VPA01
INF Nós dantes, nestas redes, era raro o dia que não se pegava um, dois lavagantes ou três. Agora não há. Não há. Vai acontecer como à lagosta, aqui ao norte. INQ1 Desaparece tudo... INF Aqui era o mar da lagosta... Desapareceu (...) . Vieram os franceses, vieram os espanhóis, quando podiam aqui trabalhar... Desapareceu. E o lavagante já não há, também. É raro se pilhar um. Quando é um, é uma festa. INQ2 É por causa disso... INF É isso, é. (...) INQ1 Apanha os pequeninos todos. INF Isso foi o piorio que pôde vir haver . Sessenta para dar um quilo, você já pode ver. INQ1 Imagino... INF Isso é o piorio que pode haver é isso. (...) Se o nosso governo não acaba com isso, aqui a pesca (...) artesanal daqui da nossa praia está perdida. Está, está. INQ2 Isso também não começou há muitos anos, pois não? INF Pois não. Não começou há muitos anos, mas os anos que tem, já chega para destruir o mar.
VPA02
INF1 Hoje, já certas espécies já se vão extinguindo. (...) INQ1 Porque é que... Desculpe só... porque é que o remo tem aquelas duas orelhas? INF1 (...) Aquele buraco enfia no tolete e é que segura o remo direito para poder remar. INQ1 Sim, mas depois também tem... tem um buraco no outro lado, quando é para, para remar... INF1 Sim, que é por causa do remo não andar a dançar. Assim fica sempre com uma e outra , (...) . INQ1 Pois, fica, entra nos dois, pois... INF2 O senhor já viu, o senhor já viu o que isto mata? INQ1 Como é que chama a este? INF2 Faneca. INF1 É fodãozinho. INQ2 A faneca... INF1 Isso não é faneca. (...) INF2 (...) É espécie de faneca. INF1 Uma sorte de faneca, mas chama-lhe a gente aqui, desculpando a impressão, fodão.
VPA03
INF1 (...) O mestre, se faltar (...) algum camarada, diz ele assim: "Falta-me aquele camarada, já não vou ao mar mais , já não posso". INQ1 E nunca há ninguém abaixo do mestre sem ser os camaradas, não há ninguém... INF1 Não, não, não. É só o mestre é que manda. INQ2 Mas, por exemplo, o senhor quando disse que estava no barco que foi abalroado disse que era maquinista? INF1 Eu era. Eu era o motorista. Eu é que punha o motor a (...) trabalhar e tudo. INQ2 Mas o motor estava dentro do barco ou era... INF1 Não, não, era dentro do barco. (...) De sessenta e tal cavalos e de cinquenta e trinta e cinco. E até por acaso o nosso era de trinta e cinco, que era um Lister. Um Lister. Era um Lister. INQ2 E portanto quando... naquela, naquela altura, portanto, em que iam pescar e assim, como é que eram, como é que era dividido depois os quinhões do peixe pelas pessoas...? INF1 Não, não. (...) Nós, não. (...) INQ2 Como é que era normal fazer aquilo? INF1 Era normal. Nós, faça de conta, fazíamos vinte contos. Metade era para o patrão, e depois da outra metade, ele ainda ia buscar um quinhão dele, porque o aparelho... o aparelho era dele. Ele ainda ia buscar do aparelho e ainda ia buscar o quinhão dele. INQ1 Que era igual ao dos outros? INF1 Pois. (...) INQ1 E o mestre? INF1 O mestre ia buscar... INQ1 Ai, o mestre! INF1 Fazíamos vinte contos livres, limpos, e ele ia buscar dez. INQ2 Mas o mestre normalmente era o dono do barco, era? INF1 Era o dono do barco e ele é que punha tinha (...) o aparelho. E depois, daqueles dez, era repartido por nós e ele ainda ia buscar mais o quinhão dele. INQ1 Pois. INF1 A nós, a nós tocavam tocava para aí uns quinhentos mil réis (...) ou isso. INF2 (...) INQ1 Como? INF2 Dessa metade que era para repartir pelos camaradas, o mestre ainda vai buscar três partes. INF1 Ele ainda ia buscar (...) mais três partes. Nós, tocava-nos para aí uns quinhentos mil réis, ou setecentos ou oitocentos. INQ1 Mas agora já não é assim ou ainda é? INF1 Não (...) . É, é. Não, mas agora é melhor.
VPA04
INF Ouça lá: eu, se disser, eu, se disser a verdade, vou preso? Diga-me: ai eu, se disser a verdade, vou preso? INQ Não. INF Não vou preso? INQ Não. A gente queria saber como é que, como é que era antigamente... INF A situação antigamente, não é? INQ Exactamente. INF Eu fui para a pesca em 45, quando acabou (...) a guerra. Quando acabou a guerra, fui eu para a pesca do bacalhau, tinha eu vinte e cinco anos. INQ Portanto, o senhor que idade é que tem agora? INF (...) Eu vou para sessenta e cinco. (...) Ouça, (...) eu tenho sessenta e seis. (...) Eu nasci em 19. Porque o meu pai, o meu falecido pai, foi para a guerra de 14. E foi daqui, (...) foi mobilizado em 16. Em 16 foi ele mobilizado. (...) A guerra acabou em 18, e eu nasci em 19, mas estive um ano (...) sem baptizar, sem registar.
VPA05
INF E agora têm que ter umas quotas, sabe, umas licenças, (...) daqueles países, (...) daqueles mares , que está debaixo do domínio (...) daquelas nações, não é, para poderem trabalhar, lá. INQ E como é que é, diga-me lá, como é que se faz a pesca, como é que é um... INF A pesca? INQ Sim. INF A pesca, olhe, larga-se a rede por a borda. Aqueles é daqui da borda, e há quem largue a rede por a pela popa - chamamos-lhe nós a isso barcos colaterais. E aqui estes não. Estes é de largar por a borda. Larga a rede (...) para o mar, e depois caem os roletes, (...) arreiam (...) as malhetas, para baixo, um bocadinho (...) . INQ O que é as malhetas? INF É os cabos que vão pegados às redes e à porta. E depois (...) o barco navega um bocadinho, vai arreando aqueles cabos, engatam as portas, as portas caem para a água, e chega a um ponto, (...) pára-se o guincho para as portas abrirem, e o barco vai botando a rede. E depois, chama-se uns cabos às patescas... INQ As patescas... INF A massageira chama-lhe cabo à patesca, que é de aguentar assim estes dois cabos, (...) à copa do barco. E o barco arrasta uma hora, consoante ele quiser, uma hora ou duas horas ou três horas... INQ Pois, arrasta... INF (...) Consoante o peixe é. (...) Eu já tive lanços. Já tive, na pesca do bacalhau, (...) chama-se aquilo, no Fundão do Filas. (...) A rede não chegava ao fundo, e alava-se já a rede. (...) O bacalhau levava a rede toda, partia o saco da rede. Jesus, que de bacalhau, naquele tempo! Bacalhau, muito, muito bacalhau! Aquilo era uma estragação que uma pessoa nem... Matava o corpo, e não ganhava nada naquele tempo. Ó minha senhora, olhe, quer que lhe diga? Eu, o primeiro ano que fui para o bacalhau foi em 46. Fiz a primeira viagem em 46. Sabe quanto eu ganhava? Pilhámos nós dez mil e oitocentos quintais (...) no Fernando Lavrador. Sabe quanto dinheiro trouxe para a minha casa? Setecentos escudos. Ganhava eu por mês... A minha mulher, deixei à minha mulher por mês cento e sessenta mil réis. Bem, naquele tempo pagava quinze escudos de renda da casa. INQ Pois,... era tudo mais barato... INF Pois era. Mas olhe, eu, eu vou-lhe dizer. Eu não tenho medo que a senhora me prenda. Eu, quando fui para a pesca do bacalhau, (...) eu e os meus camaradas passámos as melancolias. Passámos fome, trabalho, sem descanso. Chegávamos a trabalhar cinquenta e duas horas sem dormir.
VPA06
INF Mas, ele havia muita fome, naquele tempo. A fome, minha senhora... (...) Ele a fome não havia! Havia muita comida com abundância, mas não se podia comer. Olhe, as batatas vinham, iam para a panela desta cor, com tona e tudo. Peixe, o peixe, salgavam-no assim (...) num cabaz. Ali estava aquele peixe, que botavam sal para cima. Mexiam aquele peixe com aquele sal, assim com o cabaz. Estava ali aos dois, três dias; lavavam aquele peixe, ia assim para a panela. Conforme vinha da cozinha (...) aquela comida, ia toda assim para o mar. Sabe o que nos valia? É que eu, olhe, (...) o pouco dinheiro que uma pessoa ganhava naquela vida... Que aquele tempo até ganhava-se pouco. Trazia-se um barco carregado de peixe, de bacalhau - trazia-se um barco carregado de bacalhau! -, trazia-se (...) um conto e meio, dois contos naquele tempo. Bem, naquele tempo, era um bocadinho mais; mas era pouco, (...) ao peixe que nós trazíamos! (...) Hoje trazem logo uma bagatela de peixe, ganham-me ganham um dinheirão! Ganham-me Ganham um dinheirão! E o que nos valia a nós... Estão aqui dúzias deles que... Isto andou cá tudo ao bacalhau! O que está aqui! Andou cá tudo ao bacalhau! Está aqui um - e mais - e aquele também. É que nós levávamos cinco litros de azeite, um saco de batatas, levávamos umas cebolinhas, levávamos alhos, levávamos (...) um barrilzinho de vinho, que metíamos em Lisboa, daquele vinho do sul, (...) e era assim. E depois, fazíamos à nossa moda. Fazíamos à nossa moda, a comida. INQ Mas isso também não durava muito tempo? INF Pois não. Era só naquelas horas. Quando a comida era fraca (...) . Porque ali havia dias que se comia melhor do que outros. Quando era assim aos domingos e quintas-feiras, davam-nos aquela carne de orça - carne de cavalo, carne de cavalo! Aquela carne de cavalo, se fosse bem preparadinha, comia-se bem. Havia um que se comia bem. Mas havia outra que era desta cor - era preta. Aquela, mesmo se viesse preparadinha bem à moda - à nossa moda, não é? - comia-se bem, minha senhora. Mas aqui assim, havia bandejas de comida daquela que ia toda para o lado. Tudo. Ninguém a punha à boca. Não senhor. Mas havia uma, que era a entremeada... Essa, essa era só para os oficiais, homem. A nós davam-nos uma vez por acaso, daquela carne. Deus me livre! Que miséria! Naquele tempo só havia era miséria!
