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INQ1 Portanto, esta é a abregota, não é? INF1 É a abregota, sim senhor. INF2 Esta é quando é (...) parece que é pelo Natal. A gente dantes (...) INQ1 Aqui está outra. INF2 arranjávamos assim (...) uma com um coiso na coisa . INQ2 Com a abregota? INF2 Quando era depois no dia, nessa noite de Natal, andávamos com isso (...) aceso (...) na mão. INF1 Isto, isso seca. Isso seca. Dá um espigão grande. INQ2 Ah, com isto? Mas é com esta? INF1 Com essa, com essa. INQ1 Com esta...? INQ2 Com a abregota. INF1 Antigamente quando era (...) pelo Natal, depois, andava-se aí pelas ruas, às vezes a cantar, quando era a noite de Natal. E depois isto seca e a gente atava assim aqui uns arames apertados, e depois acendíamos os archotes como (...) os tipos, por exemplo, das outras ilhas, que às vezes aparece na televisão aqueles coisos, assim aquilo a arder, assim era a gente.
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INQ Então e esta? INF1 Isto é rosmaninho. INF2 É rosmaninho, é. É coisas que há no - a gente chama-lhe no pinhal. INF1 Pois. INF2 Onde há está pinheiros. INQ Rhum-rhum. INF2 Há muito disto. INF1 (...) Sabe o que é que apoquenta muito esta flor, que a procura muito? É as abelhas. INQ Rhum! INF1 (...) Mas agora este ano passado houve qualquer moléstia aí (...) nos enxames, nas abelhas do mel. INQ Rhum! INF1 E morreram. Há bem poucas até! Até a gente agora nesta altura (...) que a laranjeira (...) está a 'desemborralhar', quer dizer, está a abrir a flor, era às vezes um barulho: vum, vum, vum!, (...) a andarem de lado para lado. E faz falta. INF2 Elas procuram-no é as flores da laranjeira. INQ Exactamente. INF1 Faz falta porque (...) a própria abelha gala (...) aqui as sementes por exemplo (...) da laranjeira, gala - (...) por acaso, tenho até instruções disso, dos engenheiros - gala e é que gerece. Porque (...) há duas qualidades na flor, como agora a oliveira, está aí - a gente estamos à espera do tempo, que ela até está um bocadinho atrasada, que não abre ainda -, há masculino e feminino na favaca. A menina, se for ver, na favaca encontra: a feminina tem uma covazinha, está (...) a flor, mas tem uma covazinha no meio; e o masculino não é, é um espigão assim a direito no ar. E é claro, e que agora abre com o calor, que vem o mês de Maio - que (...) propriamente o mês (...) é regulado para isso -, vem o mês de Maio, e depois aquilo deita um pó . Deita assim um pó amarelo. Já tenho visto às vezes na água (...) aquele laivo (...) . INQ Rhum. INF1 Assim, às vezes, em águas paradas tenho visto aquele pó. E aquele pó justamente é que gala, é que gerece depois a azeitona. A azeitona, quem diz azeitona, diz qualquer fruto, qualquer de árvore que 'desemborralha', que é agora principal (...) , mais ou menos, o tempo.
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INQ1 Então há aqui muitas oliveiras? INF1 Pois há. Ainda há bocado estive acolá... INF2 E já arrancaram mais de metade! INF1 (...) Estive ali quase ao cimo a reparar para umas e ele já vão a modo a querer abrir. Está até atrasada. Olhe que ele quando era no mês de Maio, que a menina deve-se lembrar... Bom, deve-se lembrar?! Já não foi no seu tempo, mas antigamente quando era na quinta-feira da Ascensão, claro, iam fazer piqueniques para o campo. INF3 Boa tarde. INQ1 Boa tarde. INF1 Iam fazer piqueniques, iam fazer, enfim, jantaradas, os rapazes, ali faziam bailes, bailavam, tocava-se, havia harmónios. Agora já não é nada disso. Agora já é tudo diferente. Fazia-se bailar e tudo. Havia, enfim. Era até era um dia (...) muito procurado, quinta-feira da Ascensão. Mas agora já se acabou. (...) Foi na segunda-feira, olhe. Este ano foi na segunda-feira (...) . INF2 Agora já não dá nas ruas . INF1 (...) É a (...) desde que veio (...) esta coisa (...) dos dias santos e feriados. INF2 Olhe, (...) antigos, andavam sempre por aí (...) às flores. INQ1 Rhum. INF1 É em Torres Novas (...) é que é o feriado da Câmara. INF2 Agora vai-se embora tudo. INF1 Não sei se a menina sabe? INQ1 Não, não, não, não sabia. INF1 Em Torres Novas é... Não é daqui a menina? INQ1 Não, não. INF1 Não é daqui de perto? INQ1 Não somos daqui. INF1 Não são. Olhe, eu desconfiei de quando passou com o carro... Olhe, e outra coisa que lhe eu queria dizer: pôs o carro em cima (...) INQ1 Aqui do passeio. INF1 do passeio, mas olhe que eles (...) pegam por isso. INQ2 Ai é? INQ1 Pegam por isso. INF2 Pegam, pegam. INQ1 Eu lembrei-me mas como era por pouco tempo...
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INF1 Isto é malvas. É malvas. É, é. Dá uma folha larga. Bom, esta até é pequenina porque, enfim, não teve tempo de nascer. INQ Dá essas florzinhas assim roxas? INF1 Pois dá e isso põe-se... Mas isto é malvas. INQ Rhum-rhum. INF1 É malvas. Chama-lhe a gente malvas. (...) INF2 Uma folha... INF Dá uma folha larga. A gente por exemplo tem qualquer infecção numa perna, numa coisa, numa mão e tudo, e depois com a água das malvas lavava. E assim faziam. INF2 Nalguma mão e dava... Costumavam a lavar aquela ferida e sara. INF1 Esteve ali um doutor ali numa quinta, que é a Quinta de Santa Bárbara, que eu estive lá, andei lá a fazer alguns anos o vinho e de maneira (...) que ele disse-me (...) que a gente tínhamos o remédio - ele era de mal de peles -, tínhamos o remédio em casa e que íamos gastar o dinheiro à farmácia. E eu ia lá, fui lá fazer o vinho alguns cinco anos, a esse senhor, por mandado do meu patrão; e de maneira que depois ele contava o que era: por exemplo, tem (...) qualquer ferida, qualquer coisa, tem uma inflamação, INQ Rhum. INF1 qualquer bicho que mordeu, ou qualquer coisa. E a gente coze as malvas e depois lava, aquilo desinfecta. (...) E depois propriamente, se aquilo estiver muito ruim, estiver muito bravo, põe dentro duns de dois trapinhos - que antigamente havia, agora é gaze, mas antigamente era trapos de linho. Os velhotes, a gente antigamente usava aqueles trapinhos de linho branco. E depois metíamos ali um pouco dentro (...) e tapávamos em cima; e de vez em quando íamos molhando, a desinfectá-la. INQ Rhum-rhum. INF1 Desinfectá-la. INQ Rhum-rhum. INF1 Ele até nos disse (...) , a mim, até me disse, porque eu, naquela altura, andava assim: às vezes, eu sofria um bocadito (...) no estômago. Porque eu estive uma época em que eu conheço hoje um defeito meu. Conheço um defeito e tenho feito exames sobre (...) a minha vida, só por causa da minha coisa. Que eu já fiz oitenta e sete. Já fiz oitenta e sete, já feitos. INQ Está com uma bonita idade! INF1 Está a ver? INQ Está com uma bonita idade! Oitenta e sete! INF1 Já fiz oitenta e sete anos. E de maneira que eu fazia cá um exame. E eu queixei-me a ele, como andava lá a fazer a vindima, ele disse: "Olha, rapaz, isso é o estômago inflamado. É: a gente come qualquer coisa assim que seja reimoso de temperos ou qualquer coisa, e inflama a garganta do estômago. De maneira que tu fazes uma coisa - evitas de ir à farmácia. Tens uns morangueiros tu "... INF2 (...) INF1 "Alguém que tenha morangueiros em qualquer banda, apanhas as folhas, e ferves as folhas, e depois gargalejas e bebes". Tanto que ainda hoje não bebo chá de qualidade nenhuma, nem bebo café, nem bebo leite - não bebo qualquer dessas coisas - e bebo chá daquele. É o meu desjejum de manhã com umas sopas. A minha filha - que eu estou em casa duma filha - arranja-me aquilo e com as sopas e é (...) o meu desjejum. E graças a Deus tenho-me sentido bem. INQ E tem-se sentido bem! INF1 E com saúde! Tenho-me sentido bem com saúde. E não me dói! Não me tem doído nada, nem coisíssima nenhuma. Diz ele que há criaturas que têm a garganta do estômago mais estreita. E depois têm - porque a menina já deve ter percebido ou visto -, às vezes há criaturas que comem qualquer coisa, faz-lhe mal. Mas dói-lhe, dói-lhe, dói-lhe, vem-lhe aqui à garganta mas não sai. É criaturas que têm o estômago, a garganta do estômago estreita. E quando é para engolir o comer, coiso, têm que fazer força. Tanto que a gente às vezes diz assim : "Eh pá, estou embuchado". Quem bebeu uma pinga de água, ou bebeu vinho, quem bebe vinho, uma pinga de água para desembuchar: "Estou embuchado, oh pá "!, é criaturas que têm a garganta (...) do estômago assim um bocadinho estreita e depois inflama. INQ Rhum. INF1 E ele dizia-me para eu gorgolejar a boca e tudo. Tenho-me sentido bem! INQ Tem? Tem estado bem? INF1 Eu tenho feito exames cá na minha vida. Risos Tem que ser assim. As meninas vieram aqui ter... INQ Tem que ser assim. Tem que ser assim. INF1 Vieram aqui ter... Mas é, justamente.
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INF1 Eu até tenho a reforma lá (...) da casa, como criado antigo desde a idade (...) de quinze anos, que para lá andei a trabalhar (...) até à idade que pude. De maneira que ele chega lá e (...) diz ele para mim: "Ó Guilherme, vá aí (...) a esses senhores". Depois fui lá ao pé deles, disse assim : "Afinal o senhor é que é cá o capataz da quinta"? "Sou sim". "Então, (...) quem é que limpou aqueles sobreiros à borda da estrada lá ao cimo do aterro, ali daquela inclinação do aterro para cima"? "Foi uns rapazes que aí andavam, mas eu é que mandei, que eles não sabiam, não percebiam nada daquilo". Sabe a resposta dele para mim? "Os rapazes não percebiam e o senhor também não percebia nada". Disse ele . Digo eu: "Está bem. Não me diga isso. Porque é que eu não percebia"? "Porque a poda (...) dos chaparros não são feitas assim". Eu disse assim : "É porque eu estou (...) ensinado, por o senhor engenheiro Gustavo" - por um engenheiro que eu andei na companhia dele, que era lá da Escola Agrícola - "e do senhor engenheiro Hálio, de limpar os chaparros assim, os sobreiros". Porque a gente antigamente limpava os sobreiros e os chaparros era a crescer. Quer dizer, era assim se pode dizer, (...) chamava-lhe a gente à borla. Quer dizer, ficava só aquela ramalhuda (...) na ponta e tudo a crescer. Hoje não querem assim. E eu também já tinha informações que eles que não queriam assim, que o senhor Hálio já me disse que querem, mais ou menos, como a uma oliveira mas um bocadinho diferente. INF2 É a fazer a roda. INQ1 Ah! INF Está a perceber? Não é com tanta... A oliveira é composta de rama tudo em volta. Divide-se, abre-se para o lado, porque a oliveira (...) tanto recebe azeitona - a oliveira ou qualquer árvore - (...) por dentro, como é por fora. Porque as meninas já devem ter visto, às vezes estão muito carregadas por fora e por dentro não têm nada. INQ2 Rhum-rhum. INQ1 Pois. INF Há outras às vezes árvores assim. "Ah, parece que não têm nada". Têm pouca azeitona. E a gente mete-se debaixo delas e olha e estão vergônteas carregadas. Portanto, limpa por um lado, por outro. Portanto, precisa de receber (...) a claridade (...) e o vento bater para limpar. Que é a tal coisa (...) da prova (...) de ela se galar, de a azeitona se galar. Porque isto, é claro - não pareça mal esta minha palavra. INQ1 Rhum! INF Há homens e há mulheres. INQ1 Não senhora. INF É claro. E tem que se fazer um conjunto para aparecer alguém. INQ1 Pois claro. INF Tem que ser. Tem que se fazer um conjunto. As árvores é a mesma coisa. É tudo a mesma coisa. O que é é diferente umas para as outras. Eu estou a chateá-las por causa... Com certeza... INQ1 Não está, não senhora. INQ2 Não está nada. INF1 (...) Depois (...) digo eu assim para esse: " (...) Mas o senhor, se quiser, diz-me. Vai ali"... Havia ali umas murtinheiras e havia ali uns chaparrozitos novos, uns sobreirozitos. "O senhor, se quiser, vai-me ali indicar um qualquer chaparro, um qualquer (...) coiso ali e eu vou limpá-lo da forma que os senhores querem". E depois fui limpar. (...) Fui limpar o sobreiro e limpei-o assim : "Sim senhor". E nunca me disseram nada. A seguir diz ele... "Agora fazia favor dizia-me se havia alguma diferença". Diz ele assim: "Não. Não há diferença nenhuma. Mas, olhe, o senhor sabe o que fez? Olhe, o senhor apanhava seis meses de prisão. E aqui o senhor doutor apanhava uma multa, que se isso não era muito pequena". Sabe o que era? "Mas como o senhor deu como informações dos engenheiros donde andou a trabalhar - porque foram nossos professores - é que se os (...) ensinaram, o senhor está desculpado. Está desculpado. Porque, senão, era assim. Porque o senhor indica ". Porque (...) eu trabalhei ali com engenheiros que, enfim...
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INQ1 Conte lá. INF1 Um senhor (...) que é ali de Alcaravela - ele até foi para a América, um engenheiro. Era o senhor engenheiro Haroldo. Eu andava com um rancho (...) a limpar oliveiras e andávamos a cortar oliveiras. E diz ele assim para... (...) Ele não me diziam nada. Eu fui sempre muito intrometido e venho por aí acima. (...) Estava o feitor e estava o patrão e estava ele. E depois disse para o meu patrão: "Ó senhor Halpagão, dava-me licença que fizesse aqui uma procura ao senhor engenheiro"? "Ora essa"! É claro, ele chegou-se logo ao pé de mim. Claro, os engenheiros, é assim. É como as meninas são. Exactamente, que é (...) , naturalmente, para o que andam a estudar. É para isso. Gostam de saber e gostam... A puxar, a puxar. Eu já notei. É exactamente. É como são as meninas. É. São meio a puxar para isso. De maneira que chego ao pé dele e depois: "O senhor fazia favor dizia-me aqui uma árvore qualquer"... Os homens vinham em baixo, a cortar e a arranjar, e tal. "E dizia-me aqui uma árvore qualquer para eu dizer qual é que era a poda que ela precisa. E depois o senhor via se estou a falar bem ou se estou a falar mal, que é para me eu orientar, senão não me sei orientar. Para me eu orientar". Ele (...) chegou ao pé de nós: "Olhe, fazia favor via esta". E eu vou-lhe ensinar uma prosa porque se as senhoras... Tenho a certeza (...) que as meninas que andam a estudar para isso. E é para que amanhã ou outro dia, não venha algum que lhe queira tapar os olhos e vossemecês abrem-nos. INQ2 Ora bem. INF Com duas palavras. INQ2 Ora bem. INF Vocês depois dizem duas palavras que eu vou a acabar a minha conversa, e depois já eles abrem os olhos. E é claro, os o senhor engenheiro chegou ao pé, - naquele tempo ainda era rapazes novos, e tal - ele disse: "Olhe, corte por ali; corte por além; corte por além, e tal, acho que fica bem". E depois, é claro, eu disse-lhe... E depois digo-lhe eu assim : "O sobreiro"... Ou, o sobreiro!?... A oliveira tinha (...) duas posições. Tinha um arco colocado por baixo com as pernadas, mas tinha uma pernada no meio - chama-lhe a gente um plantão - assim no meio, que fazia outro ar. Está a perceber? Mas a oliveira estava cansada, estava ruim. Estava cheia de musgos, estava toda cansada e tudo. E digo eu assim para ele... Assim , digo eu para ele: " Ah, pois. Está bem. O senhor engenheiro diz muito bem. Mas venha cá aqui deste lado". Ele voltou-se para o outro lado, e tudo. "Então agora aquela pernada que está acolá"? "Então fica armada em cima e fica armada em baixo". "A oliveira não goza, não se lhe tira madeira. Não renova! Não se tira madeira, ela (...) não goza". "Pois é". Ele depois já no fim : "Pois é. Há esses problemas. Há esses problemas que aparecem". INF2 (...) INF1 Se alguma vez suceder alguma coisa, (...) tem que se cortar (...) aquele plantão. INF2 Em baixo e em cima. INF1 Para fora, tira-se; atrasa-se mais qualquer das outras e ela renovou e limpou. E eu vinha para diante, ele não me disse mais nada, vinha a andar (...) por o arneiro adiante, e tudo. E era até terra de campo. Era (...) terra boa! Que elas melhoravam (...) em poucos anos. Claro que a gente vai ao pé de uma árvore mas tem que olhar para o chão e tem que olhar para cima. Tem que ver se o chão (...) tem alimento, se tem (...) sustento. É claro, se a gente vai cortar, mas se não têm alimento, até propriamente secam. Porque não têm força! Não têm força e com uma data de golpes!... Os golpes é: pelo menos para passar o Inverno, dar golpes assim, por exemplo, numa árvore, (...) é o diabo! E depois o gelo cai de cima em cima , e queima, e areja (...) a pernada (...) . INQ1 Pois. INF1 Nos sobreiros, eu andei (...) na casa Somer . Andei na casa Somer também a governar, até acolá quase ao pé de Espanha, um sítio chamado a Coutada dos barcos Arcos , por cima (...) de (.../NPR) , (...) nessa direcção. INQ1 Rhum-rhum. INF1 Aí em cima. (...) E a gente até lá trazíamos (...) uma calda que se deitava - que eu não me recordo agora o nome disto - (...) para tapar (...) os golpes grandes para o gelo não queimar. Bom, viemos embora para baixo. Então (...) vou acabar de contar o papel (...) da oliveira. Mas eu não estava bem, então ele não me disse mais nada, nem coisa nenhuma, nem se estava bem, e eu volto para cima outra vez e digo assim: "Ó senhor engenheiro, eu peço-lhe desculpa, mas tenha paciência, eu não estou bem, eu tenho que dizer o que sinto. Não vou bem, doutor. É porque ninguém tenha na ideia que é um bom agricultor, porque não é"! E as meninas (...) estão capazes de estar a parecer mal também?! INQ2 Não senhora. INQ1 Não senhora. INF1 Está-lhe a parecer mal . Não é. " (...) A gente ninguém é bom agricultor". (...) Diz ele para mim: "Ó senhor Guilherme, não me diga uma coisa dessas, porque eu tenho tirado boas provas, tenho feito bom serviço, e tudo, e tenho ficado sempre bem, e o senhor agora está dizendo (...) não há nenhum agricultor"?! "Tenha paciência! Não há. Não há nenhum agricultor". É claro, ele ficou assim modo surpreendido a olhar para mim, começou a olhar assim: "Pois, pois claro"... Chega-se ao pé do meu patrão, vai ele assim: "Ó senhor doutor, tenha paciência. Eu vou aqui falar com o senhor Guilherme". Puxou-me assim à banda, disse ele: "Agora há-de-me aqui explicar e dizer porque é que o senhor disse que não há nenhum agricultor. Então a gente paga a nossa prova a gente tira-se bem, temos o nosso (...) , temos todos então (...) e não somos? Não pode ser!" "Tenha paciência! Tenho que lhe dizer. Olhe, o senhor engenheiro, (...) veja uma coisa. Está aqui esta tapada de oliveiras; o senhor, amanhã... Eu sou encarregado deste pessoal. Amanhã você: você vá para tal banda limpar aquelas oliveiras. Mas olhe que elas precisam de ser cortadas. Precisam de ser cortadas. E é claro, eu vou. Mas chego cá, não vou cortar todas". INQ2 Pois não. INF1 É tarde. INQ2 Não, não. Estava a ver se estava bem. INF1 Está a apanhar? INQ2 Se estava a apanhar bem. INF1 Eu sei. (...) "Esse senhor chega aí e manda-me cortar. Eu chego lá, não vou fazer o que o senhor manda. O senhor é o engenheiro, é que mandou, mandou-me cortar as oliveiras mas eu não as vou cortar todas. Porque eu chego ao pé de uma oliveira e vejo: estás cansada, és cortada, para renovares, para te fazeres boa, para depois dar produto outra vez (...) para o lavrador. Chego ao pé daquela, não precisa de ser cortada". Precisa de ser espontada, quer dizer, ficar a meia rama. Quer dizer, tirar aqueles vergueiros que estão dentro - que chama-lhe a gente uns ladrões -, INQ1 Rhum-rhum. INF1 aqueles vergueiros , tirar aqueles vergueiros todos que estão dentro e, é claro, armá-la, e procurar aquela rama, principal, a rama em volta, naquelas rebaixadas, naquelas coisas todas e aproveitar aquilo tudo, a essa que já não é cortada. À outra, que foi cortada há dois ou três anos - por exemplo, dois anos, que é o que, mais ou menos, se regula, INQ2 Rhum-rhum. INF1 é cortada dentro de dois anos, mas precisa de ser... Aqueles arrebentões todos que estão (...) nas primeiras pernadas (...) ou nas segundas, ou (...) nas terceiras - sim, conforme (...) é a colocação da árvore - (...) tem que ser aquilo desbastado. Quer dizer, tem que se deixar os arrebentos próprios que sejam (...) para se procurar uma pernada amanhã ou outro dia. INQ2 Rhum-rhum. INF1 É assim. Claro, tem que se perguntar e desbastar. Não convém aquele vergueiros lá dentro. Aquilo é uns ladrões a roubar a oliveira. E tem que se desbastar. Portanto, há oliveiras para podar e não há podador de oliveiras. Percebem a diferença? Há oliveiras para podar mas não há podador. Elas é que sabem aquilo que precisam e é isso que a gente tem que fazer. Propriamente o lavrador precisa de azeitonas todos os anos. Não é só agora este ano e daqui a cinco anos não dão mais. INQ2 Pois. INF1 Não! Assim não interessa!
