhor. É o lugar do Barreiro. É estas casas aqui, aquelas acolá... INQ2 Pertence tudo a Ponte da Barca? INF Não, não, não. INQ2 Ou a Arcos de Valdevez? INF É tudo aos Arcos, tudo aos Arcos. Até meio da Ponte da Barca - meio da Ponte da Barca - é os Arcos. INQ2 Pois. INF 'Proba', Campo de Lima, (...) agora a zona industrial que está acolá... Está acolá 'Abique' - não é? -, que também fazia tudo, tudo os Arcos. INQ1 Era tudo os Arcos? INF Tudo. É, sim senhor. INQ1 E a... A senhora e o seu marido sempre viveram por aqui ou foram?... INF Vivemos. Até nunca saímos. INQ1 Sempre aqui? INF Estamos casados há cinquenta e um ano... INQ2 Mas nasceram onde? Aqui? INF Ele nasceu aqui e (...) eu então nasci no outro lado do rio, em 'Abifes'. INQ1 Então encontraram-se a meio do rio? INF E eu, eu tinha a minha avozinha na banda daqui - os meus avozinhos; meu pai era daqui - e depois eu vinha aqui... E eu, não era por desfazer, mas diz que eu era muito linda em pequenina! INQ2 Ainda agora é. INF Ele não. Eu agora já... Já tenho levado muitos contratempos para criar sete filhos... INQ1 Como é que a senhora se chama, desculpe? INF Sou Arlete. INQ1 Arlete. INF (...) INQ1 Manuela e eu João. INF Graça a Deus, por muitos anos . E então, passava aqui no barco. E ele via eu que passava eu passar por lá, pronto! Fiz então anos na Senhora do Vale! - que eu não sei se ouviu falar? INQ1 A Senhora do Vale? INF (...) Na Senhora do Vale que é para o lado de São Jorge (...) - quem vai para bandas de acolá. E nós fomos lá e tomámos namoro. (...) Ele tinha dezasseis anos e eu tinha (...) quinze. Pronto, começámos a andar novinhos! Falámos oito anos e meio! INQ1 Ainda foi muito tempo! INF Muito respeito. Muito respeito um para o outro. Respeitou-me como se fosse irmã dele (...) . Os E ele os meus pais iam para Viana, eu ficava em casa com os meus irmãos porque era a mais velha... Eram nove irmãos e eu era a mais velha deles todos - não é? - e é que trabalhava no campo, e é que os levava... Tinha vaquinhas para lhe tirar o leite, e fazia assim... E pronto, ele ia para nossa casa, pronto! Um dia foi, ele (.../VB) a tropa... Queria casar antes de ir para a tropa; eu não, que devia ser muito canalha. Deu a tropa, dezoito meses, na Póvoa do Varzim. Veio em Maio. Depois a minha mãe não sei se estava chateada disse: "Ó rapaz! Tu, (...) a minha filha para ti já não é"! "Ai, tia Armanda! Só Deus do céu é que nos há-de desapartar um do outro"! "Então 'casende-vos'"! A minha mãe emprestou-nos cem mil réis naquele tempo. Pronto, fui ao padre. O padre queria... Viu-lhe a nota de cem mil réis, já queria cem mil réis por casar. Diz ele logo: "Não . O senhor abade casou fulano (...) o primo com primo. (...) E eu que não sou nada, quer-me cem mil réis e ao outro levou menos". Casámos na mesma altura. Esse rapaz até morreu agora na França. E então ele pegou e pronto. Diz: "Então dai-lhe lá" . E casámos, quedámos, viemos para aqui para à dos meus sogros. Estive aqui sete anos com os meus sogros, Deus lhe perdoe. Depois fomos para o moinho - que acolá em baixo há outro moinho. Abaixo deste, há outro moinho, e outro lá em baixo. E nós depois fomos para lá... Mas depois então é que quando as crianças começaram a crescer, viemos para aqui outra vez. Lá não tínhamos assim a conveniência - a casa era só uma e não tínhamos. Tornámos a vir para aqui e depois os falecidos faleceram... Estamos aqui. Agora os meus filhos, um tem uma casa aqui adiante - tem aqui uma casa -, a rapariga tem lá adiante outra, e outra está (...) em Ponte da Barca casada... E (...) os meus filhos queriam comprar isto. É recordação do pai - não é? Como o pai nasceu aqui... E o pai nunca saiu daqui para lado nenhum. Nadinha!
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INF O linho vinha do campo, não é? E depois ele fazia aquilo, era coiso, (...) era espadado. INQ1 E eram os homens que faziam? INF Era eu e o meu marido; fiz isso muitos anos. Fiz. INQ1 A senhora também? INQ2 Mas teares aqui ao pé, não... Já não há ou ainda há aí uns? INF Hã? Não, agora aqui não existe nada disso. INQ2 Não? INF Não, ele parece-me a mim que não existe. É como os moinhos: havia aqui (...) na Ponte Velha, havia ali a Fábrica da Andorinha - chamavam Fábrica que era dos Andorinha -; aqui, aqui era outro; acolá em baixo era outro; ali em Santar havia mais. Até quase que (...) a juntar-se ao rio da Barca. E agora não trabalha ele nenhuns. (...) E havia o do Espírito Santo, que é acolá na Valeta. INQ2 Pois eu não sei... INF (...) É acolá quem vai de... Quem vem na estrada a fazer a curva, (...) na ponte - na ponte, no pontilhão! -, também havia abaixo um moinho. Esse estava em cima... Ainda está lá a roda. Havia; agora não existe. INQ2 Mas esse moinho era só para moer ou também servia para tirar a água do rio para regar? INF Não, não, não. Para tirar do rio (...) era só esta. INQ2 Só esta? INF Só esta. Esta aqui é que tirava. Até ainda está ali o... Ainda está ali a coisa (...) de pôr o eixo. INQ2 Pois, pois. INF E aqui era o ribeiro. Até lavava aqui, olhe, de pé. (...) Tem aqui as pedras, oh! INQ2 Vinha aí pelo... INF Ia o reguinho por ali fora que era para regar este campo todo. Regava todo. Agora o senhor (...) daqui, o caseiro, morreu - que morava naquela casa ali, naquela velhota. (...) E depois a mulher foi para a casinha dela, não é? Não tinha água para regar o campo, pronto, não... Lá saiu! Agora está isto tudo velho. (...) Ninguém trabalha de terras agora. Porque o milho está barato. (...) É o que está mais barato e coiso; (...) é o que dá mais trabalho e é a coisa que está mais barata. E a batata e o feijão, é tudo, não é? E agora há menos trabalho nos campos. INQ2 Pois é. INF Porque eu fui criada nisso, eu sei.