VPA07
INF E andei aqui, no Âncora do Mar... (...) Andávamos também (...) com essas a apanhar sem redes, e andávamos com as redes do badejo, que são mais baixinhas... INQ Mas são também deste género... INF É. Não, não é deste género, não. Era de fio. Essas redes foram roubadas, roubaram-nos na Espanha. Essas redes, roubaram-nos na Espanha - no mar de Espanha. Olhe que naquele tempo podia-se ir ali, andava-se lá por a pela Espanha, sabe? (...) E andávamos também ao badejo - ao badejo (...) ! Muitos badejos que ajudei a apanhar! Num barco aqui (...) chamado Âncora do Mar.
VPA08
INF No dia treze deste mês - era eu solteiro - eu e o falecido meu pai ajudámos a caçar (...) um salmão de dez quilos. Já vínhamos embora, que (...) não havia nada. INQ Mas era salmão também? INF Salmão! Ai, ajudei a caçar muitos! (...) No dia treze de Maio deste mês, da Nossa Senhora de Fátima, caçámos nós um salmão e três 'sáveles'. Um salmão de dez quilos. Palavra de honra, então! INQ Pois, pois claro. Olhe mas, mas pescavam também com rede, era? INF Era com a rede. INQ O salmão também pescava... INF Sim, com a rede. (...) O salmão. Era tudo com a rede. INQ Tudo com a rede... INF Tudo com a rede. Tudo. INQ Não era nada com o anzol? INF Nada. Ali, (...) o sável não fica pica segura ao anzol, minha senhora. INQ Não? INF Não! INQ E o salmão? INF (...) INQ Aqui não usavam. INF Não, nada, nada. Aqui não. Eu, vi muito salmão mais foi lá (...) na Gronelândia. INQ Ah, pois. Aí há muito. Mas aqui o salmão já desapareceu completamente ou não? Ou ainda se pesca de vez em quando... INF Ainda se lá aparece qualquer um, ainda aparece de vez em quando algum, no rio de Caminha, (...) mas não há, não há, não há por causa das águas. Não há que (...) a exploração é muita. É. E depois outra: o peixe aqui é pouco, porque a exploração é muita e a navegação também é muita. E sabe que o peixe - olhe, assim como o robalo, como a truta, (...) como esses peixes - os barcos fazem muito barulho, com estes motores, e o peixe também espanta. O peixe foge. O peixe é como nós.
VPA09
INF1 Para nós, (...) ainda não apareceu um. INF2 Pois, foi o Alípio. INF1 Foi o Alípio. Mas o resto apareceram todos. (...) O mais direitinho que ali vinha era (...) o do Aristides, o de Almérico. (...) Esse rapaz, esse rapaz lutou muito até chegar à praia, vivo. INF2 E o outro também que desapareceu. Porque eles atiravam-se acolá daquele porto novo ... INF1 Esse lutou muito para chegar (...) ... Como ele chegou ali a ir àquele sítio, lutou muito, muito, para ele chegar àquele sítio. INQ Mas morreu, mesmo assim? INF1 Morreu cansado. Os médicos (...) disseram mesmo: "Este rapaz morreu cansado". E (...) foi na praia mesmo que ele morreu.
VPA10
INQ Mas é a rede para apanhar o quê, como é que se chama? INF Meixão. Rede do meixão. (...) É rede como a da peneira, como a peneira de peneirar farinha, não é? INQ Sim. INF (...) Porque aquilo é tão fininho que (...) é como as agulhas, como aquelas agulhas de coser lã. E tem de ser uma rede fitinha, senão eles escoam. Aquilo vem pela rede acima, depois uma pessoa com um rapichel tira-os de dentro da rede. Às vezes apanha-se uma quantidade daquilo. Este ano até por acaso houve poucos, mas aquilo, às vezes, há dias de se apanhar trinta ou quarenta quilos, ou cinquenta até. E aquilo vai a três mil e tal escudos, o quilo daquilo. O que é que aquilo (...) diz que é que vai para o Japão até . Quem o compra muito é o espanhol. Diz que é para os arrozais. Não sei se é para os arrozais se para que é. Para comer um micróbio quaisquer. Que eles metem em viveiros e aquilo está vivo sempre. Aquilo vai para os viveiros (...) . INQ Mas portanto é enguias pequeninas. INF É enguia pequena. INQ E chamam-lhe meixão? INF Chamam. Aquilo Agora aqui chama-se meixão. INQ Pois em, em Espanha come-se muito daquilo. INF Ai, aquilo é caro. E aquilo é bom. INQ Ai eu não gosto. É bom para quem gosta... INF Aquilo bem preparadinho, aquilo é bom, não é? INQ Eu só comi aquilo frito, não me sabia a nada. INF Ah, é frito, isso não presta. Isso não presta. INQ Nunca comi doutra maneira. INF Ali os espanhóis sabem preparar aquilo com uns molhos lá, que eles põem aquilo. (...) Aquilo é caríssimo. Para uma pessoa vender a três mil escudos... INQ O quilo? INF Este ano foi a dois mil e seiscentos, mas tem épocas que vai a três mil escudos. Veja lá (...) no restaurante quanto não vai a custar. O pescador já o vende a esse preço, depois no restaurante quanto é que não vai a custar. INQ Mas olhe que eu só comi aquilo frito e... INF Não, aquilo frito não presta. INQ Achei aquilo horrível. Não sabia a nada. INF Aquilo não frita, aquilo frito não presta. INQ Agora com molho nunca comi.
VPA11
INF Há um peixe que vocês (...) não tinham ali, que é muito raro até aparecer (...) . Dantes havia muito. Chama-se a moreia. INQ Exacto. INF É um peixe que é espécie do que o safio, não é? Mas não é safio. É assim mais espalmado e depois tem várias cores. Aquilo, quando morde, é perigoso, a mordidela daquilo. INQ Que é um que tem umas manchas amarelas? INF É, é. Amarelas, assim, escuro, castanhas e assim. Chama-se moreia aqui. (...) INQ Sim, sim. Não, eu acho que lá para baixo também chamam moreia. INF É a moreia. Dantes havia muito disso aqui. INQ E o que é que fazem à moreia? Vendem-na assim ou tratam-na... INF Não, (...) aqui até deitam fora, deitavam-na fora. Há (...) quem a coma - quem a seque e quem a coma. INQ E secam como? Como é que fazem para secar... INF Escalam-na. Escalam-na e depois põem a secar. Dantes havia muito disso (...) . INQ E que peixes é que costumavam secar aqui? INF Aqui (...) secava-se o cação. (...) Antigamente secava-se o carapau - (...) quer dizer, o sorelo, o grande, não é? Secava-se até faneca. Secava-se muito peixe. Essa tal feiticeira que lhe chamam (...) a pata-roxa ou a cascarra, ou o que lhe querem chamar, não sei. Havia muito. (...) Um peixe que é azul, que é a tintureira, que é parecido com o tubarão, que também se secava. INQ Também secavam esse? INF Também se secava. INQ Pois. Também é escalado e posto a secar? INF (...) É escalado e é posto a secar. INQ E o sorelo, como é que era? INF O sorelo também é escalado. É escalado por as costas. Escala-se por as costas e abre-se. Fica assim aberto (...) ... Ali na Nazaré até ainda faziam muito disso (...) no carapau pequenino. INQ Pois, na Nazaré é que eu tenho visto. Exacto. INF Punham a secar naquelas coisas. E até depois, (...) que há rapazes que andavam comigo ao bacalhau, levavam. Seco, aquilo Seco, que aquilo era muito bom. Aquilo, se for a aquecer aquecido de um lado e doutro, aquilo por acaso é bom.
VPA12
INF Quando (...) o mar vai assim em concha, começa assim a ficar mais fino, pumba, vira - é a arrebentação dele. (...) O mar pode vir aqui. (...) Faz de conta, isto aqui é um poço. Mas chega aqui, aqui é um baixo. O mar ali não cogula, mas, onde é que apanha fundo baixo, começa logo a cogular porque lhe falta o fundo. É por isso que o mar tem arrebentação aqui na praia. Porque é que ele não arrebenta fora? Arrebenta lá fora só com coisa de vento, (...) temporal, tempestade. Mas, aqui na praia, em geral, é escusado estar tempestade para o mar arrebentar. Agora não está tempestade e o mar arrebenta. Porquê? Porque apanha o fundo mais baixo. Mais baixo. Se apanhar o mais profundo, o mar (...) já não vira. INQ Pois. Como é que chamam, por exemplo, a esses bocados... assim... de mar que é menos profundo, quando há assim... INF Bem, (...) quando é areia, é bancos de areia. São bancos de areia. Porque a areia, o mar pode juntar a areia, (...) pode num sítio afundar e, noutro dia, pode ficar mais seco, porque é com as correntes. E quando é pedra, chamamos-lhe nós secos ou cabeços, quer dizer... INQ Secos? INF Secos. Faz de conta, secos, que (...) é pedras mais altas que estão no fundo (...) ... Há pedras - Deus me livre! - que uma pessoa, com os aparelhos que tem, com a sonda... Há pedras que é para aí, quê? Têm para aí vinte ou trinta metros de altura.
VPA13
INQ E quando só num sítio é que está assim mais, mais encapelado e com mais ondas? INF Não. Onde é que está mais encapelado, em geral, é nas pontas. Faz de conta, acolá é uma ponta, onde é que está aquele castelo, não é? E nas pontas é onde é que o mar se encapela mais. Porque onde é que faz uma enseada, o mar fica mais calmo. Mas (...) onde é que ele mete as pontas para fora é quando o mar se encapela mais, porque vai apanhar fundo mais baixo (...) . E até para o vento é pior, porque nas pontas faz sempre mais vento. Se for como uma enseada, faz calma. Onde é que apanha (...) uma enseada, (...) nos bicos, faz sempre (...) mais vento. Mais vento (...) e o mar (...) mais agitado.