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INQ1 Mas o senhor não estudou? Não? Trabalhou com eles, mas não, nunca estudou? INF1 Não estudei. Não estudei. Estudei só a minha ideia. INQ2 Pois. INF1 Sim, estudei só... (...) Fiz só memórias cá na minha ideia, só, pronto, era só, quer dizer... INQ1 Nunca estudou nada, nada, nada? INF1 Nada. Nunca estudei nada. O que fixei foi sempre coisas, enfim, (...) é que via que fazia bem e fazia uma prova disto ou daquilo. E depois via se dava resultado, se não dava. Não dava resultado, punha de lado, seguia a outra que dava resultado. INQ1 Pois. INF1 E tomava nota naquilo, por exemplo, que qualquer das três meninas estão aí agora que me dizem, ou qualquer coisa, eu sou amanhã capaz de começar a pensar, ou até de noite: "E a fulana disse isto, disse aquilo. Eh pá, é verdade"! É assim, mas vamos por aqui, talvez seja bom. É claro, é assim a vida. INQ1 Ai, isso é mesmo assim. INF1 Andei aqui com uma brigada de homens, aqui em cima, e com uns senhores engenheiros - até (...) eram ali do Rossio. Alguns já estão reformados até. Andei ali em cima (...) na brigada. Ora eles, (...) é claro, andavam lá. Eles chegavam ao pé de mim: "Ó senhor Guilherme, deixe-me lá agora"... Os homens andavam a dois a dois, nas oliveiras. "Deixe-me lá agora fazer aqui uma coisa". Iam para o pé (...) duma oliveira, mandavam cortar por aqui e por além. Mas olhe que eu achava de mais, pelo menos ali num sítio onde chamam a carreira, a gente chama aquilo ali uma carreira de oliveiras. E eu andava lá até quase a acabar. E ele chegou lá e começou a (...) : "Ó senhor Guilherme, deixe-me cá agora encaminhar esta brigada". Ele e depois ele estava ali a dizer para cortar : "Corte, corte mais a esta", "Se fosse a si, cortava mais aquela", "Corta mais ao outro, mais ao outro" e deixava-me só os paus próprios dentro da oliveira, que faziam mal, que não deviam de ir lá ficar. Que (...) é uns ladrões completamente para cansar a árvore. É que cansa mesmo a árvore. Acabar tudo . Eh! Aquilo não me estava a calhar bem (...) . O patrão no outro dia chega ao pé de mim: "Olhe cá, esteve cá o engenheiro"? "Esteve, esteve. Esteve cá o engenheiro". Depois ele: "Olhe, mas então onde é que ele andou"? "Olhe, em tal banda. Andou em tal banda assim, assim, mas o serviço não ficou nada bom". "Não ficou"? "Pois não". Como eu estive ali um bocadito calado, diz ele para mim: "Amanhã vai lá abaixo com uma caldeira com cal e marca as oliveiras que você diz que ele que marcou". Digo-lhe assim: "Está bem. Vou logo que o senhor doutor mandar, mas quase que não é preciso". "Onde é que é"? "É em tal banda assim, assim. O senhor logo vê as oliveiras. Elas estão lá, aquilo até me parece quase as bandeirolas que está quando é nas festas, nos coretos das músicas, aquilo só no ar aquilo parece bastante ". O homem não vinha bom! (...) Era doutor mas não era engenheiro. (...) . INF2 Tem um nome, às vezes. (...) INF1 (...) Era um chamado (...) que era ali do coiso. Bom, andou (...) a estudar mas não acabou o exame, não acabou o coiso curso . E aquele, ele com certeza - peço desculpa -, mas ele com certeza que (...) tinha acabado de almoçar há pouco tempo quando ele lá chegou. (...) E foi o que eu notei: "Aquilo acabou de almoçar e depois veio para aqui fazer isto". Já se sabe o que é. (...) Depois ele vinha para cima, eu andava com os homens até acolá à borda da estrada.
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INF1 O senhor engenheiro chegou ao pé de mim: "Ó Guilherme não vá lá marcar as oliveiras que eu já vi". Mas não disse mais nada. Eu depois: "Ah, então tu não dizes nada? Então como é que é isto"? Depois voltei para trás, fui outra vez ao pé dele, fui ao pé dos homens, voltei para trás. "Ó senhor doutor, afinal disse isto assim, assim, mas o senhor não me explicou se está bem nem se está mal". Tudo. "Olhe, aquilo é demais. Aquilo foi demais um bocadito. Você diga-lhe a ele quando ele cá aparecer (...) que venha ter comigo ou ali com o feitor, para lhe dar um bocado de oliveiras para ele arranjar à vontade dele". E de maneira que até lhe dei um bocado de oliveiras, que é (...) onde está aquele bairro ali. Secaram todas por completo. Todas. Foi para lá com os homens, cortou aquilo tudo, cortaram... INF2 A terra não era grande coisa. INF1 A terra é ruim. INF2 E depois chegaram, morreram. INF1 Aí é que está a diferença: é de não conhecerem os sítios. Porque a gente sabe que aquela terra ali que por baixo é escumalho . Não sei se a senhora conhece? INF2 Ali há muito calhau. Há muito calhau! INQ1 Não, não sei o que é. INF1 As meninas conhecem o que é escumalho . É, por exemplo, torrões. Às vezes já tenho visto coisos, aparecem em qualquer banda, e vêm uns torrões (...) de terra agarrada uma com outra, calhaus (...) e o barro. INQ1 Ainda não vi. INF1 Uma coisa muito presa, (...) quase como pedras. INQ1 Rhum-rhum. INF1 Com aqueles calhaus agarrados e tudo . Deus me valha-me ! Aquilo é (...) como o raio! Não tem nada! Nem que a árvore quisesse comer, não tinha nada para comer. Não tinha nada para comer. INQ1 ... INF1 De maneira que (...) deu aquilo. Deu aquilo ali até que se acabou tudo. INQ2 ... INF1 Nunca mais me apoquentaram. Depois o patrão: "Você termine lá o serviço e a poda conforme entender". Mas, é claro, eu tinha informações do senhor engenheiro Hálio - que esse era também um bom mestre; (...) era um mestre lá da Escola Agrícola de Santarém, lá em baixo em Vale de Estacas . Até lá estive lá umas das vezes, lá fomos ver algumas provas (...) que os estudantes andavam a fazer. Lá tinham (...) uns quadrados cada um com uns arames para tapar em volta . Para cada qual ter lá a sua prova, para fazer o seu serviço. E eu fui lá até coiso pois com ele. E eu fui sempre um tipo (...) que, enfim... Noto as coisas mas depois, andando sozinho, ando a pensar, ando. INQ1 Rhum-rhum. INF1 Às vezes ou por aqui ou por ali, e tal, ando a pensar as coisas. Mas este tempo , a idade já se chegou, agora já não posso trabalhar. INQ2 Anda a pensar nas coisas. INF1 Já não posso. (...) INQ2 Mas pode pensar nas coisas na mesma. INF1 Pois. Posso pensar na mesma coisa. INQ2 Pois. INF1 Posso pensar na mesma coisa. INQ2 Pode pensar na mesma. INF1 Posso pensar.
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INQ1 O seu nome? INF1 Sou o Guilherme. INQ1 Rhum-rhum. INF1 A idade, tenho oitenta e sete anos, feito no dia 2 de Abril. (...) INQ1 Oitenta e sete! INF1 Nasci em 1904. INQ1 Rhum-rhum. INF1 Que eu nasci! INQ1 E nasceu aqui? Em Montalvo? INF1 Nasci cá, sim senhor. Mas tive pouca sorte porque, quando a minha mãe morreu, tinha dezoito meses. INQ2 Rhum-rhum. INF1 (...) Fui criado com minhas tias. INQ2 Daqui também? INF1 O meu pai andava por fora (...) na limpeza de sobreiros, e tirar a cortiça, e tudo. E fiquei por aqui sozinho. INQ1 Rhum-rhum. INF1 E apanhei uma crise ruim, ruim! Olhe que apanhei uma criação ruim! Ia à casa das minhas tias pedir um bocadito de pão de milho. Pão de milho, que era o que se usava naquele tempo; agora ninguém sabe o que é. Se perguntarem o que é pão de milho, não sabem. De maneira que ia lá pedir e às vezes trazia-o dentro do bolso, porque os outros também tinham fome, e batiam-me na mão, caía para o chão e eu já não o apanhava. Depois lá começava a chorar, tinha que ir buscar mais. Isso é que foi a minha criação! Ia apanhar folhas, flores do marmeleiro e ia a meter na boca, a comer as flores, e das roseiras. E comer. Uma vez apanhei uma flor (...) do marmeleiro, tinha lá uma abelha dentro, mordeu-me na língua. INQ2 Oh! INQ1 Ah! INF1 (...) Estive em casa duma tia deitado de barriga para o ar e ela a espremer-me limão aqui para dentro da boca. Aquilo doía que eu cá sei ! INQ1 Que horror! INF1 Eu passei... (...) Eu é que sei o que eu passei, com esta idade que tenho, é que eu sei o que eu passei, minhas meninas. Pois foi! INQ2 Isso foi uma criação difícil! Já agora, ali aquele senhor também, que idade é que o senhor tem? INF2 Eu? INQ2 Sim. INF2 Setenta e nove. INQ2 E o seu nome? INF2 Guliver.
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INQ1 Explique lá então como é que é isso. Como é que é aqui então? INF1 Ora, (...) o mês de Março dentro de cá de agricultura é isto: dentro do mês de Março - Março e Abril, vamos por aqui, Março e Abril - começam-se a arranjar as terras, a preparar as terras para semear o milho, e tudo. Ali por restos de Abril, ou qualquer coisa, preparam-se as terras para se pôr a plantação do tomate, que é agora. Porque (...) é posto agora, pois : do tomate, do pimentão, (...) para se conduzir depois para as fábricas, tudo. É claro, aquilo é as terras arranjadas; e depois, no fim de estarem lavradas, estarem batidas, estarem (...) preparadas, aquilo é regado com uns tractores, (...) com umas charruazinhas que têm a regar regado . Depois é posto o coiso. Agora é posto tudo à máquina também, tudo com uns tractores, é que põem, à máquina. E depois (...) juntamente quando eles estão já grandinhos, quando já está crescido, vai o tractor outra vez, com as mesmas charruas que abriu para se pôr o coiso, já vai pelo outro intervalo. Quer dizer, uma carreira está aqui, a outra está ali; depois põe-se aqui uma carreira, aqui outra. Mas há outra: quando é ao sacho - chama-lhe a gente o sacho - já vai aqui pelo meio, tomba a terra para ali, tomba a terra para aqui. INQ2 Rhum-rhum. INF1 Quer dizer, vai aquilo terreando, vai a roda por aqui, vai tombar, fica sachado. INQ1 Como é que chama a essa terra que tomba assim? INF2 É leiva. INF1 (...) É leiva. Chama-lhe a gente a leiva. INQ1 Rhum-rhum. INQ2 Rhum-rhum. INF1 Chama-lhe a gente a leiva. É claro, e depois vão então mulheres - que agora os homens já poucos querem trabalhar. (...) Querem tudo andar mas é (...) na orgia e na paródia. Já pouco trabalhar . As mulheres agora é que têm que trabalhar mais. É em tudo, olhe. Olhe, é já em vossemecês. Vamos já por aqui. INQ1 Vamos já por aqui. INF1 É para verem. É já por vossemecês ; é em choferes: daqui a pouco já há mais 'choferas' que há choferes. Os homens, trabalhar não é com eles. Já começa já (...) . INF2 Há aí muitos que não querem trabalhar . INQ1 São muito preguiçosos! São muito preguiçosos! INF1 E de maneira que vão então as mulheres vão limpar algum que fica enterrado INQ1 Rhum-rhum. INF1 assim com umas enxaditas pequenas a levantarem tudo levantar e tudo . Pois se agora há! Uma maneira antigamente , regava-se à enxada, INQ1 Ah! INF1 vinha por um rego fora regar - estavam os motores a trabalhar -, vinha por uns canos, e depois metia por um rego fora e a gente ia cortando aqui e além. INQ1 Rhum-rhum. INF1 Hoje já é com umas mangueirazitas de plástico, (...) de coiso, que têm, tem uns furos, tem uma coisa para tapar, já abre aqui e além e está a correr.
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INF1 Vinha esta coisa, por exemplo, (...) do milho: era semeado - o milho era semeado a lanço. Andavam os bois a lavrar, e tudo, e depois, é claro, ia o abegão, espalhava o milho a lanço, tudo para fora; e depois ia a gente com as grades - que chamam-lhe uma grade, que é uma parte com uns bicos, e tal - é gradar e enterrar o milho. Quando era aí principal no nateiro , principal no nateiro , quando era aí ao fim de vinte dias, já se podia sachar. Mas aquilo depois era dividido em (...) chama-lhe a gente searas, em terras. Ia, por exemplo, o guarda da casa - que estava na casa - ia dividir aquilo com umas canas. Marcava aqui e além, media a passos pela seara... INQ1 Ah! INF1 Eu amanhava uma, (...) a menina amanhava outra, aquela amanhava outra, amanhava outra, cada qual amanhava a sua e arranjava a sua. INQ1 Ah! INF1 Está a perceber? INQ1 Sim, sim. INF1 Antigamente era assim: cada qual tratava da sua. O milho, quando era (...) com a pá acabado de sachar - a gente íamos chamava-lhe a gente sachar -, era de... Boa tarde, menina. INF2 Boa tarde. INQ1 Boa tarde. INF1 Era sachar. Claro, íamos dividir... Aquilo deve ter, deve ficar (...) aí com um palmo (...) ou aí quase dois palmos dividido um do outro. Claro, o milho estava espalhado aí num monte. A gente mesmo com a enxada propriamente cortava e já sabia aquilo que havia de deixar. INQ1 Rhum-rhum. INF1 Sim, já sabia aquilo que havia de deixar, cortar. Deixava. Que vinha depois outra altura quando ele começava a querer desembandeirar, quer dizer, deitar a bandeira e a deitar a espiga (...) aquela barbazita, havia ordem, a gente já sabia, íamos amotar - chama a gente amotar -, amotar mais alguma erva que lá estava por dentro. INQ1 Rhum-rhum. INF1 Íamos por dentro do milho, isso (...) era apanhar barrigadas de suor lá dentro (...) e de orvalhadelas de manhã dentro do milho. Que o milho alto e a gente lá dentro, (...) era de matar! (...) INQ1 Era, era apanhar aquelas ervas que não?... INF1 Quer dizer, com a enxada. Mas era... E aldrabar. E às vezes a passar por aqui e por além, a fazer poeira. Era poeira lá por toda a volta, ora veja lá . INF2 Às vezes, até se perdiam uns dos outros, lá dentro do milho. INF1 Pois. De maneira que (...) o milho era assim criado. Depois é claro, vinha o tempo (...) , estava criado, estava já com a espiga por baixo, e tudo, o guarda vinha dar ordem aos donos das searas: "Vai despontar"! Despontar era tirar a bandeira. INQ1 Rhum-rhum. INQ2 Ah! INF1 Está a perceber? Tirar aí a bandeira logo rente ali à espiga. Tiravam a bandeira, deitavam para o chão. E depois esse resto , tirar a bandeira, era já com o lavrador. Depois ia então o pessoal (...) do lavrador. Por exemplos, os homens e as mulheres, íamos atar o pasto, quando ele estava seco, atar o pasto. INQ1 Rhum-rhum. INF1 Íamos atar, tirar para fora (...) do milho, e depois vinha os carreiros carregar e tudo, levar (...) para a quinta, e depois ser lá empalheirado. Quer dizer, empalheirado, metido dentro (...) das casas, das cabanas , dentro daquelas coisas, porque é para depois se dar (...) aos animais para comer, para dar. Essa é uma. Essa aí acabou. Morreu. Comeram-no todo . E depois o milho, quando estava capaz de apanhar, havia ordem. Vinha o guarda dar as ordens: "Fulano, fulano, fulano, tal dia vão apanhar a seara. Apanhar a seara". A gente cá depois (...) juntava-se. Por exemplo, eu juntava-me com família de casa daqui dessa, ou daquela e daquela. Quer dizer, (...) a minha mulher ia ajudar a elas e elas vinham-nos ajudar a nós. Só apareciam quando era preciso. Também tinham seara e juntavam-se assim. E depois ia-se apanhar o milho. Íamos de madrugada, de noite, apanhar o milho. Ia o homem, ou um rapaz, para acartar aquilo às costas com um cesto para um monte; depois vinha vinham os carreiros com os carros, com as caixas, carregava-se, ia para a eira. Chegava-se à eira, punha-se no nosso monte. Ele chegava lá, perguntava ao abegão que estava na eira: "Qual é a minha seara"? "É aquela". A apanhar , toca de desencamisar. Ruído de motas INQ1 Estas motas aqui é que... INF1 Desencamisar. Desencamisar, (...) deitavam-se para o coiso. Fazia-se, é claro, ali um eirado de milho ali assim. Desencamisava-se e tudo. Ficava por nossa conta. Quando ele estava seco, dizia lá o bandeiro assim: "Ó fulano, tal dia podes vir malhar a seara". A gente íamos para lá, é claro, tinha quem me ajudasse a mim, que eu também ia ajudar os outros. Noites inteiras, andar até às duas horas de noite a malhar, à porrada ao chão! Chamava a gente umas moeiras, que era um pau assim comprido com uma coisa na ponta. Não sei se já se lembram disso? INQ1 Sim, sim, sim. INF2 Ainda lá tenho a minha. INQ1 ... INF2 Uma moeira, que é uns bocados de correia e tal, arranjado. INQ2 Gostávamos de ver. INF1 É claro. Um pau assim (...) na ponta pendurado. (...) Chamava-lhe a gente um pírtigo. (...) E a hástea. Era a hástea e o pírtigo. De maneira que toca de porrada. Por exemplo, andávamos quatro homens nesta banda, outros quatro daquele lado. Andava as nossas mulheres, ou alguém que a gente tinha que ajudasse, com uns candeeiros - que nem havia luz, nem nada -, com uns candeeiros de lado, para alumiar, para a gente ver onde é que andava a bater, à porrada ao chão. Claro. Dava-se-lhe a primeira corrida, depois ia-se buscar as ferramentas da eira, os ancinhos; puxava-se aquilo para fora, tirava-se-lhe o milho de baixo para um lado para um monte; depois ia-se remalhar aquilo outra vez. Porque ainda ficava muita espiga partida ao meio, (...) com milho. Tornava-se a malhar outra vez, a dar porrada até ficar. E depois tirava-se outra vez para fora. E depois estava a gente - chamava-lhe a gente os 'casuis', que é aquele 'casul' que está dentro (...) do milho. INQ1 Rhum-rhum. INF1 Que está muito certo. Tirava-se aquilo para fora. Acartava-se para um cesto, lá para um monte, (...) para e depois fazer estrume, qualquer coisa. O milho espalhava-se, tudo, à tarde ia-se juntar e íamos limpá-lo com umas pás. Toca de limparem para o vento, tudo. E a mulher, a mulher ou um outro colega assim (...) com uma vassoura, chamava-lhe a gente a conhar, a apanhar aquele casulito por cima, para o lado, para depois passar com o crivo, tudo. E depois vinha o abegão, media e a gente vinha. Mas sabe, eram nove alqueires para o patrão e um só para a gente, no campo, de milho da eira. INQ1 Veja lá. INF1 E o que a gente trabalhava! E o que se fazia! Está a ver a menina o princípio (...) desta vida, (...) o que a gente fazia, tudo. (...) INQ1 E os senhores tanto trabalhavam e só tinham um alqueire. INF1 Pois. Hoje já não sucede isso. INQ2 Pois. INF1 Hoje já não é. Já vão debulhar no campo, já vai tudo. (...) Já não aproveitam o pasto, já não aproveitam nada. (...) É conforme está na bandeira e tudo, cai aquela moinha toda para o chão, e tudo. E antigamente era feito assim. Mas hoje, se fosse assim, não havia gente para isso.
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INQ Mas dantes pegavam cedo, não? INF1 É assim. É assim. Hã? INQ Dantes pegavam cedo? INF1 Cedo, pois. Bem, isso era de noite. INF2 Era quase ao nascer do sol. INF1 Quer dizer, (...) quando ia de noite atar pão, ou atar pasto, ou coisa que se ia de noite. Por exemplo, atar pasto era fácil de nunca ir, porque orvalhava e não se pode atar molhado porque depois arde. É apertado num molho e depois aquece e estraga-se, parte. INQ Rhum-rhum. INF1 Mas o pão era. Era atado de noite. Tudo. Saíamos e depois tinha que lhe dar o tempo. Tinha que lhe dar o tempo, quer dizer, à hora do descanso. Tinha que lhe dar o tempo. Tinham o tempo, por exemplo, à hora de meio-dia. Antigamente trabalhava-se de sol a sol. Quando não era às vezes roubar um bocadito, e tudo. Pois é. INQ Ainda roubavam um bocadito?! INF1 Olhe, e vezes, vezes! Cada vez andava com eles em certos serviços, por exemplo, andávamos aqui (...) a cavar, (...) vamos lá, aqui na vinha, aqui a cavar um bocado, por aí fora. Ora, a vinha estava quase pronta, amanhã íamos para outro lado. Íamos para outra banda. Isto é coisas estudadas tem que ser pela gente. Íamos para outro lado: "Eh pá, isto fica-me aqui preso e eu"... Andava de roda deles. "Fica-me aqui preso por pouco. Eh pá, se vocês andassem mais puxados um bocadito, eu mandava buscar um barril de água-pé (...) à quinta e acabavam-me isto, pá! Acabavam-me isso"! É claro, eles, coitaditos, com vontade ou sem ela lá: bumba, bumba, bumba, bumba, às vezes ainda acabavam com sol. Porque dá o caso, ficava aquele bocado por acabar, ficava lá um bocado; no outro dia, ia aí (...) com vinte ou trinta pessoas, atrás de mim por aí abaixo, a cavar aquele bocado. Ora, pôr (...) o fato no chão, pôr o saquito do almoço - que a gente antigamente tinha o almoço, que era às nove horas, comia-se a buchita de pão com as sardinhas e bebia-se um copo de água; e depois toca de trabalhar, ao meio-dia comia-se outra vez. Era assim. Antigamente a vida era assim. As meninas nunca passaram... INQ Antes, antes do almoço comiam alguma coisa ou bebiam alguma coisa? INF1 Em casa, alguns, que o tinham; e outros que não tinham. (...) INQ Como é que chamavam essa refeição? Em casa ainda, logo cedo. INF1 Era o pequeno-almoço. Pois (...) . INQ Chamavam sempre pequeno-almoço? INF1 Sempre, sempre pequeno-almoço. INQ Nem tinham o hábito... INF1 (...) A gente tínhamos o hábito de dizer desjejuar. INQ Rhum-rhum. INF1 Desjejuar. "Desjejuei-me"! "Desjejuei-me", ou "Bebi uma chávena de café", ou "Comi um bocado de pão", ou "Comi isto", ou "Comi aquilo". Desjejuar. INQ Mas aqui não tinham o hábito de beber assim um copinho de aguardente ou uma coisa assim logo de manhã? INF1 Bom, isso havia muitos que vinham depois beber. INF2 Às vezes. INF1 Se apanhavam alguma coisa aberta, e tal, é que vinham, senão... Havia muitos que bebiam. Houve uma vez um, e era um solteirão qualquer, até morreu ali (...) ao pé da porta da taberna com a cabeça em cima do degrau. Vinha de manhã para matar o bicho, a porta estava fechada e até lá ficou. Risos Até lá ficou. É assim. (...) Depois ia - é que eu quero chegar (...) a este ponto. Ora, se eles não acabassem aquilo, aquele bocado, no outro dia ia eu (...) com vinte homens, vamos lá por aqui, com vinte homens atrás de mim. Chega lá: "Vamos". São horas de começar a trabalhar, nascia o sol: "Vamos lá chegar ao serviço, rapazes"! Eles chegavam ao serviço , começavam a cavar. Acabavam aquilo, por exemplo, em meia hora ou numa hora. E depois vinha de lá. Vinham para agarrar (...) no fato, pôr as ferramentas às costas, a andar por aí fora. Eu ia depressa, mas eles iam devagar! A correr não era para eles! Iam devagar, por exemplo, agora... Ia andando por ali afora até ao destino. Para depois (...) ia para a outra coisa, para começar a trabalhar , lá chegava lá, pôr o fato no chão, pôr aqui, consertar-se, aquele fazer mais um cigarro, aquele chegar-se para aqui, o outro: " (...) Dá-me cá lume"! "Eh pá, empresta cá (...) um cigarro"! Para aqui, para além, primeiro que se começasse a trabalhar, ia-se embora quase duas horas de serviço. E essas duas horas ficaram no escritório do patrão porque fizeram na véspera com uma pinga de água-pé. INQ Rhum. INF1 Ficaram com eles. Porque eu fazia ciente isto aos meus patrões, e eles mandavam-me regular o trabalho assim, que fizesse à minha vontade. (...) E com essa pinga de água-pé que era (...) uma coisa feita já no espreguiço , (...) que o serviço tirava-se do vinho, e ele ficava com essas duas horas de cada uma pessoa. Duas horas de trabalho ficavam no escritório. Adiantava muito. Por isso, eles hoje estão-me a dar alguma coisa, mas haviam de me dar mais. Mas deram-me tão pouco! É poucachito. Ainda vem alguma coisita lá de baixo, mas é pouco. Haviam de me ter dado mais.
