PST01
INF Vai-se começar (...) por a vinha (...) . INQ1 Exactamente. Como é que se começava desde o princípio? INF A vinha no o princípio era uma relva que estava; a gente abria as mantas, metia-se o bacelo, botava-se adubo, e pronto, ficava plantado. E depois, ia-se cavando todos os anos para e coisa. Assim . (...) Até à vinha crescer. Depois (...) a cabo de dois anos, já começava a deitar uns cachinhos de uvas. E depois ia andando, ia andando (...) até (...) formar parreira (...) e dar uvas. Era assim. Sim, sim. Nem tem outra. INQ1 Sim, senhor. E não tinham que... INF Enxofrar. INQ1 Pois. INF É. A primeira coisa era: a vinha rebentava, enxofrava-se. Depois, estacava-se. INQ1 O que é estacar? INF Estacar é levantar a vinha com as estacas. Vá; (...) há vinhas (...) aramadas, não é? Essas não são estacadas e a da nossa vinha é diferente. A gente... A vinha é assim rasteira e a gente arranja umas estacas mais ou menos (...) assim, para ficarem levantadas do chão, para (...) a uva não se estragar no chão (...) e o vento (...) não a sacudir. Pois. INQ1 E portanto aqui assim, o bacelo que punham já era daquele que ficava definitivo ou ainda tinham que... INF Pois, agora já é diferente. Agora vem um bacelo barbado, de fora, e a gente planta à mesma: abre-se os talhos, planta-se a vinha, cava-se - todos os anos, já se sabe -, cava-se, dá-lhe-se mimo, rega-se, e depois enxerta-se. Chega-se ali (...) ao mês de Fevereiro, enxerta-se a vinha. Pois .Uns pegam, outros não pegam. Sim É assim Assim . INQ1 Pois. E enxerta como? Como é que é o enxerto? INF Enxertado... Eu posso-lhe fazer um enxerto. INQ1 Não, faça-me, diga-me, explique-me só com as mãos como é que fazia... INQ2 Explique, explique... INQ1...ou é difícil? INF Não, não! (...) Eu posso trazer (...) uma vide aqui, num instante INQ1 Ah, está bem. INF e eu faço-lhe um enxerto. INQ1 Sim senhor. INF (...) Eu não me demoro aqui. INQ1 Desculpe lá. INF Faz de conta que este pé, este é o barbado, está no chão e tem-o na terra tem uma terra . INQ1 Sim, sim. INF A gente vai a ele com a tesoura - nem é com a navalha, é com a tesoura - corta-se assim direitinho, e depois, faz-se assim: escala-se. INQ1 Dá-se um golpe ao meio. INF (...) Isto é o enxerto que a gente vai meter que é para dar as uvas. Este, assim com dois olhos, mais ou menos. Mais ou menos este. A gente faz agora. Há gente que faz assim, e assim. Mas ele ainda dizem que a gente, cortando por este lado, que corta a veia (...) do olho. A gente faz assim. Eu tenho uma navalha melhor, de enxertar, mas eu não tenho aqui. Mas eu tento . A gente faz assim... INQ1 Portanto, não se deve cortar por baixo do olho INF Pois não. INQ1 deve-se cortar do outro lado. INF Por este lado não, porque corta (...) INQ1 A raiz, com certeza. INF (...) as veias da vinha. Bom, fazem assim. Bom, este é (...) é o pé, que é o barbado, e a gente... INQ1 O barbado é a qualidade. INF O barbado há de tantas qualidades. INQ1 Ai, há barbados de várias qualidades? INF De várias qualidades. INQ1 Portanto, o barbado é aquele que está metido na terra, que foi plantado... INF Na terra. E este, este é o listrão - digamos assim - ou o boal, ou o verdelho ou o que a gente quer enxertar para dar. Pronto. Isto agora (...) leva aqui uma palhinha, uma palhinha destas de banana. (...) Sim, põe-se uma palha de banana ou uma palha de arroz. Embrulha-se isto aqui bem embrulhado; dá-se-lhe aqui (...) uma coisinha de (...) o que que ele tem na junta (...) - como é que se diz? - uma pomada preta e tapa-se isto. Tapa-se aqui o corte para pegar. E é assim. INQ1 Sim senhor. E como é que se chamava esse enxerto? Chamava-se enxertar como? INF É enxertar, não tem outro nome. Enxertar. INQ1 Enxertar. É a única maneira de enxertar é essa? INF Enxertar é enxertar. (...) Nem sei outro nome, senão enxertar. INQ1 Sim senhor. Nunca se chamou um garfo, a isso. INF Sim, chama-se um garfo. Chama-se. Chama. INQ1 Chama-se? A quê? Essa parte... INF (...) Meter um garfo. INQ1 Meter um garfo. INF Meter um garfo. INQ1 Sim senhor. Olhe, e a, a vinha... Portanto, essa, as parreiras e isso, podem ser assim estacadas, como o senhor explicou há bocadinho... INF Pode ser (...) e pode subir e fazer em fazerem latadas à mesma. Deixa esta vara crescer, este olho, por exemplo, rebenta, deita uma vara comprida, sobe para cima o que a gente quiser. Se ela for corta este ano, para o ano (...) sega-se os ali de baixo, para ficar só as duas ou as três em cima na ponta. Por exemplo , (...) ela rebenta e rebenta aqui em cima, os olhos. Mas se a gente quer que ela dê latada, deixa-se-lhe estes olhos só. E logo no podar - como é que se poda - (...) não sendo para a latada, a gente poda mais ou menos assim neste comprimento, (...) - três olhos. Em sendo para a latada, deixa-se-a crescer, para cima a ser na altura que a gente quiser. E depois, chegando ao tempo da poda, a gente sega-se esses olhos todos e deixa-se este só. Ela vai lá; rebenta a vara. Já não põe força aqui; põe a força aqui . Deita uma vara grande - tendo humidade e adubo. (...) Deitou a vara que começa-se a fazer uma latada. No primeiro ano não fica, mas ao cabo de uns três anos, faz uma latada grande. INQ1 Sim senhor. E, portanto, é costume fazerem latadas, aqui? INF Fazem aqui, está latadas por aqui fora. (...) INQ1 E as latadas são ao pé das casas ou são mesmo no, no campo, no, no... INF Não, é mais ao pé das casas. INQ1 Mais ao pé das casas... INF (...) Fora das casas só é vinhas aramadas. INQ1 Sim senhor. Olhe, e nunca havia uma maneira de criar uma, uma parreira nova, que era meter por baixo do chão e fazer para, por baixo da... INF Sim, isso é mergulhias, que isto este faz. Por exemplo, tem-se (...) uma parreira que tem uma vara comprida; a gente leva-lhe ao chão rente ao troço, abre-se uma vala e ela vai nascer acolá.
PST02
INQ Como é que se diz que está a começar? INF Está rebentando. INQ Está rebentando... INF A vinha arrebentou. E já se vê se traz muito, se traz pouco. INQ E depois a seguir? INF Há podas que traz três cachos, um olho. A poda pode deitar sete, oito cachos. Cada olho deitando dois cachos, tem três. INQ A poda, o que é que o senhor chama a poda? INF A poda é quando a gente chega ao tempo - a Janeiro - podar. INQ Ah! INF Podar a vinha. INQ Sim. INF Está a perceber? É o tal que eu já lhe disse. INQ Sim, sim, sim, sim. INF (...) Quando é para ficar rasteira, poda-se. Quando é para subir (...) uma vara, deixa-se aquela vara comprida para se fazer a latada. INQ Pois, pois! Pronto. E depois aquilo tem os... Começa-se a ver os cachos a formarem-se, não é? INF Pois. INQ E não tem uma florzinha? INF Como ? INQ Não dá flor, nessa altura, quando se começam os cachos?... INF Abre a flor (...) então para gerar (...) o bago. Abre a flor... INQ E depois a certa altura a flor cai também. INF A flor cai, quando gera. Começa a gerar o bago, a flor cai. INQ E o que é, quando, como é que se diz, nessa altura, que está a, que a vinha já está a quê? INF A vinha, nessa altura, está rebentada diz : "Olhe, já está a abrir a flor". E depois, ao a cabo de tempo, (...) já está a chegar pé da flor; já a gente enxofra, que a flor é mais reles a enxofrar. INQ Sim senhor. Portanto não se diz a vingar, já está a vingar... INF Já está vingada. Não precisa mais é outra coisa. É a tratar. INQ Sim senhor. INF Com enxofre (...) Eles agora costumam de lavar a vinha. Mas, hoje, esses produtos que vêm para lavar as vinhas, eu acho que nem é muito bom. INQ Para, para quê? Para lavar? INF Para lavar a vinha, para livrar (...) de podres e de coiso. INQ Ah! INF (...) A gente de primeiro era só enxofre. E não apodrecia tanto as uvas. INQ Pois. INF Sim senhor. INQ Nunca se lhe dava sulfato aqui? INF Era só com sulfato (...) e enxofre. INQ Ah, e enxofre. INF Sulfato em pó. Baralhava-se no enxofre e depois enxofrava-se. E (...) , e não apodrecia (...) . (...) Agora é até ter lavagem e lavagem e lavagem lavares e lavares e lavares ; olhe: apodrecem sempre cada vez mais.
PST03
INF1 Quando se vai apanhar, vai-se fazer a vindima. Vá, vai-se fazer a vindima. Fala-se a homens - quem não tem homens - (...) faz a vindima.... INF2 Vai-se fazer a vindima... INQ Porque, porque aqui os campos de, de vinho eram muito grandes, eram? INF1 Pois! Agora já não têm metade do que tinham. De primeiro, tinham o carro de bois, arranjavam umas tinas, punham em cima do carro para transportar as uvas. INQ E como é que faziam? Portanto, o carro, o carro de bois estava com a tina num sítio, não é? E as... INF2 (...) INF1 Estava com a tina num sítio e a gente ia apanhando e deitando dentro. INQ Não, mas iam-na apanhando para dentro de quê? INF1 (...) Apanham-se para dentro dos cabazes, (...) destes de vime - de cestos de vime - (...) . INQ Destes redondos? INF1 Sim, e ia-se deitando dentro das tinas. INQ Mas as pessoas não andavam com uma coisa aqui assim ao INF1 Não. INQ para pôr os, os cachos? INF1 Não. INQ Para depois vazarem para dentro, não? INF1 Ah, andava-se (...) com outros cestos mais maneirinhos, para deitar dentro. INQ Que andava assim ao, ao braço? INF1 Tem uma asa. Não, andava no chão mas quem quisesse podia fazer assim . INQ Tinha uma asa. Olhe, e quando se faz a vindima, depois de fazer a vindima, não ficam para trás, às vezes, uns, uns cachos pequenos? INF1 Isso é rabisca. Isso é para os miúdos a rabiscar.