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INQ Então, quando o freguês estava, fazia isso com a farinha, que é que ficava na peneira? INF1 Farelo. INF2 Farelo. INQ E a que caía, a que era a medida certa? INF1 É a farinha. INQ A farinha? INF1 Isso, peneirada. INQ Pois. Mas depois como é que se achava a sêmea, no centeio?... INF1 (...) A sêmea chamava-se era sêmeas. INQ Mas era aquilo que corresponde ao farelo, a sêmea? INF1 Não, é o que se amassava para fazer pão. Bom, era como o trigo. Em lugar de ser de farinha de trigo (...) - de farinha triga - era de sêmea de centeio. Ainda hoje há. INQ Portanto, uma era farinha triga? INF1 Sim, farinha triga, (...) era para misturar (...) no milho para fazer o pão mais abertinho. E a farinha mistura era de centeio e é para pôr o pão macio (...) e levezinho - e leve! INQ Portanto, chamava mistura àquela que acrescentava no centeio? INF1 Mistura era de centeio, e farinha triga era de trigo. INQ Sim senhor. INF1 Porque o pão sem mistura (...) não liga. INQ Não? INF1 Era, nunca... Escadraça todo. Tem que levar... INQ No milho, no milho também se punha? INF1 Tem que se pôr; se não pôr, (...) a farinha não dá. INF2 Não cozia (...) . Nada! Porque não tem ligação. Nunca na vida pode... (...) Se cozer o pão sem mistura, ele é áspero, (...) não tem liga.
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INF A rasa era de catorze quilos, treze e meio, conforme, catorze e um quarto, treze menos um quarto. Ele a rasa é (...) conforme os milhos. Também há milhos de pesar melhor do que outros. INQ Pois. INF E rende mais na farinha. Aí é que está o problema nosso. Porque havia milhos que rendiam mais, sabe? Porque, por exemplo, uma rasa que pese catorze quilos, são catorze quilos, mas uma rasa que pese treze, já tem um quilo de menos de farinha. INQ Claro. INF E esse quilo de farinha faltava no fundo do fole. A gente ia acalcar, diz assim: "Ah, (...) vem mal arranjada"! Mas é porque o milho não o deu. INQ Mas o senhor tirava o fole era antes de moer ou depois de moer? INF Bem, nós tirávamos-lhe para um... Todo . INQ Antes de... INF Ao botar a moer tirávamos a maquia, (...) se era uma rasa; se era um fole de duas rasas, tirávamos dois trolhos. INQ Pois. INF Entendeu? Se fosse (...) um de rasa e meia, trolho e meio. E depois não dava para encher bem... Porquê? O milho pesava menos e agora por quilo... Quinze quilos, a gente tirava-lhe quilo e meio. Hã? É isso, é. Quilo e meio. Ora portanto, se fosse treze, já tirava um quilo e trezentas, se fosse doze - que aquilo fosse a rasa -, um quilo e duzentas. Está a perceber? Foi assim. Agora é que era sério isso. INQ Pois.
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INF1 Como é que faziam (...) para a broa? INQ1 Sim. INF1 Eu, a broa, (...) aquecia... Punha a água a aquecer. E depois media uma malga de sal. Se era uma rasa (...) de pão de milho - farinha - media (...) um punhado assim de sal e botava dentro da água, temperada. E depois peneirava - não é? - toda peneirada. (...) E peneirava a farinha primeiro, depois ia, peneirava a mistura. Se tinha farinha triga, misturava também. E depois fazia um buraco no meio (...) da farinha, na masseira - eu tenho ali a masseira -, fazia um buraco, deitava aquela água ali toda, ali dentro. INF2 Não fazias buraco. (...) Ele abria do lado . INF1 Abria a farinha e fazia um buraquinho no meio da farinha. E depois de temperar ali ela temperadinha, depois amassava (...) com as mãos. Com as mãos amassava... INQ1 E aquele sítio onde punha a farinha, como é que lhe chamava? INF1 Ele é a masseira. (...) Isso eu tenho. Eu ainda tenho a masseira - não seja para lhe mostrar, que tenho. E depois de apunhado, amassava bem amassado, chegava a um ponto... Um pão coma trigo, levezinho! Depois amassava bem amassado, punha ao cantinho da masseira - numa parte só -, todo, botava-lhe um bocadinho de farinha por cima, fazia-lhe uma cruz, assim... INQ1 E dizia o quê? INF1 Não dizia nada. Fazia-lhe uma cruzinha para ele levedar. INF2 Não. Mas ele levava fermento. INF1 Hã? INF2 (...) Ele tinha que levar fermento. INF1 Tinha que primeiro fazer fermento - não é? - que levava fermento - como leva o trigo na vila. Fazia o fermento primeiro, e depois é que lhe botava fermento naquela massa toda. INQ1 Não tinha... Não ficava o fermento duma... INF1 Dumas vezes para as outras. INF2 Dumas vezes para as outras, é. INF1 Ao fim (...) de amassar, deixava já (...) a tigelinha com ele, para outra vez fazer. INQ1 Sim. INF1 Eu cozia duas e três vezes por semana. INQ1 Vá, e depois? Ainda não está... INF1 E depois então... INQ1 Primeiro ele ficava ali com aquela cruzinha... INF1 Ficava ali com aquela cruzinha até abrir todo. Abria - aqueles buraquinhos a levedar, não é? Nós depois de ele lêvedo... Quer-se dizer, (...) antes disso, de ele estar a levedar, acendia o forno. E depois (...) dele já lêvedo, todo abertinho, pela masseira assim, todo abertinho... Pronto! (...) Aquecia o forno, varria tudo para fora. Tirava a lenha dele quente, do forno, já via, (...) ajeitava, ele bem varrido, tinha uma cunca - ainda tenho ali a cunca -, e padejava. INF2 (...) Botava farinha dentro da cunca. INF1 Padejava a broa... Botava farinha dentro da cunca. (...) Botava a massa assim dentro, e padejava, fazia a broa. Tinha ali a pá, metia assim pelo ladinho fora... Pumba. Pumba, outra broa e cozia. Dava duas, três horas ao pão, dentro do forno. INQ2 Duas ou três horas?... INF1 Duas ou três horas, consoante estivesse quente... Se estivesse muito quente, dava-lhe menos horas. Se estivesse (...) mais esperto, menos. Portanto, a gente pela porta... (...) Encostava assim a mão à 'padroeira' do forno... INQ2 À?... INF1 À 'padoeira', do lado (...) ... INF2 Padieira! INF1 Padieira. A gente enquanto encostava: "Alto! O forno hoje está bem quente! Quer menos horas"! E pronto! Duas ou três horas ou duas e meia. Portanto , fazia a broa muito boa. INQ1 Mas quando estava a pôr, a fazer aquelas broinhas, para dar-lhes aquele feitio, dizia que estava a quê, com a cunca? INF1 A padejar. INF2 A padejar. INF1 Sim, que a gente botava dentro da cunca e... INQ2 Mas se fosse o de centeio, também era padejar? INF1 Era igual, ele era igual, era igual. INF2 Igual, igual. Era igual. INF1 Era, sim senhora. INQ2 E de trigo? Chegou a cozer de trigo? INF1 No de trigo nunca cozi. (...) INQ2 Nunca cozeu. INF1 Tenho um meu irmão que vinha aqui de França - que esse (...) foi padeiro em Lisboa, era o mais novo e foi padeiro em Lisboa - e quando vinha cá no Verão, vinha sempre cozer aqui uma fornada de centeio. Ai, ficava ali um!... INF2 Trigo! INF1 (...) De centeio! INF2 Trigo! INF1 (...) Misturado com centeio! INF2 (...) Com centeio, sim senhora. INF1 Sim. Misturava trigo (.../ADJ) com centeio. E fazia ali cada broinha! Também assim broas de quatro quilos, três quilos, dois quilos, consoante... Bem, fazia... INQ1 Aqui, as pessoas, todas as pessoas tinham forno na casa? INF1 (...) Tinham, tinham. INF2 Aqui dantes tinha tudo. INF1 Tudo, tudo! Antigos tinha tudo pão! Tudo cozia broa, que o trigo, minha senhora, era um trigo que eu... Tenho setenta e quatro anos, nós comíamos um triguinho (...) , sei lá, por festas. INF2 Nas feiras. INF1 (...) Às vezes, a minha mãe nem nas feiras me dava. E eu já tinha aqui os meus filhos pequeninos e, às vezes, trazia um trigo - que eram três por dez tostões - e chegava aqui dava um cachinho poucochinho a cada um. Era broa é que a gente fazia!