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INF Antigamente, (...) andava um rancho lá na casa de velhos, assim como eu, que eu não sou novo. Velhos. Mas alguns mais... Hoje, graças a Deus (...) ainda me governo, ainda ando, ainda faço qualquer... Ainda faço qualquer coisa de enxada! Não é muito tempo. Aí uma horazita ou qualquer coisa, ainda faço. Ou hora e meia. Porque eu não quero tentar . Eu às vezes podia a tentar mais, mas não: quando me sinto enfadado, paro. Vou-me lá governando assim com estas poucas posses . Não vale a pena coiso! E todos os dias saio, a andar para aqui ou para ali, de qualquer banda, eu saio. Dou movimento às pernas, porque eu sinto-me mais mal é das pernas. Das pernas é que me sinto mais mal. De maneira que (...) ainda faço. Ainda faço assim qualquer coisa. Mas é claro, naquele tempo não se fazia... A trabalhar, eram uns escravos que aí andavam. Eram uns escravos. Eram uns escravos. (...) Andei aí depois, fui - em novo ainda, foi nos princípios, antes de ir para capataz. O meu patrão - o pai até desse que lá está agora na quinta - (...) é que me pôs lá em capataz, que eu não queria. Que eu tive sempre quezilha (...) de governar. Nunca gostei. E fui acolá para um sítio chamado... Coitados dos (...) já acabaram. Já (...) que (...) é para lá do (.../NPR) . É entre (.../NPR) e Santa Eulália, pegado à ribeira, da estremadura de Portugal com (...) . (...) Pertence à casa Sommer, não é? E um tio meu era capataz ali da casa Sommer - era capataz geral - e é que me pôs em capataz. Eu com dezoito anos! E eu andava lá a fazer um desbaste, quer dizer, desbaste era arrancar sobreiros... Barulho de mota Olhe, deixe passar isso, que eu já digo. INQ Está bem. Corte na gravação INF E eu tinha que estar a ficar com ela dentro dum cesto, lá na quinta, lá na adega, (...) para a calar, para ela estar calada e para meter a chuchazita na boca. A chucha (...) era uma boneca feita (...) com sopas de coiso, e açúcar dentro. INQ Rhã! INF E aquilo (...) atado com um coiso (...) . Molhava aquilo dentro (...) dum coiso, (...) um copo com açúcar para meter na boca para se ela calar.
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INF1 A minha mulher - Nosso Senhor a tenha lá em descanso - já se foi embora, coitada. (...) Não esperou por mim. Antes me ela levasse! Que Porque eu não me dou mal aqui ! INQ1 Não diga isso! INF1 Não me dou mal, mas já tenho muitos dias. (...) Já é dias a mais. Já podia dar os meus dias (...) a outro, que estou velho ! INQ1 Ah! Tem nada, está aí tão rijo! Agora dias a mais! INF1 Pois. (...) Foi lá criada nessa casa desses patrões que lá estavam. INQ1 Rhum! INF1 Mas o alemão é que comprou. INQ1 O senhor disse-me que é metade! INF1 Isso foi vendido. (...) Há uma outra quinta do lado de baixo, que era da senhora dona Hersília, que (...) era uma irmã daquele que vendeu aquilo, que era o doutor Heitor. Que o tal doutor Heitor era o doutor de mal de peles. E é onde esta miúda, o pai veio para lá (...) para feitor, esta (...) miúda que está aqui, para lá. INQ1 Ah! INF1 E eu fui lá cinco anos fazer o vinho. Fui lá fazer o vinho, (...) para coiso. Porque o vinho lá dele (...) ... Aqui em cima tem um depósito (...) . Não sei se lá foram para dentro. Ainda não foram? INQ2 Ainda não vimos. INF1 Se entrarem ao portão para dentro... INQ1 Só entrámos nos quartos. INF1 Se entrarem ao portão para dentro, há, (...) havia... Bom, aquilo agora é capaz de estar modificado. A gente entrava ao portão para dentro, havia dali umas pocilgas, umas coisas, de galinhas, e essa coisa toda que governava . E havia depois, mais adiante, havia uns degraus a descer para baixo, e desses degraus até lá acima ao tanque - chamava-lhe a gente o tanque regal de regar . (...) Há-de lá estar. (...) Ainda ele há-de estar que eles (...) não o esbandalharam. INQ2 Se calhar. INF1 Chamam-lhe o tanque regal de regar , que tem uma mina, vem a água para lá. Uma mina que há lá acolá para cima para o pinhal, tudo, vem para esse tanque. Tem uns degraus ao lado. Chama-lhe a gente o tanque regal de regar . (...) E até esse tanque, desde esse degrau assim para baixo, esse tanque , havia ali uns buxos, faziam assim um arco. INQ Rhum-rhum. INF1 Não sei se ainda lá estão, se não estão. (...) INQ1 ... INQ2 Mas havemos de ver... INF1 Se lá forem deitar a cabeça, vêem. Havia uns buxos que fazia assim um arco. Aquilo é como um túnel. Tudo. INQ1 Rhum-rhum. INF1 Quando a gente saía aí... Isso era para cima. Quando ia para baixo, há um outro tanque mais em baixo, também porque regava depois (...) uma parte que havia do lado de baixo, (...) que era já depois para a outra irmã, que era a senhora dona Hersília, (...) que é da outra quinta que está daquele lado, do lado de baixo. INQ1 Rhum-rhum. INF1 Esse prédio já foi feito já... Não foi já (...) pelos pais dela, foi por ela é que foi feito. De maneira que há esse tanque aí. Até lá tem canas-da-Índia! Tinha lá. Não sei se ainda lá estará, se não. INQ1 É capaz de estar. INF1 Eu corria aquilo tudo ali! Eu sabia mais do que vocês vêem . INF2 (...) INQ1 Aquilo é muito bonito! Aquilo é muito bonito ali! INF1 O senhor doutor Heitor... INF2 (...) Aquilo também. INQ1 Ah! INF1 O senhor doutor Heitor quando era vivo - ele era do mal de peles. Ele estava casado com uma senhora que... O senhor doutor Helámio. Então, vocês também não conheceram um médico que havia lá, em Lisboa, que era o doutor Helámio. (...) Era cirurgião, o tipo, até! (...) Era professor (...) dos médicos, ele. Era. Era o senhor doutor Helámio. E tinha uma senhora, ela talvez fosse do seu corpo, assim pequenina! Pois. INQ1 Pequenina! INF1 (...) Que era a senhora dona Hortênsiazinha. (...) Era mulher dele. Era filha do tal doutor. (...) E veio uma senhora da Suíça para cá tratar-se da garganta com ele. INF2 (...) INF1 Quer dizer, pois, as senhoras desculpem. As meninas desculpem, o que é a gente (...) tem que ser português. INQ1 Não senhor, diga. INF1 Temos que ser português. Engraçou (...) com ele (...) e ele engraçou com ela.
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INQ1 E depois, portanto, levavam as azeitonas para o lagar?... INF1 Não. E depois apanhava-se debaixo da oliveira e tirava-se os panos, juntava-se. INQ1 Sim. INF1 Tinha muita folha, muito ramo partido que caía de cima das oliveiras. Andavam dois homens, ou duas mulheres, ou duas pessoas de lado, e depois juntava-se uma dum lado e outro e começavam a peneirar assim com o pano. É claro, a azeitona, um chegava para baixo e a gente depois tirava a rama por cima, para fora. INQ1 Rhum-rhum. INF1 Que era depois escolhido algum bago . Quem vinha era as mulheres atrás a apanhar os bagos que eram desperdiçados, quer dizer, que saltavam, qualquer banda, escolhiam aquela rama também e tudo. Ficava. E depois daí levava-se para dentro dum cesto. De lá ia para um monte. Fazia-se um monte. À tarde, estendia-se dois panos com umas canas espetadas ou com um pau a atravessar, preso, e uns panos, já com uns baraços (...) postos aqui nas pontas, atado. E depois ia o homem com uma pá a padejar daqui do monte de encontro ao vento. Quer dizer, a azeitona caía dentro do pano (...) e a folha caía, vinha-se embora cá para trás. INQ1 Rhum-rhum. INF1 Está a perceber como é? INF2 Ficava a azeitona limpa. INQ1 Limpinha. INF1 Saía, claro, está aqui um monte e a gente depois , é claro, traziam aqui ao pé do monte, deitavam um capachinho um couchinho de azeitona (...) ao ar. Deitavam uma capachinha aquela cheia de azeitona ao ar, vinham logo o caminho para onde a folha caía. Vinha para aqui, o vento está dali, iam além. (...) Sete passos que a gente marcava, que eu por acaso também tenho isso de ideia e também o fiz. Sete passos. Marcava, chegava lá, espetava uma estaca aqui, outra aqui, outra aqui. Punha um pau aqui a atravessar. Justamente aqueles panos que a gente punha, (...) que era para o padejador, que era panos mesmo do padejador, tinham uns baraços. Pois tinham três coisos. INF2 Para atar (...) ao pau. INF1 Atava-se-lhe ao pau. Claro, ficavam estendidos e atado aqui assim, está a perceber? O pau estava aqui, fica assim aqui atado. O homem de acolá começa a apanhar. Põe-se ali com a pá e atira. INQ2 Rhum-rhum. INF1 Atira, mas não é atirar como se carrega um carro (...) com terra. A gente para carregar um carro com terra, atira com a pá a direito para cima. Aquilo tinha que ser ao contrário. Tem que voltar a pá quando vai a pá no ar, vai assim, mas volta ao contrário. Volta para ali, que é para abrir a azeitona. (...) Se vai assim a tombar para aqui, cai junta, não abre e o vento não a limpa, (...) por acaso quando o vento seja pouco. Não abre, tem que ser ao contrário: vai, atira com a azeitona e volta-a assim, a azeitona no ar. A azeitona no ar abre, faz leque, faz assim leque, a azeitona atira-se assim ao ar. Quer dizer, a gente faz a menção, não é atirar daqui a direito para além. Atira-na ao ar (...) , vai assim, para cair acolá. INQ2 Para cair. INF1 Claro, (...) alevanta um bocadinho ao ar. Pronto, essa já está. INQ1 Tem ciência!
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INQ Então e diga lá uma coisa, como é que chamavam àquele primeiro azeite que tiravam? INF1 (...) O primeiro? INQ Sim. INF1 Bom, (...) não tinha quase nome. (...) É fino, era azeite fino. Dizíamos a gente que era fino, por exemplo, INQ Rhum-rhum. INF1 com um grau, ou com nove décimos, ou com qualquer coisa assim. Bom, (...) ele até se tem tirado aqui na nossa coisa... Agora, a engenharia agora está mais bem colocada, não é? Tem de se tirar aí (...) com quatro e cinco décimos só. Nem tem chegado (...) ao grau! (...) É fino demais! INQ Pois. INF1 Até é fino demais! (...) Nem se acha no comer. INQ Há certos sítios em que diziam que esse azeite que era bom, às vezes, para curar coisas de pele... INF1 É, é, é. Bom, isso é outro azeite. Isso é (...) o azeite quando está a correr para a tarefa e (...) que não é caldado. Quer dizer, não é caldado (...) ... INQ Ah! INF1 Porque o azeite no fim de aquilo estar espremido... INF2 (...) INQ Ah, pois! INF1 No fim de aquilo estar espremido - é bom puxar certas conversas que é para me eu lembrar alembrar . INQ Pois. INF1 No fim de aquilo estar tudo espremido, (...) o mestre do lagar vai deitar uma porção de água quente lá para dentro. Sangra. Quer dizer, por baixo tem duas torneiras, a tarefa. Tem uma mais alta e outra mais baixa. E ele vai, e abre, por exemplo, a do fundo. Quando a de cima começa a aparar o azeite, fecha. Que é para sair a almofeira, que é aquela água suja que (...) a azeitona tem. INQ Ah! INF1 É a almofeira. Chama a gente a almofeira. Saiu aquilo tudo . Chegou à altura daquela de cima, que lá está o azeite, (...) para o azeite não sair para a rua. Porque depois (...) há um cano que leva aquilo direito a um lado onde há (...) uns três ou quatro depósitos, passa duns para os outros: este passa para este, este passa para aquele e aquele passa para aquele. INQ Rhum-rhum. INF1 Tudo. Entra por baixo e sai por cima (...) para passar. Que chama-lhe a gente os ladrões. E não é poucos, que eles às vezes roubam bastante. (...) Estão a medir o azeite (...) para os proprietários e estão assim com o pé por baixo a abrir a torneira um bocadinho, para correr azeite para lá, para (...) depois tirarem para os patrões. Também se faz! Também se faz! Nesse tempo também se fazia (...) muitas coisas assim. E o dono estava ao pé e não via. E o pé por baixo é que estava a trabalhar. Risos Depois no fim (...) de estar aquilo sangrado, é caldado. Com a tal água fria . E é aí é que se tira o azeite antes de ser caldado. INQ Rhum. INF1 Para curar certas (...) mezinhas e certas coisas. É antes de ser caldado!
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INQ1 Quando vão tirar esses ladrões? INF Esladroar. INQ1 Rhum-rhum. INF Também está? INQ1 Está. INQ2 Está. INF Onde é que estiveram? Onde é que estiveram? Onde é que estiveram? Na área onde é que estiveram (...) para estar isso assim aí? INQ1 Depois... Não, está aqui no nosso livro, nas coisas que é para a gente perguntar. Às vezes... INF Não, mas já estiveram noutra banda qualquer. Tenha paciência. (...) Até pode ser até sítios que eu tenha andado. (...) INQ1 Não. Estivemos... Estivemos noutros sítios mas dizem sempre coisas doutra maneira. INF (...) Olhe que eu já andei a trabalhar (...) acolá em Almeirim (...) a raspar. Raspar, bom mas (...) chamam eles cavar de casquinha. (...) No meio de duas mulheres e vi-me lá atrapalhado. Risos Vi-me lá atrapalhado! Usavam antigamente umas enxadas com os cabos tortos (...) . Elas tinham uma prática! Nem queira saber. Ia assim, espetava a enxada, tumba, tumba, tumba! Três lanços. No fim de estar (...) a terra cavada parecia que andou lá uma coisa a lavrar, a tombar a leiva para aquele lado. Tudo! Eu vi-me lá atrapalhado no meio de duas mulheres! Jurei de nunca mais lá me meter no meio delas. INQ1 Nunca pensou de ficar atrapalhado assim? INF (...) Pois não.
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INQ1 Como é que era tudo até sair o vinho? INF1 Pois o vinho, quando era aí ao fim de (...) , quase sempre, quase vinte e quatro horas, dia e noite. A uva aquece e começa a fermentar, tudo. Depois os homens... Antigamente! INQ1 Sim. INF1 Antigamente, que as coisas agora... Têm esmagadores, têm tudo, mas antigamente (...) era tudo a olho . Depois ia para lá os homens para dentro, com uns calções vestidos e depois acalcar com os pés, pisar tudo. Às vezes até tínhamos que ir ao... INQ1 E dentro de quê? Dentro de quê? INF1 Dentro do lagar. INQ1 Ah! INF1 (...) Para dentro do lagar. INQ1 Rhum-rhum. INF1 O lagar, quer dizer, o quadrado, o tanque. INQ1 O lagar é aquele?... INF1 Pois, aquele quadrado. INQ1 Aquele quadrado. INF1 Vão lá à quinta, (...) que há-de lá estar um que eu mandei fazer por um tipo acolá da (.../NPR) . INQ1 Rhum-rhum. INF1 Lá está, está . INF2 Lá na quinta há, os lagares . INF1 Vão para dentro do lagar, os homens e depois saltam lá para dentro. Patamar! Chamam-lhe um patamar àquilo. INQ1 Rhum-rhum. INF1 Chama-se o patamar. Saltam lá para dentro e depois acalcam. Começa-se a acalcar. Acalcar, pisa-se tudo com uns maços de madeira, com um pau na ponta e uns maços. E acalcando à frente, porque aquilo (...) a primeira volta, é claro, claro, está a uva ali com aquele engaço e tudo, a gente... INF2 Têm assim um maço. É assim, a gente vai, traz na mão ... A gente vai acalcando com os pés (...) . INQ1 Portanto, vão acalcando com os pés? INF1 Deixa falar por causa disso. INF2 Pois não. INQ1 Fala um e fala o outro. INF1 Pois. Por causa que isto - não sabe? - está a gravar. INF2 Ah pois. INQ1 Mas podem falar os dois. INQ2 Podem falar os dois, desde que fale um de cada vez, podem falar os dois. INF1 Pois, pois, (...) pois. Pois. De maneira que a gente tem um maço, a gente depois vai acalcando à frente; e outras vezes, até tínhamos que voltar assim ao para trás, com o calcanhar, para ele ir calcar. Porque, é claro, a uva, está tudo aquilo inteiro, aquilo está duro, tudo. INQ1 Sim. INF1 Quando for depois à outra depois tiramos fora. Não é? Para fora. Descansa-se. Passa-se para o outro lagar. Aquele está a fermentar. Depois vai fermentando, (...) vai aquecendo, vai indo, vai tudo à frente, e depois quando a gente vai, outra pisa, outra vez. Estamos ali um dia, ou coisa, tirar, a meter para dentro, deixa-se ganhar fermentação, a pisar. E depois, é claro, fica aquela noite. No outro dia, já ele está aquilo a levantar, tudo no ar. Já está o mosto a aparecer por baixo, o mosto, e já está o engaço todo a levantar (...) para cima. A gente depois vai lá para dentro outra vez, toca de acalcar. Começamos cá de fora, assim num patamar, com os maços a acalcar e depois saltamos lá para dentro. Toca de outra vez de acalcar. Damos ali duas ou três corridas. E ele a subir para cima! Às vezes (...) até se conhece, com licença, aqui as nalgas (...) do rabo, naquela espuma dentro com o vinho branco, (...) é nojento. O vinho branco é nojento. Ganha uma espuma branca, branca, não sei o que aquilo me parece. Muito grande! De maneira que a gente a acalcar aquilo tudo. Bom, calca-se e depois vai-se provando e vai-se pesando. Quando está a zero, quer dizer, eu para mim, por acaso, (...) não era preciso pesá-lo. Sabia quando ele estava a zero. Quando eu o metesse na boca, o mosto, que eu fosse ali e tirasse um pouco de mosto, e metesse na boca e que me 'repunisse', já sabia que ele estava em ordem de sair. Agora, se eu o consentisse na boca, que estivesse ainda maduro, doce, não pode! (...) Porque há uma diferença no vinho branco para o vinho tinto: o vinho branco pode-se fazer de bica aberta, quer dizer a gente, de bica aberta, estar a espremer e tudo, e estar a sair e ir para dentro (...) da vasilha. Lá ferve e fica bom. Fica natural. Desdobra e fica bom. INQ1 Rhum-rhum. INF1 Fica natural. E o tinto não pode fazer assim. O tinto, se for com um bocadinho de maduro, um bocadinho de acidez, que leve um bocadinho, mas que seja pouco - mas que seja pouco, mas que leve pouco - de acidez , quando for no fim de cozido, lá está. Não sei se já alguma vez beberam. Eu, por acaso, quando havia, bebi algumas vezes. A gente bebe um copo de vinho, ou bebe uma pinga de vinho, e ao resto acha-o maduro, acha assim: "Eh pá, o gajo é guloso". É maduro. Esse vinho é tirado (...) com acidez, (...) com maduro ainda. INQ1 Ah! INF1 Não é tirado de natural. O branco pode sair de qualquer maneira e o tinto não pode. Olhe que são filhos da parreira à mesma e têm tem diferença. INQ1 Pois. INF1 O tinto tem que chegar para o coisa . Porque eu sucedeu-me um caso: um pouco (...) de vinho lá (...) na quinta, ali. Havia cânhamo no campo e o guarda andava de posse de mim por causa de ir vindimar o resto das uvas. Diz: "Eh pá! A ver se entendias mais uvas, que (...) os gajos do cânhamo dão cabo (...) das uvas todas". Lá, de noite, iam lá às uvas todas. E ele não podia lá (...) estar sempre. E eu tirei o vinho... Até, lembro-me bem, numa quarta-feira. Eu havia de passar no outro dia, havia de tirar na quinta-feira. Tirei numa quarta-feira. Tirei-o. E o vinho ia com um bocadinho de maduro. Quando foi (...) no fim de cozido, estava doce à mesma. O meu patrão chegou ao pé de mim e disse-me... Disse: "Ó Guilherme, não sabe?! O vinho tem que ser queimado. A fiscalização não mo deixa vender". "Porquê"? "O vinho tem o maduro. Quando se acaba de beber, tem o maduro". Eh pá, eu custou-me tanto aquilo - desculpem desta minha conversa -, eu custou-me tanto aquilo que eu depois andava parece-me ... Um rapaz que estava lá a vender o vinho - já morreu até -, estava lá a vender o vinho, diz assim: "Eh pá, 'há-des' ver, quando vierem aí ao vinho, dá-lhe o vinho, aquele vinho a provar a ver se querem comprar". E ele deu o vinho (...) a provar até ali a uns tipos, ali de Rio de Moinhos, a uns tipos de nota, e tal, que compravam muita porção para engarrafar. E deu a provar: "Eh pá, mas se isto é vinho! (...) É especialidade, pá! Este vinho, quando for ao fim de dois anos, (...) é vinho do Porto. É exactamente vinho do Porto". Eu por acaso até comprei também dois litros dele. E era engarrafado, quando foi ao fim de dois anos, era vinho do Porto. Primeiro perdeu a cor, aquele barro assentou todo, ficou espelhado, limpinho, limpinho, dourado que não sei o que aquilo me parecia. Perdeu a cor ao caminho. E então com aquele madurozinho, aquilo (...) era de a gente beber e chorar por mais. Tudo. E depois eu pedi ao patrão. Ele assim: "Eh, ah, pá, mas eles ainda são capazes de depois lá ir", disse ele. Tanto lhe pedi, tanto lhe pedi, ele tinha uma máxima confiança comigo, disse: "Olhe, então diga lá então para o vender, que eu tenho lá um pouco daquele lado" - que é do Lombão, que também pertencem à mesma casa - "que está baixo, tem pouca graduação, e de maneira que eu dou-o (...) para a Federação, para eles queimarem, para eles lá queimarem no lugar daquele". Olhe, não chegou a durar uma semana. Eles levaram tudo, mesmo a tropa, ali (...) aqueles sargentados, aqueles oficiais, vieram ali buscar barris deles e tudo, para engarrafarem. Mais tarde disseram-me que aquilo que era tal e qual vinho do Porto. Comiam-no por vinho do Porto. Bom, vê? É claro, a diferença. E são parreiras! São duas parreiras! É a diferença do vinho.
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INF E tenho lidado, olhe, tenho lidado com gente da vossa classe. INQ Rhum-rhum. INF Com muitos ali! Vi-me ali perdido! INQ Com muitos. INF Com muitos! Tanto faz ser em tudo . INQ Rhum-rhum. INF A fazer meloais, a deitar adubos, qualidades, (...) para me queimarem, para me estragarem tudo, parte das vezes. Uma vez pregaram-me com uma data de ureia - adubo -, ureia (...) num meloal, ardeu a semente toda, ardeu tudo! Estragou-se tudo! E disse tanta vez, disse ao senhor engenheiro: "Senhor engenheiro, isto não dá (...) . Estraga tudo! (...) A ureia não se pode deitar agora já na primitiva! Tem que se deitar no fim (...) de a planta nascida! INQ Rhum. INF De ser coisa. E em volta! A seguir à rega. Depois de seguir à rega, (...) deitar (...) para receber aqueles sais, para puxar e tudo". "Não faz mal, eu fiz em tal banda assim e não fez nada". Não fez mal? Ardeu a semente toda. (...) INQ Pois. INF A ureia, que é o adubo mais forte que há, que queima tudo ao caminho.