PST04
INQ E não, não espremem aquilo? INF1 Então não espremo espreme . Depois, leva uma corda, toda à volta, sempre, sempre, uma corda, e depois chega acima, põe-se uma tábua em cima. INF2 O Um frascal. INQ Como é que lhe chama, a essa tábua? INF1 (...) É uma porta. A gente chama porta, (...) a porta do lagar. Faz-se o frascal... INQ O frascal é aquelas uvas todas juntas ali à volta, os engaços... INF1 Põe-se a corda, depois põe-se a porta, e depois tem uma pedra, a gente anda com o fuso, a gente anda de roda e espreme a... INQ Ainda tem um lagar desses? INF1 Aqui não tem. INQ Ah, já não tem. INF1 Aqui em cima tem. INQ Portanto, anda com, com isso à volta... Olhe, e aquela, aquele, portanto aquilo tinha assim uma coisa grande, que passava dum lado, que assentava. INF1 É a vara do lagar que a gente chama. INQ A vara. INF1 A vara. INQ E na vara... INF1 E tem o fuso... INQ O fuso... Aquele sítio onde, onde o fuso atravessa a vara, que tem lá uma coisinha que é... INF1 Uma concha. Chama-se a concha. INQ A concha. A concha, portanto e aquilo vai ser... INF1 Aquilo tem um, feito numa rosca e sobe e desce. INQ E esse fuso tem em baixo uma pedra grande? INF1 Tem uma pedra grande... INQ Como é que lhe chama a essa pedra? INF1 É a pedra do lagar. Tem um furo, e a gente enfia uma cavilha, na pedra e enfia no fuso e (...) é atarraxada e depois anda de roda. INQ Anda de roda. INF1 Depois vai-se andando de roda, a pedra vai subindo até levantar. Depois a pedra está assim um bocado no ar, pára-se, para tomar o peso (...) INQ Da vara. INF1 da vara, (...) da pedra. INQ Da pedra, pois. E depois de já estar isso tudo espremido ainda espremem outra vez, ainda cortam ou não? INF1 Depois corta-se, que é (...) para se fazer água-pé. Depois de fazer o vinho, faz-se água-pé. INQ Portanto... INF1 E é feito da mesma maneira, outra vez. Torna-se (...) a espremer, a bater com os pés e fazer o frascal e INQ E pôr a corda à volta... INF1 pôr a corda à volta para tirar água-pé. E depois deita-se o bagaço fora.
PST05
INF A gente chama-se aquilo, oh, é uns paus que a gente põe ali.
PST06
INF1 Sendo uma pipa grande, lhe chamam a pipa, mas estas esta chama-se é cartolas - ele são mais (...) ... INQ Olhe e aqui assim, antigamente, não havia uma coisa que na Madeira eu, eu, nós encontrámos, que era umas peles de cabra para transportar o vinho para... INF1 Borrachas. INF2 Borrachas. Era borrachas. INF1 Era feito de cabra, com uma cabra. INQ Havia também cá, borrachos? INF1 Havia. INQ Como é que faziam, como é que preparavam, como é que preparavam o borracho? Ainda preparou algum ou não? INF1 (...) Não, não. A cabra era morta por um ouvido e era por o um ouvido. Era morta por um ouvido para não estragar (...) a pele e depois tiravam-lhe (...) a pele e estufavam e faziamum borracho. INQ O que é estufar? INF1 Estufar é (...) amarrar (...) as pernas e a coisa; é de ficar só a boca; (...) estufar para ela estufar e pronto. INQ E não, não lhe cortavam o pêlo, não rapavam? INF1 O pêlo era todo cortado, primeiro, para então depois começar a continuar a acartar vinho.
PST07
INQ1 Portanto isto eram, aqui era uma levada, era? INF1 Era levadas. INQ1 E que vinham de aonde? INF1 Vinha dos matos desde lá de cima. INF2 (...) INF1 Vem daqueles picos a água ter aqui. Tem uma levada assim por aí fora e vai-se sempre metendo água dentro, naqueles ribeiros, tapa-se (...) . INQ1 Mas não havia uma nascente, não havia nascente, lá? INF1 Não, aquilo vem; isto não é água de nascente. Isto é água que, quando chove, obedece às levadas (...) . INQ1 Era só de, de, de... Mas, mas não há nascentes cá na ilha? INF1 Há nascentes mas é umas coisas só para se beber (...) . Não há nascentes (...) de encher poços. INQ2 De grande quantidade de água, não? INF1 Não há. INQ1 Olhe e nunca cá se fez daqueles poços de furo, para ver se havia água? INF1 Então não fizeram? INQ1 E não há? INF1 Aqui, eles andaram fazendo e deram com água. INQ1 Então, e para onde é que foi essa água? INF1 Mas essa água é dum senhor (...) de Lisboa. Veio aqui (...) umas máquinas por conta (...) do governo; veio e andaram aí a experimentar a água. Mas depois condenaram a água, que a água diz que era muito salgada. Condenaram, a água. Bom, agora veio um senhor - que ele não sei bem o nome dele -, já tem aí uma casa no Porto Santo. É um homem, um senhor muito rico, tem (...) um bocadinho de fazenda e agora tem andado aí a explorar a água. Foi o que ficou lá em baixo com o Novo Mundo. O hotel, o Novo Mundo. INQ1 Ah, sim, sim. INF1 Ele ficou com o hotel Novo Mundo. E agora, ele está explorando esta água, que é para juntá-la toda e levá-la para lá. INQ1 Pois é. Mas isso faz cá falta é aqui para estes sítios, não é? INF1 Não faz falta que ela estava perdida. Se um dia ele não aproveitasse, a gente não sabia, eles não sabiam dela.
PST08
INF1 Acolá, aquelas plantas é que é salgueiros. INQ1 Qual? INF1 Aquelas que estão acolá. INF2 (...) INF1 Aquela que está Aquelas que estão acolá, na roda do caminho, ali naquele pé, que está no caminho? INQ1 Sim. INQ2 Sim. INF2 (...) Aquelas mais verdes (...) . INQ1 Estas mais verdes. Ah, isso é que chamam salgueiro? Aquilo é, para nós é cedro. Para mim aquilo é cedro. INQ2 Cedro. INF1 Hã, hã, ao contrário! INQ2 Pois é. INQ1 Porque, para vocês, a tamagueira é, é tipo cedro. INF1 É cedros. INQ2 Ah! INQ1 Está bem. Bom. Corte na gravação original INQ1 Claro, para a gente saber. Portanto, a zona do vinho do Porto Santo, era esta aqui, da Camacha. Ou havia outras zonas aqui da ilha onde também havia, onde também se fazia? INF1 Então não havia? (...) Havia aqui esta zona que se chamava as Alagoas - quando se alevou - e havia aqui, por aqui abaixo... Como é que se chamava? INF2 As Areias. INF1 As Areias, mas havia, mas tinha outro nome. INQ1 Mas isso eram vinhos diferentes ou não? Ou era o mesmo vinho? INF2 Havia (...) . INF1 Não, para aqui (...) era vinho de 'canim', chamavam 'armourio'. INQ1 Sim. E o seu é listrão. Aqui assim... INF1 Não. Eu, este que eu tenho é 'armourio' e o listrão era aqui mais numas alagoas que havia. Aquelas areias era mais 'canim'. (...) Tanto se dá o nome de 'canim', como lhe dão o nome de 'armourio'. Na Madeira é o mesmo vinho e davam lá dão o nome de 'canim'. INQ1 Eu sei, eu sei qual é. E esse é, as Areias era o quê? Era uma terra mais de areia, também? INF1 É mais areia. INF2 Por a parte de... INQ1 E tinha que se pôr mais fundo, não, o bacelo? INF1 Mais ou menos. INQ1 Era a mesma coisa que aqui? Meio metro? INF1 (...) E é um lugar que dá (...) , chovendo, não precisa regar. Dá mesmo sem regar. Mas é preciso chover.
PST09
INQ1 Do senhor Abílio? INF Do Abílio. Porque andava na caça, no primeiro dia de caça. INQ1 Sim. INF E, já se sabe, andavam todos (...) , quatro ou cinco, a caçar e o rapaz meteu-se com a espingarda num certo sítio - neste, enfim, nestes cedros, tamagueira, naqueles cedros que está acolá... INQ1 Sim. INF E o outro rapaz, que acho que viu o coelho, atira ao toiro (...) e deu nele. Não o viu. Diz que não viu. Ora, primos, filhos de irmãos, é impossível que... A não ser que fosse uma zanga bem funda (...) nunca a gente quer a morte. INQ1 Pois, claro, claro, claro. É evidente. Claro. Não. Não, claro. INF E dá-lhe o tiro... Bem, ele, não sei se é o lado o direito se é o esquerdo. O olho que lhe saltou logo. E este diz que está muito cosido. E dizem que este olho que comunica com este lado. INQ1 Pois. INF Claro Eu cá , já se sabe, eu não sei ler e não coisa. INQ1 Claro. INF E então ele está do olho que... E o outro olho, ele não vê nada. Do lado que ele tem o olho, está paralítico e do lado que não tem o olho, mexe mas... O pai diz que lhe perguntou se ele o que é que dizia, se gostava mais da noite se do dia. Ele disse: "Pai, de que serve eu dizer, porque eu não sei se é noite se é dia". INQ1 Coitado. INF E era o chefe (...) do gado da serra - um rapaz (...) que se desenvolvia com carneiros, com vitelos, com cabritos, com cabras. INQ1 Mas ainda era novo? INF Ah, um rapaz talvez dos seus trinta e um, trinta e dois! INQ1 E que, mas quando é que foi? Foi este ano, agora, na caça? INF Foi no primeiro dia de caça. Eu nem sequer sei em que dia foi. Foi agora no primeiro (...) de Outubro, talvez, ou no dia dois. INQ1 Que horror! INF Sim senhora. INQ1 Ai, isso deve ser uma tristeza! INQ2 Ai, que horror. Olhe que o outro, que deu o tiro, também deve estar... Coitado. INQ1 O outro também deve estar... Claro. INF Oh, deve de estar mas está com saúde e não teve culpa e o outro que (...) tinha a sua vida por a frente, INQ1 Pois. INQ2 Pois é. INQ1 Claro. INF que se arranjava tão bem; um homem que tinha tanto gado, tinha aquela serra toda por sua conta mas... Foi uma coisa, uma coisa INQ2 Que desgraça! INF que a gente... Foi, foi. Que ainda ontem (...) - antes de ontem, domingo - o senhor Abraão (...) , que tem dois supermercados, esteve aqui, falando até com o meu marido - é um senhor que veio ver se comprava esta fazenda, (...) um senhor do Funchal - e ele disse: "Foi (...) a quebra maior que houve no Porto Santo foi aquele rapaz". Que era um rapaz que transportava carne, para os supermercados; então já sabe que (...) tudo gosta é de carne fresca; tudo gosta é carne fresca e o homem tinha. Sim senhor. INQ1 Coitado. INF E é assim INQ1 Realmente. INQ2 Que pena! INF a nossa vida.