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INQ Como é que é o bolo do borralho? INF1 (...) O bolo do borralho é amassar... INQ Mas esse também não leva fermento? INF1 Não senhora. Pode até levar. Esse até pode levar. (...) Por exemplo , a lareira está quente, varreu-se a lareira bem varrida - varreu-se (...) bem varrida! - (...) e botou-se um bocado de farinha ali no chão da lareira que está quente. Botou-se ali o bolo (...) ... INF2 A farinha, o milho, a massa. INF1 Assim a farinha amassada, já. Botou-se ali, tem-se folheiras dessas das couves do campo. Põe-se quatro folheiras assim por cima, que é para não queimar. E depois agarrou-se (...) nas brasas de volta, (...) assim (...) com uma coisinha qualquer, um apanhadoiro... INF2 Nas brasas. INF1 Botou-se por cima (...) da broa. E faz-se lume, deixa-se ali estar em cima. (...) INQ2 Quanto tempo? INF1 Para aí meia hora ou uma hora. INF2 Uma hora é que era. Uma hora. INF1 Uma horita. E depois ao fim daquela hora, (...) a gente torna tudo a varrer, tudo varridinho - aquelas folhas saem torriscadas que vêm do lume, não é? Pronto, está o pão cozido.
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INF1 Eu assim com sardinhas pelo meio nunca fiz. Antes gostava da sardinha frita e o bolo. O bolo feito e depois a sardinha era migada lá dentro. Gostava. Gostava e era mais gostoso. INQ E o, o forno aqui era sempre dentro de casa ou era aqui fora da casa? INF1 Eu tenho dentro da casa. Tenho. Ainda tenho aí... INF2 (...) INQ1 Mas aqui era sempre, as pessoas coziam sempre?... INF2 Sempre dentro de casa. (...) INF1 É. Metido. INF2 Havia aí umas certas casas em cima - havia umas duas ou três - que tinham o forno desviado da casa. (...) INF1 (...) INF2 Quer dizer, num alpendre (...) qualquer. INQ1 Rhum-rhum. INF2 E por aí punham lá o forno e iam lá cozer. Mas é mais perigoso, que o lume pode apanhar ar, sabe? (...) Quando estejam a assar ... O forno a arder, convém estar sempre tudo fechadinho. Em se abrindo o forno para o ar, pode-lhe custar a vista. INF1 (...)
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INF Matar o porco, é o que chamavam, não é? INQ Sim. INF E depois preparavam o alguidar com alho. Alho - não é? - e um bocadinho de loureiro e ia-se matar - se fosse (...) para o sangue (...) para coalhar. E se fosse para fazer para o sangue ficar sem coalhar, botava um bocado de vinho - está bem? - vinho, e depois era batido. E depois matar o porco num banço - não é? - e toca a chamuscá-lo. Chamuscava com um torgo e raspava-se-lhe aquilo a pele, aquilo tudo de fora. Punha-o (...) ou cor de limão ou cor de castanha. É uma coisa: ele (...) bem curtidinho - não é? - para ficar tenrinho. E depois lavava-se, bem lavado. E depois é que ia para abrir - (...) no banco, já que ia ser pendurado. Abria-lhe, tirava... Abria-o, claro! Fazia-lhe a língua e fazia-lhe a parte de trás, metia-a para dentro, e depois é que o abria a meio. E depois enganchava-o por um (...) rasgo (...) nas unhas dos pés, metia um chambaril e pendurava-o (...) com as cordas, (...) em cima. E depois é que lhe tirava o fato fora. Depois abria-o e (...) limpava-o bem limpinho e ficava ali impecável. Era. E depois, nisso, ficava arrumado. E depois ia dividir. (...) Desfiar as tripas, eu! Eu desfiava. Tirava-lhe a gordura e depois iam para lavar. Já não era eu! E depois a desmanchá-lo, eu ia desmanchá-lo. INQ No dia seguinte? INF (...) Ao outro dia ou dali a mais dois dias - não é? (...) Ele no dia seguinte, eu desmanchava-o. Eu! Bem desmanchado! Tirava-lhe primeiro era a cabeça, e depois abria a meio e tirava-lhe a espinha fora ou isso. Metade para cada lado, desmanchava: tirava-lhe as costelas e depois tirava-lhe as febras, o lombo - primeiro, tirava-lhe os lombelos... INQ Os?... INF Os lombelos. E depois é que lhe tirava (...) as costelas. Tirava-lhe os lombos, um de cada lado. E depois tirava as febras do lado da barriga. E depois é que fazia os presuntos e as pás e cortava em quadrado (...) as barrigas - e as unhas. Tudo! Desmanchava-o bem desmanchado. E salgava-o. Fazia (...) uma salmoira boa... INQ Uma?... INF Salmoira. Com vinho, sal, alho, pimenta, colorau, conforme, o que quem quisesse. Uma coisa porreira, uma coisa bem feita. Depois salgava. Era uma pessoa a salgar e depois eu assentava (...) na salgadeira: uma fiada de sal, carne - presuntos ou as pás ou tudo o que for fumeado -, e depois mais sal, a (...) a não chegar uma carne à outra! INQ Pois. INF Depois tornava a botar outra camada. Sempre assim. INQ Portanto, a salmoira era quando era para temperar a carne para fazer as, os chouriços? INF Para temperar a carne, (...) era sal, (...) vinho e alho, pimenta e colorau, se lhe quisesse pôr aquele colorau. INQ1 Vinho. É uma espécie de colorau. Rhum-rhum. Sim senhor. INF Era isso. Ai e ficava uma carne gostosa! Havia (...) quem pusesse em moura, que era de salgadeiras de cimento ou pedra. INQ Só em moura? INF Em moura é que era: ele gastava (...) mais vinho um bocadinho e menos sal. E quando ficasse em salgadeira de madeira, (...) gastava mais sal mas ficava a carne enxutinha. INQ Mais enxutinha. INF Era. Mas não podia... INQ Mas também chamava moura na salgadeira de madeira? INF Não senhor! INQ Já não se chamava moura? INF Só se fosse acimentada. Não, não. INQ Só na de pedra? INF Só de pedra é que era moura. INQ Que era com mais vinho? INF Com mais vinho. Mas (...) a carne depois era mais gostosa (...) na salgadeira de madeira. Enxutinha mas não ganhava ranço! Se ganhar ranço, não presta. INQ Pois, pois. INF Era. INQ Está bem.