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INF Você, se for a uma adega e se vir (...) o coiso, você ponha-se a olhar e vê: o postigo é cavado mais por dentro. INQ Rhum-rhum. INF Quer dizer, quando foi cortado não foi assim a direito. Foi assim, todo assim em volta, mas foi mais cavado por dentro, por dentro, que é para apertar ali. INQ Por dentro. INF Que aquilo serve (...) para o adegueiro ou um rapaz ir lavá-los por dentro. Que é preciso lavá-los, tem que lá ir dentro. Entra. Entramos assim, com um braço atrás e outro adiante, de banda - entra ali de banda, entra lá para dentro. INQ Vai lá para dentro. INF Um buraco pequeno! Entra lá para dentro. Depois lá vai lavá-lo, arranjá-lo. Porque, às vezes, há tonéis que recebem podre, recebem mau gosto, mau cheiro e depois para agarrar o vinho. E, às vezes, recebem aquele podre, naquelas aduelas, recebe aquele podre, e tudo. Eu tinha por mim - havia químicas para lavar -, mas eu tinha por mim umas coisas melhores que há, antigas, velhas, que eu tirava melhor e lavava-os melhor. Era potassa com água (...) com cal branca, água da cal branca. INQ Rhum. INF Ia lá para dentro, lavava-se lavava-os tudo bem lavado. Depois, no fim de estar lavado e tudo, ia lá para dentro com um caldeiro com isso, pincelava-o todo em volta. Come tudo. Tudo! Se deitar um bocado de cal branca (...) juntamente (...) com potassa para dentro do barril e que vá enxugá-lo, (...) aquele coiso que lá está, (...) aquele preto do vinho, aquilo que está aquilo agarrado, come tudo, sai tudo para a rua! Sai. Parece o vinho que sai. INQ Não sabia. INF Sai tudo. Sai tudo para fora. E então isso tem que se lavar. (...) Se não é lavado, e se tem mau gosto, e se tem mau cheiro, essa coisa toda... Eu tinha até perfeição nessa coisa, (...) que os engenheiros até diziam que tinham confiança em mim e podiam ter. (...) Tendo Estando ruim, eu não metia lá o vinho, que depois o vinho saía com aquele gosto. O vinho sai! O vinho é muito guloso! Recebe (...) qualquer sujidade, qualquer coisa que tenha! Olhe que o vinho é muito guloso! Recebe! E eu (...) nunca quis. (...) Eu tirava-lhe aquilo tudo. E nunca o ia meter lá dentro, sempre ia perguntar para verem, para verificarem se estava ou não. E eu lavava e tudo. Porque senão depois, (...) se não lhe tirarem o mau gosto, ou o mau cheiro, (...) ou o azedo - que, às vezes, muitas vasilhas azedam; não são lavadas capazmente, não secando se candeia (...) , não as lavam... O mesmo que há em nossas casas: às vezes, uma vasilha pequena tem vinho ou coiso, se não for lavada, azeda. INQ Pois. INF Nem que seja vidro! Azeda! Tira logo caminho. O que, se tira, é fácil. Azeda. De maneira (...) que vai para dar mecha e ele não toma. Se for meter em cima duma mecha a arder para baixo, assim que entrou à coisa para dentro, apagou-a logo. O azedo ou o ponto apaga logo de caminho . Não o toma. Não arde. Não arde. E a mecha faz falta. A mecha faz falta para a madeira porque (...) tem dois sentidos: é que queima todas as impurezas que tem, quer dizer, aquele cheiro, que a gente depois fecha, bate-o bem batido, e 'reperta' a madeira, e não entra o bicho na madeira. Com aquele cheiro da mecha e tudo, não entra o bicho na madeira. 'Reperta' (...) e aperta, começa logo (...) a estalar, a madeira a trr, trr, a 'repertar', a 'repertar'. Está aquele vapor, aquilo ardeu lá dentro - que a mecha não apaga -, ardeu lá dentro, e é claro, tem que 'repertar'. INQ Rhum-rhum. INF Tudo dá esse lugar. INQ ... INF É isso (...) que acá o velhote também fazia e tinha experiência nisso.
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INF Eu vou contar (...) é o que me sucedeu, INQ1 Diga. INF que pode, visto (...) terem a profissão que têm, ou querem ter... Mas isto é mau. Olhe que isso é ruim, andar a lidar com esta gente! INQ1 Então! INF Esta gente! Isto são terríveis. INQ1 É mau? INF É. Podem calhar bem e podem calhar mal. (...) Bom, é gostos. É tudo gosto. Eu também gostei sempre muito de agricultura. Eu gostei muito. Gostei muito (...) . INQ1 A gente por acaso não tem calhado mal. INF E estimei sempre muitas plantas. E gostei sempre de guardar. Enfim, foi sempre... Tratar delas e essa coisa toda. Eu gostei sempre muito! (...) Costumava (...) a fazer o vinho, que eu estive lá naquele lado, numa adega, ainda fui lá até ensinar uns rapazes. E estive ali, fui lá à quinta donde as meninas estão, fui lá fazer. Fui lá por cinco anos, fui mandado pelo meu patrão que era muito amigo (...) lá do senhor doutor de lá (...) também. E era muito amigo dele e mandou-me lá. INQ1 Rhum-rhum. INF Que eu andei (...) lá a trabalhar na quinta, lá na quinta e ele mandou-me lá. De maneira que eles ele chegavam, os engenheiros - realmente que é o mesmo pode suceder, vocês depois vão alto, não pode ser assim, que fulano disse isto (...) e é capaz. Chegavam ali os engenheiros à quinta, quando era próximo à vindima - chegado chegava ali próximo à vindima -, que a uva já estava mais ou menos boa, de qualquer coisa, diz assim : "É melhor ir buscar umas cestas de uvas e (...) para se ir ver, pesar o vinho, e para ver a graduação dele, ver se está ou não em condições de se ir apanhar (...) para fabricar o vinho", enfim, (...) para aproveitar a graduação, e tudo. Ora, está claro, eles chegavam ali, ia lá um homem. Ia um homem mais duas mulheres. Ali decidia isso , ia um homem mais duas mulheres. Iam apanhar duas cestas de uvas: uma tinta e uma branca. - As meninas tomem sentido! - Uma tinta e uma branca! Ora, está claro, essas duas criaturas ou três que lá iam apanhar aquilo, não iam apanhar a uva que estava sombria. Claro que (...) não tem o açúcar devido. Não iam apanhar a uva que estava verde. Não iam apanhar a uva, por exemplo assim para baixo, para uma terra 'mentureira' de nateiro, que sempre tem a terra do nateiro assim mais puxada, tem muita diferença (...) para os cabeços. Os cabeços dá vinho que (...) é de matar. Sim, esses cabeços cá por cima. E a terra do campo é mais 'mentureira' porque também tem que saber donde é que vem a uva, para saber. Porque (...) a uva, por exemplo, sempre uva regada, qualquer coisa, (...) tem mais viços, (...) é mais viceira. Mesmo até o vinho fica com (...) aquele agro , com aquele coiso, viceira, é tudo. Ora claro, vamos lá para a outra. Ela vai, ou se calhar as duas, elas vão lá apanhar as uvas, não vão apanhar as uvas verdes, nem as uvas que estão muito viceiras, nem nada. Apanham mas é uvas muito passadinhas, tanto faz ser as brancas como ser as tintas que apanham. Vêm para cá, pesou-se (...) dentro duma selha, abraçou-se aquilo tudo, vai para o pé do mosto. O engenheiro vai pesar o mosto. "Eh pá, está bom, pá! Tem aqui uma graduação e dá. Está fixe! Está assim, está assado"! Eh pá, mas não põem na ideia que a verde que ficou lá e a outra, (...) que é viceira que ficou lá. INQ1 Pois. INF Que depois que é que sucede no lagar? Não dá a graduação. (...) Por exemplo, se tem vinte ou trinta, fica em dez ou quinze. É claro, fica cá em baixo. INQ2 Fica em baixo. INQ1 Rhum-rhum. INF Não dá. É isso que as meninas têm que depois ver. INQ1 ... INF (...) Donde é que veio a uva? Onde é que ela foi e como é que ela foi apanhada? E vamos lá ver mas é que como é que é que lá está a outra: se a outra está madura como a esta quando para aqui veio. É o que vocês devem ver. O que é que depois fazia , é claro, e depois é: "São uns parvos! Não pode ser! Não pode ser! Então como é que eles podem governar e essa coisa toda"!?
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INF Outra vez: chegou uma vez o senhor engenheiro ao pé de mim... Naquele ano foi um ano seco. Uva passada, passada, passada, mesmo passada, naquele ano. Um ano seco. Como estão ali, podem cá vir outro dia que eu venho atendê-las aqui à mesma. Contar aquilo . Foi um ano seco. Um ano seco e, é claro, a uva vinha muito passada, e vinha muito doce. Vinha muito suco , muito doce . (...) E dava muita graduação. Pois dava! Dava muito alta até! É que ele se fosse a tirar o vinho, com aquela graduação, dava aí catorze ou quinze. É claro, era quase álcool que o homem estava a beber. Embebedava-se só com um copo. E tudo. Mandou-me deitar - os lagares levavam sete dornas cada um -, mandou-me deitar seis ou sete almudes de água por dorna. INQ Ai! INF É claro, era muito! É tudo! Eu vou para o escrivente que lá estava, disse assim: "Eh pá! Então ele mandou-me deitar aqui tanta água, neste coiso. Eu vou estragar isto tudo então! Isto depois nem água-pé sai, pá! Isto nem água-pé sai! Não dá nada. Nem água-pé sai"! "Ó tio Guilherme, então como é que a gente há-de fazer"? Coitado, ele até está inutilizado, está ceguinho de todo por causa dos diabetes. "Isto não dá nada". Digo eu para ele: "Olha cá, se não tiveres aí serviço... – Que eu tinha lá dois homens! – Se me tiveres aí (...) serviço para me dares a dois homens, aos homens de tarde, eu vou lá deitar eu a água sozinho", e tudo. "Vai"? "Pois vou". "Eu não deito essa água, pá. Então, eu arranjo serviço". Ele à tarde chegou lá: "Ó tio Guilherme". - Estava tudo combinado. - "Você, se me (...) pudesse dispensar os homens, para ir ali arranjar um pouco de milho à eira", e tal. Disse eu: "Então não posso?! Podem para lá ir à vontade". E foram, levou os homens para lá. Eu fui para dentro do lagar com o almude, liguei uma borracha que lá tinha à torneira com a água, e deitei-me lá dentro. Levei para lá os dois almudes. E deitei dois almudes e meio de água em cada lagar. Ora veja lá a quantidade que eu tinha que deitar de água! Só dois almudes e meio de água em cada lagar. Deitei aquilo e depois enfim , depois borrifei aquilo com a agulheta por cima, com água. Então e que fosse três almudes (...) que eu deitasse lá. Quando foi (...) a pesar o vinho, ele ia pesar o vinho ao Entroncamento, foi pesar o vinho, um dia chega ao pé de mim, diz-me: "Ó Guilherme, afinal o senhor engenheiro atinou com aquilo". "Então"? "É porque (...) o vinho que saiu está bom. Mas ainda podia levar mais água". " (...) Podia"? "Pois podia". "Então quanto é que o vinho tinha"? Ele ia lá pesar o vinho ao Entroncamento. "O vinho tinha aí treze, treze e meio, treze e sete, é o que tinha. É o que dava aí". "Então ainda podia levar mais água"?! Eu cá para comigo: olha aqui, tão estão parvos! Se eu vou deitar a água toda, arranjava-a bonita! Então ele assim já abaixou um bocado, se vou a deitar a água toda, ficava água suja dentro do lagar. Era uma vergonha! Uma vergonha!
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INF Outra vez vou fazer ali o vinho à Quinta de Santa Bárbara, o homem... Já foi no tarde . Foi no primeiro ano. E a uva é lá de cima do pé do depósito. As meninas ainda lá não foram... INQ1 Ainda não. INQ2 Não, não fomos. INF Mas se forem até lá acima ao pé do depósito, há lá um coiso. Aquilo é terra de barro. Olhe que a uva estava toda passada. Era (...) quase só uva branca. Toda passadinha! Veja, imagine: eu ia com uma cana, raspava assim o mosto no fundo do lagar e deitava para dentro do copo, fazia refresco. Que eu bebia. Veja lá, doce como aquilo estava! Que tinha um doce enorme! Estava muito doce . Eu via-me perdido, que aquilo, aquilo nunca mais andava. Andava lá um homem mais eu e eu disse assim: "Eh pá, vai ali à bruxa, leva lá (...) umas poucas de uvas, a ver se deram o quebranto às uvas aqui à gente que isto nunca mais ferve"! Nunca mais ferve porque ela estava cheia de doce e (...) ali não dava nada. "E nunca mais ferve". É claro, ele ainda lá foi: "Ah, deram o quebranto, tal". Mas eu venho (...) para casa, chego a casa, eu nem podia dormir. Havia aí um tipo velhote, que trabalhava aí no lagar e chego ao pé dele e digo: "Ó tio Hélder, sucedeu-me isto assim, assim". - Era já velhote, era já velhote, já pela minha idade, já (...) tinha trabalhado muito no lagar. Esteve a ver . "Sucedeu-me isto assim, assim nas uvas". "Então e as uvas, (...) aquilo nunca mais ferve"? "Não". "Pois não". "Então quando é que as apanharam"? "Apanhámos em tal tempo". "Então onde era as uvas"? - O homem a perguntar-me tudo. - "Era de lá de cima do pé do depósito". " As uvas estavam passadas já". Ah! Ele até tinha assim a modo uma graça. Comecei: "Ah, ah, ah", e a modo a rir-se. E ele assim: "Então (...) que porção de uvas é que são"? "Olhe, é tanto como este (...) ". "Olha, amanhã vai para lá e prega-lhe com três almudes de água dentro do lagar. E depois logo vês se ele trabalha ou não trabalha. E depois logo vês se tiras mais alguma coisa", e tudo. Mas preguei-lhe com os três almudes de água, quando foi à tarde, fervia que até já deitava cachão, até fazia barulho, e tudo. Até estava tudo cheio de caracóis por cima, e de espuma do engaço. E eu à unha a pisar aquilo, a voltar aquilo tudo, a pisar ali tudo. Tirei de lá uma pomada que até as garrafas rebentavam. Quando foi no outro ano foi engarrafado, até as garrafas rebentavam. Tudo. Bom... INQ1 ... INF Vê, e eu não sabia! Mas aprendi com o velhote. Portanto, é bom as meninas também perguntarem e saberem estas coisas, para se saber, amanhã ou outro dia, saberem, porque estão muito novinhas ainda. INQ1 Ah pois. INF São muito novinhas.
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INF Por exemplo, o sobreiro tem quatro, cinco pernadas. INQ Sim, sim. INF Mas as pernadas ficam só a meio - sim, a da cortiça preta. Mas a gente tirou entrou mas (...) o sobreiro tem força e acrescenta-se para diante. (...) Eu, às vezes, avisava até o meu patrão - porque eu algumas vezes o fiz, lá para fora - para ele não vender a cortiça (...) no corpo da árvore a ninguém. Mandasse-a tirar por conta dele. Porque aí há malandrice. Porque a menina vai comprar aí a cortiça aí (...) no corpo duma árvore e, é claro, vai por dentro do sobreiral - sozinha (...) ou mais um empregado, ou mais alguém que tenha - e vai palpitar. E a gente palpita aí dentro dum sobreiral, palpita o mais ou menos (...) a quantidade de arrobas que dá. Palpita, porque a gente: uma pesada são duzentas arrobas. E a gente já sabe. Quando for na balança, já sabe. Eu, eu por mim sei um pouco mais ou menos o volume que faz uma pesada (...) numa balança, dum lado e doutro, as duzentas arrobas. Que é, quando se está a pesar na pilha, é duzentas arrobas de cada vez. (...) E eu sei um pouco mais ou menos: eu vou aí por um sobreiro abaixo e vou deitar o palpite para este sobreiro, para aquele, para aquele, para aquele: uma pesagem. Depois digo (...) para quem vai a tomar conta: "Uma pesagem". Depois vou outra vez (...) e tal, tal, tal, por esta encosta fora: "Outra pesagem. Outra pesagem". E erro pouco. Não erro lá (...) muitas arrobas por ali fora, que já há tempo fiz aqui ao meu patrão. E erro pouco de peso assim coisas assim . Mas se vender a cortiça na árvore, e tudo, a senhora compra, a menina vai, compra (...) ao empregado ou coisa, e vai contar e faz isto (...) como a mim, podia-me dizer: "Vá lá palpitar", e eu vou palpitar. E eu dou-lhe tantas arrobas: dez mil ou vinte mil arrobas de cortiça, ou isto, ou assim, ou atado. Mas depois o comprador vai comprar aquilo e dá qualquer coisita aos que lhe andam lá a tirar a cortiça (...) . (...) Quer ele possa (...) com a carga, quer não possa, o sobreiro, tira um canudo para diante, acolá tira outro, acolá tira mais dois. Quando chega ao resto, vai pesar umas poucas de mil arrobas de cortiça de bóia - quer dizer, de virgem - que dá para pagar (...) aos que andam a tirar. E ficou com a outra toda de graça. Está a perceber, menina? INQ Rhum.
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INF Outra: vamos arrear aí sobreiros. Pertence seis homens dar madeira (...) para, por exemplo, vinte cinco ou trinta homens casquear. Quer dizer, (...) tiram a bóia (...) dos paus que cortam, (...) dos sobreiros. INQ Rhum-rhum. INF Aproveitam a bóia para uma banda e tiram a casca. Com umas enxozinhas (...) depois tira-se a casca, fica a secar e tudo, para depois vender (...) para as fábricas, e a bóia, para vender para a fábrica e tudo. E isso tudo. E a gente, andam seis homens a arrear - chama-lhe a gente arrear - adiante, a cortar madeira. A gente temos que dar madeira para aqueles homens. A gente temos que limpar os chaparros pequenos que vão à nossa (...) que não têm madeira. Mas é de justo, temos que limpar. Ora, o que é que a gente faz? Tudo na malandrice!!! O que é que a gente faz? Um empregado, anda lá (...) o nosso capataz, anda atrás, mas os homens andam (...) à frente, à vontade, porque sabem que têm que dar madeira para aquela gente. Mas (...) o dono da propriedade põe lá um homem a tomar sentido no sobreiro para não o deixar cortar mais que o ajusto que fizeram do corte dos sobreiros. INQ Rhum-rhum. INF Um pouco mais ou menos, aquela conta. Mas a gente (...) levamos ali uma encosta de sobreiros por ali fora, os homens cada um com o seu sobreiro, (...) não é dois. Acolá em baixo, o meu camarada tem acolá uma chaparra boa. Chama-lhe a gente uma chaparra, uma sobreira, e tudo. Tem ali umas rebaixadas boas, tem ali madeira boa e tudo. Mas é claro, o homem que lá anda não deixa cortar lá por onde a gente quer para tirar muita madeira. O que é que aquele que está acolá em cima faz? "Ó senhor fulano"... Está lá um chaparro, a gente vê que não tem governo, não tem que fazer negócio nenhuma ... "Ó senhor fulano". "Diga". "Venha cá aqui ver". "Eh pá! Está aqui este sobreiro, este ramo assim, está acolá aquele ramo, eu para tirar aquilo e tal ... Ahh! Não sei o que é que lhe hei-de fazer. Está ruim de tirar"! O outro lá em baixo, tumba, tumba, tumba, tumba, abre as pernas, com a machada: tumba, tumba, tumba, um talho por baixo nas pernadas, naquela rebaixada. Vai àquela: tumba, tumba, tumba!, ela cai para baixo ; vai ao meio, deu-lhe um golpe : truz!, de encontro àquilo, cai para baixo. O homem vê cair tanta madeira para o chão, vem por ali abaixo: "Eh calma ! Mas que está você a fazer, homem? Eia pá, você... Ai, o patrão vem para cima de mim, então você entra para aí (...) a limpeza do chaparro "... "Mas o que você quer, homem? Não tinha nada por onde pegar"! Ele já tinha pregado com ela no chão. (...) Por onde ela havia de ser cortada - sim, por onde havia de ficar limpa -, era a primeira coisa que caía para o chão cortado rente logo de caminho ao caminho , para ele não ver. "Então não tinha nada. Então ficava aqui um pau cego?! Não tinha nada, tinha que se deitar para o chão"! É claro, (...) aquela quantidade de madeira segurava aos homens lá atrás e a gente levava boa vida lá à frente. É. Vê como é as malandrices feitas?! É assim. INQ Pois. INF Ao resto, davam cem mil reizitos à gente, olhe, e ficávamos contentes. INQ E ficavam contentes.
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INQ1 É a poda que diz para o sobreiro? INF Não, não. INQ1 Não? INF Bom, é as podas que a gente coloca mais ou menos. Nas outras árvores, eu coloco o nome de poda. INQ1 E no sobreiro? INF Mas (...) é esgalhar. INQ1 Rhã-rhã. INF Pois, é esgalhar. Pois é. INQ2 Esgalhar? INF Esgalhar ou arrear. (...) Esgalhar coloca-se (...) a abrir os sobreiros, ali a fazer a limpeza (...) da chaparrada nova, de coisa. INQ1 Sim. Rhã-rhã. INF É colocar, é abrir e tal. E colocar. Enfim, limpar as coisas, tirar aquelas porcarias, enfim, e limpar aquilo tudo. Isso tudo. E a arreia é a cortar para baixo. É a atrasar (...) as coisas, (...) as chaparras, os sobreiros. INQ1 Sim senhor. E olhe, àquela parte de dentro da cortiça, portanto, quando arranca a cortiça, aquela parte de dentro da cortiça, como é que chama? INF É casca. E (...) há lá uns bichos que lá andam, partezinha negra que tem quase uma cabeça assim chata, quase como uma cobra (...) . INQ1 Rhum-rhum. INF Chama-lhe a gente a cobrilha. INQ1 Ah! INF Em se metendo dentro (...) , lá dentro, entre a casca e a cortiça, seca o pau duma forma que a gente vê-se parvo (...) para arrancar. Tem que ser quase esfalquejar aquilo tudo.
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INF É que vocês apanham-me já muito velho e eu tenho já a ideia passada. INQ1 Não tem nada, o senhor tem uma memória! Está tão bom! INF Pois é, e depois não... INQ1 Está tão bom! INF Eu sei, eu reconheço as coisas. Mas o que não me vem é à ideia é logo caminho dizer o nome. Eu reconheço, porque eu passei tanto nesta vida. INQ1 ... INF Nesta vida. INQ1 Então, olhe, então e agora as partes da árvore. Diga-me lá, esta parte aqui debaixo, que está dentro da terra, é o quê? INF É. Isto é as raízes. INQ1 Pronto. INF (...) As raízes há as (...) principais, que é as que nascem do tronco; há (...) as segundas, que é depois que deitam uma para aqui, outra para ali. INQ1 Rhum-rhum. INF E há as terceiras. E depois na ponta (...) das terceiras e tudo há umas pequeninas que enfeitam enfiam de coisa , que chamam-se (...) as pastadeiras. INQ1 Rhum! Muito bem! INQ2 Olhe, para mim era tudo raiz, está a ver? INQ1 Pois, para mim... INF Mas quem sabe, sabe . INQ1 Então e esta parte depois, que sai da terra?... INF Pois, isto aqui é o tronco. INQ1 Sim. INQ2 Rhum. INF Aqui é as pernadas. É claro, há a pernada... Porque, é claro, há a principal INQ1 Rhum. INF que é a que nasce aqui do tronco. INQ1 Isto tudo são?... INF Pois. É tudo pernadas. Há a principal (...) e há depois a segunda e terceira, é as pernadas à mesma. Tudo. E depois há (...) o fruto ou a flor. INQ1 Rhum-rhum.
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INQ1 Portanto, a parte de fora é o casco? INF O casco. Tem um entrecasco por dentro, que é, enfim, é onde aguenta a seiva, puxa. INQ2 Rhum-rhum. INF Porque muitas árvores recebem às vezes a seiva, quer dizer, recebem (...) a 'semelização', porque a árvore é como nós. A árvore - estou indicado nisso -, a árvore é como nós: tem que ter respiração e 'semelização'. Quer dizer, encontra-se a gente às vezes árvores, que se encontra às vezes muita árvore - as meninas 'há-dem' lá chegar, se chegarem lá a isso, ou se já chegaram -, encontra-se árvores que se encontra as folhas com ferrugem e tudo. (...) É que a árvore respirou, suou, é como a gente diz: "Eh pá, estou transpirado, suei. Alaguei-me todo de água". A árvore é a mesma coisa: transpirou, transpira muito e é (...) a folha enche enche-se de ferrugem, enche tudo. É claro, porque a gente mesmo vai cortar uma árvore, limpar uma árvore, não lhe pode tirar as folhas todas. INQ2 Rhum-rhum. INF Não pode a gente botar aqui uma árvore agora depois: "Ah, vou-lhe tirar a folha para crescer mais para diante ". Cresce menos. Porque a árvore (...) tem que receber a 'semelização' pelo ar. INQ2 Rhum-rhum. INF Recebe a 'semelização'. Quer dizer, recebe a respiração pelo ar. INQ2 Rhum-rhum. INF É claro, tem o sustento por baixo mas tem (...) a respiração pelo ar.