VPA14
INF1 E é isso que eles não sabem, sabe? Porque está tudo a acudir ao arrasto, tudo a acudir ao arrasto. E ao fim e ao resto, a pesca artesanal, daqui a uns anos - bem poucos anos - vai acabar. E depois como é que vai ser de nós? Ora, se eles multassem desta maneira... É que eles, se contassem o pessoal que vive, de todas as famílias que vivem do arrasto, hem, e os lucros que dá o arrasto, para os lucros que dá a pesca artesanal do norte ao sul do país, e (...) os habitantes que estão a viver do mar, eles aí sabiam dar o valor. Mas eles não dão. Porque nós somos (...) mais de (...) - vá lá, isto é uma comparança... São mil a trabalhar no arrasto, e são quatro ou cinco ou sete, oito mil a trabalhar na pesca artesanal. Adonde aqueles mil vão viver... Vá lá, os grandes latifundiários é que vivem sobre os pescadores, sem nunca irem ao mar. O que querem é trazer muito peixe para a terra, seja da maneira que seja, mesmo desde que amanhã não haja um. E os outros então nada. Por isso, isso é protecção ao mar, porque em todas as nações dão protecção ao mar. Até no marisco! (...) INF2 Ainda há bocado vi cair assim um lavagantinho deste tamanho. INF1 Pois... Claro... INF2 Se fosse antigamente, não deixavam trazer para terra. A lagosta tinha que ter vinte centímetros. (...) Tinha que se deitar ao mar. INF1 Olhe, minha senhora, (...) nós somos pescadores... INF2 Se não tivesse vinte centímetros para cima, ia para o mar . INF1 Nós somos pescadores, minha senhora, e está aqui isto, que a senhora vê - isto havia de ser proibido. Mas nós somos obrigados a trabalhar com isto... Porque os outros trabalham, nós temos de trabalhar também. (...) INF2 (...) Se as autoridades proibissem por todo o lado, era muito melhor . INF1 (...) Se vamos a deteriorar o mar, nós somos obrigados a ir também. Mas isto havia de ser proibido total. Era isto e o arrasto. Porque isto, ova, (...) não apanha, ova não mata. Mas apanha peixitos, INQ Pequeninos? INF1 assim, pequeninos. INF2 (...) Apanha lavagantes como é o tamanho de camarões. Trazem para a terra (...) . Faz de conta, se eu deito ao mar, digo assim: "Oh, eu deito ao mar, outro não deita, também o vou levar. Aquele não deita, (...) eu também o não deito". Mas, faz de conta, se todos deitassem (...) . INQ Pois isto acaba num instante... INF2 Hoje aquele traz dez, outro traz outros dez. Outro dia outro traz dez, outro traz dez. Sempre a tirar durante o ano, vai chegar a um certo ponto que (...) muitos filhos dos nossos concerteza que nem sabem o que é a lagosta. INQ Claro, mas é que vai ser mesmo isso. INF2 (...) Este homem ajudou ajudou-me muito a apanhar, mais do que eu ainda. Mas eu ajudei a apanhar centos e centos de lagostas, hem! Centos de lagostas que eu ajudei a apanhar, hem! Ele é mais velho que eu, então ainda ajudou a apanhar muitas, muitas a muitos mais, porque ainda havia mais, (...) no tempo dele. INF1 Pois havia, naquele tempo havia. INF2 E agora, anda-se o ano inteiro, não se apanha uma lagosta.
VPA15
INF Porque eu até já tenho visto estudantes ser mais malcriados do que os pescadores. INQ1 Ah, sim. Pois claro. Claro. INQ2 Mas ele não disse aquilo por ser malcriado. Estava, pronto, é uma coisa que acontece. INF Eu sei. (...) Aquele senhor não, porque aquele senhor é da religião da verdade, sabe? (...) INQ2 Como é que ele se chama? É esse senhor que estava a falar connosco? INF É o Agrícola. INQ2 Agrícola. INF Não diz nenhuma asneira sequer. Nem uma. É a coisa mais linda que há. Não há uma asneira ali. Adonde, na outra religião, diz-se muitas asneiras. Eu sei que aquilo que não é por mal, sabe? Mas quem ouve... Vem cá uma pessoa estranha, não é, não conhece e diz: "Ah, (...) são malcriados, os pescadores" (...) . INQ1 Não... INQ2 Não, por amor de Deus... INF Mas vocês não tomem em conta, porque isto INQ2 Não, não tomamos... INF é como lhe digo. O pescador Pescador nunca entrou numa escola, é uma vida estúpida. Olhe, aqueles começaram cedo, mas eu comecei mais cedo. INQ1 Claro. INF Eu comecei com sete anos. E hoje, como já lhe disse ali, sou analfabeto, porque os meus pais - ambos a dois estão lá no mundo da verdade - se fizessem o que eu merecia, eu não era analfabeto, sabe. Mas naquele tempo havia muita necessidade! INQ1 Claro... INQ2 Claro... INF E eu fazia-lhe falta ao meu pai. INQ1 O seu pai era pescador também? INF Era, era. Para lhe ir ajudar, porque naquele tempo vivia-se mal. Eu, quando me casei, já se vivia melhor alguma coisita - não era muito, mas já se vivia melhor. Mas disse: "Tenho duas filhas e dois filhos, se me chegar a notícia a casa - porque depois sei aquilo que me fazia falta - se me chegar a notícia que os meus filhos que gazearam a escola"... Se eles não aprenderem, aí está certo. Não somos todos iguais, as cabeças não são todas iguais (...) . Mas se eles me gazearem a escola, eu, o remédio que lhe dou é queimar-lhe as mãos. Mas queimo-lhas mesmo! E depois vou para o médico com eles, que é para se eles lembrarem: "Olha, isto foi de meu pai, foi por eu (...) não querer ir para a escola". Por acaso não tive essa sorte. Todos eles deram bem, graças a Deus, deram bem. Mas eu hoje sinto-me envergonhado até, de não saber ler, sabe? É que eu tenho boa ideia, fui sempre mestre dos barcos, tirei a carta de marinheiro, tirei a carta de mestre, tirei tudo isso e sou analfabeto!
VPA16
INF A senhora (...) não faz uma ideia o quanto me custou aquilo, trabalhar... E eu tinha ideias muito avançadas, que eu sempre pedi a Deus para me dar um barco para ir pescar aos Açores, já de bem novo! E ultimamente, Deus deu-me um barco para ir pescar aos Açores. O meu barco tem dezanove metros, tem tudo quanto faz falta. O meu barco tem uma balsa, cabem dezasseis homens. O meu barco tem um radar. O meu barco tem quatro rádios, quatro rádios. O meu barco tem uma sonda. O meu barco tem uma cozinha. O meu barco tem (...) um quarto-de-banho. O meu barco tem tudo. Tudo quanto faz falta. Ainda hoje disse aqui, ao cabo do mar que estava aqui, que eu 'prefirava' não comer, mas tudo quanto fosse de bom para o barco, comprava-o. Não há barco nenhum, da Póvoa para o norte, pelo menos, (...) tão apetrechado como eu tinha. Tenho um 'geral-piloto' que já me custou oitocentos e tal contos. Aonde a gente vai ao leme, marcou o rumo e deixa-se ir, vai ali à beira por ir. E Que ele lá vai sozinho. Mas (...) tinha aquilo tão bem preparado! Deus quis assim. Sete milhões de pesetas são sete mil contos! Ora, atirou com a gente à terra. INQ Claro... INF Pronto. Então, pagámos a multa. Vendemos o barco por oito mil. Que eu dei-o. Eu dei-o. Estava aborrecido nem anunciei no jornal nem nada. (...) Chegou à minha beira um gajo: "Quanto queres? Toma lá, toma, dou-te tanto". "Pronto, oito mil contos, vai-te embora". Atrás de mim depois eram aos milheiros. Atrás de mim veio aqui gente de Sines, veio de Sesimbra, veio de Peniche (...) . "Está vendido, está vendido, pronto". "Eu dava-lhe doze mil contos". "Já está vendido, pronto, não quero saber". Fiquei chateado, aborrecido. INQ Pois. INF Mas, como lhe digo, custou-me tanto e tanto e tanto que eu não desejo ao maior meu inimigo o que custou a mim a pôr-me aquele barco. INQ Pois, pois... INF Muita lágrima chorei! Eu passei tanto mau tempo no mar, e tanto mau tempo que aqui esta terra, toda ela chorava. Porque andávamos a trabalhar em Matosinhos, e eu, como queria fazer das tripas coração, dizia assim: "Agora vou morrer". O barco tinha uma telefonia, que eu falava (...) para a minha patroa, para a minha mulher. E eu falava com ela. E ela: "Ai Jesus, anda-te embora, homem"! Eu estava tão longe! Doze horas de viagem! E andava eu aos E ainda havia os peixes! Quando Onde havia era pescada, onde os havia. Ora, aquilo, nem queira saber, muitos dias foi assim. Havia tripulantes que diziam assim: "Eu, ia-me embora, que este homem parece um doido, mas aqui é que ganho dinheiro"! Eles chegaram a ganhar quinhentos contos num ano!