MIN23
INQ1 Não havia nada que chamasse aqui um açafato ou uma açafata? INF (...) Açafates, ele era feita (...) pelo cesteiro. Açafates. INQ1 Sim. INF E esses (...) é açafates de vergas. E o outro é de (...) ... Feitas (...) de tudo, de castanho, ou austrália. INQ2 E o açafate servia para levar o quê? INF Os açafates dantes eram o luxo das mulheres! Levar à cabeça com uma boa toalha! INQ2 Uma toalha com pão ou isso?... INF Mas os açafates, tudo (...) em madeira fina! INQ2 Para levar o pão para os... INF Fininha! Tudo! INQ2 As ofertas para a missa, para a?... INF Isso mesmo. Ora, e era só os açafates. (...) INQ2 Sim senhor. INF Toda a gente tinha aquele luxo das mulheres - isso. Não é como hoje, vão para uma feira tudo com o seu ... Não era com nada disso, dessas coisas; era tudo açafates. INQ1 Tudo açafates. INF E uma toalha (...) em cima dele. Era, sim senhora. Era o luxo ir (...) a toalha em volta do açafate, a mostrar aquelas rendas que tinha, pois! INQ1 Vaidosas! INF Ora! Está a ver a vaidosa! Mesmo agora que não anda ande nada à cabeça! Agora (...) é na mão ou ao ombro!
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INQ1 E a gente dizia assim: "Olha tu ficas aqui com o saco"... INF (...) O saco? INQ1 "Tu ficas aqui com o saco à espera e a gente vai cercar o tal bicho"... INF É, é. "Piopardo: piopardo ao saco". "Piopardo ao saco". INQ2 Piopardo? INQ1 Piopardo? INF É. Punha-se ele um à porta com um saco aberto e o outro ia escorraçar. E o outro que estava à espera dizia: "Piopardo ao saco". Piopardo. INQ1 Era uma brincadeira que não saía nada de lá. INF Era uma brincadeira, pois era. Era para estar ali entretido. E, às vezes... Um, ali (...) nos Arcos, esteve lá uma ocasião toda a noite. Depois, não 'veu' nada o piopardo, foi para casa, estava o outro na cama. INQ1 Já estava o outro na cama? INF Estavam todos na cama que ele enganaram-o. INQ1 Sim senhor. INF Já morreu isso tudo.
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INQ1 E, não sei se se usava aqui uma maneira de caçar que era: punha-se uma espécie duma, duma cola, nos ramos, nas galhas das árvores, e os passarinhos iam lá pousar e depois ficavam presos? INF Não. Aqui não usávamos isso. Aqui usávamos era o seguinte: (...) nos ninhos, púnhamos um laço, e depois a rola vinha para o ninho e quando estivesse pousada, a gente (...) puxava o laço e prendia-a pelas pernas e agarrava-a. INQ2 E isso como é que se chamava? Esse?... INF É um laço. INQ2 Laço, laço. INF Um fio comprido - sabe? - e a gente (...) atava-o (...) à beira do ninho e dava o laço, punha de volta do ninho. E depois a rola pousava-se, ou que fosse pássaro ou (...) melro ou assim... Nunca fiz isso mas eu via fazer. E depois quando a rola estivesse no ninho, vinham ali, puxavam a corda - por aquela (...) linha - e ela corria, oh, apertavam-lhe as pernas, ficava ali presa. O que é que (...) os ovos iam para o rio. INQ1 E aqui nunca se usou nada de, de redes para apanhar pássaros? INF Ah! Redes, também havia. Havia.