PST10
INF Sim, também se dizia: "Está, estava lá; olha, lá está ela focinhando". Enterravam-se. (...) Porque - já se sabe - naquele tempo, a gente, era um poder de filhos e não havia comer, não haveria. Mesmo o dinheiro era pouco e não havia tanta experiência como agora. Isto agora... Não havia electricidade naquele tempo, não havia ferro eléctrico, não havia nada. Nem casas-de-banho havia! INQ1 Pois, pois. INQ2 Pois. INF Para quem era mais pobre, não havia casas-de-banho. Eu cá, lembra-me muito bem, que eu já vou fazer sessenta (...) e três anos, lembra-me muito bem de as coisas que havia, pobrezas... INQ1 Pois. INF Chegava-se ao Natal; toda a gente estava desejando de chegar ao Natal, que era para comer massa e arroz e um bocadinho de carne. E minha mãe chegava a partir uma laranja para dois, porque não havia, não havia dinheiro que comprasse. Havia laranjas mas não havia dinheiro que comprasse. INQ1 Pois. INF O meu pai era lavrador. Se chovesse, que o meu pai tivesse trigo e cevada para o ano inteiro, a gente tinha a nossa fartura de pão. Mas se não havia para o ano inteiro, era deste milho! Ia-se buscar este milho, havia moinhos de vento, aqui - que agora só há um, mas o dono até morreu - e moía-se e a minha mãe fazia milho, como agora se faz deste, destas arepas, da farinha da Venezuela. INQ1 Ah, pois, pois. INF Mas a gente cá fazia era da nossa casa, milho. Se havia leite, comia-se com leite, se havia peixe, comia-se com peixe e se não havia peixe, minha mãe fazia café, dava uma chávena de café a cada um e a gente comia com o milho. E dava um jantar! Sim senhora. INQ1 Pois, pois. INF E eu bordava, quando eu era mais pequena, bordava, bordava... Eu enchia os lenços à roda e minha mãe então fazia o cantinho, que era para ir todo para casa. Trabalhei tantos anos para casa. Acertei o casamento ia - também ia fazer dezasseis anos - com este maluco que andou sempre atrás de mim, que isto é mais velho dez anos que eu! (...) Acertei o casamento, tinha uma colcha e um guardanapo, até era um paninho de tabuleiro. Mas fizemos aquela capela - que é de Nossa Senhora da Graça - foi com romagens e com ofertas e tudo! E dava-se aqueles paninhos, aquele croché e tudo, que era tudo para vender, para a ajuda da capela. Ora, veio uma senhora dali de cima tirar uma ofertazinha, para cada uma dar o que quisesse. Eu nem sequer ainda tinha mala, direitamente , porque - já sabe - primeiro a gente comprava a nossa malinha; agora é que há tudo isto, há as arcas (...) e estas cómodas e tudo... INQ1 Mas antigamente era com... INF Era uma malinha, que minha mãe tinha, meia velhinha e disse: "Olha, pois a mãe vai-te dar aquela malinha para tu pores as tuas coisinhas". Ora, (...) tinha a colcha e o guardanapo, veio uma senhora e disse: "Olhe, venho aqui (...) ver se nos quer dar alguma coisa para a capela, porque vai-se fazer a romagem, vai-se levar areia e tudo". E eu vou àquela mala e dei o guardanapo. Ora, uma rapariga que já andava para casar, que tinha uma colcha! INQ1 Pois é! INF Mas dei o guardanapo a Nossa Senhora, graças a Deus! E a minha vida foi crescendo e depois eu casei-me; fiquei logo grávida porque eu estava menstruada, fiquei logo grávida. A cabo de, se pode dizer, antes dum ano, tive um menino mas estive muito mal, o menino morreu. Depois mais, ao cabo de mais dois anos, veio mais uma menina, e daí veio, veio, veio, tenho sete, graças a Deus. Tenho um filho na Holanda, trabalhando num hospital, tenho uma rapariga casada, tenho este filho daqui, e tenho três em casa. INQ1 Que ainda são novos? INF Tenho uma rapariga que trabalha no hotel de Porto Santo, que é a subchefe, trabalha no restaurante, que é a Adelina e tenho dois solteiros, em casa e aqui vamos à conta de Deus. INQ1 Sim senhora, que bom! INF E eu bordava, bordava, bordava, o bocadinho que me ficava, bordava. Depois a minha filha, a mais velha, foi crescendo e eu fui para a fábrica da conserva, ainda trabalhei dez anos lá, mas depois acabou. Trabalhei em casa duma senhora, a dias. Ia lá umas horazinhas, a minha filha ficava em casa. Depois também eu fiquei, das pernas, que estou muito doente das minhas pernas, eu nem posso me ajoelhar. Ando. Andar, ando; mas me ajoelhar e a coisa, não. INQ1 Pois, pois. INF Sempre me tratando. O Senhor Doutor já me quis operar dos joelhos mas eu não quis. O Senhor Doutor Absalão e o Senhor Doutor Abúndio e eu nunca quis ser operada. INQ1 Pois. INF Depois deixei de trabalhar nessas casas (...) dessa senhora. Depois eu falei com o senhor lá (...) da Caixa e disse: "Olhe, Senhor Acácio não posso trabalhar, como é que vai ser a minha vida"? Ele disse: "Olhe, a Senhora Adeltrudes traz-me os seus papéis, que é para a gente ver o que faz, ver se pode"... Então, graças a Deus, fui ao Funchal, a uma junta-médica e, graças a Nossa Senhora, pedi tanto a Nossa Senhora de Fátima que me auxiliasse, a ver se eu ganhava qualquer coisa, então, graças, fiquei ganhando. Nessa altura, era treze contos, mas agora, graças a Deus, já se sabe... INQ1 Que era poucochinho. Vai subindo. INF É vinte seis, mas nem se vai dizer que é uma fortuna, mas sempre é melhor que nada. INQ1 Pois. Não é uma fortuna, não. INQ2 Pois claro que não é. INF E aqui vamos à conta de Deus. INQ Sim senhor.
PST11
INF1 Chega-se ao Natal, oito dias antes do Natal, quinze dias antes do Natal... INQ É o dia de quê? INF1 É o dia da morte do porco. INQ Sim senhor. INF1 Amassa-se o nosso pão. Quem tem pão, farinha de casa. Amassa-se o nosso pão, põe-se o nosso pão, dum dia para outro, preparado. (...) Quem tem vinho, tira dois, três garrafões de vinho, põe ali... INQ E o que é que se faz? INF1 E o que é que se faz? Às vezes... INQ Há um homem que vem para... INF1 Vem matar o porco, já se sabe... INQ Como é que se chama esse...? INF2 Matador. INF1 É o matador (...) . Faz-se, olhe , faz-se o nosso comer, ou o nosso almoço... Quando o porco é morto de manhã, faz-se almoço (...) às vezes de peixe, que é por causa de na parte da tarde ser o sarapatel, da fressura do porco. E quando é na parte da tarde, (...) espera-se que eles abram o porco e tire tirem a fressura - como a gente lhe chama -, já temos o sangue a escaldar, para esfarelar, para deitar naquele guisado e depois está o guisado pronto. Põe-se tudo na mesa, com semilha, com cenoura, com a... INQ Sim senhor. Então mas pronto. Mas o matador? O que é, o que é que se tem que fazer ao porco antes, quando está, quando chega o matador? Tem que se agarrar o porco e pô-lo aonde? INF1 Abre-se o curral, eles pegam com uma cordinha, aí uns quatro ou cinco homens deitam o porco no chão e... E lá vai, lá ele vai. O matador mata. INF3 E pronto e mata-se. INF2 Mas até é engraçado . INQ E então não, e quem é que agarra, onde é que, como é que se agarra o sangue? INF1 Agarram nas pernas, agarram no rabo e... INQ Não, o sangue? INF1 O sangue? É qualquer uma rapariga (...) , ou rapaz, que não tenha medo! INF2 Rapariga ou rapaz! INQ Sim senhor. E leva o quê? INF2 Uma vasilhinha qualquer. INF3 Uma banheira. INF1 Leva uma banheirinha. E chega a dentro de casa, a gente faz-lhe uma cruz, naquele sangue, aquilo faz um ... INQ Portanto, é uma banheira sem nada dentro? INF1 Uma banheira sem nada dentro. INQ Nem sal, nem nada? INF1 Nada. Aí chega-se a dentro de casa, faz-se uma cruz naquele sangue, aquele sangue parte, fica em quatro quartos e depois descansa um pedacinho; deita-se, aquece-se a água na panela e deita-se a água dentro da panela, deita-se aquilo dentro da panela, aquilo coze; depois esfarela-se, noutra vasilhinha, fora, noutra banheirinha e depois - quando a fressura também vem do porco - é deitada dentro da panela para escaldar. Depois é tirada, dá-se-lhe um banho em água fria para arrefecer, para a gente cortar tudo aos bocadinhos e cozer com cenoura, com semilha ou com tomate ou... INQ Sim, sim. Isso... E isso é que é o sarapatel? INF1 Isso é que é o sarapatel. É um jantar.