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INF1 Ainda ontem houve ouvi na televisão uma reportagem (...) sobre os arrastões, dum barco que foi preso. Foi preso e o mestre - o mestre que era o patrão também - é quem estava a falar. E falou bem. Falou bem e ele disse, também, que usavam... Não disse sacos - mas usam, a gente sabe que usam - mas falou nas forras. INF2 Fecha (...) o saco. INF1 (...) Fecha à mesma o saco e o peixe não passa. INF2 Aquilo as forras, compreende (...) ... É o saco, não é? E depois leva uma parede aqui, outra aqui, quer dizer, a parede vai emendando uma na outra. INF3 Faz uma tábua. INF2 Faz uma tábua, é uma tábua. INF3 Não passa nada. INF2 Quer dizer ali não passa nada. INF3 Não passa nada. INF2 Quer dizer, a malha de dentro é grande, não é? Mas (...) a senhora, por exemplo, faz assim a uma mão, aqui pode haver um buraco, (...) mas se puser outra assim, quer dizer, fica mais pequeno. INF1 Vai tapando. INF2 Quer dizer, a forra na parte de fora, compreende, (...) é que vai fechar (...) a malha (...) na parte de dentro. INQ Claro... INF2 Porque a parte de dentro, seja a malha grande, mas a parte de fora, a forra, se for pequena, uma vai tapar a outra, automaticamente (...) fica o saco fechado. INF1 Mas o mais mau (...) ainda não é por aí. O que é mais mau é o sobressaco. O sobressaco é que é pior. Porque com as forras é só por a pola parte de baixo. E o peixe, por a pola parte de baixo não foge (...) tão fácil, não é . Por a Pola parte de cima é que foge mais. E então é quando eles metem o sobressaco, que é uma malha mais pequena. INQ E que vai por cima do outro é? INF1 Dentro. INQ Ai dentro do outro. INF1 Vai dentro, dentro do grande. INQ Pois, portanto não passa nada. INF1 Claro, assim não passa nada. Eles fazem, que eu também já fiz. Não cá. Cá a trabalhar (...) com os portugueses não, mas já fiz. E estes todos também. E este colega também estava, que andávamos os dois no mesmo barco, num belga. E fizemos.
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INF Essas barracas de madeira, pode haver alguma mas é (...) para arrecadação, assim de animais, (...) de sargaço (...) e coisas (...) de lavradores. Isso é que pode haver. (...) Mas para viver, não. INQ Para viver não... INF Para viver, não há mais de madeira, não senhor. Para viver, não vejo aqui nada. Não senhor. (...) Eu nasci numa barraca de madeira mesmo madeiramento , tudo de madeira. De madeira. Olhe, eu, quer que lhe diga, eu nasci num ponto, minha senhora - desculpe que lhe diga - cheio de piolhos, pulgas, percevejo, ratos, de tudo. Eu vivi no meio disso tudo. E depois é que veio, mais tarde - isso já era eu casado... Depois já era casado eu. E depois, quando eu era casado, é que veio uma lei de Lisboa - ou donde fosse, do Porto, ou donde fosse - de dar aqui uma desinfecção por toda esta zona, (...) uma desinfecção. Que botavam de criolina (...) ... Havia aqueles pós para matar os piolhos e tudo, e percevejos e tudo. Daí para cá, minha senhora, é que nunca mais se viu esses bichos (...) .
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INF1 As regateiras (...) era que exportavam que se botavam a sardinha para fora. INQ As mulheres que vendiam... INF1 (...) Vendiam, mandavam assim (...) para Valença, para Monção. INF2 Para Valença, para Monção. INQ E como é que mandavam? INF1 Pelo comboio. INF2 Despachadas pelo comboio. INF1 Despachava-se. INF2 A gente, depois, amanhava-a. Chegava aqui à praia, não metíamos isto, era areia. Escuchava. Tirávamos-lhe a cabeça e tirava-se a tripa. Depois lavava-se muito bem lavadinha em água, nesses tais cestos. E depois, havia outros cestos maiorzinhos que esses, e a gente acamava-as acamava-se . Punha assim toda redondinha, muito bem lavadinha, assim. Era giro. (...) Assim tudo acamadinho, tudo, tudo. Depois aquilo ia para as praças e aquilo a gente chegava lá... (...) A gente mandava e as pessoas lá vendiam aquele peixe, que tinha muita saída. "Olha a sardinha de Âncora"! Era gostosa, era boa, era arranjadinha aqui, lavadinha com água do mar e tudo. Era bom.
VPA20
INF1 Antes de vir para a minha casa, eu morava naquela casa da Almerindinha, (...) a que comprou o Ajax (...) do Aloísio, homem. Eu morava ali. E essa casa era alugada (...) aos avós desse rapaz, (...) à Senhora Dona Agrícia (...) e ao Senhor Aristágoras. E esse rapaz era pequenino quando ele veio para a minha casa. Depois, levou três anos seguidos. E depois (...) , os mais anos, (...) foram viver para a casa da Agripina, lá acima, acolá (...) . INF2 Isso não interessa, o que interessa é o roubo. INF1 Espera aí. Ora bem... INF2 Senão nunca mais saímos daqui. INF1 Mas eu estou a contar o que é. INF2 Está bem... INF1 Morreram os avós, sabes, ficou ele e uma tia deste este rapaz. (...) No dia catorze de Agosto, vieram aqui para lhe alugar (...) dois quartos - para alugar dois quartos! Oh, mulher, era gente conhecida... INF2 Alugastes vós os quartos. INF1 Alugámos os quartos da minha filha, dois quartos. Dali a três dias, disse assim ele: "Senhora Aida, a porta (...) da estrada não fecha bem. A Senhora, se me desse a chave das traseiras, eu saía pelas por as traseiras". "Está bem, ó Senhor Aristarco, tome lá a chave", e tal. E deu-lha. Deu-lha... Ora bem, eles trouxeram uma rapariga dali do Porto, de quinze anos. E essa rapariga roubou-lhe, ao pai, apanhou-lhe ao pai um cheque de cento e sessenta contos, e fugiu com o gajo e o ouro. INF2 Com o tal Aristarco. INF1 Sim, o tal Aristarco. INF2 Ai, Aristarco! INF1 Palavra de honra! Eu aluguei-lhe a casa. Nada de saber. No dia sete, tiveram uma parte um aparte e (...) a guarda foi buscá-lo ali. (...) A guarda foi buscá-lo (...) à casa. Por causa da rapariga (...) . E foi para a guarda. A minha mulher deu: "Ó Seu Aristarco"! "Ó Senhora Aida, (...) não esteja aí com dúvidas, que isto não é nada. Eu quero logo falar consigo". No dia sete deste mês. No dia sete, veio da guarda, roubou-me - só minhas, da minha mulher, do meu rapaz, que é do meu rapaz - vinte garrafas de uísque. À minha filha, roubou-lhe noventa garrafas de todas as espécies - de uísque, de brande, de tudo - (...) que trazia da França. INF2 (...) Tinha alguma carrinha para levar isso então. INF1 Espera lá. Roubou-me uma motosserra de cinquenta contos, aquela grande de gasolina, (...) sem estrear. INF2 Isso era para vender, que ele não ia para o monte com ela . INF1 Não, homem! INF2 Não era para trabalhar com ela. INF1 Mas houve quem visse! Mas não lhe fadava, não o fadava, sabe? A vizinhança viu tudo, (...) uma carrinha amarela.
VPA21
INF Fomos a portos muito diversos estrangeiros. (...) Bem, era uns é nuns países bons! Está bem que uma pessoa tinha lá intérpretes portugueses... Tinha intérpretes portugueses, que sabiam a nossa língua, não é? Mas uma pessoa não os compreendia, àquela gente. E naquele meio daquela gente também era gente boa - os estrangeiros, por esse mundo fora. Na Gronelândia, (...) fui a um porto, o porto de 'Basques', levar um... Até fomos levar um cunhado meu, que partiu uma clavícula aqui e foi 'espontado' (...) para 'Saint Jones'. O comboio levou-lhe uma noite - uma noite toda a andar de comboio. E aquela gente era boa! E nesses pesqueiros do mar havia muito peixe. Ai Jesus, que de peixe havia! Meu Deus!
VPA22
INF O que há aqui, há no mar, lá fora. E nós, esses pesqueiros - que nós dizemos aqui pesqueiros - é onde é que tem mais peixe, que é tiras de pedra no meio do limpo, no meio do limpo assim: nós temos aqui um parcel, (...) no fundo do mar - nós chamamos-lhe parcel também a um bocado de limpo, que tenha limpo assim, (...) assim raso como está aqui. Aí chamam-lhe parcel. Temos (...) um parcel. INQ E aqui chamam parcel aonde? INF Aqui no mar! INQ Não, mas aqui em terra, onde é que chamam parcel? INF Não, (...) aqui em terra não se lhe chama parcel nenhum. Aqui é para a gente passear. INQ Pois. INF Aqui é para a gente passear. E no mar, há pontos que dá mais peixe de que outros. Está-me a perceber? Porque há pedaços de mar, aqui assim na nossa costa - seja aqui, seja em qualquer país - há pedaços de mar que tem mais peixe de que outros lados. Porque o peixe (...) no mar não é certo. O peixe no mar não é certo! Há aqui um cardume de peixe muito grande. Ali já não há nada. Vai-se para aquele pesqueiro, pode haver peixe. Vai a outro pesqueiro que já não há nada. Chamavam-lhe isso (...) assim: pontas de pedra no meio do mar.
VPA23
INF1 Este homem está na lota. INF2 (...) INF1 (...) Este homem que está aqui, o peixe que está ali (...) ... E vai à venda! Mas já avisa os compradores que este peixe que está estragado, que está deteriorado. INQ1 Pois, diz-se bandalho. INF1 É, é. Está abandalhado. Tanto faz abandalhado como estragado, não é? Que este peixe (...) está deteriorado ou assim, não é? INQ1 E para a sardinha também dizia? INF1 É a mesma coisa. INQ2 Portanto, nunca havia nada que chamasse que o peixe estava ardido ou coisa assim? INF2 Não, não, não. INF1 Tem razão. O peixe ardido é um peixe, é sardinha que esqueima. A comer, dizemos nós: "Olha, esta sardinha já esqueima". INF2 Esqueima, esqueima. INQ2 Já quê? INF1 A sardinha já esqueima. INF2 Esqueima, (...) apanha sol e esqueima. INF1 É, já esqueima. Eu, para mim... Você agora, daqui, se forem a Viana, já podem dar outro nome. INQ2 Eu quero saber é o de cá. INF1 Se forem a Matosinhos, já podem dar outro nome. Se forem a Lisboa, (...) podem dar outro nome, não é? Mas nós aqui, aqui, a nossa pronúncia, a nossa pronúncia é, se a sardinha está deteriorada, "a sardinha já esqueima". INQ1 Pois... INF1 Está-me Estão-me a perceber? Já não se pode comer. Pois claro. Porque a sardinha que está deteriorada (...) até se bota fora. (...) Eu estou casado há quarenta e dois anos. Era eu solteiro, havia aqui setenta e tal barcos - (...) à vela e a remos só, não havia motores - e (...) uma pessoa apanhava cada barco desses. (...) Havia barcos de três, quatro, cinco, seis, sete, oito, nove, dez milheiros de sardinha. Milheiros de sardinha. Naquele tempo (...) era vendida dividida a cento. INQ1 Pois... INF1 (...) E cheguei a vender a sardinha a dois tostões e a coroa a três tostões o cento. Estão aqui que o digam. E as regateiras, as compradeiras não as queriam, vinham carros - carros de vacas, com licença, de vacas - carregar aqui a sardinha para ir para o estrume.