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INF (...) Aqui abaixo (...) daquela azenha minha - que eu trabalhava lá que agora não - havia cinco moinhos de dorna. (...) Até fiz eu as dornas mais o meu filho e (...) um genro e o sogro do meu filho. Abaixo da ponte de Santar, um moinho com três moinhos de dorna. É por isso que eu sei, que estou aqui. INQ Sim. INF Que eu não, eu não... Eu era sempre azenhas. INQ Sim. INF Nós nascemos na azenha, aqui. INQ Pois. INF Nós não nascemos na azenha; estamos é na azenha! INQ Pois. INF Mas como lhe digo, estava aquele vizinho dali... E ele, ele depois foi para Lagos. Quis ir para lá! Em 1951 foi para lá. E é que tinha moinho e azenha! E cheguei a fazer isso umas três vezes, as dornas. (...) Aí abaixo, cinco; e lá abaixo, três. E ele depois acabou. INQ Mas, oh senhor Antipas, era o único rio em que havia isso? Era este rio... INF Mas espere aí, era este rio (...) e lá para cima muito mais! E aqui acabou tudo! Azenhas aqui só havia esta, (...) ele ali na Valeta outra, no Espírito Santo outra - mas aí levam só duas azenhas... E depois lá acima, acima (...) de Pugido - em frente ou de lado, ali para... bem, em frente - outra azenha. Conheci essas azenhas. Lá abaixo, no rio da Barca, na Azenha da Ribeira - (...) na Ribeira e com o Souto -, há outra azenha. Ali para cima, em Travassos, duas azenhas que lá havia! Mais acima outra! Do lado de acolá de Vila Nova a última que aí esteve. INQ Mas tudo no Vez? INF Não. (...) Neste é isto. Para cima, (...) pois não conheço mais. Mas para acolá também ele havia tantas só no (.../NPR) - azenhas. As azenhas é de um rio grande, sabe? INQ Sim. INF E aí para baixo já eram moinhos só. INQ Moinhos só. INF Sim. Moinhos de dorna. De dorna! INQ Sim senhor. INF (...) no rio de Nogueira - esse rio e é esse ribeiro vêm ali a desaguar à Barca -, é tudo moinhos de (...) de rodízio. INQ De rodízio. INF Mas é de subirem e descerem, sabe? INQ Sim, sim. INF Mas o de dorna é melhor. Melhor por isto: é porque (...) o rio cresce um bocadinho, nem que tenha a dorna meia, mói. Mas quanto mais a água estiver mais baixinha, mais puxa. Mas se (...) ancorar, é muita água, bate uma na outra, e já anda devagarinho, e já não faz um grão de farinha. E é como as azenhas, também. Se (...) a água chegar perto do eixo, não anda. Não vale a pena moer. Isso não mói! INQ Pois, porque não tem força. INF Pois. (...) A água não corre. INQ Pois. INF Isto é... (...) INQ Pois é. É uma profissão difícil. INF Ai, isto é dura (...) e dura, minha senhora! É muito linda! Eu gostei muito de ser moleiro - porque calhou por o meu sogro assim -, mas já ia... Mas já não estava. Mas, no entanto, era moleiro. Eu era moleiro e alinhado! Tinha gosto disso! INQ Pois. INF Como matador de porcos também era alinhado, pescador de lampreias igual, de peixe, tudo. O que eu (...) aprendi, fazer um barco, fazer as rodas das azenhas, (...) eu fazia isso tudo. E quando não podia fazer, chamava gente que me ajudasse.
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INF Essas (...) aranhas fazem isso e depois a mosca que pouse aí, ela vai comê-las. INQ1 Pois é. INF (...) Chupa-lhes o sangue... Eu, de eu ver isso, eu nunca matei nenhuma aranha. Eu nunca matei nenhuma aranha por causa disso, que eu vi a inteligência delas! Fez a teia e depois ela pousou, (...) está lá escondida dentro (...) duma casotinha, saiu, tau-tau-tau-tau, chegou lá, agarrou-a, chupou-lhe o sangue... Sem ela morrer, não lho deixou - a mosca. E outros mais. Até ele esses, esses do sono (...) ... INQ2 Os besouros do sono? INF Os besouros do sono, é. Eu nunca matei nenhuma aranha por causa disso! Vi a inteligência dela! Estava quietinha, eu não a via! Estava dentro da casotinha que parecia algodão! E sentiu a teia da aranha a bulir (...) com a mosca, e ela lá foi, zás-zás, zás-zás, apanhou-a, chupou-lhe o sangue, e (...) a mosquinha a dar com as asas e com tudo. Parou, deixou e depois veio-se embora outra vez. E ela caiu abaixo. Chupou-lhe o sangue! Eu nunca matei nenhuma aranha! Até quando vejo aí (...) na banheira, que elas caem que não sobem, eu agarro num coisinho e boto-as para fora.
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INQ Em que é que o senhor tem trabalhado toda a vida? INF Na lavoura. Na lavoura - trabalho eu. INQ Está por conta própria ou por conta de, de alguém? INF É por minha conta. É por minha conta. INQ É proprietário? INF É sim. Ele a propriedade aqui é minha. Tenho além um campo ali em baixo. Tinha uma propriedade ali em cima que tocou a outro filho. (...) E agora aqui tocou a dois: está dividido ali adiante e é metade dum e metade doutro. Estão na França ambos os dois. INQ Sim senhor. Olhe, para o senhor distinguir até onde vai a sua propriedade e onde, e onde começa a propriedade do vizinho, o que é que lá põe para, para distinguir? INF Ele a propriedade do... Começa ali (...) naquele portão e vai até acolá diante dar . Tem ali um caminho por ali acima. INQ Mas tem muros à volta? Tem muros à volta? Não? INF Tem, tem. INQ Ai, tem? É toda murada? INF É, é, é. Tem, tem. Tem mais ou menos parede em toda a volta. INQ E aqui é costume? Toda a gente tem isso ou não? INF Como? INQ Toda a gente tem parede à volta? INF Tem sítios que não mas tem outros, por acaso, que tem. Aqui o meu vizinho, aqui (...) o Antonino, que isto é do Antonino, tem um muro também por baixo (...) . É o caminho por aí fora. Eu tenho a parede de cima, ele tem a parede dele debaixo.
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INQ1 O senhor já, já disse aquilo que se aproveita da, dos animais para levar para o campo... INF Hã? Com licença, é o estrume. INQ1 E quando era um campo muito grande, e o senhor queria semear tudo de centeio, não é, para saber o que é que ia se-, semear, não fazia umas marcas no campo que era para poder saber o que é que?... INF As balizas. INQ1 Diga? INF As balizas para se semear. INQ1 E como é que era essas balizas eram feitas? Era com?... INF Era com os ramos. INQ1 Punham ramos. INF Punham ramos de... Uns ramos (...) de coisa, de carvalho ou de qualquer coisa. Ele metiam-se que havia assim... O salgueiro! Salva-se Chama-se o salgueiro! O salgueiro não dá semente e a gente escolhia sempre (...) , para meter as balizas, umas peças duma 'árvora' (...) que desse semente. Assim como o carvalho que dá landras, ou um castanheiro, ou uma cerdeira, ou qualquer coisa. INQ2 E porque é que tinha de ser essas árvores? INF Como? INQ2 Porque é que tinha de ser árvores que desse isso, que dessem?... INF Não. Era o costume da gente, vá. Que, se tivesse de dar, Deus é que marca (...) e dava na mesma. Mas a gente escolhia sempre aquela coisa daquelas árvores que dessem semente. INQ1 Pois.