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INF O cedro. (...) O cedro até (...) larga pernadas daqui para lá, INQ1 Sim. INF faz sombra. INQ1 Sim, sim. INQ2 Rhum. INF Faz sombra. (...) É como é. É pernada. A madeira é até boa para 'móveles', INQ1 É muito boa! INF que é muito fina, muito fina! INQ1 Sim senhor. Sim senhor. INF Quando houve o ciclone - (...) há quarenta e não sei quantos anos, fez agora em Fevereiro -, havia acolá um que três homens não o abraçavam em volta. E o vento bateu-lhe tanto com ele, acolá na quinta do meu patrão. INQ1 ... INF Bateu-lhe tanto - tinha um arco muito grande, muito grande! -, bateu-lhe tanto com ele que o pé lascou todo. Quer dizer, lascou, rachou todo! Tiveram que o mandar cortar. INQ2 Rhum-rhum. INF E aproveitaram a madeira para móveis. INQ2 Pois. INQ1 Diz que é muito boa! INF Para móveis. Tem (...) uma madeira que (...) faz um móvel bonito, bonito, escuro, bonito! INQ1 Então... INF É o cedro, (...) é uma árvore. (...) É uma árvore. É esguelha. Não é (...) como... O acipreste é a subir a direito no conjunto, vai por aí para diante . INQ1 Rhum-rhum. INF E o cedro não. O cedro faz árvore. INQ1 Sim, sim, sim. INF Faz árvore. Dá aquelas pernadas, serve para tudo, para várias coisas.
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INF Andei lá a trabalhar em Portalegre, numa quinta que lá está do lado de baixo - que era dos Henriques, de renda -, que era dos Falcões, que (...) era de família (...) dos mesmos donde as meninas estão. (...) Não conhece Portalegre ou é de lá? INQ1 Eu, eu conheço. INF Veio de lá pequena? Conhece? INQ1 Eu estive lá, ainda lá vou de vez em quando. INF É quando a gente vai da estação para lá... INQ1 Sim. INF Só vê Portalegre (...) quando desce, quando desce para baixo. INQ1 Sim. INF Eu conheço isso tudo aí. Já fui a pé para aquele lado dali também. Corte na gravação INF As landezitas. É landezitas que estão por baixo (...) que é do jarro. Comem aquilo, aquelas landezitas. INQ1 Sim. INF E tal, que faz bem (...) para os bácoros . E depois eu perguntei assim: "Ó amigo, você fazia favor, dizia-me aqui onde é que era o caminho para ir" - se eu falar, vê se é verdade ou é mentira - "diga-me o caminho aqui (...) para Torre de Palma". (...) Não é mesmo Portalegre. INQ1 Não. INF Era Torre de Palma. (...) É naquela estrada que vai para Vila Boim. INQ1 Sim, sim, sim. INF (...) Vai para Vila Boim naquela recta que está aí. Era aí (...) , aí para esse lado. "Você ensinava-me aí o caminho que é para Torre de Palma"? Diz ele assim (...) : "Olhe, você não se engana: você vai por esta carreteira fora" - que uma carreteira é uma estrada. INQ1 É uma estrada. INF Lá. INQ2 É, é uma estrada normal? INQ1 É, é um caminho. INF Um caminho, pois. INQ2 Rhum-rhum. INQ1 É uma carreteira. INF "Vá por esta carreteira fora. Você acolá adiante mete pela linda abaixo" - uma linda é uma estrema; realmente (...) é um nome bem empregado! Uma linda é uma estrema, uma estrema é bonito. É, é uma coisa. INQ1 É linda! É, é. INF "Vai por aquela linda fora. Lá mais adiante encontra um arrebenta-diabos" - é uma encruzilhada! INQ1 Ah, essa não sabia eu! INQ2 Essa não sabia! INQ1 A do arrebenta-diabos não sabia! INF É um arrebenta-diabos. "Encontra um arrebenta-diabos, você volta à sua esquerda, está uma vereda mal seguida, vai lá ter mesmo ao casal". INQ1 E o senhor ficou sem perceber nada! INQ2 O senhor ficou sem perceber nada. INF Mas depois mais tarde é que a gente foi descobrir isto. O arrebenta-diabos era uma encruzilhada. O arrebenta-diabos (...) era a encruzilhada, era uma cruz, pois. INQ1 Pois. Rhum-rhum. INF E uma vereda mal seguida era um carreiro (...) , um caminho, um carreirozito que ia por ali fora. Está a ver como isto há diferença (...) de nomes de coisas de terras para terras. INQ1 Pois, de terra para terra.
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INQ Então e este dá assim umas bagas pretas, cria-se ao pé dos ribeiros... INF (...) A gente até fazia tinta quando era cachopos. INQ Rhum. INF Fazíamos tinta (...) disto. É sabugueiro.
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INF A faia. Faia. Vê? Ele vem, o que é (...) a minha ideia está é já fraquita! INQ1 Isto não há aqui? INF É já fraca. É faia. (...) Ele é até um pau muito lisinho! Muito lisinho! INQ2 É um pau muito bonito! INF Para subir, quem é que sobe por ele acima? INQ2 Ninguém sobe, que aquilo é... INF Pois. Muito alto. É faias. INQ2 E parecidas com as faias não há outras com a folha um bocado mais escura? Também se criam ao pé dos ribeiros. INF Não. Não. Não sei. INQ2 Não conhece nada a que chame amieiro? INF Não. O amieiro também há, há. INQ2 Não é parecido com a faia? Como é que é? INF É. É parecido. A gente até usava isso para fazer colheres de pau, para a gente comer nas caldeiras lá (...) nas carvoarias, quando lá andavam. INQ2 Ah! INF É amieiro. INQ1 Olhe, é esta a fotografia. INF Ali (...) ao pé de Couço coiso é que eu vi (...) que há o amieiro é ali ao pé (...) de Vale de Cavalos. INQ2 Ah! INF Ali, andei lá numa terra que é Vale de Cavalos, não conhecem? INQ1 Ah! INQ2 Rhum-rhum. INQ1 Não. Vale de Cavalos não. INQ2 Eu conheço. INF Conhece onde é a Raposa? INQ1 Ela é que deve... Ela é que acho que conhece. INQ2 Eu conheço, é para aí para aquela zona, não é? INF É. INQ2 Vale de Cavalos. Sim. INF Não conhece a Raposa? INQ2 A Raposa não. INF Pois, a Raposa é na estrada que vai (...) para Coruche. INQ2 Ah! INF É a estrada que vai para Coruche, (...) é essa recta que sai (...) ali de Almeirim, INQ2 Rhum. INF tudo direito aos Foros de Almeirim, direito à Raposa (...) atravessa uma ribeira. INQ2 Rhum. INF Há aí um vale por aí acima, que há aí uma quantidade de casais por aí acima que vem direito ao Souto - que chamam-lhe um sítio que chamam o Souto -, há lá dois santos, um pequeno e outro maior. E o (...) grande tem uma tranca atravessada num olho (...) e o pequeno tem um argueirozito só. (...) E o grande está a apontar ainda com o dedo para o outro. (...) Está-lhe a parecer que a dele (...) que é maior. INQ2 Que é maior ainda! INF Porque é ao cimo da Raposa, o Souto.
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INF Olhe, lá à saída. Lá à saída, há lá uns postes, em frente da casa das freiras. Aquilo era (...) duma tia (...) dos meus patrões, INQ Rhum. INF (...) uma mulher que foi muito má (...) para a freguesia. (...) Era uma tia deles, estava casada com um tio deles. Foi muito má para a nossa freguesia, que podia ter deixado aquilo (...) para os pobres, (...) para uma casa para os pobres, para terem ali (...) , da terceira idade! INQ Pois. INF Deixaram aquilo às freiras. Para quê? Para nada Está abandonada . Tem uma horta, uma quinta grande por ali abaixo (...) . INQ E ainda é das freiras? INF E ainda é das freiras. Agora foram buscar lá (...) ao governo, (...) fizeram lá uma quantidade de quartos, fizeram cá fora; tem um casão, coiso alto em primeiro andar. Por baixo é a capela e por cima tem então uma quantidade... Tem um corredor ao meio, tem uma quantidade de quartos. Está claro, podiam ter deixado até ali (...) ter ali (...) um bocadito, que avançassem lá uma casa para a gente lá estar. INQ Pois. INF Que andamos aí assentados aí por as portas duns e doutros. INQ Rhum-rhum. INF Que até é feio. INQ Pois, pois. INF Que até é feio. Tirando ali o lugar, até é feio . Mas enfim. Não deixou. Ela nunca gostou aqui da nossa freguesia. Olhe, e eu servi nalgum tempo. Estive lá dois anos, que o meu patrão, o tio, mandou-me para lá quando foi para colocar a lavoura, para (...) trabalhar com bois e governar e se fazer sementeiras no campo, e essa coisa toda, e ela (...) bem mal me tratou. Que eu depois despedi-me e fui-me embora outra vez (...) para o meu patrão. Ele mandou-me para lá, para o tio, (...) para administrar a casa, mas em eu depois fui-me embora. Fui-me embora, que (...) não me dei bem com ela. INQ Não fez o senhor senão bem. INF Não me dei bem com ela.
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INF Hoje já não há quem queira trabalhar. A mocidade nova não! Só sendo algum velhito. Olhe que eu ainda hoje andei... (...) Com oitenta e sete anos, ainda hoje andei mais de uma hora a cavar (...) dentro duma vinha, com uma enxada de bicos, com uma enxada de ganchas, com dois bicos, a cavar dentro duma vinha para matar a erva. INQ1 Veja lá. INF Dentro duma vinha! E se havia lá calhau! Era só porrada nos calhaus. Deixa estar que não andava em segredo! Havia lá ali em cima (...) aqui nuns compadres meus. INQ1 Então, imagine que tem um terreno inculto aí, que não está cultivado, está aí tudo de bravio... INF Está bravo. INQ1 Pois. E o senhor vai querer cultivar aquilo. INF Pois. INQ1 Quais é que são os trabalhos que o senhor vai fazer? INF Eu? INQ1 É os tais... INF Pois... INQ1 O que é que lhe faz primeiro? INF Pois. (...) Enfim, primeiro vou preparar a terra. Quer dizer, limpar. Limpar, cortar o mato, cortar coiso que tem, tirar tudo para fora e queimar. INQ1 Para fazer?... INF Queimar e tudo e depois mandar lavrar, ou se é coisa que eu possa cavar, cavar. Mandar lavrar, acharruar, arranjar. INQ1 Então, e essa primeira, essa primeira lavoura que lhe dá... INF Pois. INQ1 Como é que lhe chama? INF Bom: "Mandei acharruar. Acharruar. Foi acharruar a terra". Foi acharruada. É? INQ2 Sim, sim. INQ1 O senhor é que nos vai dizendo. INQ2 O senhor é que sabe. INQ1 Nós não... INF Pois, está bem. INQ1 A gente não sabe. INF Está bem. INQ2 A terra não, não se lavra só uma vez, não é? INF Ah, pois. Pode estar descansado que eu sei alguma coisa de ler, mas letras de vocês não sou capaz de ler. (...) A minha neta quando escrevia para mim tinha que ser: escrever à máquina para eu ler. Que só sabem fazer é palhaços. INQ1 Ah, ah, ah! INF É riscos para um lado e riscos para o outro. INQ1 Ah, ah! INF Mesmo ainda hoje é a mesma coisa. INQ1 Ah, ah, ah! INF É só palhaços! Só o que sabem fazer é riscos para um lado e para o outro. INQ2 Mas diga-me lá, portanto com o arado não passa só uma vez? INF Não. INQ2 Não lavra só uma vez, pois não? INF Não, não. Mas, por exemplo, (...) se é para ficar, para queimar conforme acabei de falar para depois semear, INQ2 Sim. INF se (...) a cultura é grande, deixa-se estar uma temporada e depois passa-se com uma grade por cima, arrasa-se , torna-se a atalhar. INQ1 Rhum-rhum. INQ2 Rhum. INF Ao contrário, (...) passou-se assim e depois atalha-se para o lado. INQ1 Sim. INF E tudo. Se é para semear ou se é para arranjar, lavrou-se, arranjou-se, bateu-se depois com uma grade - chama a gente uma grade -; ou se é coisas de nós à mão , vamos com um ancinho e ancinha-se tudo e passa-se ou dá-se uma picadela com a ferramenta, e endireita-se a terra, e depois coloca-se da forma que a gente quer, para o que a gente quer. INQ1 Rhum-rhum. Pronto. É isso mesmo. INF Está semeado.
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INF O milho é que semeiam ao pé. INQ Não há mais nada que semeie ao pé? INF E tudo. Não? INQ Não? É só?... INF Não. Há, por exemplo, o feijão, mas é semeado ao covato. INQ Como é que é assim? INF Quer dizer, ao covato é com uma enxada. INQ Ah! INF Anda um homem (...) espeta aqui , tudo, e anda uma mulher ao lado, tumba, a deitar a semente. INQ Ah! Fica na mesma à... INF Deitar a semente. Porque, às vezes, há bocados, uma horta - vamos por aqui -, uma horta, tem que se semear um bocado de milho, mas (...) semeamos milho e feijão. Por exemplo, este feijão da feijoca, de feijão... A gente cá chama feijão-de-santa-catarina. INQ Rhum-rhum. INF Não sei se aí é também se não . E há aí feijão... O branco nunca se semeia com o milho, que o branco embarra muito. Semeia-se às vezes é no campo. E vai-se semear e a mulher traz um regaço com uma saia, aqui feito, faz assim duas partes. Uma está aqui e outra vai aqui assim. É claro, aquilo é preso atrás, é entalado. E traz, dum lado traz o feijão e do outro lado traz o coiso. INQ Rhum. INF E vem com esta mão, tira daqui o feijão, com esta tira o milho, deita assim, e tumba, e deita. Semeia com as duas sementes para dentro do covato e o homem vai acovatar com a enxada. Mas rápido! INQ Rhum-rhum. INF Portanto, (...) com uma saia faz aquilo. (...) Faz dois (...) regaços. Aquilo depois a saia conjunta aquilo faz um rabicho atrás, prende, e aquilo está... Enche aquilo. Depois põe feijão numa banda e põe milho do outro lado. Semeia-se assim. INQ Sim senhor. INF E o grão é semeado a lanço, mas é só uma mão. O que é fica mais ralo para se depois se sachar assim . INQ Sachar. INF Para se meter depois a enxada por aqui, por ali, e tal, para cortar alguma erva para se sachar. (...) INQ Mas olhe, pensei que a fava também fosse semeada assim. INF A fava é sachada. Também é sachada. Também sachamos, também mexemos a terra (...) quando ela está já assim altinha, que ela não pode ser sachada muito tarde, porque a fava é uma coisa que come à flor da terra, mas já aí está umas linhazitas . A menina se for arrancar uma faveira desta maneira, tem logo umas linhas brancas ali logo, de maneira à flor da terra. INQ Rhum-rhum. INF Porque convém até mais tapar, tapar o terreno, para não ficar a parecer mal, para não ficar com aquelas carecas à vela, com o chão sem ser mexido. Convém mais tapar que estar lá a cavar ao pé. INQ Rhum-rhum. INF Mas a fava leva duas mãos porque a fava é muito grossa. INQ Muito grossa. INF E a gente apanha pouca na mão e depois espalha-a, leva-a a lanço por uma belga fora. Também é semeado depois com os arados, com os bois e depois (...) a lavrar atrás, também baixinho, também só a tombar e coiso. INQ Rhum. INF E é gradado (...) com a grade leve. (...) É cobrar assim mais ou menos (...) , a gente até fica às vezes buracos, aqui e além, e tal, mas para tapar. É assim. INQ Sim senhor.
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INF Quando são novos, para se ensinarem, é que a gente põe uma corda lançada ao chavelho fora. Porque quando é para voltar, a gente manda andar o animal, porque aquele animal - tanto faz ser boi ou mula - percorre muito bem o nome. A gente se coiso, percorre o nome. O que a gente manda fazer, faz. INQ Rhum-rhum. INF E então eu trabalhei ali com umas mulas, eu vinha assentado na rabeira do carro atrás - era uma chamava-se Jóia (...) , uma era Jóia e outra era Bonita. INQ Rhum. INF E eu: "Anda para trás, Jóia. Anda para trás, Jóia". E ela começava a recuar para trás. E se tocava: "Anda, Bonita, volta. Anda para trás, Jóia". E ela voltava. (...) E enfiava o carro. Quando ele ali estava o carro direito ao barracão - aquilo tinha colunas dum lado e doutro -, "Anda para trás. Anda para trás. Anda. Anda". Começava assim: "Anda". E ela andava para trás. "Anda". Pronto. E depois que mandava parar, paravam, pronto.
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INQ1 E quando um carro ia aí por um caminho de terra, que deixava assim aquela marca?... INF Rodadas. INQ1 Ah! Rodadas. INF "Olha, passou aqui as rodadas". INQ1 E... INF (...) E é aquilo diante disso há um engano. A gente, pode passar aí (...) um rebanho de vacas aí pela estrada ao pé de uma qualquer , a gente se chegar lá ao pé e olhar para o rasto: "Eh pá, andou aqui um rebanho de bois". Não é vacas. Risos Se for ao talho, já é ao contrário. INQ1 Pois é. INF Já compra carne... (...) É carne de boi ou de bezerro, mas já é carne de vaca. INQ1 De vaca, pois. INF É. Já é ao contrário. Está a ver? Ai , eu fui tanta vez a Tomar, de noite, para ir buscar carros para vir para os meus patrões, tinha que ir de noite . Mas ia ter (...) com uma senhora - que era a senhora dona Ida, que era de Ferreira do Zêzere -, o marido dela estava lá nas Finanças e eu conhecia-a que (...) ela era irmã (...) da mulher do meu patrão. Era lá de Ferreira do Zêzere. Eu conheci-a. Ia ter com ela e depois ela tinha lá uma filha - era a Idália - e depois eu pedia-lhe, dava-lhe o saco, dava-lhe o dinheiro, e ela ia lá. INQ1 Rhum-rhum. INF Porque (...) era no tempo da candonga. Quando eu chegava lá, para me meter na bicha, chegava a pontos que já não havia carne (...) para bife, para nada. E os meus patrões o que queriam era carne para bife, chegava lá, pedia-lhe a ela, ela mandava a filha para lá. E a filha é que ia lá ter, que, como era a filha (...) do senhor lá empregado (...) lá das Finanças, é claro, tinha todo o direito e arranjavam-lhe ordem. Entrava lá casa para dentro, não vinha lá para a bicha. E comprava. E calhava-me sempre bem, que ela dava-me sempre o almoço antes de eu me ir embora para Tomar, quando vinha para cá, numa charrete com uma mula. Eu passei coisas com os meus patrões, só visto! INQ2 O que é que era uma charrete? INF Uma charrete (...) é um carro de duas rodas, (...) só puxado com um animal. INQ1 Mas era só para transportar pessoas? INF Só com um animal. INQ2 Era para transportar pessoas? INF Pois, para pessoas, pois. INQ2 Rhum-rhum. INF Uma carroça já, por exemplo, carregava artigos (...) agrícolas, qualquer coisa, calhau, coisa, géneros, maçãs, peras, (...) o que fosse preciso. Uma carroça. E a charrete é só para transportar. Tem um banco ao meio colocado (...) com um encosto assim no meio, quer dizer, sentam-se dois dali e dois daqui.
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INF1 Há muita maneira de fazer pão mas eu fazia assim, a minha mãezinha ensinou-me assim: eu chegava lá a farinha (...) e deitava deitava-lhe sal logo para derreter. Depois de a farinha estar assim bem... Não é (...) em papa, era só assim (...) um escaldão, ficava aquela farinha embolada, mais ou menos. Depois deitava fermento, (...) peneirava uma pouca de farinha de centeio - que lhe chamávamos a gente a mistura de centeio -, peneirava a farinha de centeio e depois então com água morna é que lhe amassava então aquela farinha toda, muito bem amassadinha. INF2 Fermento. INF1 Já disse o fermento. INF2 Já disseste. INQ1 O fermento. INF1 Amassava então (...) aquela farinha toda muito bem amassadinha. Ficava então nem mole, nem dura. Ficava assim naquela temperatura de eu poder depois lidar com o pão para tender. Aquecia o forno... Ah, e depois (...) de isto estar tudo bem amassadinho, tínhamos uma masseira - que era uma masseira que era (...) de madeira; chamávamos chamávamos-lhe mesmo uma masseira. (...) Era assim à maneira dum alguidar, o que era era (...) em madeira. INF2 Um quadrado, em quadrado. INF1 E depois tapávamos (...) com roupa, conforme a gente entendesse. INF2 Conforme o que aqui estava. INF1 Eu, o meu pão... Há mulheres que lhe custa muito a levedar o pão, mas o meu levedava muito depressa. (...) INF2 Dizem que é das mãos das pessoas. INQ1 Pois. INQ2 E até pode ser. INF1 (...) E então (...) não era preciso pôr tanta roupa em cima como certas outras pessoas. Depois eu ia acender o forno. Aquecia o forno, depois estendia o pão - ainda aí tenho a tigela de tender -, tendia o pão, tinha uma pá para pôr o pão em cima e deitar para o forno. Pronto, o pão cozia... INQ1 E não cost-, não costumava fazer uma cruzinha na massa, e dizer alguma coisa? INF1 Sim senhora. INQ1 O que é que fazia, diga lá? INF1 "Deus te acrescente, que é para muita gente. Deus te acrescente, que é para muita gente".
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INF1 Quando a gente diz o que trabalháramos, o que passáramos, isso tudo, nem acreditam! INF2 Éramos uns escravos! INF1 As pessoas de agora, esta juventude de agora, nem acreditam aquilo que a gente passou e aquilo que a gente fazia. Que íamos pequeninos para o campo. Eu com oito anos, com oito anos ia apanhar azeitona para o campo, com uns tamanquitos pequenitos nos pés, com muito frio, a chorar, com muito frio nas minhas mãos. Ia apanhar azeitonita assim, com oito anos! INF2 Isso, o que a gente passava! INQ1 Claro. INF1 E ganhar dinheiro, ganhar dinheiro! Fui servir com dez anos. INF2 Eu foi fui com doze. INQ1 Era duro, era. INF2 (...) Com doze anos, fiz o exame da quarta e fui trabalhar para uma serração, para ajudar com uma serra, com um serrador, com doze anos. INF1 E agora... INQ1 E a senhora, se calhar, nem sequer fez escola nenhuma, foi logo trabalhar. INF1 Eu não fiz escola porque ainda fui uns dois meses à escola - lembra-me de ainda ir dois meses à escola -, mas depois a minha mãe tirou-me, para ir ganhar uns tostõezitos. INQ1 Pois. INF1 Porque éramos muito pobrezitos - não era? -, e para irmos ganhar uns tostõezitos. Mas depois ainda consegui então. E depois, as minhas irmãs já a minha mãe já não mandou para a escola, que dizia: "A mais velha não aprendeu, as mais novas também não 'hão-dem' aprender". Mas graças a Deus eu então ainda aprendi a ler. Pois, (...) não sei ler assim uma coisa muito por aí além. INF2 Sabe ler e escrever. INF1 Mas sei governar cá a minha vida. INQ1 Pois, mas sempre se governa. Pois. INF1 Pela minha vontade... (...) Lá os meus patrões eram assim, também tinham crianças assim da minha idade. INF2 Foi servir com o noivo . Esteve vinte anos na mesma casa. INQ1 Hi! INF2 Em Montemor-o-Velho. INF1 E de maneira que ensinaram-me então as primeiras letras e eu depois com (...) a minha vontade fui escrevendo, fazendo cópias, fazendo coisas, e coisa, e ainda aprendi qualquer coisita. INQ1 E ainda aprendeu! Ainda aprendeu! INF2 Lá com as patroas. (...) Com as meninas e com a patroa mais velha. Esteve lá vinte anos. INF1 Era assim, era assim. Mas tenho muitas saudades daquilo! INF2 Dos dez aos trinta, que casámos. INF1 Eu tenho. INQ1 Sofria-se muito mas eram bons tempos, não era? INQ2 O senhor que idade tem? INF2 Eu tenho setenta e sete, dois setes, e ela é setenta e nove. INF1 Era, sim senhor. Era tudo mais saudável. INQ1 Rhã-rhã. INF1 Agora é tudo doentio, tudo. INF2 O que é temos tido saúde, graças a Deus. INQ2 A senhora... INQ1 Graças a Deus, isso é que é preciso.