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INF Isso as tripas, às vezes, alguém, há quem aproveite e, às vezes, há quem não aproveite. INQ Ai é? INF Aquelas muito grossas, muito coisa, que têm muitas voltas, há gente que não aproveita; mas, de primeiro, aproveitavam tudo. De primeiro, até quando o porco era morto de manhã, até para o jantar - ah, com licença - INQ Não faz mal. INF para o jantar já havia (...) esse jantar de tripas, feito com arroz, um arroz bem temperado. Ficava bom, porque aquilo era bem rapado (...) . Minha mãe, que Deus haja, ia para a casa de uma tia minha, defronte ao hotel Porto Santo e a gente ia, pequeninas, a gente ia. Ia-se a pé, por aí abaixo. Dava-se a mão aos irmãos, que eu também tive cinco irmãos, e: "Vai para a casa do tio Acanto" - isto é que a gente lhe chamava: - "Vamos a casa do tio Acanto, até à para a morte do porco". INQ Sim senhor. INF (...) Minha mãe, que Deus haja, mais minha avó, rapava aquelas tripas e minha tia cá era só para destinar, para estar só com a lista, de ver quem é que queria a carne. Porque matavam o porco - um queria três quilos, outro queria quatro e minha tia tinha aquela lista e ia dizendo: "Olha, dois quilos para fulana"! Nem podia sequer fazer o jantar. Minha mãe mais minha avó é que tomava conta do jantar. INQ Pois. INF E era assim. INQ E portanto, essas, havia as tripas mais grossas e outras mais... INF Sim. INQ Mais quê? INF O intestino mais grosso. INQ E o outro era mais quê? INF E o outro é o intestino mais fino. INQ Mais fino. E depois... INF (...) Perto do bucho. Sim senhor. INQ O bucho. Havia o bucho do porco. INF Havia o bucho. INQ Olhe, e na fressura, aquelas, bocados de... A fressura era o quê? INF Tem o fígado, tem o coração e tem o bofe. E a passarinha é tirada separada. A passarinha, até fazem uma espetada; antes de estar a coisa, até fazem uma espetada da passarinha. INQ Ah, sim senhor. Olhe, e as tripas, não estavam todas agarradas por uma coisa, uma pele que era toda à volta? INF Tem. INQ Como é que lhe chamavam? INF Chamavam-lhe a coisa, (...) ... A gente até lhe chamava era um véu. (...) Parecia um véu duma... INQ Exactamente. INF Sim senhora. INQ Um véu. E, e agarrado às tripas, não havia umas gorduras que eram boas para, para aproveitar? INF Pois é esse véu - com licença que eu lhe toquei - INQ Não faz mal. INF (...) era esse véu que minha mãe cortava mais minha tia e derretia. E aqui à ilharga do porco - isto era assim aberto, havia as ilhargas do porco -, tiravam aquelas banhas, mas umas banhas grossas. Parece que eu estou vendo meu pai meter assim a mão... INQ Pois, pois. INF Acaba tudo, tudo, tudo.
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INF1 É o lombo do porco é aquele que faz a costura. Fica metade para quem devem dar (...) serrado . E (...) eles quase que tiravam sempre; quem queria três, quatro quilos, tiravam sempre do lombo à barriga. INQ1 Ah, está bem. INF1 É, e duma e doutra. Sim senhora. Vê que há ... INQ1 E lombinhos, também não havia nada que chamassem os lombinhos? INF1 Não. INQ1 Não. INF1 Era o lombo: (...) "Fulana quer três quilos, fulana quer quatro quilos. Olha, parte-se do lombo"... INQ1 Portanto, ninguém fazia, guardava a carne toda em casa para ele? Repartiam por outros, ou não? INF1 Aqueles casais mais INQ1 Com mais dinheiro e isso é que... INF1 (...) , com o seu governo todo, em casa, (...) ou o seu pão para todo o ano, o porco comia do comer de casa, cevada e trigo... INF2 (...) Desta matação, eu, ele guardou-se todo em casa . INQ1 Esses, esses ficavam com a carne toda. INF1 Mesmo era pequenino. INQ1 Pois. Sim senhor. Olhe, e, e por exemplo assim, aqui esta parte, como é que lhe chamavam? INF1 É a mão. INQ1 À mão. E esta aqui detrás? INF1 É a coxa. INQ1 Sim senhor. E a mão tem assim esta parte mais dura cá por dentro, como é que lhe chama? Que até tem que se... INF1 Tem o osso. Temos que serrar. INQ1 O osso? INF1 (...) INQ1 E dentro do osso o que é que tinha? INF1 Tem o tutano. INQ1 Que também se come? INF1 Há gente que não, que eu não comia . Eu cá não como. INQ1 Não. Mas põem na sopa, ou faz sopa com isso, ou não? INQ2 Quando é de vaca? INF1 Ai, não me fale em carne de vaca, minha querida! INQ2 Não gosta? INQ1 Olhe e as, as, essa carne branca, essa branca misturada com, com febra... INF2 Carnes gordas. INF1 Come-se. INQ1 E chamam-lhe o quê? Essa branca misturada com a... INF1 É a carne com gordura. Vai-se misturar carne com gordura, porque que a carne gorda... INQ1 Não há nada aqui que se chame o toucinho? INF1 Ah, o toucinho ninguém faz, minha querida, não vê, cá não fazem. INQ1 Não. Pronto, sim senhor. E a banha também não se tirava assim inteira? INF1 Pois tirava-se. INQ1 E como é que lhe chamava uma coisa, uma peça aqui inteira de banha? Tinha algum nome ou não? INF1 Não. É aquele pedaço de banha, é as banhas. Chama-se as banhas. Vai aquilo para uma banheira e deita-se-lhe umas pedrinhas de sal. Quem puder derreter esse dia, derrete; quando não, (...) deixa para o outro dia. No outro dia corta-se aquilo tudo aos pedacinhos, deita-se-lhe água para (...) tirar o pedacinho de sal e é derretida. INQ1 E faz-se o quê? INF1 Os torresmos. E faz-se a banha. INQ1 A banha e os torresmos. INF1 (...) Deita-se (...) dentro duma vasilha para arrefecer... INQ1 E aquela parte aqui gorda do porco? INF1 É a papada. INQ1 E faz-se alguma coisa com a papada? INF1 Faz-se sopa. INQ1 Sim senhor. INF1 Corta-se aos pedaços, deita-se-lhe sal e... INF2 (...) INF1 A cabeça quase toda é mesmo salgada (...) na ocasião, porque os ossos da cabeça não pode estar muitos dias nem por cozer, nem (...) por salgar, porque... INQ2 Salgar.
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INQ1 Olhe, e quando se salgava carne, onde é que, não havia uma coisa que se, onde se punha a carne toda salgada? INF1 Então não é? Era uma salgadeira. De primeiro, era uma salgadeira de madeira, que minha mãe tinha. INQ1 De madeira? E que punham o quê? Iam pondo a carne e o sal... INF1 (...) Salgavam. O meu pai salgava numa banheira e depois ia arrumando direitinho. E a cartola era de madeira por fora e por dentro era coberta de cimento, para não derramar a moira. (...) INQ1 Para não derramar o quê? INF1 Derramar a moira. Porque a moira tinha que abafar a carne, quando não, dava-lhe o ranço. INQ1 E como é que se fazia a moira? INF1 Era com sal. Eu fazia com sal e depois deitava-lhe um ovo. Se o ovo viesse acima de água, a moira estava pronta. INQ1 Portanto, depois de cobrir tudo com sal, deitavam-lhe a moira por cima? INF1 Sim senhor. E até minha mãe punha umas pedras para a carne não levantar. Sim senhor. Ainda me lembra (...) ... INQ1 E quanto, e quanto tempo é que isso durava? O ano inteiro? INF1 (...) Podia-se salgar hoje e já começar a comer amanhã. E se tivesse carne que desse para o ano inteiro, mas estava em cima daquela moira, nunca se lhe tocava com as mãos... INF2 Era tirado com um garfo... INF1 Era tirado com um garfo (...) . Porque tocando com as mãos, a moira ficava estragada. INF2 Que estraga a moira. INQ2 Estraga-se. INQ1 Estraga-se.
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INF Mas já não faço trabalho como eu fazia. Cheguei a fazer trabalho de noventa, cem, cento e tal meadas, toalhas de dois metros e meio. Mas agora já nem dá dava ... INQ1 Quanto tempo é que demorava a fazer uma toalha? INF Demorava bastante. Mas elas não se importam! INQ1 Pois. INF Elas não se importam porque querem é que fique boa. INQ1 Pois claro. INF Isto agora é uma senhora da vila muito, muito conhecida. Mas ela paga, coitadinha, ela paga. Não tenho que dizer dela. Não sei se têm o conhecimento (...) ... INQ2 A gente não conhece ninguém de cá. INQ1 Não, não conhecemos ninguém aqui. INF Ah, pois. É a mercearia ao lado do supermercado - quem vem para a padaria, está ali uma mercearia... INQ2 A padaria sabemos que já lá fomos comer, à padaria. INF Sim. (...) Quem vem por aquela que passa a ponte, uma ponte ao lado de cima da praça, onde tem - há o supermercado - barracas de vender fruta e é mesmo aquela mercearia que está ali. Não há mesmo outra mercearia, no Porto Santo. É só aqueles três supermercados. Mas aquele senhor, como a casa é sua e tudo, não quer largar o seu... Também não vai para outra banda. INQ1 Pois. INF E é assim. Ela agora (...) - a filha vai ter um menino, que é o primeiro menino - quer fazer a colchinha da alcofa, mas quer fazer com folhos e já se sabe. (...) E eu é que pago. INQ2 Como? INF Eu é que pago para bordar. Tenho que bordar isto . Isto é miudinho mas eu (...) já vou vendo pouco por os óculos e uns óculos é vinte e tal contos e... É um problema que esta gente de Porto Santo tem, muita gente. Mas muita gente ainda ganham ganha , graças a Deus. INQ2 Pois é. Mas antigamente muita gente bordava, não? INF Ah, muita gente bordava. (...) Nem tudo. Assim para noivos ou para coisa, nem toda a gente borda. Há gente que borda muito mal feito. Na casa de bordados, mais depressa passa mas, às vezes, ainda está certas casas que mandam trabalho para trás. E agora praticamente já (...) muitas casas fecharam.