VPA24
INF Peixe branco? É o robalo, é a tainha. INQ E porque é que chamavam peixe branco? INF Porque é branco. Porque é branco. É. (...) INQ E a pescada também era peixe branco? INF Não senhor. INQ A pescada também é branca. INF Bem, (...) à pescada, já não se dá esse apelido (...) de peixe branco. INQ Mas é branco. INF O peixe branco, chamamos nós: (...) "Ai que cardume de peixe branco vai ali! Ai que cardume de peixe branco ali vai"! Sabe o que porque é? Que Porque antigamente nós tínhamos essa pronúncia. E agora temos também. Porque (...) há cardumes de tainhas, há cardumes de robalos - aqui, mesmo aqui, aqui na costinha, que uma pessoa vê-os. E dizem (...) assim: "Ai rapaz! Que cardumes de robalo"! (...) Ou peixe branco. Nós temos (...) essa pronúncia. Aqui é, essa pronúncia é: "Um cardume de peixe branco". Assim como nós (...) dizemos também: "Ai que monte de sardinha"! Um monte de sardinha é a que vai toda junta. INQ É um cardume muito apertado, é...? INF Muito. (...) Bem, aí, chamamos-lhe cardume, chamamos-lhe montes de sardinha. "Ai, que grandes montes de sardinha"! (...) Já não damos, (...) muitas vezes, não lhe damos nome de cardume. Damos: "Ai, que montes de sardinha vai acolá"!
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INF O robalo e a faneca e isso tudo, isso não cheira a gueira. INQ1 Portanto, assim um sítio onde INF Não, isso não cheira. INQ1 deitam peixe e o peixe apodrece... INF Sim, sim. Isso é que cheira a gueira. (...) O que cheira mais à gueira é a sardinha. Isso que o que cheira a gueira mais aqui é a sardinha. INQ2 Aqui é costume secar o peixe aqui... Secar peixe aqui... INF Secam aqui. O que secam mais aqui é raia, cações, daquelas - (...) chamamos-lhe nós aqui um peixe que (...) é como a raia mas não é raia, é tremelicosa. INQ1 Já sei... INF Chamam-lhe vocês umas... Bem... INQ1 Uma tramelga. INF Isso. É, é (...) . Mas agora também é raro caçar isso.
VPA26
INF Até a sardinha agora não é gostosa. Não senhora! A sardinha, há coisa (...) de uns anos para cá, não é gostosa como antigamente. Porque, antigamente, uma pessoa caçava milhares e milhares e milhares de centos de sardinhas, e a sardinha, ia-se para comer, branquinha na espinha, branquinha! E agora, come-se uma sardinha, vem negra na espinha. Porque será isso? Eu sei-lhe sei explicar porque é, minha senhora. Sabe porque é? Porque, agora, esses barcos têm essas sondas de choques, está a perceber? Andam a navegar... Que antigamente não havia sondas. Antigamente, era (...) ... Essas traineiras de Matosinhos e Lisboa e tudo, era os homens à proa a ver se ia havia peixe. Agora não. INQ Pois... INF Agora usaram essas sondas para acusar os cardumes do peixe. INQ Claro... INF E, essas sondas são eléctricas, e o peixe apanha aquele choque. E depois dão uns tiros - nós, aqui os portugueses, não, mas aqui os espanhóis -, dão uns tiros fortes na água para o peixe, para a sardinha andar meia tola para a caçarem. E esse peixe está cheio de sangue na espinha.
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INF Bem, ele, uma pessoa, para desengatar (...) ... Uma pessoa, quando afundeia o barco, (...) com a âncora, bota (...) um filame, um filame de corda, agarrado à unha (...) e com uma bóia. Se o ferro encaixou e não solta, que no barco não solta, (...) apanha-se (...) aquela boinha e puxa-se por o filame. Ela já desencaixa. INQ Sim, mas não havia um filame que era mais fraquinho, que era para rebentar, que era para depois... Como é que era? INF Era a fieira. Nós, quando é ia para largar um ferro desses na pedra - na pedra, na pedra - amarra a ponta do cabo (...) à unha (...) e outro cabo vem aqui à argola. E aqui a argola leva assim um bocadinho de fio - seja um fio qualquer, não é. Encaixou (...) , aquele fio arrebenta (...) e vai desencaixar acolá (...) à unha do ferro.
VPA28
INQ1 Olhe, e não houve barcos que antigamente... se deu, afundaram aí... INF1 Muitos. INQ1 e que depois, às vezes, ficaram metidos na, no chão, e que as redes pegavam lá naquilo, nunca aconteceu isso? INF1 Não, aqui não. INQ1 Não, aqui não. INF1 Aqui não, aqui não (...) . INQ1... Barcos antigos? INF1 Aqui nunca ficou barcos desses no fundo. INF2 Aqui já houve um naufrágio que vieram dois homens engatados nos anzóis. INF1 Aqui (...) houve um naufrágio mas (...) foi aqui ao mar de Viana. INF2 Naufragaram (...) . INF1 Olhe, (...) eu estava lá à beira. INQ2 E porque é que naufragaram? INF1 Naufragar... Foi o barco ao fundo. Naufragaram, até morreram todos. Eu, por acaso, (...) nesse naufrágio, eu estava lá à beirinha. Estava lá à beirinha, mas estava muito temporal. Estava muito vento de leste, mesmo vento de terra, luar, (...) luar bravo, (...) via-se tudo. E o barco, esse barco ia largar anzóis - o tal troler do congro, o safio, o tal troler, os tais trolers que eu lhe disse, o troler do congro, o safio, o troler. Ia a largar - o barco também já era velhinho - e pega mesmo (...) como daqui à terra, assim, como daqui (...) mesmo ali, olhe. O barco (...) , conforme bateu na pedra, o barco (...) , para mim, 'escanou', e morreu tudo. Morreu tudo, morreram. E depois deram falta do barco. Nós, ali à beirinha, (...) não pensámos nada. E depois lá foi o barco que eu andava, lá foi (...) , também foi lá (...) . Foi procurar. Que a minha senhora estava na cama a dormir, nem soube, nem sabia de nada. E vieram dois homens (...) agarrados aos anzóis, ao troler esse. Vieram dois homens agarrados ao troler. Mas apareceram todos.
VPA29
INF O que é que uma pessoa, aquele ferros, quando era para o pilado (...) , tirava aquela rede do camarão e botava-lhe outra, já de propósito, mais grossa. INQ Pois, pois... INF O pilado pesava muito. (...) Era muito peso. (...) Mudava de rede, está a perceber? Tirava aquela rede do camarão, que é uma malha mais fitinha, e punha-lhe aquela malha mais lassa, que era (...) para aquele resto não pesar tanto. Enchia-se de pilado, (...) aquilo a remar. Aquilo era a remo! (...) Bem, havia alturas que se remava só como daqui àqueles 'pirulos', (...) já vinha o arrastão cheio. (...) Havia muita coisa disso! INQ Ó senhor... INF Havia muito pilado aqui (...) . Era a terra mais que havia pilado era esta. Aqui, havia mais pilado de que terra nenhuma, e este mar aqui era explorado (...) por os poveiros, assim por todos dessas nações que estão aí (...) , dessas terras que estão por aí abaixo. Era, era.