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INQ1 Um conjunto de ovelhas como é que se chama? INF Bom, a gente chama, aqui, chama um rebanho. INQ1 rhum. INF Chamamos um rebanho. INQ1 E se for um, um de vacas? Ou de bois? INF Pois , ou de vacas ou de bois, está muito certo. Bom, era um rebanho à mesma também. INQ1 É um rebanho à mesma? INF Pois é. É um rebanho de bois, ou isto, ou aquilo. INQ1 E dos outros animais é a mesma coisa? INF É a mesma coisa. Cá é a mesma coisa. (...) Ele até para o Alentejo até (...) um rebanho, por exemplo, de gado consideram um trapel, um trapel ou qualquer coisa assim que eles dizem . Um trapel de gado, às vezes, quando elas se atalhavam, quando andavam na boleta e atalhavam-se umas por aqui, outras por além, eles tinham que mandar os cães à procura delas. Chamavam-lhe um trapel. INQ2 Ó senhor Guilherme. INF Diga. INQ2 E aqui os rebanhos eram grandes ou eram pequenos, assim normalmente? INF Os rebanhos? INQ2 Sim. INF Eram grandes. INQ2 Eram grandes? INF Eram, eram. É de aí de, quase sempre, de quinhentas até setecentas ovelhas. INQ2 Ah! INF Era. (...) Cabras, havia pouco por aí.
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INQ1 Uma vaca que não tem cornos? INF É mocha. É mocha, pois. Ali (...) nos campos das lezírias... Vocês não vão para lá também (...) tirar cursos? Lá costumam para lá ir também os engenheiros, (...) na companhia das lezírias. Eu conheço lá aquilo. INQ2 É, nós temos de correr o país todo. INF Eu conheço lá aquilo. Eu tenho percorrido o mundo inteiro. INQ1 Então o que é que as vacas põem no chão? Com que é que elas andam? INF É com as patas. INQ1 Então e na ponta das patas?... INF Têm uns canelos. (...) São ferradas. INQ1 São ferradas? INF Pois. Levam ferro. INQ1 Mas assim... INF Pois, pois. Não é? INQ1 E assim na ponta? INQ2 Aquela parte mais dura? INQ1 A parte mais dura? INQ3 Na ponta da pata? Assim como a gente tem, elas também têm. INF Pois. Têm as unhas, pois têm. Pois (...) é o casco. (...) É as patas, mas sem o casco. INQ2 Rhum-rhum. INF Chama-lhe a gente o casco. Que é depois onde se espeta (...) os canelos. Quando elas vão para trabalhar, quando é gado de trabalho. INQ2 Rhum-rhum. INF Pelo menos aqui não podem andar descalças. Tem que ser assim. INQ1 Então quando a vaca anda a chamar pelo, pelos filhos, o que é ela está?... INF Anda a berrar. INQ2 E como é que as pessoas chamam as vacas e os bois? INF Conforme o nome que se lhe plantar . A gente costuma a baptizar e chama-a. INQ2 Sim. E se eu disser... INF "Anda cá Mourisca. Anda cá, Barisca ". (...) Ou Arisca, (...) ou Galante, ou Castanho. Anda cá Como é cá e tudo, e é que a gente lhe manda botar. INQ2 E sem lhe dizer pelo nome, não diz nada para elas começarem a andar ou para?... INF Não, não. Não, não senhor. INQ2 Ou para parar? INF Não, isso não. Não. INQ1 Onde é que as vacas costumam dormir? INF Nas cabanas, por exemplo, nos palheiros. INQ2 É? INF Palheiro ou cabanas, como queiram chamar. Há aí sítios chamam-se (...) uma cabana. Ou palheiro. No palheiro. INQ1 E onde se põe a comida? INF Manjedoura. INQ1 E tinham... Não sei se havia aqui assim umas tigelas de madeira? INF Umas tigelas... Mas a gente não... Aquilo, isso não é uma tigela. É... INQ1 Para deitar água? INF Pois é, homem, é. Ah, raios parta . E eu acarretei tanto (...) para diante deles. Pronto, e a a minha cabeça não vem agora já. Eu acarretei tanta, de tudo, é. INQ1 É uma gamela... INF Gamela, justamente. Tem que ajudar porque eu sei o que é... Então eu acarretei tantas para diante deles. Fui buscar tanto caldeiro de passa para lhe deitar, para eles comerem justo misturado com favas, e farinha, para eles comerem. INQ1 Rhã-rhã.
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INQ1 Nunca diz que é uma estrumeira, não? INF Não, não. Estrumeira, isso é (...) feito por exemplo (...) nas quintas, onde está o gado, e tudo, e depois é acarretado para lá, mas isso (...) não é só a bosta. É quando eles estão (...) , por exemplo, (...) nos palheiros, estão no coiso, e depois vai o boieiro limpar aquilo tudo e ele (...) vai levar aquilo. É uma nitreira. INQ1 Ah! INF Não é estrumeira. Nitreira. É como a gente chama àquela que está acolá diante, INQ1 Rhum. INF onde vocês voltam para a quinta. INQ1 Rhum. INF Onde vão daqui levar o coiso . É uma nitreira. Isso é diferente. E se Isso agora me perguntei o que eu disse primeiro é, por exemplo, (...) no mato, ou (...) na pastagem, onde eles andam a comer é que está essas malhadas onde eles vão ficar e os pastores é que fazem isso. Agora, nas quintas onde está o gado, onde se limpa mesmo as cavalariças e depois limpa-se os bonicos , aquilo tudo que ele estão ali e a palha que se puxou, e depois tem que se puxar a outra para debaixo da manjedoura, que é para se fazer a cama outra vez à noite, que aquilo fica limpo. É, fica até limpo. De maneira que depois vai o homem, o que lá está com o carro, carrega aquilo, bandeia aquilo para dentro (...) duma coisa poça e vai para a nitreira. Vai lá e despeja. Depois lá é espalhado. É claro. De lá, há a urina que os animais largam dentro (...) da noite, quando estão no palheiro, quando estão coisa largam, está encanada, (...) ao fundo (...) tem uma valetazinha, em cimento. E, é claro, o animal urinou, correu para dentro daquilo, aquilo vai para um cano e vai para dentro dum depósito que está na nitreira ao meio. E depois há uma bomba que se tira e depois está ligada com uma borracha. E depois andam a juntar, a trabalhar com a bomba... Bomba?! O manual. Agora já é quase tudo com motor. Assim uma bomba manual está a trabalhar e está outro com uma mangueira a ougar, a regar aquilo tudo. Que é para depois aquilo arder e ganhar fermentação para depois se acarretar para as terras. Para quando é aí Agosto e tudo acarretar-se com os bois para depois semear as favas a seguir, de Inverno. INQ2 O senhor disse agora ougar. INF Disse. INQ2 O que é isso? INF Ougar é a água. É o mijo (...) que está a correr com uma mangueira. Está a correr e está a ougar o estrume todo. INQ2 Por cima. INF Pois. O estrume, ou a palha, ou o que lá pôs. INQ2 Rhum-rhum. Olhe, o senhor há bocado falou já na, nas ovelhas. INF Pois. INQ2 Como é que se chama o macho da ovelha? INF Carneiro. INQ2 Olhe, e que é que é aquela coisa que as ovelhas dão? INF É lã. Olhe que é (...) uma seara boa que o lavrador tem, é um rebanho de ovelhas. É claro, dá tudo! (...) INQ2 Há várias... INF Até o veste! Até veste o lavrador! Dá a lã para arranjar fato para ele. E o leite, e essa coisa toda. INQ2 Há várias raças de ovelhas? INF Não . Há várias raças: (...) há uma lã preta - a carne é toda igual, está muito certo -, há a lã preta e há a lã branca. INQ2 Não se dá nomes diferentes? INF Não. Não tem. Há nomes diferentes: há uma qualidade que chama-lhe a gente mourino. INQ2 Rhum. INF Que é maior. INQ2 Rhum-rhum. INF É. Maior. Tanto faz ser (...) em classe macha ou em borregos, como ser em ovelhas. É mourino. INQ2 Rhum-rhum. INF É gado mourino. Aqui para o lado da Chamusca (...) e de Alpiarça é que usam muito (...) desse gado. Tudo. Cresce em menos tempo, é a idade de colocação maior. Bom para carnes! Mas não é tão bom para leite como é essas maninhas, essas pequenas aqui do Alentejo. Essas são melhores para leite.
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INF Olhe, lá em cima, estive... Eu ainda ontem estava lá a arrancar e (...) estava a ouvir chiar. Olho para cima... Olho para cima, estava um ninho cheio delas. E então se elas criam pouco! É sempre seis e sete! INQ Este é assim um muito pequenininho! INF Diga. INQ Este é assim um muito pequenino! INF São, são, são pequeninas mas são danadas para dar cabo da semente, para comer a semente. Isso têm uns olhos! Têm uns olhos que eles vêem um baguinho de semente no chão, tudo! Quem me dera ter uns olhos assim!
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INQ1 Pronto. Este então é o quê? INF Um aranhão peçonhento. INQ1 O que é que ele faz? INF Como? INQ1 O que é que ele faz? INF Bom, faz uma quantidade de ovinhos dentro daquele... Leva uma bola agarrada por ele lá de baixo, aquilo leva (...) uma bola com um coiso fixe em volta e depois tem (...) muitos aranhões pequenos. E faz, por exemplo, (...) um crivo, uma peneira, uma coisa qualquer, faz (...) uma coisa assim, está claro. INQ2 A isto aqui como é que chama, a esta coisa que ele faz? INF É as teias dele, pois. Uma vez (...) o meu avô falou a um tipo (...) que aí havia que tocava gaita de foles para fazer a festa do Natal, para tocar a gaita de foles - antigamente faziam isso. E ele era assim muito espantado, esse aí . E depois disse para ele: "Ó gaiteiro, vamos combinar aí o preço para tu me fazeres (...) a festa agora para dia de Natal. Mas olha que eu quero feito uma coisa capaz, uma coisa que seja (...) com atenção e que seja séria. Não seja lá no ar, não seja feitas no ar". Ele era assim muito espantado. "Então você não gosta das coisas feitas no ar"? "Eu não. Gosto das coisas feitas com preceito e como deve ser, combinar as coisas (...) ". "Pois eu gosto. Então você não gosta de ver aquelas teias de aranha que estão (...) dos aranhões, aqueles crivos e tudo? Está feito no ar! Você não gosta de ver os comediantes que estão a trabalhar no ar, no trapézio, para um lado e para outro?! É também feito no ar e eu gosto de ver isso"! Ele era assim espantado e dizia aquelas conversas. INQ1 Olhe, e este aqui que tem um ferrão no rabo, é muito venenoso?... INF Esse (...) é um maroto, é um alacrau. INQ1 Ah! E o que é que... INF (...) Também cantam! Como os grilos, de noite. Cantam. Estão metidos às vezes debaixo das pedras, nos buraquinhos, também estão: "Cri, cri, cri, cri", de noite, a cantar. INQ1 E quando eles picavam as pessoas com que é que, como é que curavam a picada? INF Bom, a gente tínhamos que pôr qualquer coisa em cima, sempre. (...) É claro, (...) havia vezes ali (...) coisos: punham-se, por exemplo, coisas picadas, por exemplo, cebola. Os mais pequenos morrem. INQ1 Rhum-rhum. INF Se pôr uma cebola ali - mas é cebola-albarrã, não é cebola natural, cebola que se cria (...) nos brejos ; dá umas palmeiras assim por o coiso que se cria (...) ... Chama-se cebola-albarrã. Punham no coiso e ele espetava, morria.
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INQ Então diga-me lá as coisas que se lembra? INF (...) Costuma-se a semear feijão. INQ Rhum. INF Costuma-se a pôr tomate, tomateiros. Costuma-se a pôr pimentões. Costuma-se a semear batatas. Costuma-se a pôr salada pelos combros fora e em volta. Costuma-se a pôr couve de duas qualidades: (...) da ratinha, todo o ano, e da de corte. INQ Rhum-rhum. INF Costuma-se a pôr couve-lombarda. Costuma-se a pôr repolho. Costuma-se a pôr 'bacalã' . INQ O que é 'bacalã'? INF É uma couve que dá um espigão que é... Dá um repolho assim aguçado para cima. INQ Ai, não conheço essa. INF (...) INQ Ai que cheiro a queimado! INF Deve andar a arder qualquer coisa. INQ Diga. INF (...) O repolho não é redondo (...) como a couve do repolho. INQ Rhum-rhum. INF (...) É feito uma pinha, é modo uma pinha. É a 'bacalã' . INQ Sim senhor. INF E tudo. INQ E mais? INF E há o coração-de-boi, é quase igual também a essa, há a couve coração-de-boi. (...) E depois cebola. INQ Rhum. INF A cenoura, salsa - que é preciso para o tempero - e a hortelã - também se tem que pôr. INQ Rhum-rhum. INF Tudo. Batata-doce, também, que é uma batata que é uma batata doce. Fava, ervilhas. É claro, é tudo. Semeia-se, o mais basto... Semeia-se, nabos. Põe-se-lhe depois o nabo (...) para grelo. Quer dizer, (...) come-se em pequenos, em nabiços, que é o mais basto baixo ; depois espiga, ganha cabeça; essa cabeça come-se depois também, que é boa, que se vende na praça; a cabeça depois mais tarde acabou (...) de se criar, porque já está oca, já não presta, dá grelos. Ah, e depois os grelos que é a última coisa. Principal, o nabo, (...) o nabo português, dá essas três qualidades de coisas. E há do outro nabo, que é apropriado só para nabiços, que é só para nabiços. Quer dizer, nabiços, quero eu dizer, é semeado mais basto baixo e depois é tirado e depois são esfarrapados (...) para fazer a sopa. INQ Rhum-rhum. INF Pois. INQ Sim senhor. INF Feijão de muitas qualidades: feijão-catrino, feijão-branco, feijão-do-rio, feijão-mocho, (...) feijão-do-Algarve - chamam feijão-do-Algarve, porque (...) é um feijão mocho mas dá uma vagem larga -; (...) há um feijão arreiado também que é feijão... Dá a vagem branca. INQ Rhum-rhum. INF Mesmo branca, que é - que chama-lhe a gente - feijão-macarrão. Também é tudo. E (...) também. INQ Então e aquele f-... E quando se come o feijão ainda sem ele estar maduro... INF Pois, pois. Vagens. INQ Quando... INF É as vagens. Tem que se pôr uma cana ao pé, que ele (...) tem tanta força, que até a gente tem que lhe pôr um pau ao pé para se ele segurar. Veja lá a força que ele pode dar à gente (...) quando arranja (...) uma sopa dele?! INQ Então, portanto... INF É gostoso mas tem pouca força.
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INF Ah menina, menina! Veio morrer aqui a esta terra má! Risos INQ1 Isto não morre assim! INF (...) Nem a terra a come! INQ2 Ah que horror! Risos INF (...) Você é mesmo de Lisboa? INQ3 Sou. INF Lá em Odivelas, eu ia lá muita vez visitar o cemitério. Aquilo (...) é uma largura enorme, o cemitério. INQ1 É muito grande, há muita gente, também... INF Muito grande. Muita gente. INQ3 Há muita gente. INF É lá em cima na chã. Era cá em baixo, mas esse cá em baixo parou. Esse cá em baixo era pequenito - quando aquilo era pequeno, quando era Odivelas velha, que Odivelas velha fica desde o rio para aquele lado... Agora é lá tudo em cima, lá na chã. É tudo lá em cima. Mas aquilo é horror em ver ! Estão Está lá homens sempre empregados! Fui lá uma vez... Eles, quando têm um certo tempo, vão tirar as pessoas (...) da sepultura porque, claro, tem que ser mesmo nas terras grandes. INQ1 Claro. Pois. INF Aqui a gente não. INQ1 Ai não? Ficam? Ficam? INF A gente compra a sepultura. Eu, por acaso, tenho a sepultura da minha mulher comprada. Mas já foi comprada para um irmão meu. E já lá está o meu pai. E agora está lá a minha mulher. Se Deus Nosso Senhor quiser - ou amanhã, ou quando calhar, quando Deus quiser -, também para lá vou. Ela já morreu há sete anos, já faz agora para o dia 8 de Agosto sete anos que ela me morreu. De maneira que lá eu vim (...) ... Eles depois avisam as pessoas, as donas daquelas sepulturas que compraram. Mandam telegramas para a casa, para as pessoas e avisam para ir: "Tal dia, às tantas horas, apareça porque vai-se tirar os ossos" e tudo. Que aquilo é interessante! Tudo comido , o osso inteirinho, no fundo da cova, tudo. (...) Andavam pessoas lá por lá. Estavam lá duas miúdas, uma solteira (...) e uma casada, juntamente com o marido. Eh pá, a miúda chorava por chorar! Viu (...) os ossos do pai no fundo da cova, mas com a cabeça tombada à banda. Pôs-se-lhe na ideia que o pai que tinha ido vivo, morto, que tinha ido vivo para a cova e que acabou de morrer no fim de estar tapado, de estar fechado. E o coveiro a dizer para eles: "Ó menina, (...) não se preocupe por isso. Não é"... INQ1 Assim, notava-se se tinha a boca aberta... INF "É a gente, (...) quando é a arrear para baixo, quando é a arrear, a voltar aí (...) os caixões, quando é a arrear para baixo, e tudo, é claro, sempre aquilo desanda para um lado e para o outro. O corpo lá dentro torce. Vira-se para uma banda ou vira-se para a outra. E é assim é que foi o seu pai". E depois até a outra irmã mais velha, disse assim: "Ó senhor, para ver se cala a minha irmã, veja lá aí na perna direita, ele há-de ter aí uns ferros, que ele partiu uma perna e ele (...) nunca tirou os ferros". Assim as talas (...) quando partem uma perna, ou um pé, ou qualquer coisa assim. E o homem foi lá ver, realmente lá estava. INQ1 Rhum. INF Aquilo depois é metido dentro dumas urnas pequenas e vai para as gavetas. Porque o cemitério lá tem tudo cheio de gavetas e (...) vai tudo para as gavetas. INQ2 Pois, umas gavetas. INF Ali depois é que fica. E tudo. Também lá há, para esta gente (...) lá da mais alta, (...) está os caixões inteiros. Também há aquelas coisas. Em (.../NPR) também lá havia. Também lá havia. INQ1 Os jazigos.
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INQ Portanto, quando aparece assim uma fruta... INF Aquele dono... Não se esqueça. INQ Diga. INF Aquele dono que era lá da propriedade onde as meninas ficam, tudo... INQ Rhum-rhum. INF Ele era doutor de mal de peles. E apanhava a fruta ou mandava apanhar. Tinha lá muita fruta. Aquilo era (...) uma quinta que aquilo era ali um algarve! Aquilo (...) nem queira imaginar! (...) Aquilo era tudo quanto era rico! Cá fora, não está uma correnteza de casas com uma varanda de baixo ? INQ Isso. INF Era a casa dos criados! Tinha tudo quanto era preciso! Isso aí era a casa dos criados. Cá em baixo, há a eira, há uma casa ao lado que é a casa da eira, há um barracão daquele lado dali - esse era do gado; é os tais barracões que usavam dantes para o gado em ficar, que nós acabámos de falar aí. INQ Sim, sim. Rhum. INF E ele dizia muita vez que nós que não sabíamos comer fruta, que a gente nunca devia de debulhar a fruta. Tirar aquele veio de dentro, limpar tudo, que é isso que é que faz mal. Que propriamente a casca, apanhava-se, e (...) limpava-se o podre , ou limpava-se toda por dentro e comia com a casca. Cortava-se aos bocadinhos e comia. Que a casca que ajuda a fazer a digestão, dizia ele muita vez... (...) E ele nunca queria (...) ! Para as criadas era a mesma coisa: nunca queria (...) que descascassem a fruta.
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INQ Olhe, e aquilo quando se aperta, por exemplo, um limão, o que é que sai de lá de dentro? INF Sumo. INQ E assim quando uma árvore... INF (...) O limoeiro, INQ Sim. INF tenho ali dois (...) que foram criados ou estão criados de pernada. Espetei-os e pegou. INQ E pegou. INF O pé, o pau pegou e tenho ali dois pegados. INQ Rhum-rhum. INF Tenho duas tângeras e tenho uma laranjeira, essa até foi enxertada. É da Baía, mas é maçã. Não tem pele. O gomo de dentro nem pele tem! Nem tem caroço. E é cada uma que é assim! INQ Ai, essas devem ser óptimas! INF Muito doce, muito bom! INQ Que maravilha! INF E as tângeras também são muito boas! INQ E então assim, sem caroço! INF As tângeras também são muito boas! INQ Ai! INF E a comer Em comendo uma laranja daquelas minhas, uma pessoa fica abarrotado. Depois de almoço ou coiso... Fica! Pois fica. INQ São boas!
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INQ1 Umas parecidas com a cereja, mas mais escura? INF Ginja. INQ1 Rhum-rhum. INF E há também cereja preta. Há cereja roxa, assim grande, e por acaso temos ali uma cerejeira de cereja preta. Até ontem estava lá ao pé dela (...) e estava cheia já de resina - tinha assim resina (...) agarrada -, e eu estava lá e estava lá (...) o meu bisnetozito pequeno, começou a pegar comigo e depois vai-se agarrar a mim, (...) estava só a dizer para mim assim: "Ah compadre resina! Compadre resina"! A chamar-me compadre resina. Aquele maroto! Risos INQ2 O seu neto é cá um maroto! INF (...) Levanta coisas! Levanta coisas! Ele conhece toda a gente! Ele sabe logo. Uma é a senhora dona isto, senhora dona aquilo, conhece toda a gente. INQ2 A árvore que dá estas, como é que se chama? INF Estas... Eh pá, eu sei o que é aquilo! INQ2 Ai sabe! Esteve-me a dizer há bocadinho. INF Pois é. INQ2 Que disse que as suas que são... Uma pessoa... INF As cerejas? INQ2 Não, aquelas que disse que tem umas ali muito doces, sem caroço, nem nada. INF Ah, (...) é as tângeras. INQ1 Pois. INQ2 E da família das tângeras mas maiores? INF Ah, bom, tenho só... Bom, isso é a tângera. INQ2 Pois. INF (...) Bom, tenho... Não há mais nada. Não há. A laranja?! INQ2 Pois. INF Só. (...) E é a tângera. (...) Mas as minhas tângeras (...) são até de duas qualidades. São duas. INQ Ah! INF São até de duas qualidades: uma até é mais doce aí que outra. São.
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INQ Isto é o rasto do meu sapato? INF Do sapato, pois. INQ Sim senhora. INF Pôr uns rastos - às vezes manda-se pôr. INQ Rhum-rhum. INF Pôr meias solas - às vezes é só metade. Pôr umas gáspeas. Sabe com que é que é parecido um sapateiro? INQ Não, diga lá. INF Com um copo de vinho. INQ Essa agora! INF Parece mentira, hem? INQ Diga-me, explique-me lá isso. INF Pois é. A gente chega (...) a uma taberna, manda vir um copo de vinho, põe em cima do balcão. Tomba-o e vira. Portanto, é o sapateiro que (...) põe tombas e põe viras nos sapatos. É que é parecido com um sapateiro. Depois lá tomba e vira. Está a ver?