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INQ1 Mas acho que ainda há um senhor, falaram-me dum senhor velhote, que vive no Tanque e que foi moleiro... INF1 Vive, sim senhor. INQ1 Tem ideia? INF1 Tenho, sim senhor. INQ1 É para, a gente até tinha o nome dele, Abdão, acho eu. INQ2 Tenho aqui. INF1 É. (...) Quem vem do aeroporto, quem vem da vila para o aeroporto, INQ1 Sim. INF1 ele fica ali mesmo ao pé daqueles poços (...) da água, ali (...) no Tanque, (...) ao entrar o ao aeroporto. Vem-se da vila, INQ1 Pois e vira-se para o... INF1 tem uma estrada para aqui, que vem para a gente e tem outra que vai para o coisa. À esquerda, tem uma casa (...) . INQ1 Logo, logo quando se entra? INF1 (...) Mais ou menos quantos metros, Afonso, para chegar (...) ao poço da água? INF2 De onde? INF1 De acolá, à partilha daqui da Camacha para o aeroporto? INF2 Cinquenta metros. INF1 Mais ou menos uns cinquenta metros. (...) Ele depois tem, passa-se aquele reforço, que é da água e depois tem uma entrada com uma casa velhinha ali. E é mesmo ali naquela casa, perguntam onde é a casa do (...) Senhor Abdão, que eles vão-lhe dizer. Ah, (...) INQ1 Pois é. A gente queria lá ir falar com ele para ele nos contar como é que era antigamente aquela parte do moinho. INQ2 O moinho. INF1 (...) se esse senhor que foi moleiro tantos anos! Agora, é que, já se sabe, está um senhor velhote e já não... INQ1 Pois. INF1 (...) Ele até tem um casal consigo por causa que a mulher morreu e ele agora tem esse casal consigo. INQ1 Pois é. Então como é que se fazia o pão, Senhora Acidália? INF1 Ora, fazia-se o pão... quando era de trigo da terra, Peneirava-se a farinha, duas vezes e depois é que se deitava dentro da vasilha. (...) Podia ser uma vasilha de pau e podia ser uma vasilha de barro e, agora, praticamente, é nestas banheiras plásticas. Tenho a minha banheira que é mesmo só daquele serviço. INQ1 Então e as vasilhas de pau eram, como é que lhe chamavam, essas vasilhas? Como é que se chamavam? INF1 Era uma selha. INQ1 Uma selha. INF1 Uma selha ou um alguidar. Quando era redondo, que havia, (...) dum tronco de madeira, (...) de primeiro faziam: daquele tronco grande, cortavam um pedaço, tiravam-lhe aquela parte toda e ficava inteiro. Era o alguidar. INQ1 A esse chamava-se o alguidar? INF1 Chamava-se o alguidar. E havia outros que eram com as tabuinhas postas, tal e qual como as cartolas. É como as cartolas, eram mais... INQ1 Pois. Já estou a ver como é que é, com arcos de ferro e tudo. Sim senhor. INF1 Sim senhora. Minha mãe chegou a amassar bastantes vezes numa dessas. E agora praticamente, isso acabaram e é nestas (...) , uma banheira plástica. INQ1 Portanto... e peneiravam aí para dentro? INF1 Peneirava-se. Peneirava-se duas vezes, tirava-se - a gente dizia - tirava-se o farelo e depois coava-se (...) para tirar o rolão. Desse mesmo rolão, havia gente que fazia o pão. Fazia o pão do rolão para torrar ou comer mesmo assim. Ficava gostoso, do trigo da terra! Esta farinha da padaria cá não tem rolão! INQ1 Pois. INF1 E a outra amassava-se, já se sabe, amassava-se o pão, depois acendia-se o forno. Quando a gente via que o forno estava muitos dias sem cozer pão, dava-se-lhe mais uma coisinha de lenha (...) para fazer o desconto. E quando a gente amassava de oito em oito dias, já se sabia, mais ou menos, o forno, que a temperatura que andava quente e o pão deixava-se a levedar (...) no alguidar... INQ1 Mas como é que fazia, o que é que, tinha que misturar outras coisas, portanto, peneirava... INF1 Não, Nem é o fermento. É o fermento e o sal. INF2 É para ele entrar . Aquele, filha, cabe? INQ1 Ai, é para entrar para aqui. Chega... INQ2 É a sua filha? INF1 Botava-se o fermento e o sal. INQ1 E como é que, e como é que fazia, como é que arranjava o fermento? INF1 A gente tinha o nosso fermentinho sempre de casa. A gente chamava só o crescento (...) . INQ1 Chamava-lhe o crescento ou... INF1 É o crescento. (...) Aquilo é deitado numa tacinha e tapado e era (...) na sexta-feira à noite. A gente deitava uma coisinha de água quente, oh, oh ; deitava-se uma coisinha de água quente, aquilo amolecia mais; (...) uma coisinha de farinha que a gente via, mais ou menos, que dava para o pão; deitava-se aquele pedacinho de fermento, no outro dia amanhecia lêvedo. Aquele fermentozinho que a gente tinha feito. Abafava-se bem abafado e (...) - com licença - no outro dia estava lêvedo, deitava-se naquele pão, depois (...) acabava-se (...) de amassar, fazia-se assim, deitava-se uma coisinha de farinha por cima, uma cruz, as toalhas por cima. Quando a gente via que estava bom de tender para cima da mesa, tendia-se, ao passo que o forno ia aquecendo e depois - estava o pão quente - o forno estava quente, deitava-se, fazia-se uma rosquilhinha - faz-se uma rosquilhinha para experimentar mais ou menos o calor do forno. Quando a gente vir que abrasa, deixa-se ficar mais um pedacinho. Mas ali uns cinco minutos, seis minutos que a gente vê que a rosquilhinha que (...) não tostava de calor, botava-se o pão. Depois ... INQ1 Pois. INF1 (...) Às vezes tirava-se um pão ou dois, experimentava-se, batia-se: "Então, ainda está pesadinho, cozia mais um bocadinho"! E assim é. INQ1 Batia-se por baixo... INF1 Batia-se por baixo, fazia-se assim, aquilo ia coiso aquela coisa e sentia-se mesmo o peso (...) do pão e quando estava cozido, tirava-se e abafava-se; partia-se para o almoço, ou com peixe, ou com carne, o nosso santo pão. Sim. Eu faz no sábado quinze dias, eu amassei. Faz agora sábado quinze dias, eu amassei. INQ1 E portanto cá nunca se misturava batata-doce no... INF1 Onde é que está, minha querida? INQ2 Não há? INF1 Não havia. INQ2 Não? INF1 Há a batata-doce mas está quase a quatrocentos escudos. INQ1 Não, mas antigamente não se costumava misturar... INF1 Antigamente quem tinha de casa, misturava. (...) Cozia-se a batata, (...) descascava-se e depois (...) amassava-se separado e depois é que se deitava no pão. Limpava-se bem limpinho para não levar... INQ1 Mas ficava o pão melhor, era, com a batata? INF1 Ficava. (...) Dura mais dias o pão mais fofo. E aí havia-o a maior parte do tempo era sem batata, minha filha, porque não havia batata. INQ1 Sim, no continente nunca se pôs batata... INQ2 Nunca. INQ1 Nunca se pôs batata no, batata-doce no pão. INF Ah, não põem? INQ1 Nunca. Nunca. INQ2 Não. Não. INF1 Além no Funchal, (...) aquela parte mais das freguesias, acho que estão assim mais acostumadas a coisa. INQ2 Sim, sim. Fazem. INQ1 É, é. Sim, sim. Foi aí que eu aprendi que se punha... INF1 Mas eu já tenho visto pão das freguesias, ou é ele (...) não lhe dão o fermento que deve de ser, ou eu não sei... INQ1 Mas, portanto, o fermento é o crescento, é? INF1 É o crescento para... INQ1 Mas chama-se crescento? INF1 É o crescentinho que fica sempre. E quando a gente quer deitar um pedacinho de fermento inglês, nunca se deita no crescento, o fermento inglês. INQ1 Então? À parte... INF1 É à parte, junto com a farinha. Porque o fermento inglês, indo para o crescento, apodrece mais o pão, mais depressa. Aquele crescentozinho que a gente temos, tem que ser sempre, sempre, sempre do nosso de casa. (...) Não tem que levar fermento nenhum. Agora a farinha cá, pode-se-lhe deitar fermento inglês, porque antes (...) de amassar o pão, tira-se outra vez o crescentozinho, do fermento que se fez à noite. INQ1 Para ficar para a outra... INF1 Para guardar. E é assim. INQ1 Sim senhor. Então e, e que, que é, de que é que se fazia pão? De que farinha é que se fazia pão? INF1 (...) Era de trigo, é de trigo ou de cevada. Minha mãe chegou a amassar pão de cevada e bolo de cevada... INQ1 De cevada também. E mais nada? INF1 E bolo de centeio cá, que aí havia pouco centeio, mas havia gente que mesmo não fazia. Dizem que o centeio (...) com a cevada, que ficava o pão melhor. Mas meu pai nunca fazia assim grandes porção de centeio que chegasse a debulhar para fazer centeio para mandar moer. Havia gente que fazia, aqui no nosso... - porque este isto aqui à parte ou no campo de aviação, como este, era um sítio, que era o sítio das Areias, que era onde a minha mãe morava. Mas eu, casei-me, à conta de Deus, vim para a minha casa - mas isto não estava assim, quando eu me casei, era só dois quartos (...) e a cozinha. Depois é que o meu marido aumentou mais esta coisinha. E eu daqui, eu não via a casa da minha mãe. Porque aqui à nossa frente, tinha um alto, tinha um moinho de vento e eu não via a casa da minha mãe! Andava para o caminho, saía daqui, andava para o caminho, depois cortava no caminho velho que, já se sabe, (...) que era antes (...) do aeroporto e, então, é que andava de roda e chegava à casa da minha mãe. Era perto, era os seus dez minutos. Mas não se via a casa da minha mãe porque fazia um alto, tinha um moinho de vento e tinha terras de lavoura e tudo. (...) INQ1 E tinha centeio, aqui, também se, também havia centeio? INF1 Então (...) não dava centeio? Acolá, aquela parte de areia que dava centeio - que eu tinha um tio - que dava centeio, até (...) serravam-lhe (...) a espiga e do resto, faziam esteiras e faziam barracas, na rua, minha senhora . Mas agora acabou tudo. Mesmo acabou as pessoas que faziam isso e as nossas chuvas não têm ajudado. INQ2 Pois é. INF1 As nossas chuvas não têm ajudado. E agora tudo se importou e tudo quer ser empregado, tudo quer ser empregado e ninguém quer trabalhar. Ninguém quer trabalhar. INQ1 Pois. INQ2 Ninguém quer trabalhar.