VPA30
INF1 Lá está. É peixe branco. (...) É como vocês disseram (...) ontem. Nós aqui, ao peixe branco, damos-lhe "cardumes de peixe branco". É ou não é, Aires? Cardumes de peixe branco. (...) E há (...) outros cardumes doutros peixes. Mas esse peixe, já uma pessoa às vezes não o conhece. Não sabe de que peixe é, não é? Se uma pessoa visse a figura do peixe, já uma pessoa dizia: "Olha, pode ser a sardinha, pode ser carapau", pode ser isso assim, não é? INF2 Não é fácil a gente saber que peixe é, não. INQ1 Não acontece, sei lá, quando há um cardume de carapau que há um peixe maior que vem atrás dele para comê-lo...? INF1 Para comer? (...) INQ1 ...que vem atacar o cardume do carapau... INF1 Até pode ser (...) um pássaro. Há pássaros do mar (...) que comem carapau. Chama-se (...) o alcatraz. INQ2 Como é que chamam aqui o alcatraz? INF1 Chamamos-lhe mascato. INQ2 Mascato... Diga cá os nomes de cá. Não diga os nomes de outros sítios... INF1 Bem, noutros sítios (...) é alcatraz. Mas nós aqui chamamos-lhe o mascato. INQ2 Olhe, e o arau... o que é? INF1 O arau, olhe, é outro pássaro. INF2 Um pato. INF1 É como o pato. INQ2 E mergulha ou não? INF2 Mergulha. INF1 Mergulha. Está para aí, o quê? Seguramente , mais, talvez, até pode estar dez ou cinco ou dez minutos debaixo de água. Lá vai. (...) E mete-se aqui, vai surdir acolá diante. INF2 Mete-se aqui, vai surdir lá diante. INF1 Vai. Eu comi tantos já. Aquilo é bom! INQ2 É bom para comer? Não sabe a peixe, a carne de, do arau? INF2 Põe-o em Põe aí de vinha de alho, com muitos preparos, ou que é, e tal. INF1 (...) Nós preparávamos aquilo. (...) Ai! Até a senhora agora comia. (...) INQ2 Eu acabei de almoçar agora... INF1 Preparadinha à nossa moda, hem! À nossa moda. Eu, quando andava (...) na pesca do bacalhau, eu trazia, sem mentir, (...) mais de mil pedaços, mais de mil - ou dois mil ou três mil até - pedaços de carne (...) ... Há a pardela e há a cagarra. INQ2 A cagarra é parecida com a gaivota, não é? INF1 É. Mais escura (...) . Têm Tem um bico amarelo. INQ2 Estas que andam aqui o que é que são? INF1 Isso são gaivotas. INQ2 Sim. E umas que andam ali em Caminha, mais... com as asas mais cinzentas? INF1 Ah, isso chamam-lhe garças. INQ2 Não. As garças têm as pernas altas. INF2 São grandes. INF1 (...) E um bico grande. INQ2 Não, esta não. Esta é parecida com a gaivota. INF2 Esta... São gavinas. INQ2 São?... INF2 Gavinas. INF1 E em Caminha são maçaricos. São maçaricos. INF2 (...) INQ2 Ah! Os maçaricos são mais escuros e mais pequenos, ou não? INF1 É. Mais pequenos. INQ2 Como é que os maçaricos fazem à noite? INF2 Piam muito. INF1 Piu, piu, piu, piu. É, é. (...) Apitam, oi! INQ1 Mas essas cagarras só não voam de noite? INF1 (...) A cagarra é uma coisa e a pardela é outra. A cagarra aparece só aqui neste mar para o tempo que vem, Julho e Agosto - são tempos mais quentinhos. INQ2 Pois. INF1 E na vida de bacalhau, milheiros e milheiros e milheiros e milheiros delas - bandos, bandos delas, (...) mesmo bandos. Estão aí todos que foram comigo ao bacalhau que o digam. E uma pessoa, para trazer, para cá, (...) para nós comermos... INQ2 Ai, comiam, comiam a carne da cagarra? INF1 Da cagarra?! Ai Jesus! (...) Ai, mãe de Deus! INQ2 Já me está a fazer fome. Eu acabei de almoçar agora... INF1 (...) Preparado à nossa moda! Bem, mesmo com a barriga cheia se comia. Preparadinho à nossa moda, hem. Uma pessoa trazia aquilo, pedia lá ao (.../N) das máquinas para pôr aquilo no frigorífico, na câmara frigorífica. Porque uma pessoa, quando ia para o bacalhau, levava muita carne fresca, não é? E aquela carne ia tudo na câmara do frigorífico, para congelar, para se aguentar - aguentar-se meses, meses. E uma pessoa depois, quando vinha-se embora - (...) sabia que se vinha embora, antes de quê? Três ou quatro dias - era tudo a pescar a elas. Com um anzol, com uma linha destas, pela por a popa do navio, zás! Caçava-se às trinta, quarenta, cinquenta, cem, duzentas cagarras! E eu ajuntava-me eu e você e o seu marido. (...) Vocês são casados, não é? INQ1 Não... INQ2 Não, ele é meu colega. INF1 Ah, são colegas, prontos. Chegava Juntava você e o seu colega, os três sócios. Era eu a caçar e vocês a amanhar, hem! (...) Só aproveitavam as coxas e os peitos do pássaro. INQ2 O resto ia tudo... INF1 O resto ia tudo embora. Só se aproveitava prestava o que era bom, pronto. E trazia-se (...) aos duzentos, trezentos, mil pedaços (...) desses, de peixe, de cagarra. INQ2 Mas, portanto, mas a cagarra é um pássaro. INF1 É um pássaro. INQ2 E pescavam a cagarra? Era pescada? INF1 Então não pescávamos! Pescávamos com o anzol!
VPA31
INF Esses pássaros aqui é raro, sabe. (...) Esses pássaros só aparecem aqui nos meses quentinhos, Julho, Agosto, que (...) é os dois meses mais quentes, (...) está a perceber? INQ Pois, pois. INF Esses pássaros, aqui, neste tempo, não aparecem nada. Andam noutras zonas, zonas mais quentes, lá para o sul. INQ E a pardela, como é que é? INF A pardela... INQ A pardela... INF ...é diferente à cagarra. É do mesmo feitio. Porque a cagarra (...) é assim estilo da gaivota (...) , o que é que é mais negra, é mais escura, e tem um bico amarelo. E a cagarra não. A cagarra é toda preta e tem um (...) ... Uma mordidela daquilo, limpa-lhe logo um pedaço de carne. Ah, elas mordem muito! E esgardunham com a... Têm umas unhas como os gatos. A pardela tem umas unhas como os gatos, a cagarra. INQ Pois, pois... INF Cheio de sangue, até. Cheio de sangue. Tem, (...) por acaso tem. E aquilo, tem que uma pessoa, conforme se vêem vem , pegar nas asas, pimba, matá-la logo. Mata-se Mata-se-lhe logo, que é para elas morrerem, senão esgardunham e mordem à gente. Mordem, Deus me livre! Aquilo (...) é um bicho lixado. Aqui não há disso. Não. Aqui não há disso.
VPA32
INF1 Aquilo não tem dentes! Aquilo só come sardinha. INF2 A sardinha entra-lhe por a boca adentro e pronto. INF1 Aquilo não tem dentes, aquilo não tem dentes. Quem tem dentes (...) é só o tubarão. (...) Nem a baleia, a baleia... Eu acho que não tem dentes, a baleia. INQ1 Também acho que não. INQ2 Não tem, não. INF1 O cachalote não tem dentes, que eu já vi aqui um e não vi dentes. Vi aquela água para cima. Agora o que eu acho que tem dentes - dentes, aquela sarrilha - que é o tubarão. E a guelha. A tintureira tem dentes, a tintureira. INQ2 A guelha não é a tintureira? INF1 É. INF2 (...) É tudo da mesma espécie. INF1 É. (...) A guelha é do feitio do tubarão. (...) A tintureira já não. (...) A tintureira come-se, também. E também se come o tubarão. INQ2 A tintureira como é que é? Como é que se distingue uma tintureira de uma guelha? INF1 Bem, é a mesma coisa. A cor é a mesma. O que é é é que a guelha tem algumas três andainas de dentes - de dentes! Três andainas: uma, duas, três. E a tintureira não. A tintureira até parece que tem (...) uma ou duas, para aí. E mais pequena. (...) Eu já lhe disse a você - não lhe disse já? - INQ2 O quê? INF1 que no bacalhau que caçámos duas INQ2 Ah! Sim, sim. INQ1 Já disse. INF1 como daqui a acolá. Foi preciso içá-las até aqui . Que estão (...) aí gente (...) , na minha companhia na minha família , (...) que o digam. Mas Mais pareciam dois monstros!
VPA33
INF1 O alabote (...) é como a solha. INF2 Mas é enorme. INF1 A ajudar a botar... Eu lá sei, não lhe posso explicar a quantia. Durante três ou quatro ou cinco meses, que uma pessoa lá andava a pescar, não posso contar a quantia (...) desse peixe. E era o peixe mais caro (...) na América. INF2 Na América, era. INF1 Palavra de honra! INQ Pois. INF1 E aquele peixe - como é que se diz? - aquele peixe, para nós, não tinha valor nenhum. O que tinha mais valor era aqueles de cinco, seis, sete quilos. Aqueles que tinham cem quilos (...) ou setenta quilos, aquilo não prestava para nada, que (...) era só óleo. INQ Ah! Pois... INF1 Era muito gordo! Era era muito gordo, muito gordo, muito, muito. (...) INF2 Tremelgas. Aí, já vejo aí tremelgas.
VPA34
INQ Não havia uma que tinha um bico, atrás, e que tinha outro nome, que antigamente havia muito por aqui? INF1 Que tinha bico? INQ Sim. INF1 (...) Isso é a ucha. INF2 A ucha, a ucha. (...) Tem um espeto na ponta do rabo e é perigoso. INF1 Ai! (...) Pode morder uma pessoa. INQ E esse é muito grande ou pequeno? INF1 Pequeno. INF2 (...) Não é assim muito grande. INF1 (...) Olhe, mais pequeno do que à raia. INQ Olhe e não havia uma... E não havia uma aqui assim que se chamava ratão? Não? INF3 Há o peixe-rato. INQ Não, uma raia chamada ratão, não... INF1 Não, não. (...) De raia, de raia, havia sim um peixe-rato. INF3 Há o peixe-rato. (...) O peixe-rato há. INF1 Calai, cala-te, Agatão. O peixe-rato, não se come. Eu ajudei a trazer muitos (...) . INF2 (...) Aproveitam-no para óleo. INF1 Eu trouxe muitos... INF2 Há um óleo que é uma especialidade. INF1 Ajudei a trazer muitos, mas foi do arrasto, aqui assim, nesta terra (...) . Que nós íamos buscar o peixe, naquele tempo, aos navios belgas, aos arrastões belgas que vinham... Os belgas, os bélgicos, vinham para aqui para este mar a arrastar aqui (...) ao linguado - ao linguado, à pescada, ao que calhava. E nós íamos lá pedir o resto do peixe: fanecas, cações, raias, sorelo. Isso davam à gente, davam-nos à gente.
VPA35
INF É a xaputa, que (...) é muito gorda. Olhe (...) , ainda ontem comi! Ainda ontem comi, que deram uma à minha mulher, (...) vinda da Espanha. Aquilo em filetes! Olhe, comi ontem à ceia. Palavra de honra! (...) Foi lá uma rapariga, uma minha vizinha, no sábado, (...) a um casamento duma prima, e deu-lhe três, para trazer (...) para a casa. E ontem deu uma à minha mulher, cozinhou ontem à ceia, para comermos ao... Oh! E bem, e eu não gostava daquilo. Antigamente, uma pessoa botava-as fora. Uma pessoa, antigamente, as xaputas, botava-as fora até! E agora vale tanto dinheiro! (...) Aquilo para a conserva, ali na a da Espanha, para a conserva, aquilo é um colosso, a xaputa! Agora, é um colosso, aquilo! Filetinhos! Eu não gostava daquilo mas já um par de vezes (...) que comi!