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INF Eu gosto de brincar. É terrível! Eu, uma vez, também me pediu para eu ir também naquele adjunto. Eu ia (...) mais quatro rapazes. Ia aqui o meu compadre, este que esteve aqui, e mais dois - que até já morreram, os dois - em cima (...) do estrado (...) dum tractor e com uma mesa e íamos a jogar às cartas. Aquilo tudo, a jogar às cartas, e para aqui, para além, a jogar. Fazer aquele papel do Carnaval! E com uma borracha assim em cima, mas ia cheia de água. Mas eles pensavam que aquilo que era vinho! E a gente com um chavelho - uns copos de chavelho que às vezes há nas adegas, que se faz uns copos de chavelho... Nunca viram nas adegas? INQ1 Sim. INQ2 Já vi. INF Há uns copos de chavelho. E a gente com aquilo a fazer que está a beber, assim o povo a rir-se, tudo. E a música a tocar - a gente temos aqui uma filarmonicazita -, a música a tocar e depois ali (...) na encruzilhada fazíamos ali um baile quando era ao resto; e outros, aqueles a cantar; outros doutra camionete a caldeirarem com um fogão aceso e a comerem petiscos, e a beberem, e a cantarem, e tudo. Tudo. As raparigas vestidas de vários, (...) como as pessoas antigas, quer dizer, dessas pessoas dos reinados, (...) dos reis, com aquelas fardas, aquelas coisas. Eu não sei onde é que elas iam buscar (...) aquelas fardas. Tudo vestido, tudo, feitos de papel, e outras de propriamente (...) de roupa. Enfim, quando é assim pelo Carnaval, faz-se sempre aqui uma grande festa. INQ1 Fazem sempre festas? INF (...) Faz, sim senhor.
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INF Pois é. Pois eu queria contar uma coisa. Por exemplo, a gente vamos trabalhar, vamos para a charneca. Vamos, por exemplo... (...) Ia companhas de homens - chamava-lhe a gente uma companha de homens, com um capataz, e que falava ao pessoal - e ia ou cortar mato, por exemplo, para dentro (...) do povoado (...) dos sobreiros, portanto, aqueles sobreiros, cortar, limpar, fazer limpeza, fazer limpeza (...) ao sobreiral que estava, por exemplo àquilo, e fazer limpeza. E é claro, a gente, então usávamos umas roçadoiras para cortar o mato. Quando era em Março e Abril - a gente íamos justo por sete meses -, quando era em Março e Abril ia-se queimar. Queimar, tinha que se queimar ao contrário. Quer dizer, tinha que se queimar ao contrário do vento. Tinha que se pôr e aquilo ia ardendo, o vento estava a bater para aqui, mas aquilo ia sempre moendo e ardendo. E a gente íamos puxando com os tais ditos forcados, que estava aqui um numa planta dum livro, que estava aqui. INQ1 Rhum-rhum. INF A puxar. É claro, e a gente depois tínhamos que fazer o comer e comer. Tínhamos que fazer o comer e comer. A gente usava lá uns cochos de cortiça - chama-lhe a gente o cocho - era o prato. Aquilo arranjava-se uma navalha, ali tudo raspadinho fora e tudo, e fazia-se o assento, estava ali. Tínhamos (...) umas panelitas de barro que se usavam, que os oleiros usavam dantes, que essas panelitas chamava-lhe a gente uma púcara àquilo. Que era (...) para estar a cozer o feijão, ou as couves, ou o arroz, ou tudo o que a gente lá deitava, tudo. Tínhamos essas púcaras. Tínhamos uns tachos, também de barro, com um rabozito pequeno assim, que a gente punha, fazia uma cova no chão assim (...) desta coisa, da largura da enxada, funda. E nas barreiras era para assentar as vasilhas do comer, aqui assim. Para assentar em cima. Isto chama-se (...) uma fervedeira. Esta coisa aqui. INQ2 Rhum-rhum. INF E a gente punha ali a coisa em cima. E depois, por exemplo, a gente quando era principal da manhã, quando era por exemplo aí às nove horas, antigamente trabalhava-se de sol a sol, (...) às vezes era (...) por a noite adiante ainda. (...) E é claro, quando eram nove horas íamos almoçar. Íamos almoçar, a gente íamos fazer o comer e para comer. Mas o almoço, tinha que se estudar a maneira sempre para o almoço de aviar mais depressa. O que é que a gente (...) fazia parte das vezes? Punha o tacho ao lume com uma pinga de água, punha-lhe um dente de alho, ou dois, e punha-lhe uma folha de louro e depois íamos ao cocho, íamos migar o pão. Havia (...) este pão saloio - que ainda às vezes ainda aparece por aí, que chamam-lhe o pão saloio -, havia esse pão, que custava um pataco. Sabe quanto é que era um pataco? INQ2 Não sei. INF É dois vinténs. Sabe quanto é que era um vintém? São quatro moedas de cinco, ou seja duas de dez. Que havia antigamente. Um tostão (...) tinha cinco moedas (...) de vintém. Quer dizer, um vintém é quatro moedas de cinco. É esse dinheiro antigo que havia assim. Que eu uma vez fui-me para acolá para a feira, para Abrantes, mais um irmão meu - já lá está também, que era até 'encanalizador', estava em Lisboa - (...) e tinha nascido a minha irmã mais nova. E eu depois fui-lhe pedir à minha mãe - bom, seja a minha madrasta, mas eu tratava-a por mãe porque eu fiquei sem mãe da idade de dezoito meses, mas eu chamava-lhe mãe - para ir para : "Ah, não. Não tenho dinheiro. Eu não tenho dinheiro e queria ir à feira mas não tenho dinheiro", e tal. Disse: "Olha, vai aí" - ela estava na cama - "vai aí à tábua da chaminé"... Há estas casas antigas que têm uma tábua na chaminé assim por cima. "Está aí cinco tostões e leva-os". E eu levei. Fui lá vi vi-me duas barracas de circo, vi uns bonecos, ainda trouxe dinheiro, sabe. Com cinco tostões, (...) eram cinco moedas (...) de vintém e (...) uma moeda de vintém tem duas de dez. Era duas moedas de dez. (...) E essa moeda de dez são duas de cinco. Um vintém era dividido (...) em quatro partes, tudo. E de maneira que a gente comprava aquele coiso e depois punha lá. A gente arranjava o cocho e a gente íamos comprar o pão (...) ... Pois o pão, a gente usava a comprar o pão, por exemplo, de dois em dois dias é que a gente comprava o pão. Aquilo era quase sempre pão caseiro porque era quase cozido cá nos nossos fornos (...) . A gente migava uma quantidade de sopas para dentro (...) , migas para dentro do coiso e depois deitava-se-lhe um coisinho de sal, o tempero que era preciso, o sal, o azeite, e tudo, chamava-lhe a gente aquilo àquilo um capacho. INQ1 Ah! INF Ah, a comer. E depois comíamos. Era como a uma açorda! Vamos lá por aqui. Vamos lá já a falar como é coisa: é (...) uma açorda. E depois mexia-se bem. Aquilo fervia, aquilo tudo e a gente chamava aquilo àquilo um capacho. Tínhamos um bocadito de bacalhau para assar. Tínhamos, por exemplo, ou um bacalhau, um bocadito de toucinho. O bacalhau, às vezes, era só uns coisitos assim pequenos. Tudo. Ou uma sardinha, ou qualquer coisa assim. E outra coisa - que esta menina deve saber, é lá de cima, deve saber -, outra coisa: a gente lá usava para ter a sardinha, ter o conduto - ter o conduto, chama-lhe a gente o conduto, o bacalhau e essas coisas todas -, (...) um cortiço, tudo. Que a gente punha um bocado duma folha de cortiça por exemplo assim desta largura, comprida, punha no lume com o carrasco, a parte preta, para baixo para o lume, aquilo ardia, aquele carrasco, a gente (...) aquilo. E depois estava muito maciinha - a cortiça torna-se muito macia, depois - e depois estendiam no chão, apagava. E depois a gente enrolava aquilo assim e fazia (...) quer dizer, (...) um canudo, vamos lá por aqui. (...) Um canudo, fazia. A gente chamava a isso um roleiro, que era para onde a gente punha. Que depois arranjava uma rolhas, punha uma por baixo, punha outra por cima. A rolha tinha uma 'descavação' em volta pelo lado de dentro para enfiar dentro por causa (...) da bicharada, da coisa. INQ1 Ah! INF Pois. Chamava-lhe a gente o roleiro (...) àquele cartucho. Tínhamos outra coisa que a menina sabe esse nome. Quer dizer, a gente aqui não sabe. Também se fazia isso assim em volta em cortiça. Punha-se o fundo, punha-se uma asa de cortiça com um coisito de lado, era onde se nos levava o comer, quando a gente íamos depois para longe, que a gente levava o comer. Chama-se isso uma tarreta. Não é? INQ1 Acho que sim. INF É onde é que leva o comer. Os pastores lá usam muito aquilo. INQ1 Rhum-rhum. Pois é. INF Tudo. Agora lembrou-me isso. Eu depois eu estive a estudar e lembrou-me isso. Porque perguntou-me por causa quando levava numa corna as azeitonas, queijos, e tal, tal, tal. E a gente levava naquele roleiros. INQ2 Exacto INQ1 Rhum-rhum. INF Nos coisos é que leva o conduto (...) , chamavam-lhe um roleiro. E a tarreta (...) era o coiso onde ia o comer. É como a um tacho. INQ2 Pois, pois. INF O que é que tinha a asa móvel, como (...) a uma asa duma cesta. De cortiça à mesma, e tudo. Mas aquilo é limpinho! Nem queira saber! INQ2 Pois, pois.
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INQ1 Mas eles às vezes não ladram, fazem assim um barulhinho... INF Pois, pois. São. E outras vezes mordem (...) sem falar (...) . INQ2 Ontem estava ali um ... que o senhor disse que estava aqui. INF (...) É um ditado antigo: livrar do cão que não ladra e do homem que não fala. Isto é um ditado antigo. São sempre maus: o homem que não fala, anda sempre a pensar no mal, olhe. Sempre. Sempre a pensar no mal. É porque uma vez Deus Nosso Senhor foi passear mais o São Pedro. E depois ia por uma coisa fora, andava um homem a lavrar mais um boi. Aquilo tinha muito calhau, muito seixo - uns chamam seixo, outros é calhau; aqui é calhau, mas em várias partes é seixo que chamam assim isto que está aqui, que chamam. INQ Rhum-rhum. INF Eu como sei quase as duas línguas, digo uma coisa e outra.
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INF "Vai para ali, chega para diante, anda para diante", e tal. (...) A pregar com os animais. Passou Deus Nosso Senhor e o São Pedro e Nosso Senhor dizia: "Guarde-os Deus, senhor". "Vá lá com Deus". Assim a falar mal (...) para Deus Nosso Senhor. Não sabia que era Deus Nosso Senhor. Chega mais adiante andava um outro com um rosário de contas na mão, a trabalhar, mas andava com o rosário de contas, e andava a rezar. Andava a rezar por ali fora. Deus Nosso Senhor passou, não lhe disse adeus. Voltou a cara à banda e passou, andou. Diz o São Pedro para ele: "Então mas o meu divino mestre, aquele senhor que andava (...) a rogar pragas, a chamar nomes aos animais, e para aqui e para além, (...) e disse-lhe adeus, e este que anda aqui com um rosário de contas (...) não disse nada". "Olha, rapaz, não sabes o que é? É que aquele andava a rogar pragas, andava ali assim, andava irritado, andava arreliado porque o serviço não lhe surdia, não andava e tudo, e andava com aquela preocupação. E andava irritado e tudo. (...) É claro, andava irritado, tínhamos que animá-lo para ele se (...) consertar, e tudo. E este que andava a rezar de contas não andava a rezar pela nossa crença, pelo nosso coiso. Andava (...) a pensar e a estudar a maneira donde havia de ir roubar as coisas esta noite". E andava com o rosário de contas que era um santo muito grande. Portanto se diz: livrar do cão que não ladra e do homem que não fala. Anda a pensar na malandrice. Não anda a pensar noutra coisa. É só nas malandrices.
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INF Assobiar? INQ Sim. INF "Não quero que você assobie". Pois olhe, mas (...) não se vá sem resposta. Eu andava... Porque há certos trabalhos, por exemplo, a gente assim tirar a cortiça, pode andar a cantar em cima dos sobreiros. INQ Rhum. INF É (...) mais ou menos o hábito. Andar ou a tirar cortiça ou, por exemplo, ou a arrear ou qualquer coisa, anda a cantar. Em cima dos sobreiros, anda a cantar. Há qualquer outro serviço, muitos, que se pode cantar. Mas, por exemplo, cá do nosso lugar, por exemplo um homem a cavar dentro duma vinha, a cavar, ou ande a sachar, ou ande a fazer qualquer, ou a pôr qualquer planta, qualquer coisa, não, anda calado. (...) Não anda a cantar, a assobiar. Eu trazia lá um rapaz - que ele é assim a modo um bocadito (...) tarola - (...) e andava a cantar. Assim: "Eh pá, também tu bem julgas que andas no rancho das mulheres ou quê? Então andas aí a cantar e a assobiar". (...) As mulheres é que andam a cantar (...) e a assobiar, quando andam a trabalhar, fazer qualquer serviço: apanhar a grama, ou ceifar, ou fazer isto então tudo . "Então mas andas no rancho das mulheres? Então andas aí a cantar? Tudo. Então isto aqui é o rancho dos homens, é outra coisa, pá! Não se anda cá"... "Ah, eu assobio só para mim"! Foi a resposta que ele me deu. "Eu assobio só para mim". "Eh pá, mas os demais também estão a ouvir"! Este é a modo taradozito, de assobiar. Pronto. INQ De assobiar.
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INQ1 Olhe, mas os ovos nem todos dão pinto. Portanto, para eles darem pinto... INF É os que não são galados. INQ1 Portanto, têm que ter a?... INF É galados, pois. INQ1 Não, aquela pintinha branca. INF Pois, justamente. INQ1 Como é que se chama essa pintinha branca? INF É a galadela. INQ1 Rhum-rhum. INF Vê-se, que eu também tenho prática nisso que já estive a guardar num aviário. A gente tínhamos um coiso, (...) por meio de electricidade, e a gente via se o ovo estava galado ou não estava galado. INQ2 Ah! INQ1 Rhã! INF Eu tenho corrido tudo, homem! É pouco! E depois o que é que... INQ1 Não há nada que o senhor não tenha feito! INF Pois. Então não é? Não se mete dentro dum aparelho, dentro duma caixazinha, ligado com electricidade. INQ1 Não sei, não sei. Nunca vi. Eu nunca vi. INF Pois. Ligado com electricidade e a gente depois vê. Por aquele entremeio daquele coiso, (...) aquilo é transparente, a coisa que se mete, e a gente vê. INQ1 Se está galado ou não. INF E o pinto está ligado e a gente vê se está galado ou não está. INQ2 Rhum-rhum. INQ1 Pois. INF Tudo. Pois vê. INQ1 Sim senhora. INF E há ovos que até têm um recortezito ao meio, que são de duas gemas. (...) E têm mesmo duas gemas. Duas. Têm duas gemas. Bom, seja bem (...) , por exemplo, como qualquer vivente. Bom, (...) ou na qualidade humana (...) há criaturas que têm... Cá houve já uma que teve três filhas até. INQ1 Pois. INF Três miúdas. INQ1 Gémeas. INF É claro, gémeas, pois. INQ1 Aqui também há assim. INF Aqui também há na terra. Também aí há que tem. INQ1 Que tem assim. INF Está uma ali até, olhe, pegado logo à minha casa, adiante. Teve. Também é as únicas que tem. Uma, coitadinha, tem que andar com um aparelho de ferro aqui. Tem qualquer diferença na espinha, não sei quê. Anda já na escola! Anda já na Abrantes, no liceu, (...) , ela mais a irmã. Mas a irmã, uma está desenvolvida, está toda, é pi pi, por ali afora. E ela, coitadita... Até (...) nem sei como ela pode andar com aquilo, aqui a segurar uns ferros, a segurar até qualquer deficiente , qualquer coisa.
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INQ1 Olhe, e aquele sítio da galinha onde a comida é, é remoída? INF Pois. INQ1 Como é que se chama? INF É o morsó. Morsó. INQ1 Morsó? INF Pois é. INQ1 Morsó. Portanto, é aquilo que depois até se, quando se compra o... INF Pois. Abre-se, tira-se aquelas areias, aquilo tudo onde se faz a digestão e tem uma pele. Tira-se aquela pele. INQ1 Até se põe na canja depois e tudo, não é? INF Pois. Pois, mas é depois a outra parte. A pele (...) deita-se fora. (...) A pele até é amarela! (...) Até é amarela. A outra parte que se deita depois na canja, é claro, é que é depois migada e tudo. Que é o morsó, é as miudezas, (...) é o fígado, (...) é os pés, ou qualquer coisa. Agora nem deixam vender, já não deixam vender isso para a comida (...) nas praças. INQ1 Não sei. INF Essas miudezas, não deixam. Não deixam. INQ1 Dantes vendiam. INF Às vezes, muitos compram, (...) mas é para (...) deitar aos animais, ou qualquer coisa. Mas não deixam. Isso é até proibido! INQ2 É? Não sabia. INF É, é. INQ2 Não sabia. INF Isso é até proibido! INQ1 Eu gosto muito disso na canja. INF Olhe, em Odivelas é que há lá umas poucas de casas de frangos (...) e eu sei que não. Tudo. E quando é na praça, quando a gente ia à praça, e tudo, estava aquilo... (...) Quando estão a vender, (...) naquela parte onde está a vender a carne, os frangos, e os coelhos, (...) e enfim, a carne toda separada, há aqueles tabuleiros, (...) aquelas caixas cheias, aquela bagagem, mas isso é vendido mas é (...) para os animais. INQ1 Mas dantes vendiam. Dantes vendiam. INF Mas compram. Muita gente compra e aproveita e come. INQ1 Vai para a canja. INF E eu tenho-a tenho comido também. (...) E sabe-me bem na canja. INQ1 E é bom. INF Aquelas miudezas e o morsó . Pois é. Pois. INQ1 É bom! INF Pois é. INQ1 Olhe, e aquela, aquela gordura amarela das galinhas que não se aproveita? INF Glândulas . (...) Chamam as glândulas , pois. INQ1 Aquela parte gorda, amarela. INF Pois, pois. Dizem que aquilo que até é bom quando a gente tem papeira, para esfregar isto aqui na coisa. INQ1 Diz que sim, não sei se é verdade. INF Pois. É bom. INQ1 ... INF Quer dizer, digo aqui coisas que vocês nunca ouviram, e depois ainda vão fazer mangação de mim. Eu cá, eu falo (...) . INQ2 Não vamos nada, aprendemos é com o senhor. INF Depois (...) eu já duro pouco tempo, nem que venham à minha procura, já cá não me acham. INQ1 Oh! INF (...) INQ1 É isso, é. INF (...) Os dias já são muitos. INQ1 Ah! Não achamos agora... INF É. Os dias já são muitos, que eu tenho. INQ1 Não achamos agora, está aí tão rijo! INF Pois. INQ1 Ainda a gente há-de cá vir daqui por uma data de anos completar o inquérito, ainda, ainda havemos de encontrar aí o senhor Guilherme. INF Gostava eu de saber! INQ1 Rhum-rhum. INF Realmente gostava. INQ1 É capaz! INF Eu gostava de saber. INQ1 É capaz disso! A gente ainda há-de depois completar as outras partes. INF Está bem. Porque eu, bom, (...) não estou a dizer isto (...) com coisa de, enfim, de ofender qualquer (...) pessoa, de todo! Mas faço esforço para dizer. Tenho gosto! INQ1 Rhum-rhum. INF Está a perceber? Conforme tenho gosto de fazer qualquer serviço. Quando era cá nos meus patrões ou (...) nos meus superiores, nos engenheiros, quando andava aí com eles, tinha gosto de tudo porque eu às vezes dizia: "Ó senhor fulano, mas olhe lá, mas fazer isto assim ou assim desta forma, e tudo, é capaz de calhar melhor, e tudo". "Então vá lá fazer". E eles concordavam com muitas. Muitos serviços que eu descobria na minha ideia e eles concordavam. Eles concordavam com isso, os engenheiros. INQ1 Ia fazer, e depois... INF Eu ia fazer e eles depois viam, pronto. INQ1 E aprendiam. INF Pois é. (...) E é claro, e aprendiam. INQ1 E aprendiam, pois. INF E aprendiam.
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INF Pois é. Quando foi da coisa - não sei se eu contei, não sei se contei às meninas... INQ1 Não sei, diga lá. INF Não sei se contei isto. (...) Se quer desligar, desligue, mas... INQ1 Não, diga, diga. INF É por acaso é uma prova de tudo. (...) Estava lá (...) um engenheiro - que era o senhor engenheiro Haroldo, ele depois foi para a América, que era ali de cima do Sardoal - (...) e ele estava - eu parece que eu que já contei -, que ele estava doido e eu disse que ele não tenha na ideia que há podadores de árvores. INQ1 Rhum-rhum. INF Eu não contei já? INQ2 Talvez. INF Não? Contei? INQ2 Contou. INQ1 Contou. INF Pois. (...) Não tenha a ideia... INQ1 Não há nenhuma, não há ninguém que não seja bom agricultor. INF Podador, não é? Há árvores para podar. INQ2 Pois. INF Pois, é claro. E ele depois agarrou-se a mim: "Sim senhora, aqui tenho mais uma para contar aos meus colegas". Vê que ele aprendeu comigo? Que eu disse para ele. Estava-lhe a parecer mal. Estava-lhe a parecer mal, quer dizer, estava-lhe a custar, ele ser um homem mais ou menos educado, INQ1 Rhum-rhum. INF e um homem com provas e com essas coisas todas, e ele estava-lhe a custar. E acolá ia com o senhor engenheiro Hálio, (...) que era o director (...) da Casa Agrícola de Santarém, (...) que é lá em baixo em Vale de Estaca , não sei se conhece? INQ1 Não. INQ2 Vale de Estaca. INF É quando a gente desce para baixo, desce ali (...) à praça para baixo, tudo, e aquilo vai para baixo, é a que vai para Lisboa, vai para aquele lado, pois, aquele lado . É aí (...) é que é a Escola Agrícola. Há lá de tudo. Há animais, há tudo, gado . E vão para lá os engenheiros tirar as provas, essas coisas todas.