MIN30
INF É. INQ1 Depois da, quando eu ponho a tola ali na, na levada para trazer a água para o meu, para o meu terreno, INF Pois. INQ1 aquele rego mais largo por onde a água vem correndo? INF Bem, ele no rego, a gente... Um fulano que vai às cortes: "Hoje é minha, amanhã" - é uma comparança - "é do senhor". E chega lá e tapa a tola outra vez para ele. E pronto, lá vai. INQ1 Mas imagine que isto aqui era o seu campo e a água vinha daqui... INF Pois. INQ1 Portanto, e vem por este rego grande. INF Pois. INQ1 Depois o senhor quer regar para estes lados e vai abrindo estes pequeninos, para aqui. INF Pois, pois, pois, pois. Cada qual abre o seu. INQ2 Pois. INQ1 Sim. INF Nos seus sítios, cada qual abre o seu e vai a dar à tola, cada qual no seu. INQ1 Mas não... Também chama rego a estes mais pequenos? INF É, é um rego. INQ1 À mesma? INF É a mesma coisa. INQ1 Portanto, rego... INF Há a levada... A levada é a que traz a água toda. INQ1 Sim. INF E depois cada qual faz o rego para o seu sítio. INQ1 Pois. E depois... INQ2 Portanto, a levada é a ribeira principal. É isso? INQ1 Não sei. INQ2 A levada é o rego principal? INF É sim. É sim. INQ1 Mas a levada passa no meio dos campos todos? De toda a gente? INF Passa (...) , passa. Passa, passa. Passa. Passa. INQ1 Pois. Mas não foi o que disse. INQ2 E vem donde? INF Vem lá das nascentes. Vem das nascentes. INQ1 Rhum-rhum. INF É. INQ2 Portanto, não vem do tanque? INF Não senhor. Essa, a levada (...) vem da água nascente - INQ2 Pois. INF que vem forte. INQ2 Mas imagine que o senhor faz um poço, INF Hã? INQ2 tem um poço. Desse poço... INF É uma nascente pequena! Há uma nascente pequena e a gente faz o poço. Tem ali o poçozinho e ajeita-o sempre. Todos os anos. INQ2 Portanto, o poço não é?... INF Eles ganham ervas. Põem-se cheios de ervas! INQ2 Desculpe, o poço não é um furo pela, pela terra abaixo, pois não? INF Como? INQ2 O poço, aquilo a que o senhor está a chamar poço, não é um furo que se faz pela terra abaixo? INF Então, isso, isso é um óculo. INQ2 Isso é um óculo. INF É um óculo, é. Também aí tenho na propriedade. INQ2 São coisas muito diferentes lá para baixo. INF (...) Eu tenho uma mina, tenho uma mina que bota diário, mas ela às vezes, aí no mês de Agosto, quando o tempo era de muito calor e as águas estavam mais fracas, às vezes secava-me. Eu fiz um óculo e tenho quando me faz falta. Tenho lá o motor, quando me faz falta que... Quando me faz falta, (...) que a água me minga - a da mina -, tiro-a com o motor. INQ1 E, e esse óculo, mais ou menos, qual é a largura dele? INF Faço-lhe aí uma largura aí dum metro e meio, de largo. Faço-lhe aí dez metros - ou conforme a fundura que nos fizer falta - de fundo. Leva umas argolas em volta... INQ1 E o poço como é que é? INQ2 É o mesmo que a mina, o poço? Não. INF Como? Não. É... INQ2 O poço não é o mesmo que a mina? INF Não senhor. É: afunda-se e a água nasce mas depois é tirada com um motor.
MIN31
INF (...) Ele o poço, aquilo enquanto tiver água, bota-a para fora. Assim que acaba, pronto, tapa-se. INQ1 Porque tem um buraco em baixo? INF Tem. INQ1 Para sair? INF Tem. INQ1 Portanto, nunca houve nada que servisse para tirar a água de dentro para pôr cá para fora, quando a água estava mais funda? Aqui? INF Não senhor, não senhor, não senhor. INQ1 Não? INF Isso é (...) só a do óculo. INQ1 Diga? INF Isso é só a do óculo. (...) É tirada com um motor (...) ou às vezes com uma bomba - que também havia dantes! Agora é tudo a motor. INQ1 Mas antes, antes de, de haver, portanto, era só com a bomba que era uma roda de dar à mão, INF É, é, é. INQ1 que puxava a água para cima? INF É, é, é. INQ1 Nunca houve nada puxada por um animal, que puxasse a água, nem nada? INF (...) Ele com um animal também havia que chamavam-lhe o estanca-rio. Também tiravam com animais a andar de volta. É, a andar... Sempre a andar o animal, sempre com o aparelho, a andar de volta. INQ1 Sim. E depois como é que a água era puxada? INF Ele ela saía para o rego (...) e lá vinha a correr - enquanto tivesse, e quando não tivesse acabou. INQ1 Mas esse estanca-rio como é que era, que eu, eu nunca vi? INF Era (...) feito... INQ2 Era como o óculo. INQ1 Espera. INF Era feito (...) como quem faz um óculo. Era a mesma coisa. Era. INQ1 Mas havia uma espécie de uns baldes que traziam a água para cima, ou não? INF Era uns baldes, é. É, é. INQ2 Assim enrola-, pegados numa corda? INF É. Os animais puxavam e tinham os baldes. INQ1 Era assim uma coisa, portanto, em que o animal andava à volta? INF Era, era. INQ1 Tinha uma roda com, e uns baldes, era? INF E uns baldes, sim senhor. Sim, sim. INQ1 Era para puxar? INF Sim, sim. INQ1 Mas isso era muito antigo, já não há nada disso? INF Como ? INQ1 Já não há disso? INF Agora há pouco disso. Agora há pouco disso. Ele agora não há quem ande com isso. INQ1 Mas isso existia era mais nas terras mais baixas ou?... INF Ah, como eu ali, no olivário, tinha uma roda... INQ1 Pois. INF Tinha uma roda que a força da água é que fazia andar a roda e com os baldes - porque tem esses 'tales' baldes, como era o estanca-rio - e regava aquele campo grande (...) que está além. Está lá de velho. INQ1 Pois. Mas isso era uma roda que já lá estava, junto ao rebento do rio, apanha-... INF Era. É, é. Tinha um rego fundo e depois (...) a própria água é que fazia tanger a roda. INQ1 A roda. Tinha uma roda. INQ2 Portanto, ele usava essa roda tanto para o moinho como para, para o campo? INF Regava, pois, regava. INQ1 ... INQ2 ... INF Regava tanto para o milho, como para a erva - para a erva para o campo, não é? INQ1 Mas essa roda não era aquela que estava no moinho, era outra. INF E era outra. Era uma grande que era para regar para o campo. INQ1 Pois.... INQ2 ... INF É. A que estava no moinho, estava no moinho. E a outra estava em baixo... Agora, com certeza - eu já há muito que lá não passo -, agora, se calhar, até (...) já apodreceu por lá.