VPA36
INF1 Amostrei-lhe ontem - não amostrei? -, a lula. INQ1... Ai a lula pequenina. INF2 Aquela lula pequenina. INF1 E o choquinho pequenino. Aquilo dá choco grande. INQ1 E como é que se chama aquela coisa que está dentro do choco que se tem que tirar fora? INF2 Aquilo é o casco. INF1 (...) INF3 É o casco. INF2 Mas tem outro nome. INF3 É como a gente lhe diz . INF1 Aquele casco, sabe para que é que serve? Sabe para que serve? INF2 (...) Dá para canários, para canários, (...) para pintassilgos. INF1 E para esfregar as colheres e os garfos. INQ1 Ai é? E o que é que se faz? INF1 Para esfregar (...) . Às vezes, para esfregar, têm um bocadinho de ferrugem, não têm? Vai com aquela coisa - que (...) aquilo é duro - lixa, fica branquinho. Quantas vezes eu esfreguei as colheres com aquilo! Aquilo às vezes aparece aqui, na água (...) . INF2 Aquilo dá para pintassilgos e tudo! Canários... INF1 Dá. (...) Para picar os pintassilgos o bico. INQ1 E, portanto, chamam-lhe casco? INF1 É, o casco (...) do choco. INF2 Do choco. INF1 Do choco. INQ1 Sim senhor. Olhe e a lula também tem isso? INF1 Não! INQ1 Também tem uma coisinha lá dentro... INF1 A lula tem só uma fitinha. INQ1 E como é que chamam essa fitinha? INF1 Uma fitinha à espécie de plástico. INQ1 É. E como é que chamam essa fitinha? INF1 (...) É uma fitinha (...) da lula. (...) Isso não tem, eu isso não posso explicar. INQ1 É a fitinha? INF1 É, uma fita da lula (...) . INQ2 É a mesma que o polvo também tem, parecida com aquela... INF1 Não, o polvo não tem. O polvo tem mas é o dente. INF2 (...) entre os rajos. INF1 (...) Tem o dente entre os rajos e tem o magorro de polvo, que é (...) onde é que dá a criação. INQ1 Como é que se chama? INF1 O magorro de polvo. INQ1 O que é? INF1 É (...) aqui na cabeça, tem uma tinta e depois no lado dessa tinta tem assim (...) umas milhas, brancas, que é onde é que dá a criação do polvo. É, sim senhora! INQ1 E chama-se o magorro? INF1 O magorro é uma coisa. INQ1 O que é o magorro então? INF1 É a coisa que tem a tinta. INF2 Aquela tinta que ele deita para fora. INF1 Aquela tinta... INQ1 E essa tinta, chama magorro à tinta? INF1 É o magorro do polvo, é.
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INF (...) Cada patrão destes deles tem a casinha. Quando um quiser atar ali (...) aquilo que está ali, não é? (...) Tem as casinhas. INQ Mas quê, próprias para isso? INF Tem. As casinhas dele, (...) de guardar os aparelhos, de guardar os aparelhos, motor (...) e as redes. INQ Portanto, não é a casa onde eles vivem. INF Não, não. Até a casa que eles vivem também! INQ Mas normalmente é uma coisa ao lado... INF Bem, há quem tenha ao lado. Mas (...) há quem tenha os seus aparelhos na casa onde é que dorme. INQ Pois... INF Há, sim senhor. INQ Mas normalmente chama-se a isso a casinha... INF Chama-se isso é as casinhas - casinhas (...) de alojamento (...) de pesca.
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INF Olhe, eu vou-lhe contar. Isso passou-se por mim, hem. Passou-se com a falecida minha mãe. Sabe o que foi? Nós íamos para o mar, e não tínhamos sorte nenhuma na pesca, nada, nada, nada. E os outros vinham todos cheios de sardinha - fosse qualquer peixe. E nós nada, nada. Mas não foi só aqui, também foi na colónia acolá em Caminha, aos 'sáveles'. Nada, nada. Que faz uma ocasião a minha mãe? Já morreu há... Já faleceu perto de trinta anos. (...) O que ela faz? Vai a um... Não sei adonde é que foi ela buscar um chamado alecrim, alecrim. INQ1 Que é uma planta... INF E depois o que ela fez? Escondeu de nós. Escondeu de meu pai. Nós é que éramos o mestre! O barco era nosso e doutro camarada! O meu pai é que era o mestre! O barco (...) por acaso era nosso. E o que fez (...) a minha mãe? Nós estávamos a dormir. O que ela faz? Embrulha aquilo (...) a um pano, amarrou aquilo amarradinho, e botou aquilo ao (...) . Dantes havia aquelas algibeiras - umas algibeiras para pôr o dinheiro, não era bolsos. INQ1 Sim, senhora... INF Umas algibeiras, tinham tinha um bolso e tinha outro. (...) O dinheiro miúdo assim em moeda ia para o de baixo, que era maior, e (...) notas era para o de cima (...) para não perder. Umas algibeiras aqui (...) amarradas à cinta... Tinha assim uma com um fio, amarrava as algibeiras aqui à cinta. E andávamos andava com aquelas algibeiras... INQ1 Sim, senhor... INF O que ela fez? Botou aquilo - sem nós sabermos -, botou aquilo à algibeira. E o barco estava assim em cima, em cima dos paus. Olhe, passava eu acolá (...) o sargaço - acolá na praia já o sargaço, olhe. Vê acolá o sargaço que está na praia? INQ1 Sim senhor... INF Olhe, começa pelo menos aparece já, vai arrancando, vai aparecendo. E o que faz a minha falecida mãe? Escondido de nós, que não sabíamos de nada. Vai acolá, à tal cadeira, onde tinha as redes do barco, alevantou um bocadinho de rede de sardinha, vai acolá e, na cortiçada, amarra aquilo sem nós sabermos - aquele embrulhinho. Sem nós sabermos. Bem, meu pai deu ordem para irmos para o mar e nós íamos à sardinha era assim à noitinha... Aí, antes duas ou três horas (...) antes de pôr o sol. INQ1 Como é que se chama essa hora? INF É o assejo, botar o assejo. É botarmos o assejo. E pega, nós a botar a rede ao mar, lá vai aquilo, agarrado à rede e vai assim: aaaai! E nós ficámos como a noite. "Ai que maroteira nos fizeram, ai Jesus, agora sim"! Ó minha senhora, (...) se veio sardinha foi naquele dia. Jesus, que de sardinha caçámos! Palavra de honra! Ai, que de sardinha, meu Deus! Ai Jesus! "Que foi isto, homem"? Depois viemos nós a saber que foi a minha mãe que botou aquele alecrim, aquele embrulhinho, agarrado à rede. INQ1 Mas era o alecrim... que estava benzido ou como é que era? INF Eu não sei o que ela fez, minha senhora, eu não vi. Eu (...) só sei, porque ela pelo que ela nos contou, que ela foi pôr aquilo lá. E outra ocasião - vou-lhe contar, hem. (...) Nesse tempo era solteiro. Fomos para a aceifa dos 'sáveles' em Caminha, (...) para a aceifa do sável. Nós íamos para o rio, era um, dois, três 'sáveles', e os outros eram aos dez, quinze, vinte 'sáveles'. "Ai! Ai que de 'sáveles' pilhou aquele! Ai"! E nós só a dois e três. Pouco dava para comermos! O que eu lhe digo é que eu estava a dormir, descansadinho, que (...) aquela pesca era de noite. E era remar contra a maré, hem, que ali não havia motores! Havia uma velinha, quando havia ventos 'sus' é que era para irem por o rio acima, porque que os ajudava. Mais a mais, era tudo a remo, contra a maré, hem! Os nossos pulmões era um eram caso sério. E as comidas eram fracas! E nós não caçávamos peixe nenhum, também! Um, dois, três 'sáveles'... ai um... raio! E eu, uma ocasião, estava a dormir - a dormir o meu sono tão bem... ai! -, o que eu depois senti, foi uma mulher, passar (...) por cima de mim, sem calças sem nada - nua, assim, uma mulher. INQ1 Pois... INF Eu estava a dormir, desculpe que lhe diga isto, hem, INQ1 Sim, sim, sim. INF a dormir, e vai aquela pessoa e passa por cima de mim. (...) Não fiz caso e quando foi dali - a quê? - a meia hora, senti assim o fumo. Ai que fumaça! E depois é que acordei. Era a queimar dentro dum caco - (...) numa telha dessas, numa telha, que havia antigas, chamavam-lhe aquilo o caco. Ia E a queimar (...) aquele alecrim, ou lá o que era aquilo. E ao meu pai a mesma coisa. Ao falecido meu pai a mesma coisa. Mas nós não vimos a mulher. Só sentimos aquilo a passar por cima de nós. Então vinha a ser a mulher sem nada, (...) sem calças, sem nada, por cima de nós. Minha senhora, fomos para o rio, pilhámos vinte 'sáveles'. Vinte! Palavra, que estou-lhe a dizer, hem! Nós, nessa noite, nesse assejo, já pilhámos vinte 'sáveles'. Vai assim o meu pai: "Que foi isto, hem? Oh, Nossa Senhora da Agonia! Que é isto? Nós não pilhávamos nada, a rede é a mesma". Se pilhámos peixe foi daí em diante. Porquê? Era o feitiço que estava connosco. A inveja. Está a perceber? INQ1 Mas quem é que fez isso? INF Uma velhota, lá... INQ1 Ah, não foi a sua mãe... INF Não, a minha mãe chamou aquela mulher. Aqui há mulheres que fazem isso, sabe? Há. (...) INQ1 Pois, pois... Como é que lhe chamam a essas mulheres? INF Chamamos-lhe as bruxas. As bruxas. INQ1 Mas antigamente havia mais, agora já não há muitas... INF Agora não há nada disso. Agora não. Agora... INQ2 Mas porque é que os barcos têm uma ferradura ainda para isso, às vezes? INF É por causa (...) do Diabo não entrar lá dentro, (...) as feiticeiras. É. Aquilo, é por causa das feiticeiras não entrar lá dentro.
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INF Eu também não queria crer, sabe? Só que sou crente numa coisa. Sou crente em Nossa Senhora, (...) em Nosso Senhor. Sou católico, sou crente. À missa não vou. Desculpe, minha senhora. Eu à missa não vou. Mas não proibo privo de ir as minhas filhas e a minha mulher à missa. Ai, Deus me livre! Palavra de honra! Eu não proibo privo a minha mulher. A minha mulher vai todos os domingos à missinha. Vai! Ai Jesus! E as minhas filhas até, quando estão aqui, que vêm da França, vão todas todos à missa. Vai tudo! Eu é que não vou. Vou sim, à missa, quando for só, assim quando é que às vezes eu sou (...) de um festejo qualquer, (...) duma festa, aí é que sou obrigado a ir à missa (...) , por causa (...) de ser mordomo, (...) de ser da direcção. (...) Eu sou católico.