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INF1 Não ponho inteiro assim para eles ir cortando. Corto a meio e depois daquela metade, faço faço-o às fatias. INQ Sim senhor. Olhe, e para os miúdos também se costumava fazer assim uns pãezinhos mais pequenos, sei lá, as pessoas que tinham em casa crianças? INF1 Não, às vezes, fazia-se uma rosquilhinha para cada um; mas eles agora, praticamente que já depois de ser grande, nem sequer querem a rosquilha. INQ Claro. INF1 Mas de primeiro adora-se (...) . Ainda tenho aqui uma netinha de dez anos, que ela, quando eu estou amassando, ela pergunta logo por a rosquilha. Pergunta logo por a sua rosquilhinha. E meu o meu marido também gosta muito de uma rosquilhinha. INQ Sim senhor. Olhe, e o pão vai lá para dentro do forno para quê? Para cozer... INF1 Para cozer! Quando é muito, o pão, a gente começa a deitar assim encostadinho, que é por causa de levar tudo. Deita-se aquela roda toda do forno e depois é que se vai deitando outra vez. Quando, por exemplo, o meu leva quinze, dezoito pães, para não ficar muito pegado - eu não gosto do pão muito pegado, que fica aqueles cantos... INQ Pois, pois. INF1 Sim senhora. Quando é nove, dez, cozo mais à vontade, nem sequer às vezes tocam toca um no outro. Sim senhora. INQ Sim senhor. Olhe, e não havia uma coisa com que se, que servia para, para mexer as brasas dentro do forno, para espalhar? INF1 Então não há?! INQ Como é que se chama? INF1 Há o esbraseador. (...) INQ Que é um pau comprido? INF2 É um pau assim, como é este, mais comprido e para esbrasear o forno. INF1 E há o esbraseador, o varredouro... INQ Que é o quê? INF1 (...) Que é o pau que tem o pano preso para tirar as brasas. INQ Que tem que molhar? INF1 Tem que molhar. E há o rodo e a pá. INQ E o rodo, veja lá se o rodo é assim parecido com isto? É assim uma coisa... INF1 É. INQ É parecido com isto? INF1 É, sim senhora. INQ É o seis. INF1 Isto é a pá. INF2 (...) Tem ali para lhe mostrar. INQ A pá era redonda? INF1 É redonda. INQ Sim senhor. Olhe, e toda a gente tinha, toda a gente tinha forno? Ou... tinha que se ir cozer... INF1 Ah, a maior parte de gente não tem forno (...) e a maior parte de gente que o tinham desmancharam por causa de arranjar as cozinhas. Agora o lar é azulejos e uma jarra de flores. Agora ninguém quer... INF2 (...) INQ Mas as, mas as pessoas, por exemplo, quando... Toda a gente tinha em casa, um forno? INF1 Não, a maior parte de gente não tinha. INQ Não tinha. INF1 (...) INQ E portanto, iam cozer a casa de outra pessoa? Ou não? Pediam emprestado. INF1 Ah iam, só se fosse, assim no Natal ou qualquer coisa, fazer umas broas ou qualquer coisa, que a maior parte não se ligavam umas com as outras a dizer: "Ah, (...) vou amassar mais tu" ou qualquer coisa. Que há muita gente que não se importa, nem pão do forno, nem quer ter trabalho. "Broas, mando fazer". INQ Não, mas eu digo antigamente, eu digo antigamente. Não é agora, que agora há pão. INF1 (...) Ah, antigamente cá, os poucos casais que havia, quase tudo tinha o seu forno.
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INF1 O pão (...) não ficando bem cozido, o miolo fica num bolo. INQ1 Exactamente. INQ2 Pois. Sim senhora. INQ1 E quando a gente está a comer, aqueles bocadinhos que caem? INF1 É as migalhas. INQ1 Acho que está tudo. INF1 Dizem que até é bom dar graças a Deus primeiro para então levantar a mesa. (...) E diz que não se pode sacudir a toalha na rua. Não sei se é verdade se é mentira. INQ2 E como é que sacudiam a toalha? INF1 Eu sacudo a toalha na minha cozinha, dentro, um quartinho dentro e eu (...) benzo-me quando vou a tirar e depois vou sacudir lá dentro, então aí... INQ2 E diz alguma coisa? INF1 Não digo nada (...) não. Costumei-me a não sacudir na rua, que diz que não é bom. E também que não é bom sem dar graças a Deus, sacudir a toalha. Vai-se com o que se vai ouvindo dos nossos antigos... INQ1 Olhe e quando se punha o pão no forno, dizia-se alguma coisa ou quando se acabava de amassar? Quando... INF1 Santo António te acrescente, São João faça bom pão e a Virgem Santa Maria te deite a sua bênção. INF2 E quando acaba? INF1 Quando se acaba de deitar no forno. E a mesma coisa quando se acaba de amassar, também... INQ1 Diz-se as mesmas palavras? INQ2 As mesmas coisas... INF1 Diz-se as mesmas palavras. E é assim. INQ1 Sim senhor. INF2 Isso é coisas que já não... INQ1 Já não, não. São tradições que é para a gente saber como é que é. INF1 Ah, mas (...) eu ouvia os meus antigos dizer vou dizer também. INQ1 Claro. INQ2 Pois, claro. INQ1 Pois, acho bem que diga. INQ2 Pois. INQ1 Sim senhor. Olhe, e que lenha costumavam usar para aquecer o forno? INF1 Ah, minha querida senhora! Agora há cá muita lenha, mas a minha mãe... INQ1 Antigamente. INF1 A minha mãe amassava com palha de debulhar a cevada. A senhora tem o conhecimento da cevada? INQ1 Sim, sim, sim, sei. Mas isso ardia num instante... INF1 Minha mãe amassava com palha. E havia uma erva, que tinha muitos picos e eles apanhavam muita erva dessa (...) . INF2 'Calabaças'. INQ1 Como é que se chamava? INF2 'Calabaças'. INF1 Tinha muitos picos! E a minha mãe, quando era para aquecer a cevada - porque minha mãe quando arranjava cevada para ir para o moinho, gostava de lhe dar um calor no forno, por causa de (...) ficar assim mais torrada, para (...) moer melhor e ficar o pão mais gostoso - minha mãe chegava a meter com um pau! Tantos picos que aquela lenha tinha para aquecer o forno! INQ1 Pois, pois, pois. INF1 Depois minha mãe varria aquela coisa e deitava a cevada...
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INF Já se sabe, (...) se (...) a gente matasse o porco no Natal, já se sabe, chegando, depois da morte do porco, no outro dia faziam aqueles pedaços de carne para deitar alho e vinagre e loiro e tudo e ficava ali numa vasilha a conservar até dia de festa. No dia de festa, minha mãe levantava-se, partia pão aos pedaços e fritava a carne e depois molhava aquele pão, para a gente comer, junto com a carne. INQ1 Isso era no dia da festa? INF No dia (...) do Natal. Na parte da tarde, minha mãe era galinhas de casa; já se sabe que era aqueles galos grandes, tirava ali (...) um quarto ou dois - que a gente diz um quarto, que faz-se uma ave em quatro quartos -, minha mãe cozia metade, ou cozia três quartos, conforme, ou cozia um inteiro, conforme a família que tinha em casa e, já se sabe, (...) deitava a cozer e depois deitava-lhe massa, desta, (...) da mercearia. E eu me lembra um ano que meu pai - acho que como a minha mãe não tinha dinheiro, a minha mãe amassou desta farinha de trigo da terra, bem amassadinha - fazia umas tiras com uma garrafa e minha mãe cortava assim, tudo direitinho, tudo direitinho, aquilo ficava tudo fininho, tudo fininho e minha mãe deitava na panela e a gente comia por massa. INQ1 Ah! INF Era assim. Lembra-me minha mãe fazer um ano, para o primeiro do ano... Minha mãe, acho que não tinha dinheiro, coitadinha. Praticamente, se minha mãe não tinha, não me disse, mas (...) eu é que pensei que não havia. E minha mãe depois, na peneira de peneirar a farinha, minha mãe pôs assim (...) - a casa era mais baixinha -, pôs assim na beira, estava um lindo sol, para tostar aquela massinha. Pensa que ela não ficava gostosa? Havia lentilhas... Minha mãe às vezes fazia, mesmo para outros jantares, minha mãe fazia. Cozia a lentilha adiante, depois deitava a massinha, um pedacinho de ou a banha de porco (...) ou não sei (...) . Óleo não havia nessa altura, não havia óleo. Mesmo que houvesse, (...) se havia era bem pouco. Era mais qualquer coisa de azeite de que o óleo próprio. (...) O óleo veio por último que o azeite. E comia-se o nosso pratinho de massa com lentilhas, às vezes com abóbora, desta abóbora que meu pai - lidava numa fazenda, (...) - semeava. Dava chuva, graças a Deus, punha terra a descampar, metia umas sementes aqui, outras acolá e dava abóbora. Até lembra-me um ano de meu pai ter cabaças. Umas cabacinhas de limpar o comer por dentro (...) e depois fazer uma vasilhinha da água. INQ1 Pois. INF Sim Senhoras . E eu ia a essa fazenda mais meu pai. E era assim a nossa vida. Depois, já se sabe, (...) foi melhorando qualquer coisa, foi melhorando qualquer coisa... Já se sabe, minha mãe cozia um pedacinho de arroz para se comer depois de comer o caldinho da massa. Mas minha mãe (...) deitava-lhe abóbora, que ficava um arrozinho tão amarelinho que parecia uma gema de ovo! INQ1 Ai, que giro! INF E gostoso! Mas era dumas abóboras de casca branca, aqui de Porto Santo. (...) INQ1 Mas já não há essas abóboras? INF Ainda há. INQ1 