MIN32
INF Bom, aquilo fazia-se um monte de centeio (...) ou pô-lo aí assim, aos 'videirinhos' pequenos, a secar ou qualquer coisa. INQ1 Era meter à mesma? INF É. INQ2 Mas isso era quando tinha que esperar para, como já lá estava outro... Como é que o senhor fazia? Levava logo o centeio todo para a eira, duma vez, ou ia levando aos poucos? INF Era conforme. Conforme. Se ele fosse muito, o levaria aos poucos; se ele fosse pouco, levava-o duma vez. INQ2 Pronto! E portanto, só levava aquilo que cabia numa eira? INF É. É. Cabia na eira. Se a eira fosse grande, cabia muito; se fosse pouco... INQ2 ... Então e imagine que desatava a chover... Quando o senhorAntístenes já tinha apanhado o centeio todo e começava a chover, o que é?... Aquilo ficava no campo? INF Ai a gente tinha que... Já escolhia o tempo! Que já se escolhia o tempo (...) que podia fazer o serviço. É. (...) O centeio a chover (...) ... Qualquer coisa, fosse milho ou fosse centeio, a chover, nada se podia fazer. Tinha-se que escolher o tempo que estivesse de bom. INQ2 Portanto, só segava quando estivesse bom tempo para secar? INF Pois. Pois, pois. Se estivesse o tempo bom.
MIN33
INQ Então, a canga depois tinha uns pauzinhos para baixo... INF Pois tem. INQ Como é que chamam? INF São cangas. São as cangas que se metem no jugo. (...) Há as cangas do jugo de lavrar... INQ Exacto. INF É. Que são do jugo de lavrar... Eu tinha dois. Um até o levou o meu filho para a França, o que tem esta casa do lado dali. Ele qui-lo levar e levou-o lá para a França. Fez lá uma... Ele inventou lá uma folhada... Lá os franceses não coisa, e ele mostrou lá aos franceses (...) como é que se trabalhava aqui (...) em Portugal. INQ Ó senhor Antístenes, portanto, a canga são esses pauzinhos que vão ao lado do pescoço do animal? INF É, sim senhor. INQ É? INF É. Dobra-se... A gente dobra... Metem ao lume INQ Sim. INF (...) e dobra e depois (...) mete-se ao jugo para cima. Eu tenho. Eu tenho aí um também desses.
MIN34
INF O lagar é um lagar feito em cimento. INQ Sim senhor. INF Também tenho ali (...) na adega ali em cima. INQ Rhum-rhum. INF Tenho o lagar, tenho a prensa, tenho... INQ Então, no lagar a gente punha as uvas para quê? Para fazer o?... INF O vinho. INQ Diga? INF O vinho. INQ E o vinho depois onde é que se guardava? INF (...) Nas pipas. INQ Mas o dornão também era, era... Também servia para se fazer o vinho? INF Era para pisar o vinho. Quem não tiver lagar, tem que ter um dornão. INQ Sim. INF É. Ou dois. INQ Sim senhor. Portanto, era para pisar, não era? INF Sim. INQ Depois o que é que se fazia, depois de pisar o que é que acontecia? INF Depois mexia-se. Assim que estivesse na altura que ele estivesse fervido, ele tirava-se para as pipas. Tira-se para as pipas. INQ Então, ele ficava ali dois ou três dias a quê? A?... INF (...) A ferver. INQ E dava algum nome àquele vinho doce? INF É vinho doce. INQ Vinho doce. INF É. INQ Não se chamava mosto ou?... INF Não. Não. É vinho doce. INQ Depois de... Então ele ficava fervido e depois ele do, do lagar, por onde é que corria para fora? INF Tirava-se para as pipas. INQ Mas directamente para as pipas não? INF Sim, sim. Tirava-se para os cântaros. Era para os cântaros, uns cântaros (...) de vinte litros ou de dez. E tira-se para os cântaros. E tem o funil, põe-se o funil em cima da pipa e bota-se dentro das pipas. INQ E, e o vinho por onde é que corria do lagar para dentro dos cântaros? INF Corre ele (...) pela chave fora. Eu (...) tenho aí uma chave... INQ Sim. INF Sim, com a chave, meto a chave (...) , se fizer falta, ao lagar, ou (...) ao coiso aí... INQ A chave o que é? É uma espécie de coisa de madeira que se tapa o buraco? INF Tem de madeira e tem de bronze. Tem a chave de bronze INQ Rhum-rhum. INF para meter ao lagar. Tenho-a ali também. INQ Sim. Ai era, era assim de abrir e fechar? Assim. INF Era. INQ E aí corria directamente para os cântaros, não corria primeiro para dentro de uma coisa mais pequena? INF Eu, quando coisa, tenho ali aquela selha, que ali tenho, larga, boto para a selha e sai para a selha. (...) Mas eu ponho... A selha é (...) de a gente pôr os cântaros dentro, porque algum que verte, sai para a selha. INQ Sim senhor. INF É.
MIN35
INQ1 Já agora dizia-nos o seu nome? INF Arminda... Todo? INQ1 Sim. INF Arminda Catalão Cerca. INQ1 E a sua idade? INF A idade, olhe, (...) vou fazer amanhã (...) - é amanhã mesmo - oitenta anos. INQ1 Então, por muitos e bons, amanhã. INQ2 Amanhã?! Então vai ser festa! INF Ainda há um bocado o meu filho que está na França me telefonou (...) para o aniversário. (...) Ele fê-los no Natal - ele fê-los (...) no mês do Natal - e eu vou fazê-los amanhã. INQ1 Então o seu marido leva-lhe só mais um ano à frente? Não é? Oitenta e um, disse ele. INF É. (...) Ele vai a caminho de oitenta e um, mas ele ainda não fez. INQ1 Ai, ainda não fez. INF Ai, fê-los no... Fez oitenta. (...) Só é mais velho cinco meses e... Cinco meses e dias. INQ1 Sim senhora. INF É, é. INQ1 Olhe... INQ2 E a senhora andou na escola? INF Não senhora. Nunca andei. INQ2 E o seu marido? INF Também não, senhora. A gente, (...) naquele tempo, não havia possibilidades (...) de ir à escola. INQ1 Pois. INF A gente era pobre, ele meu amigo! Depois fazia falta trabalhar. Tinha depois já os meus irmãos que eram mais novos e esses depois (...) já aprenderam. Esses depois já aprenderam. E os meus filhos, também eu tenho a filha mais velha, também foi a primeira, também não andou tempo nenhum na escola, e depois os outros (...) já todos aprenderam. INQ1 Portanto, e andou sempre por cá. Nunca esteve muito tempo fora, a senhora? Portanto trabalhou sempre?... INF Sempre nas terras, sempre nas terras. INQ1 E aqui? Aqui na, nesta região? INF Sim senhora. Sim senhora. (...) Da banda de acolá daquele pinheiral, era lá uma quinta graúda e a gente trabalhou lá. Depois isto era dos meus sogros e depois partimos. Bem, ele faleceu, partimos e pronto! Isto tocou-nos a nós. E outras terras tocaram aos meus... Também só eram três irmãos: era o meu e mais dois - uma irmã (...) e um irmão. INQ2 Então e a senhora onde é que nasceu? INF Eu, eu nasci... Chamavam o lugar da Lameira. É o lugar da Lameira. INQ2 Mas pertence ao Paçô? INF Sim senhor. Ele é perto. Ele fica perto. Fica assim do lado de acolá só daquele pinheiral lá de cima. (...) Vem a estrada da igreja, vai por lá abaixo, vai ter lá baixo à estrada. E é perto. Foi perto. INQ1 E de resto foi sempre aqui a trabalhar nas terras, a senhora com o marido? INF (...) Foi, sim senhora. Foi sempre a trabalhar nas terras.