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INF (...) Olhe que eu, infelizmente - ou infelizmente ou felizmente -, já o meu patrão tinha uma confiança em mim doida. Eu achava por mim. Eu achava por mim. E isso, portanto, fazia o inquérito todo que eu podia. Tudo. Mandou-me com dezanove seminaristas que foram tirar a alternativa a Fátima. E eu fui com uma carroça, com um animal engatado a uma carroça, para levar as batinas e os farnéis deles. E eles foram daqui de Constância a pé para lá. Tudo. Eram dezanove e o padre. (...) Que eles eram do Gavião. INQ Rhum-rhum. INF O padre era o padre Augusto (...) ... Tudo. E (...) eu fui com eles. Chegáramos lá, olhe, foi numa segunda-feira de manhã, eram umas seis horas que a gente estava em Constância, cheguei aqui numa quinta-feira à noite. Andei com eles por aquelas terras e (...) fiquei no Convento em Tomar. INQ Rhum. INF Fiquei em várias (...) bandas assim, nos conventos e tudo. E eu, graças a Deus, tem-me cabido cá tudo na cabeça, na ideia. Que eu também fiz a comunhão, também sei rezar, sei tudo. Mesmo hoje eu vou à missa, também rezo, canto, juntamente as ordens da missa, parte de algumas que eu sei, ajudo a cantar, e essas coisas todas. Tudo. Que eu vi: esta menina foi tomar a hóstia lá acima e veio, logo ali quase ao fundo ajoelhou-se a rezar para cima. Que eu vi-a vir por lá pela coisa abaixo. De maneira que fui lá, quando foi (...) pela Fátima, eu fui lá (...) e fui com eles, mandado (...) por eles. É claro, eles iam a pagar promessa. Iam pagar a promessa, chegou a pontos que, é claro, não estavam habituados, calçados, com o calçado e tudo, empolou-lhe os pés todos. (...) Fui comprar (...) às farmácias pasta de algodão em rama para eles enfiarem nos pés, e tudo. Bom, mandado por eles, está muito certo. E quando lá cheguei, foi em Maio, numa altura que coroaram a Senhora, que vieram cá os espanhóis coroar a Senhora, com a coroa de ouro. Não sei se se lembram disso? (...) Vieram cá coroar a Senhora. De maneira que a gente não podia ir pelo caminho a direito para fora. Tivéramos que dar uma volta por cima e, quer dizer, entrei por cima. É que entrei. E depois cheguei lá não me deixavam, os membros que pertencem (...) lá à direcção (...) da Fátima, não me deixavam lá estar com a carroça. Não estava lá. Só estava (...) os carros finos. E os carros pesados, e tudo, era tudo cá para fora. Tudo, mas muito longe! Mas eu tinha as batinas, tinha os farnéis deles. Eles assim que lá chegaram, foram-se logo tudo embora e não havia meio. Fui à procura (...) do professor deles, do padre Heliogábalo, disse para ele: "Ó senhor prior, está-se aqui a cortar um papel grande. Então pois agora fazem-me ir lá (...) para longe! Então tenho aqui um cartão para me ir embora acolá para longe. Então depois, por causa das batinas e por causa (...) do farnel, como é que se há-de isso aí ser feito"? "Pois é, senhor Guilherme. Então como é que isso há-de ser arranjado"? Eu enchi-me de coragem (...) e digo eu assim: "Se o senhor me ensinar como eu me hei-de apresentar, eu vou pedir ao senhor bispo. Se me ensinar, eu vou-lhe pedir". "E o senhor é capaz disso"? "Sou, sou. Mas o senhor ensina-me". É claro que eu não me sabia apresentar a um senhor daqueles, não é menina? Não tinha estudos nenhuns, não tinha coisa, eu não sabia. É claro, ele estava dentro da capela, na parte de cima - já lá foram a Fátima? INQ1 Rhum-rhum. INQ2 Já. INQ1 Já. INF Eu já lá fui (...) algumas catorze ou quinze vezes já, e com gado! O que eu sofri aí por esses caminhos fora para lá! E de noite, e tudo. E a quererem-me roubar (...) a 'calda' (...) dos animais - que é o rabo, chamam-lhe a 'calda' -, a quererem-me roubar aquilo que era para os arreios, que é (...) para pôr naquelas almofadas do arreio da carroça. INQ1 Ah! INF Que é em cima do lombo do animal. Que eles roubam aquelas coisas para depois ir vender aos arreeiros para tudo. Isto há vida para tudo! Vê, aqui se vai buscar já um ponto atrasado que estava... INQ2 Dos arreios. INF (...) Dos arreios. E de maneiras, chego - mas depois ele ensinou-me como é que eu havia de dizer -, e eu cheguei à entrada da capela, o senhor bispo estava assentado no meio, (...) na tribuna dele, todo ali estendido, por ali afora, com o crucificado aqui estendido em cima da barriga, que ele era mais gordo que a mim, e tinha os escriturários de lado, e mais padres. Estavam ali. E eu cheguei lá, e claro, persignei-me, benzi-me e depois fiz assim a minha vénia, e ele mandou-me entrar. Depois entrei. Cheguei ao pé dele ajoelhei-me, ele deu-me o anel a beijar, eu beijei-me e eu persignei-me à mesma, e tudo. E ele: "Levante-se. O que é que deseja"? Depois eu disse, eu disse assim: "Saiba (...) Vossa Excelência que eu vinha-lhe pedir... (...) Que eu vim com uns seminaristas do Gavião e tenho ali as batas e os farnéis e os membros de cá da direcção não me deixam ficar ali com a carroça que eu ali tenho. E vou para muito longe e como é que eles se podem governar? Não se podem governar de forma nenhuma. E pedia uma autorização (...) que o senhor me desse para eu pôr-me aqui em qualquer lado". (...) É claro, ele depois disse ao fulano que estava ao lado, escreveu, deu-me um cartão para eu trazer, para eu poder estar. E depois amostrava-lhes. Eles iam lá ao pé de mim, eu mostrava, diziam : "Pronto, está bem. Está com ordem do senhor bispo, está bem. Quando foi a sair, é claro, eu persignei-me na frente dele, ele abençoou-me, tudo. Quando cheguei ao pé da porta, (...) voltei para trás, fiz outra vez a mesma coisa, persignei-me, quando cheguei ao pé da porta. Ali andei de recuar até ao meio (...) da capela; e depois voltei-me e depois ao pé da porta fiz a mesma coisa. Mas eu sei que eles que fizeram mangação de mim. Não sabe porquê? Porque quando eu cheguei ao pé da porta que me voltei, que me persignei outra vez, eles estavam-se a rir e a falar uns para os outros. E a rirem-se. Com certeza que estiveram a fazer troça (...) do que eu... INQ2 Se calhar, não se riram assim tanto, sei lá! INF Pois, não seria com o defeito (...) enfim, era... INQ1 Sabe-se lá. INF Pois, não era. Eu (...) fiz conforme ele me ensinou. Conforme me ensinou a mim. Pronto. E passei isto. Fiquei no convento em Tomar. No convento em Tomar, entrei, eu (...) foi-me lá a um padre ensinar onde é que eu havia de pôr a mula e tratar: dar-lhe água, dar-lhe a ração, dar o comer, e tudo. Quando vim para cá - eram onze horas da noite, quando a gente lá chegou -, quando vim para cá... Conhece Tomar? INQ2 Sim. INF É lá em cima no convento. INQ1 Mas já não me lembro bem. INF Bom, foi lá em cima no convento. Eu já lá fui até a um casamento, aqui há uns anos duma sobrinha minha que é médica. Está (...) no hospital lá de Santa Maria, lá em Lisboa. É médica, uma sobrinha, uma que eu aí tinha. Que aí tenho. Eu estou (...) entregue (...) a boa gente, mas eu é que sou o mais ruim. Risos De maneira que eu depois... Claro (...) pus lá a mula, quando vim para cá, o padre disse: "O senhor agora sabe o caminho". "Sei. Direito à cozinha". A cozinha era um salão grande dentro do convento, salão grande, fui direito à cozinha . Depois (...) cheguei ao pé dos cozinheiros, era cozinheiros, era em homens e criados de mesa. Era tudo em homens. Digo assim: "Fazia favor ensinava-me aqui onde é que estava uns seminaristas que vieram na mesma companhia". "Olhe, entre aí (...) a esse corredor por ali fora" - que era assim por o meio da sala fora -, "aí ao lado direito há uma sala para baixo, eles estão aí, (...) estão a jantar". Eu fui à mesma! Eu tinha fome! E não era pouca! Fui à mesma! Não estive com mais pés de renda . Mas segui por ali fora, e cheguei. Assim que eu entrei à sala para dentro, lá estava uma mesa de cada banda, e estava sentado . (...) O professor de lá (...) do convento de Tomar era o senhor padre Helvécio. Era o nome dele era padre Helvécio. Está no cabeçote (...) da mesa. Tem o altar, feito em pano e em pintura, e essa coisa toda, Deus Nosso Senhor, Nossa Senhora, e tudo, e os anjinhos. E ele é ali que ele come. E os outros mais inferiores estão de lado. Assim que eu entrei à coisa para fora, o padre Heliogábalo veio logo caminho direito ao pé de mim. Veio logo caminho direito ao pé de mim: "O senhor agora tem que ir acolá ao pé do senhor padre Helvécio". E eu, claro, fui lá abaixo. Ajoelhei-me outra vez (...) à frente dele, beijei-lhe o anel e persignei-me. Benzi-me, persignei-me. Ele depois mandou-me sentar. Vim outra vez à volta e fui-me sentar. Eu estava a comer, veio a sopa - bem tratado! Bem tratado! -, veio a sopa, veio o cozido, veio a fruta, veio uma garrafa com vinho, e eu depois disse (...) para o criado de mesa: "Olhe, fazia favor levava o vinho, que eu não bebo. Mas trazia-me (...) um jarro com água". Que eu, quando estou a comer, gosto de estar sempre... Bebo uma pinguinha de água, bebo com água. "Sim senhora". Fez isso tudo. Eu estava a comer... Eu já há bocadito achava eles todos muito parados, tudo parado a olhar, e ninguém ainda eu estava a comer. Quando eu acabei de comer, o padre Helvécio levanta-se e: "Dêmos graças a Deus". Tudo se 'benzou', (...) tudo se benzeu e tudo rezou, começou a rezar. Eu levantei-me, comecei a rezar também. Também, graças a Deus, sei. Ainda hoje sei. Já me esqueci esqueceu algumas das coisas, mas a maior parte ainda sei. "Agora vamos rezar o terço, direito à capela". Fomos direito à capela e diz (...) o padre Heliogábalo para o (...) : "O senhor padre Helvécio faça o favor de ir para o altar". A capela tinha uns bancos, como tem ali a nossa igreja, e tal, tal, assim por aí fora, eu fiquei cá atrás. Mas ele era fino! Ele em vez de se ajoelhar: "Não, não, não, não, não. O senhor padre Heliogábalo faça favor lá. Eu não vou". E o padre Helvécio foi-se ajoelhar ao pé de mim. Para descobrir (...) se eu era católico ou se não era. Mas enganou-se. (...) Eu até voltava a boca para o lado dele para ele ouvir melhor, tudo, porque eu sabia. (...) Não tinha receios nenhum de fazer. E depois, é claro, lá estivéramos a rezar o terço, benzêramo-nos, e tudo. Levantáramos, fôramos para um corredor fora, por ali fora. Passei numa sala, pá, mulheres, mas mulheres, tanta mulher! (...) Naqueles conventos, tanta! Tão estimadas, tão caladinhas, tão bonitas, tão tudo! Não desfaço! Risos (...) A gente não se pinta! Deus Nosso Senhor é que pintou a gente! Tudo. Aquilo era um assombro! Era um assombro de anjos que estava lá espalhado dentro daquela casa. Bom, aí passei. Ele foi para outra sala mais para dentro, que era para onde eles iam todos. Iam ter congressos, falarem uns com os outros e aí já não me deixaram ir. Veio um ao pé de mim: "O senhor agora não (...) ". O padre Helvécio vai ao pé (...) dum dos outros padres e disse-lhe qualquer coisa, que ele depois veio ao pé de mim: "O senhor agora não pode vir para aí. Tenha paciência"! "Olhe, eu ia-me deitar. Ia-me deitar se o senhor me fosse ensinar onde era a cama". "Está bem. Sim senhor". Bom, volto para trás, subi por uma porta dentro duma parede, por aí acima. Em cima - um corredor -, em cima, havia uma sala muito comprida com quartos dum lado e doutro. Ele levou-me lá quase para a ponta, para aquele lado, para a ponta. Ensinou-me onde era a casa-de-banho, e tudo. Eu deitei-me, é claro, pendurei o casaco, despi-me, pendurei o casaco. Eu até pus um lenço meu na almofada, porque a cama podia-se lamber mel em cima. Podia-se lamber mel. Limpinho, aquilo era tudo clarinho que era uma beleza! E depois é tempo que eu também não enxovalhei. Eu ia faltado de dormir, conforme me deitei em cima da cama, assim acordei. Não enxovalhei. Quando fosse a (.../N) , já fazia sol (...) ... Ah, e de noite, eu ouvia uma grande zoada, umas canas que cá estavam em baixo num 'rumeiro' . "Eh pá, deixa-me lá ir ver, ali àquela janela, ver, (...) senão vem aqui algum diabo de noite ter comigo, para onde é que eu hei-de fugir? Eu não conheço aqui nada. Eu estou aqui fechado dentro! Como é que isto há-de ser arranjado"? Vou deitar a cabeça, ouvi aquela zoada, mas depois via mas era um telhado em baixo, não via mais nada.
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INF Eu sabia que era um pouco mais (...) não se abria nenhuma! Não se abria nenhuma! Bom, vim-me embora. Fui para lá para dentro outra vez. Sentei-me numa cadeira ao pé da cama. Sentei-me numa cadeira ao pé da cama, estava assentado ao pé da cama, e preparado, tirei o casaco, pus o casaco pendurado, que isto é preciso a gente saber viver. Daí a um bocado ouço um sapateado por ali fora. Chega lá: "O senhor quer-se levantar"? "Olhe, estou-me a levantar". Estou, estou! Ao tempo que eu tinha lá andado a farejar tudo. "Eu estou-me a levantar". Diz ele: "Então pronto. Posso abrir"? "Pode. Abra". Agarrei no casaco, vesti (...) mais ele: "Já vim por outra banda. Já vim por o outro lado". Depois fui tratar da mula, fiz tudo. E depois fui para a cozinha, fui beber o (...) que eles me deram, tudo, diz o criado de mesa (...) , o criado da (...) cozinha: "Ah, eu ontem estive quase para dizer ao senhor para ficar aqui e comer mais nós. Eles que batam lá com a mão no peito, isso é lá com eles. O senhor ficava aqui" e tudo. "Olhe, e eu agradecia". "Ah, mas eu não sabia as condições do senhor". "Ah! Eu também não passei mal". Bom, diz ele: "O senhor tem lanche para o caminho"? "Pois, não tenho". É claro, eu comia quando eles comiam, à vontade deles. "Não tenho". "Então vá lá buscar uma bolsa (...) ao carro". Vou buscar lá um sacozito, trouxe o saco e ele arranjou-me ali um pão com um bocado de carne - pois não era muito pequeno - dentro (...) do saco. INQ Sim. INF "Você, quando vier o senhor"... Porque eles tinham vindo à missa cá para baixo, para a igreja. "Quando vier o senhor prior, quando venha, que ele procure se o senhor tem lanche, o senhor diz que não. Se não quiser comer, depois deita fora, em chegando aí abaixo, deita fora e vem cá buscar outro". E assim foi. Fui lá buscar outro. Ainda tive que comer cá em casa. (...) Andei um dia ou dois a comer carne e o pão. Tudo. E é claro, diz ele: "Você não se importe, deite fora, que eles têm tudo quanto querem. Eles se têm aqui uma falta duma pera ou duma maçã, eles mandam uma carta a um criado a casa dum lavrador, no outro dia aparece aqui a camionete carregada logo com a mesma saca ". É assim. Vê o que eu passei? Na companhia de padres e tudo. INQ Veja lá. Até, até, até com padres! INF Pois é.
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INF Vê? Conforme contei no outro dia que andei (...) com o meu patrão às costas dentro da barriga da mãe também. INQ Rhã-rhã. INF Também já contei. INQ Pois. INF O que eu passei! O que eu passei! Quer dizer, bom, eu dentro da minha vida soube (...) sempre respeitar e gostei sempre muito do respeito. Muito! Não gostei nunca de babosices (...) dentro das ordens de trabalho. INQ Pois. INF Se há uma paródia, há uma paródia, a gente brinca uns com os outros, e essas coisas todas. Agora dentro das ordens de trabalho, nunca gostei. Andava as mulheres, eu ralhava com elas, porque parte delas, às vezes, são desbocadas. Há criaturas que são desbocadas. (...) Deve ter encontrado às vezes muitas. INQ Às vezes. INF Desbocadas, dentro da brincadeira umas com as outras, são muito desbocadas. Mas (...) mesmo dentro de mulheres casadas, andavam no serviço e tudo e diziam coisas. Depois os rapazes, claro, não podiam ouvir aquilo e depois continuavam. E eu ralhava! Não deixava. E depois eles às vezes, quando depois a gente se desapertava, chegavam ao pé de mim: "Ah, você esteve a ralhar. A fulana disse isto, disse aquilo, disse assim. Elas é que são piores que a gente" e tudo. "Mas eu não quero. Dentro do trabalho não deixo a ninguém. Quero respeito para todos". INQ Pois claro. INF (...) Fui sempre respeitoso, sempre! INQ Ai! Então...O que eu estava a perguntar... INF Eu ia para uma festa, ia para qualquer banda, vinha sempre rodeado de raparigas e tudo, a cantar mais elas, tudo. A minha mulher até às vezes até ralhava comigo: "Credo, deixas-me para trás, nem queres saber de mim, nem isto, nem aquilo". Então, vinham-me a apoquentar, vinham a cantar, vinham..., tudo na paródia, quando vínhamos a andar. Que quase vinha sempre tudo, ranchos na paródia, quando era pelo São João, a cantar, e tudo. Fazíamos bailes, fazíamos aí caramanchões (...) para lá bailar dentro, essa coisa toda em princípio . Eu cheguei aqui a ter uma casa (...) para dar baile aos domingos. INQ Pois. INF Antigamente. Agora há no jazz e há essas coisas todas. Mas antigamente havia tipos que tocavam gaitas de beiços - aqueles realejozitos... INQ Sim. INF Outros tinham uns harmónios velhos - que às vezes até já lá criavam ratos lá dentro deles. Assim a tocar guitarras ou qualquer coisa assim, havia tudo. E eu cheguei aqui a ter uma casa - logo ali à entrada onde está aquele café -, de renda. Eu mais dois rapazes que eram vivos, agora já se foram embora também. Cheguei a ter coiso, para dar bailes, para lá dar bailes. Que a gente, mesmo havia em qualquer casa, íamos pedir. Mas se a menina tinha uma casa, claro, pediam: "A ver se me dava cá baile hoje". "Dou". Então desarrumavam, tiravam a mesa de cima da casa, desarrumavam tudo, a casa ficava limpa, só ficava com aquelas arcas - agora é malas. Antigamente era umas arcas grandes, tinham o milho, tinham os cereais, tinham a roupa, tinham essas coisas todas. Agora, enfim, agora já é tudo mais (...) aperfeiçoado. INQ ... INF Tudo diferente. Depois toca de andar a bailar, toda a noite, agarrado a elas. Agora (...) não sabem! Agora é (...) como baila o meu Hemetério. Isso é danado para bailar! Em ouvindo o coiso a tocar lá, quer é que o avô vá pôr a telefonia do carro a tocar, a pôr as (...) cassetes. E ele começa logo de caminho também, como as cachopas agora, assim a fazer aqueles movimentos e a bailar, assim é que é andar a bailar. É como a ele, como o meu Hemetério. Ele é que sabe bailar à moda de agora. E a acenar, e assim com a cabeça e depois assim a voltar-se todo.
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INF Mas havia antigamente, que o meu sogro fazia-o, por exemplo, a lã, um bocado de lã. Arranjava um bocado de lã, com um bocadito de pedra, com uma pedrazita comprida - que havia às vezes umas pedras assim compridas que se encontram aí no chão, assim compridas, delgadas, assim compridas -, e punha aquilo na ponta atado no coiso (...) e andava com aquilo. E andava até a guardar gado e andava com aquilo assim, aquilo andava à roda e depois ele na lã (...) ia puxando, ia tudo. INQ Ah! INF Quer dizer, fazia um novelo grande de fio de lã para depois fazer (...) qualquer coisa, qualquer peça (...) de roupa, qualquer tecido, qualquer coisa que podia fazer, faziam. Os homens teciam muito isso. Faziam. INQ Rhã. E esse linho que o senhor fa- sabe mais ou menos o que se lhe fazia, em que zona é que havia, havia esse linho? INF É que se dava isso? INQ Aqui havia? INF Não. A zona (...) mais principal que havia é ali naquela área ali de Ferreira do Zêzere. INQ Rhum-rhum. INF Ali... Não conhece Ferreira do Zêzere? Não conhece? INQ Não conheço. INF A gente é que vai direito ao Cabaço, é a estrada que vai para Coimbra, para dentro. A gente chega ali (...) a Tomar, passa o rio para aquela banda, e vai (...) nessa zona, (...) nessa parte do rio, daquele lado. INQ Rhum-rhum. Rhum-rhum. INF Junto à praça de touros, tudo por ali acima, segue (...) direito a Ferreira do Zêzere, direito ao Cabaço. (...) Antes de se chegar ao Cabaço, está uma estrada que volta que é (...) para o rio Zêzere, que (...) é para lá, (...) para o coiso, que vai direito ao rio fundeiro. E havia aí uma quinta, que era a Quinta do Castelo - que era até (...) da mulher (...) do meu patrão antigo, do primeiro -, era a Quinta do Castelo, que vai direita ao rio fundeiro, uma quinta grande, direitinha. Eu fiquei lá algumas das vezes, na quinta que ali estava. Ia num dia e vinha no outro, que até levava um animal mas era muito longe e ia assim. (...) E havia aí essa quinta é que usavam muito. E eu fui até aí buscar essas gramadeiras - chama-se umas gramadeiras -, fui buscar para ali para o Lombão, por conta do meu patrão, que é ali do Tejo para lá, é uma quinta grande que está ali, que é do mesmo patrão, o mesmo daqui, para eles gramarem o (...) cânhamo. Lá gramavam o linho. Semeavam o linho, o linho, é claro, é (...) uma planta assim alta, quer dizer, tem depois a semente em cima (...) umas bolhinhas como os tais bichos de contas!...
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INQ1 Olhe, quando está a serrar, aquele pozinho que vai s-, que vai caindo... INF Serradura. INQ1 Rhum-rhum. INF Oh, isso são coisas que vêm logo caminho à bola. INQ1 E, e a madeira às vezes quando está velha ganha assim aqueles buraquinhos, que também fazem muito pó... INF Pois. INQ2 Cai aquele pozinho... INQ1 E depois tem lá um bicho. INF Tem. Ele ganha lá uns bichos dentro, o bicho da madeira. INQ1 Sim. INF É carunchosa. INQ2 Portanto, esse, esse pozito... INQ1 Diz que a madeira tem o quê? INF A madeira (...) tem aquele pó, quer dizer, tem caruncho. INQ2 E esse pó como é que lhe chama? INF (...) Tem caruncho, (...) tem o coiso. INQ2 E o bicho é o bicho da madeira? O bicho que faz isso? INF (...) O bicho da madeira, pois. INQ1 Olhe... INF (...) Aquele bicho da madeira é exactamente como aquele bicho que a gente chama a cobrilha. INQ1 Rhum-rhum. INF Há no sobreiro (...) entre a casca e a cortiça. É exactamente. O bicho é exactamente. O que é é que o outro é assim mais espalmado e tem articulações, tudo espalhado assim por o coiso. Tem articulações para se mover lá dentro. INQ1 Rhum-rhum. INF Isso dá cabo, tira o viço ao sobreiro. Uma pessoa vê-se perdido quando é para arrancar a cortiça. Vem casca e vem tudo.
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INF Dantes ia para os bailes, (...) para os arraiais nas festas, que antigamente bailava-se. Agora não se baila. Agora têm medo. Os rapazes têm medo de se agarrar às cachopas. E a gente bailava. (...) E andava lá aos dois e três dias na festa, lá comia, e lá dormia e lá estava. Davam-me o comer e a cama para dormir e tudo, (...) para andar a cantar, fazer as rodas e bailar (...) quando a música não tocava. Era assim. INQ1 Aqui que, que danças é que havia? INF Que danças? Várias. É que antigamente (...) aqui tínhamos aqui um rancho - e eu cantei por ali algumas das coisas, mas também queriam modas antigas, estilos, bom, vamos lá por aqui. Eu sei parte de alguns coisos e tudo, mas bom, (...) sei o coiso da música, quer dizer, o estilo da música. O que é que depois tem diferença: a gente tem depois (...) outras quadras para cantar e lá vai bater na mesma. INQ1 Rhum-rhum. INF (...) Ontem cantei aqui foi a... Que era por causa de falarmos na abóbora, não é? INQ1 Pois. INQ2 Rhum-rhum. INF É claro, é o estilo. Mas vai-se buscar mais quadras, disto e daquilo, mas depois vai morrer sempre naquela, está a perceber? INQ1 Rhum-rhum. INF É claro, que eu dizia...