Ah, ainda há. INF Ainda há, mas a chuva é pouca e está acabando com tudo e ninguém quer. Eles, quando semeiam as melancias no Verão, é que metem nos cabos (...) das mantas, que tiram para as melancias, é que põem uma aqui, outra acolá. Porque aquilo (...) deita uma rama muito grande e, quando a melancia está coisa, aquilo vem para cima da melancia. Então, eles prantam umas sementes aqui, outras aqui. E há, mas este ano houve menos porque não houve chuva. INQ1 Pois é. Isso é preciso muita água. INF (...) Tenho uma filha casada lá em baixo defronte do aeroporto, que até o meu genro trabalha na Câmara de Porto Santo, que é chofer. E ele gosta muito da verdura, de verdura.E tem um colega que... Mais ele. Mas acartaram, este ano, acartaram água, acartaram água, da serra de dentro, lá dumas represas, acartaram, acartaram. Eles semearam melancias algumas quatro ou cinco vezes, para o resto ainda tiveram umas perinhas , mas depois quando um tem, tantos têm. Quando dá para um, dá para todos. INQ1 Claro. INQ2 Pois. INF Depois vendem aquilo mais barato, olhe... É, mas é melhor haver e tudo ter de que... O nome de haver, é lindo! Que eu, se eu não tenho e a senhora tem, oferece-me uma melancia. Se a senhora tem peros ou laranjas, oferece-me... E é assim. Quando não há é que é pior para todos. INQ1 Claro. INF Sim senhora. E que acaso (...) então, graças a Deus, foi o que Nosso Senhor não me deu foi ser falsa, mentirosa, amiga de sacrilégios, graças a Deus. Tenho o que Nosso Senhor me depare , ouço dizer que os outros que têm, por exemplo, posso ouvir dizer: "Olha, aqui à parte de cima está uma festa, uns noivos ou qualquer coisa". Não me dá abalo. Se eu ouvir dizer: "Olha, fulano pisou-se, ou ele morreu morreu , ou coisa", isso eu tenho mais pena. Mas graças a Deus, (...) estou aqui na minha casa à conta de Deus, a minha nora, às vezes, vem para baixo comigo. E tenho ali uma vizinha ao lado, que às vezes também vou lá um pedacinho e assim se vai passando à conta de Deus, que não há melhor coisa que é (...) quem é assim, à conta de Deus. INQ1 Pois! Ah, claro. INQ2 Claro. INF Mesmo que tenha um sítio, fiquei num lugar que ninguém me vê. INQ1 Ficou mesmo na ponta da, da terra. INF Fiquei mesmo aqui à conta de Deus. Casei-me, vim para a minha casa à conta de Deus e aqui tenho estado. Já lhe deu a formiga-branca, o meu marido deitou uma lajem ... INQ1 Ah! A formiga-branca, há para aqui, não é? INF É, minha querida, (...) tirámos portas e tudo! INQ2 Ai! Que horror! INF Sim senhora! INQ É muito mau. INQ2 Pois é! INF (...) Eu pedi (...) uma ajudazinha à Câmara. A Câmara não me deu grande quantidade mas deu-me, graças a Deus, que me serviu bastante. INQ1 Pois. INQ2 Pois é. INQ1 Sim senhor. INF Se há formiga-branca neste Porto Santo! A gente sentia ela roer. A gente sentia elas roer. A esta porta deste lado, a parte esquerda, eu já nem lha podia abrir, porque se eu lha abrisse, ela ia trazer o aro consigo. Porque o aro estava só com aquela casquinha! Quem lha forcejasse para ela abrir lha abrir ou para ela fechar lha fechar , ela ia vir sempre. (...) Missagras iam ia desapegar aquele pedaço do aro e ia vir sempre. Deu um trabalhão e ainda se ficou devendo a tanta gente mas, agora, graças a Deus, já pagámos.
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INF (...) O mais que ele moía era milho. Mas, como é que se diz, no último caso, servia para tudo. INQ1 E com o milho também faziam outras coisas, para comer? INF Milho. Fazia-se milho do lume, do milho grosso. (...) Tinham as cascas, aquilo era moído grosso, (...) do tamanho (...) de arroz, mais ou menos. E aquilo, o milho era aguado antes de moer. O milho era aguado, depois era moído, assim como eu estou dizendo; tinha aquela casca, deitava-se na panela, a água fervia, a água a ferver, (...) aquela casca vinha toda a cima, pilava-se (...) , pilavam aquilo, (...) com uma chávena ou com um cagirão e depois num coador e ficava limpinho, ficava... Quando era cozido com leite ou com banha (...) , ficava como arroz . Bom . Sim senhora. INQ1 Que bom que devia ser. INF (...) Quando era cozido só com água, não ficava (...) tão bom, mas quando levava os preparos, qualquer uns comeres é assim, os preparos (...) INQ1 É que fazem o gosto. INQ2 É que dão o gosto. INF é que faz o comer.
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INF Lidei o moinho cinquenta e tal anos, mas agora... INQ E, o senhor também tinha um, também tem um irmão que também... INF Não senhora. INQ Ah, não?! INF Só eu é que tenho. INQ Ah! INF Meus irmãos todos (...) nenhum teve moinho senão só eu.
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INF É, tem o mastro. INQ1 Sim. INF Depois, (...) os paus, chama-se a gente, chama-se aqui, é as guinas. INQ1 As guinas são os paus? INF (...) É as guinas do moinho, que é o que se mete no mastro para pôr o pano e os estais e o cerco e etc. INQ1 Os estais é o quê? INF Os estais (...) , é o que aguenta, (...) para (...) o pau não partir, vai à ponta do mastro, INQ1 Ah, já sei. INF leva um arame de cima em baixo, porque se não fosse isso, desabava como um chapéu-de-sol. E depois tem, que é uma defesa para aquilo não fechar. Sim senhor. INQ1 Pronto. E depois como é que podia virar o moinho ao vento? INF Andava de roda. INQ1 O que é que andava de roda? INF A casa toda. INQ1 Toda a casa andava de roda. INF Tinha quatro rodas, tinha um pião a meio - chamava-se o pião - tinha uma grande pedra, que tem o patamal, que é a muralha de pedra - a gente chama-se aqui um patamal. A meio daquela muralha de rocha - chama-se o patamal - levava uma pedra muito grande e tinha um furo. Levava um veio, que entrava dentro da casa do moinho e levava assim uma casinha coisinha atravessada (...) por causa do moinho não sair fora do seu lugar. Andava ali naquele arredor, ali, sempre (...) . INQ1 E portanto, era isso que o senhor virava. E como é que fazia andar? INF (...) Era: tinha uma barra e fazia esforço na roda da frente para ele andar de roda. Conforme o vento ia, a gente tinha que (...) dar andar a dar sempre a frente - o lugar dos panos - ao vento. INQ1 Sim senhor. Olhe, e não, os moinhos cá eram todos desses ou havia uns que eram todos de pedra até acima? INF Ah, havia moinhos mas isso já era diferente. Quer dizer, a casa era toda de parede, em cima tinha um chapéu, que é onde tinha o velame (...) - só o chapéu! - e tinha umas rodas dentro, que as rodas (...) entrava dentro dumas calhas de pedra, que tinha dentro e ele por dentro tinha como um cabrestante. INQ1 Como é que lhe chamavam, a esse cabrestante? INF Era o cabrestante, não é? INQ1 Era o cabrestante mesmo? INF Andava com as quilhas de roda e tinha um cabo, que pegava, que fazia aquilo andar de roda. Mas era só o chapéu, por cima. INQ1 Chamava-se o chapéu, aquela parte de cima? INF O chapéu. Era o tecto, é o tecto. INQ1 Pois. Mas chamavam-lhe o chapéu ou chamavam-lhe o tecto? INF A gente chamava-lhe o tecto porque, o geral, (...) o tecto duma casa é o que fica por cima. A gente chamava era o tecto do moinho. INQ1 Pois, pois. Sim senhor. Não era o chapéu? INF Não senhora. Claro que só andava era o tecto (...) . INQ1 Enquanto no seu andava... INF O meu cá era a casa inteira. INQ1 A casa inteira que andava... INF Sim senhora. O meu e os outros, claro. INQ1 Pois. INF De pedra, aqui, no Porto Santo... INQ1 Eu vi um, acho que há um ainda ali por cima do, do... INF Do campo. INQ1 Do campo, exactamente. INF Chama-se o cabeço. Em cima, (...) no cabeço. INQ1 Sim. INF (...) INQ1 Que é, mas está, eu não vi bem porque há umas casas à frente e eu não, não consegui ver bem. INF Tem, sim senhora, tem. INQ1 Mas tem aí um de pedra, dos de pedra. INF Tem, sim senhora. INQ1 Mas era o único que havia cá, assim todo de pedra? INF Havia mais um. INQ1 Mais um. O resto, eram todos iguais aos seus? Ao seu? INF O mais eram todos iguais , sim senhora. Olhe, tenho aqui a fotografia. Faz favor. INQ1 Ah, então com licença. INQ2 Com licença. INF Está aqui. INQ1 Portanto, as guinas e os, como é que o senhor chamou também, os estais? INF O direito é dizer as guinas do moinho. INQ1 Sim senhor. (...) INQ1 Sim senhor. INF Às vezes, há pessoas que, às vezes, em conversa: "Ah, tu és um patamal"!, querendo dizer que o patamal (...) , mas o patamal é uma coisa que tem serviço! INQ1 Importante. Então não é? INQ2 Pois claro. É importante. INQ1 Já encontraste? INQ2 Não tenho mais nada. Sim, está aqui. Sobra-me só o princípio. INQ1 Sim. INQ1 Olhe, e por dentro, veja lá se era assim? INF Por dentro, tem roda, tem carrete, tem moega. Olhe, a moega é esta. Está caindo dentro da moenda.