MIN36
INF (...) Depois (...) andam os 'tales'... Chamávamos-lhe nós o ripanço. E depois o ripanço tinha assim uns dentes. E depois estava um homem de cada lado a ripar para tirar a baganha - (...) a semente (...) do linho - para fora. Tirava-se a semente, caía assim... Era quase como um graeirinho de milho, assim (...) aquela baganha. Era. Chamávamos nós (...) a baganha. A baganha depois ia para o sol para tirar (...) a semente para semear depois outro ano. (...) INQ Como é que chamava a semente? INF Era linhaça. Era linhaça. (...) E depois o linho punha-se (...) aos molhitos. Punha-se só a fazer só (...) uns feixes - uns feixes (.../VB-AN) com umas vergas. Atava-se só ali ao meio, a fazer-se as gavelas - a gente engavelava-o aqui para a frente da gente - e depois punha-se (...) num molho. Chamávamos-lhe nós tanto (...) o molho como o feixe. Depois de estar aqueles feixes todos, atava-se, ia-se enterrar no rio ou na água. Ia-se pôr na água. Estava lá para aí três dias ou quatro, era conforme. INQ A quê? INF (...) Enterrado na água, (...) coberto com umas pedras no rio, (...) para curtir. Para curtir. Depois a gente ia-o buscar... Ia-se buscar... Ia-se buscar no carro (...) ao rio. Ia-se buscar, trazia-se, (...) era num sítio qualquer, onde a gente tivesse, ou até num caminho se punha, onde não fosse... Ou num campo, por aí . A gente estendia-o, depois fazia assim uns (...) ... Ele apanhava-lhe assim aqui pela beira , abria-o assim de volta e fazia-lhe (...) à moda (...) duns 'carrochinhos', assim 'pequerrichinhos'. INQ Uns quê, uns?... INF Uns 'carrochinhos', assim 'pequerrichinhos'. E a gente punha-o ali a secar para aí... Estava para aí oito ou quinze dias. Era conforme o tempo que estivesse: se estivesse o tempo bom, estava para aí oito dias; se estivesse mau, estava mais tempo, pois também ele tinha de ser seco. Depois de estar assim seco, a gente apanhava-o outra vez, trazia-se... Que ainda fomos fazer muita (...) ... Ele onde é o tio Antipas é que ainda o fiz lá muitas vezes que ele tinha engenho de fazer. Depois trazia-se - apanhava-se então - e a gente dava-lhe com o malho. (...) Para não dar tanto trabalho lá no engenho, dava-se-lhe com o malho, e punha-se assim espojadinho, (...) mais macio. (...) INQ E em cima de quê? Em cima de que é que malhava? INF Malhava-se-lhe... Ele punha-se... Estendia-o no chão e a gente malhava-o era... Malhava-o em cima do chão, em cima dele. (...) Punha-os assim às carreirinhas e a gente depois com o malho malhava. Malhava-o ali. INQ Não se lembra de haver assim uma pedra grande, em que, em cima de que se punha para se bater? INF Havia antigamente! Havia. Que até nós temos ali uma (...) que era (...) dos antigos, que lhe chamavam a pedra do maçadoiro. Que diz que o amassavam assim (...) INQ À mão? INF à mão. (...) Mas (...) nós era com o malho. E depois a gente deitava, fazia-o num feixe, e ia-o levar ao tio Antipas. Ele tinha (...) um engenho - vi-lho fazer - que tinha assim (...) era umas rodas, umas rodas (...) de botar a água. E depois ele sempre com a mão, (...) sempre a enrodilhar, fazia à moda (...) dumas mantas grandes. Chamávamos-lhe nós mantas, porque era assim. A gente depois trazia-o, de vir assim, trazia-se, espartia-se - dizíamos nós espartir. Fazia-se assim: punha-se assim às manadas, assim às manadas. A gente tirava-o (...) da coisa, (...) da manta - chamávamos nós a manta, pronto - (...) e depois punha-se às manadas. Punha-se às manadas, a gente depois punha-o ao sol (...) para corar, branquinho. Depois de corar, espadelava-se-lhe. Era (...) com a espadela a espadelar em cima dum... Ele era um... Tinha a gente assim (...) um cortiço de cortiça, à moda de... E a gente depois espadelava com a espadela (...) , para ele ficar maciinho, para ele ficar bom - para ele ficar bom.
MIN37
INQ1 A senhora Arminda disse que malhava. Era mesmo com um malho ou era com um pau? INF Ai, era com o malho, era com o malho. INQ1 Com o malho? INF Era com o malho. INQ1 Não era uma espécie dum pau redondo que tinha uma mãozinha para se bater? INF Não senhor. Não senhora, não. Era, era... (...) Nós fazíamos... INQ1 Sim, sim, sim. INF Nós era com o malho, não sei. Lá (...) algumas pessoas, sei lá como faziam. Nós era era com o malho. Já assim era na casa dos meus pais. INQ1 Pois. E no, no, no maçadoiro era assim com as mãos que se passava em cima da pedra? INF Devia de ser. Eu (...) isso não sei que não... INQ1 Isso não sabe? INF Eu isso não sei que eu nunca, vá, não vi. A pedra que está ali é uma pedra grande e (...) ele diz que era a nossa e chamavam-lhe a pedra do maçadoiro quando eu vim para aqui (...) . INQ2 Nunca, nunca usava assim uma coisa, assim, de madeira? INF Ele não . INQ2 Não? Para, para bater no linho? INF Não senhora. Não! INQ2 Não? O maço nunca usava. INF Não. INQ1 Portanto, já me disse que com a espa-, que era com a espada, não é? INF Era uma espadela, era uma espadela. É uma tábua. É uma tábua... É uma tábua assim. INQ2 Era assim? INQ1 Com uma mãozinha? INF É quase que imitante, é quase que imitante, assim (...) . (...) Esta parte aqui (...) tem uma mãozinha, e a gente metia a mão naquela asinha, e depois estava... Era, era. Era quase que imitante, é. É quase imitante isso. INQ1 E era num cortiço que se fazia?... INF E era num cortiço, era.