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INQ E estava, por trás da moenda, também passava a caixa? Era tudo caixa, à volta? INF Não, não, não. (...) Tem uma folga, à frente e atrás, que a gente ande assim, em roda da moenda. Tem folga (...) . INQ E a moenda, tinha alguma parte, alguma parte forrada, por fora da moenda? INF A selha, chamava-se a selha. Para (...) vedar a farinha. INQ E era de quê? De folha? Era de folha a selha ou era de madeira? INF É folha. INQ Folha. INF (...) A parte (...) por cima, era madeira e a roda era toda (...) neste zinco... INQ Este, de zinco, pois. INF Esta chapa de zinco. INQ E portanto chamava-se-lhe a selha, a essa parte? INF Sim senhor. INQ Pronto. E depois a farinha caía para aqui, para a caixa, não é? INF A caixa é esta. INQ E tinha algum pano à frente, a caixa, para?... INF Punha-se por causa do pó não voar. INQ Como é que chamava a esse pano? INF Oh, era um pano que a gente se punha. INQ Era o panal ou...? INF Não. INQ Não. INF Era um pedaço de pano que a gente punha, porque fazia muito pó e levantava. E fazia quebras nas farinhas, porque aquilo era a peso... INQ Portanto, nunca deu nome diferente, nome, diferente à moenda de cima e à moenda de baixo, não? INF Pois, sim senhora senhora . INQ Nunca se deu? INF O meu até tinha duas moendas. INQ Ai era? Duas? INF Era. É essa assim quadrada, depois (...) eram separadas uma da outra e fazia outra vez aqui mais outra... INQ Sim. INF (...) Era as quatro moendas. INQ Sim. INF E tinha (...) até folga aqui , que era onde eu me sentava e fazia o serviço. Era um moinho grande. INQ E a, e as duas moendas moíam o quê? INF Como? INQ O que é que moía nas moendas? INF Há uma de moer milho. A que mói milho, já não mói a triga. Que isso já a gente se chama: a moenda trigueira (...) é a que mói o milho e a moenda alva, era a branca. INQ Sim senhor. INF Sim senhor. INQ E essa moenda alva era, era pedra daqui ou era pedra de fora?... INF Era como uma pedra mármore. INQ Mas que vinha de fora? INF Vinha de fora. INQ E, e a moenda trigueira, a, do, a trigueira, era, era pedra de cá ou não? Também vinha de fora? INF Também a maior parte foi tudo de fora. Mas aqui já havia uma pedreira, que já estavam tirando. Já aqui havia uma pedreira INQ Sim, sim. INF que já estavam tirando isso. Sim senhora. INQ Olhe, e depois aqui ao lado, havia uma coisa que servia para o senhor levantar e baixar, ou não? INF É o tempero. INQ O tempero? Portanto... INF O tempero era uma barrinha assim deste tamanho. Depois, em baixo, tinha (...) uma agulha - a gente chamava-se a agulha - que ia abaixo e tinha-se assim um pau atravessado - que a gente chamava-se o pau da agulha - e tinha um encaixezinho, que a agulha se assentava e quando a gente queria que a pedra levantasse ou arreasse, para o tempero da farinha, a gente tinha a tal barrinha - que era o que chamava-se o tempero de a abaixar ou altear.
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INQ1 ... Levar o trigo ao seu moinho... INF A gente é que ia buscar. INQ1 O senhor é que ia buscar? INF Tinha-se um burrinho, ia-se buscar e levar a farinha. (...) Trazia-se-o em grão e levava-se em farinha. INQ1 Sim senhor. E era o senhor, e o senhor como é que se pagava do trabalho que tinha? INF Era maquiado, era à maquia. INQ1 E a maquia era quanto? INF É um quilo. INQ1 Um quilo, em cada alqueire? INF Em cada alqueire. Sim senhora. INQ1 Sim senhor. Olhe, e quando a pedra começava a não estar boa, tinha que?... INF Era picada. INQ1 Com quê? INF Com uma picadeira. E é espesso quase como uma enxó. Não é bem a enxó, que é mais direita. (...) A gente tinha aquilo afinadinho, tudo amoladinho e quando era preciso, que a gente via que ela que já não moía bem, a gente levantava-se e picava-se. Aquilo tem um... INQ1 Como é que levantava? INF Levantava-se com uma barra de ferro. Levantava-se assim, mais ou menos por esta altura, tinha uns calços de pau por baixo e quando a gente chegava àquela altura, que a gente se podia pegar, às vezes era preciso dois. Para levantar, empinava-se e então é que começava-se a picar. Sim senhor. INQ1 Sim senhor. Olhe, no seu, no seu, nas suas velas, tinha, tinha alguma coisa que fizesse barulho ou não? Nas velas, à volta das velas, não? INF (...) É os tais estais, num andamento que era muito e aquilo fazia uma guinchada: chchchch. Era a tal guinchada que fazia. INQ1 Sim senhor. Olhe, e quando o senhor, por exemplo, se afastava um bocadinho do moinho, como é que sabia que já não havia grão na, na moega? INF Ah, mas eu (...) , eu estava sempre (...) a pau. INQ1 Tinha que estar sempre ali ao pé? INF Ah, (...) a ver a moega e depois furava. A moega, estava cheia, estava sempre correndo. E depois quando faltava o grão, começava a furar, que já não tinha nada e a gente se via . E a gente tirava-se o resto assim mais para baixo, uma coisinha e depois deitava-se outro, dentro da moega (...) INQ1 Olhe, e não havia uma coisinha que servia para... INF de a trancar, por causa de dividir o grão. Porque quando estava aviando um , a gente metia uma pá de cima para baixo. Deitava-se o outro de dentro, depois, quando este estava aviando , a gente levantava a pazinha, ele começava outra vez a correr. INQ1 Portanto, era assim, era com a pazinha que controlava a quantidade de grão que ia caindo? INF Era. Pois, pois, pois, pois. INQ1 Era com a pazinha, que controlava? INF Sim senhor. Era, sim senhor. Levantava-se muito, vinha muito, (...) ficava grosso. A gente, vá , graduava-se mais ou menos aquela medida já estava certo e quando a gente via que vinha muito, a gente arreava-se a pá outra vez (...) mais para baixo uma coisinha e pronto. Já graduado Já graduava . Depois tinha o tal cachorro que estava a estremecer. E o grão caía, quando a gente via que era muito, era onde a gente que ia da tal pazinha e fechava-se mais. INQ1 Sempre a... INQ2 A estremecer. INQ1 Para ir caindo... INQ2 Pois. INQ1 E portanto, vinha caindo assim por uma coisinha assim... INF Sim senhora, então, a cair lentamente. INQ1 Pois. Que era, que fazia parte da moega? INF (...) Era uma espécie quase como água. INQ1 Exactamente. INF Sempre naquela média. INQ1 Sim senhora. Portanto, a sua profissão era quê? INF Eu tenho tido tantas. INQ1 Não, mas essa com o moinho, era de quê? INF Era moleiro. INQ1 Era moleiro. INF Sim senhora. Tive uns anos naquilo mas, é claro, depois mudei. Andei na Câmara, andei na Junta Geral, andei na Florestal, enfim... Agora é que tenho a minha reforma. INQ1 Pois. INQ2 Pois. INQ1 E agora também já não há moinhos, não é? INF Não há. É para ter pena. INQ1 Pois é. INQ2 Pois é. INQ1 Eram tantos, ainda por cima cá, não é? INF Veio, uma altura, aqui, um decreto - que o turismo é que se metia nisso - para melhorar os moinhos, para isso não acabar - era uma coisa antiga! Veio, (...) claro, não era para fazer novo, era para fazer uma média para que aquilo melhorasse, que aguentasse mais uns anos. Mas houve uns mais espertos, quiseram fazer novo, agarraram-se ao dinheiro, gastaram metade do dinheiro, o outro para a algibeira e os outros ficaram a vigiar . INQ1 Pois é. INF Devia ser uma média, dividido, um tanto a cada, para melhorar. INQ1 Claro, claro. INQ2 Claro. INF Mas não, houve deles que se fartaram. INQ1 É sempre assim, não é? INF É, pois é claro. (...) Se isso aprovasse, que desse o conserto em todos, estava tudo aí, estavam todos. Estavam e era bonito. INQ1 Claro, era bem bonito. INQ2 Claro. INF Era bonito. INQ1 Pois era. INF Eu tive um, claro, fui andando, fui andando, fui andando, fui andando, depois também não houve trigos, nem cevadas, nem milho, nem nada, estavam parados; depois, (...) na casa fechada, arrombaram-lhe com a porta, até sujavam dentro e aquela coisa toda. Depois houve um tipo que quis me comprar a pedra, aquele que lhe chama-se o patamal. Disse: "Olha, vocês que levem tudo"! Que me servia que ter aquilo? Quer dizer, só... INQ1 Pois. INQ1 Mas ele comprou para quê? INF A pedra? Para um alicerce (...) dum prédio. INQ1 Ih, pá! Ah, portanto, já não há moinho mesmo? INQ2 Ah! INF Ainda há. Ainda há um na Camacha, é o tal que levou um consertozinho, que por isso existe. INQ1 Ah, pois, de um...Pois, pois. INF E está o Actório, que é um tipo que é das Finanças, também tem dois. Mas foi o tal dinheiro do turismo... INQ1 Pois. INF Melhorou um e fez dois novos. INQ1 Pois, pois. INF Também está lá, só para ver! INQ1 Pois, pois. INQ2 Pois. INF Não dá outro rendimento. INQ1 Claro. INF Mas não havia de ser assim. Devia de ser um tanto a cada INQ2 Pois. INF e eles existiam todos hoje. INQ2 Pois.
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INQ Andou a estudar quando era novo ou não? INF Nem fui à escola. INQ Mas aqui havia escola nessa altura ou não? INF Era pouco. Mas meu pai tinha era gado, fazendas e etc. INQ Pois. INF Pregava-se era só àquilo . Ia aí meia dúzia à escola e o resto estava em casa. Em casa, tudo trabalhando. INQ Pois. Pois. INF (...) INQ Fuma, ou não? INF Não, obrigada. Tenho pena - tenho pena! - em não saber. Mas também agora?!
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INQ Como é que o senhor subia para o patamal? INF Na escada. Tinha uma escada. INQ Tinha uma escada por fora. De madeira? INF Há de madeira e também havia em pedra, metida no patamal, que a gente chama se chama lhe chama , também havia, mas a maioria era tudo de escada de pau, de madeira.