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INF (...) Eu arranjei... Aquela mulher gostou de mim. O que é que eu não podia lá ficar, que ela sabia que eu que era casado casada . (...) Aquelas mulheres são mesmo esmolares. Gente boa, pronto. INQ1 Pois. INF (...) E eu tinha aquela. Quando ia lá, ala, pronto. (...) Nem dormia no navio! Muitas vezes nem dormia no navio! Ia dormir à casa dela. INQ2 Qual foi a última vez que foi... ao bacalhau? INF Foi em 1970. INQ1 Em 1970? INF É que acabei. Em 70, acabei. (...) Não foi o tempo nem foi o trabalho... O trabalho também está bem que me deu cabo de mim também, mas quem deu cabo de mim foi um enfermeiro. Um enfermeiro! Sabe quem são os enfermeiros? INQ1 Sim... sim. INF Nós também levávamos um enfermeiro para o mar. E havia barco que levava um médico. Havia só um barco que tinha o médico. E esse médico servia para todos os barcos, hem. Porque a frota da companhia também era grande. E a mim, (...) quem deu cabo de mim foi um enfermeiro. INQ1 Mas porquê? INF Foi. (...) Eu era salgador. Estava debaixo (...) do convés do barco. (...) E o sal às vezes empedrava. E nós tínhamos que serrar, e nós tínhamos (...) que mudar o sal, como daqui talvez uns (...) seis ou sete metros para cima (...) do outro peixe (...) para ganhar alojamento (...) para salgar ali (...) , noutro lado. INQ1 Pois... INF E como o sal empedrou, ao fazer assim, (...) vai assim a pá (...) e isto segou-me (...) um braço. Este... primeiro foi este, depois foi este. "Ai, ai, ai"! (...) Abriu-se-me os tendões daqui. "Ai, ai, ai, ai que não tenho forças, ai que não tenho forças"! e tal. E fui para o enfermeiro. Então, esse enfermeiro, que me fazia? Dava-me banhos de electricidade - assim com aquelas faixas (...) de lume que (...) têm aqueles projectores (...) . O gajo, (...) o enfermeiro, falava brasileiro. Ele dizia-me assim: "Agesilau, você (...) aguente melhor o que porque é preciso, hem". "Está bem, (...) Senhor Enfermeiro. Eu, certo que (...) se é para meu bem, bote"! E tal. "Bote"! (...) Aqueles banhos! Ora, os ossos, apanharam aquele calor. Ele... manda-me ir trabalhar. (...) E molhava os braços com água, com água salgada. Ora aqueles ossinhos (...) estavam quentes, apanharam aquela frialdade, do frio, que a água, a água lá estava gelada! Jesus! O gelo! Meu Deus, Senhora da Bonança! Ora apanharam-me (...) aquela frialdade, cheguei a um ponto que não podia por causa do reumático. E não posso do reumático. E depois, inchava, quando vinha assim um bocadinho de névoa, nevoeiro... Sabe o que é nevoeiro? INQ1 Sim, sim... INF É escuro, não é? Está dia, não é? E vem aquele nevoeiro... Eu quando vinha aquilo, minha senhora, os pulsos eram assim, olhe. As mãozinhas eram assim. Eu só chorava: "Ai, que eu não posso"!
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INQ E como é que se chamavam esses barquitos? INF (...) Eram barcos-de-boca-aberta. INQ Chamavam-se barcos-de-boca-aberta? INF Era barcos-de-boca-aberta. Eram, sim senhora. E nós (...) tínhamos aqui muitos! Era muito barco, mais do que agora! Mas muito mais, e maiores do que estes! (...) Quando era à vela, aquilo os barcos andavam bem. O barco quando era à vela... Ai Jesus! Ainda o pessoal às vezes até pedia (...) uma rajadinha de vento, para não remarmos. Jesus, meu Deus! Andava uma pessoa às vezes a remar toda a noite, todo o dia... Era um caso sério antigamente! Antigamente era horror!
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INF (...) Antes do Natal, fui eu e a minha mulher, às duas matanças de porcos da minha filha. (...) E quem fez (...) a comida - (...) nós aqui chamamos (...) sarrabulho -, quem fez o sarrabulho foi a minha mulher! Ai! Pelo acaso, não é por gabar a minha mulher, mas a minha mulher já foi cozinheira. Eu, quando casei, a minha mulher era cozinheira de servir! A minha mulher era cozinheira de servir - quando (...) namorava comigo - num polícia (...) destes polícias que andam (...) a descobrir roubos... INQ1 Da Polícia Judiciária? INF Isso! (...) A minha mulher esteve lá, era cozinheira de cozinheira , ali no Porto! Esteve lá no Porto... INQ2 Então sabe bem de cozinha? INF Sabe. Também já foi cozinheira (...) dum casamento duma amiga. Já, já. Foi ela também que preparou tudo! Bem, ela, deu os planos. Quem estava a preparar era ajudantas. E a minha mulher foi agora, chamou chamou-a a minha filha (...) . À uma, sabe preparar as carnes, que a minha filha não sabe. Nós fomos lá só para preparar as carnes, as chouriças, isso tudo, não é? A minha mulher sabe. Por acaso (...) essa é especial, (...) até a vizinhança chama por a minha mulher para lhe preparar aquelas carnes, porque as carnes de porco têm muita coisa que se lhe diga. INQ2 Claro, claro. Para conservar e tudo. INF Para conservar. E a minha mulher foi que fez o sarrabulho. Sabe quantas pessoas eram à mesa? Éramos vinte - não eram muitas - eram vinte e quatro pessoas à mesa. Para um sarrabulho, vinte e quatro... (...) Era um baptizado!
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INF Mas naquele tempo que nós fomos, o gelo dava por aqui. O 'snow', o 'snow'. INQ1 Pois, pois. INF Como caiu aqui há dias. Vocês, não caiu lá em Lisboa? INQ1 Não. INQ2 Não, não chegou... INQ1 Porquê, aqui caiu, foi? INF Ei Jesus! Aqui, esta altura, de 'snow'! Tudo em farrapinhas (...) ! Lá em Lisboa não caiu? INQ1 Não, lá em Lisboa não... INF Quem é que disse? INQ1 Em Lisboa, mesmo? INQ2 Caiu perto. Caiu perto de Lisboa mas não caiu... INQ1 Não, mas em Lisboa não caiu... INQ2 Não, não, na cidade não. INF (...) Ai, eu parece que vi na televisão lá a cair. (...) INQ1 Não, em Palmela. Em Palmela é que caiu. INF Aqui, ai Jesus! Até fizeram estátuas, aí estátuas - pessoas, pessoas de gelo, com gelo, pessoas aqui, hem. (...) Aquilo foi uma festa! INQ1 Mas já há muito tempo, há muitos anos que não havia aquilo... INF Não. Já caiu há coisa de quê? (...) Deixe ver. Talvez há mais de trinta anos. Caiu, mas foi só um bocadinho de nada - umas farrapinhas, umas farrapinhas. Mas agora, ai Jesus! INQ1 Mas era assim de... um metro quase de altura, não? INF Talvez! Daqui assim, oh! Caiu muito! Muita coisa. Tudo branquinho! INQ1 E ficou muito frio? INF Não. Frio não era, porque aquilo era só farrapas e não estava vento, sabe? Não caía vento. Aquilo foi um colosso! Ai, Jesus! Meu Deus! INQ1 Ai, deve ter sido giro! INF Saiu tudo, os rapazes e as raparigas, para a rua. Eu tenho uma filha, que está ali em baixo, no largo, numa papelaria. Essa deixou o serviço para ir (...) para a rua, para a estrada, com os rapazes, ajuntar aquele gelo. Tudo! Fizeram lá uma estátua grande, um homem. Aqui na praia (...) ... Sabe onde é que é a praia, dos barcos? INQ1 Sim. INF Fizeram (...) uma estátua (...) daquilo. (...) Pegaram num carrinho daqueles de mão, levaram para o largo da capela. INQ1 Que engraçado! INF Aquilo foi um rol aí de fotografias, ai Jesus! Eu ouvi dizer que... Então em Lisboa não caiu daquilo? INQ1 Não, em Lisboa não caiu... INF Não, olhe (...) . Aquilo era um... (...) Ai que bonito! INQ1 Deve ter sido muito bonito. INF Isto, daqui para o norte, espalha tudo. INQ1 Ficou tudo branquinho? INF Tudo (...) . Portugal e tudo, aqui até lá longe . Bem, em Lisboa não sei... INQ1 Em Lisboa não caiu mesmo. INF Não?... Ai, ai, que bonito era! Ai! INQ1 Devia ser muito bonito! INF Bem, aquilo, para nós, bonito (...) não há nada. (...) Mas naquela ocasião foi bonito. Caiu - sabe porque é que caiu e até foi bonito? Porque não havia sementeiras, não havia batatas. Senão aquilo queimava tudo. INQ1 Queimava tudo. INF Ui Jesus! Ele ainda queimou (...) muitas coisas . INQ1 As árvores, não? INF Não, as árvores não. (...) Frutos, frutos. Mas agora está tudo... Agora não... Ele não ... Por aqui não era muito frio. Mas havia farrapas que era isto! Pedaços de farrapas, daquelas (...) . Ai que alegria!
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INF E uma pessoa, quando pilhava as pescadas, quando vinha em viagem para a terra, cortava-as. Lanhava-lhe a barriga e tirava-lhe a tripa toda. Sabe para que era? Que era para não ensardinhar. Sabe o que é ensardinhar? INQ Não... INF É: a pescada, dentro da barriga, tem aquele véuzinho INQ Sim. INF preto. INQ Preto. INF Se aquele véuzinho estivesse esfolado, já não valia tanto a pescada como valia com aquele véuzinho. Está a perceber? INQ Sim, sim. Estou a perceber. INF Porque (...) toda a pescada que tem aquele véuzinho fora, chama-se-lhe a isso pescada ensardinhada. INQ Ensardinhada? INF Sim senhora. E com aquele véuzinho todo, a pescada valia mais dinheiro. E nós trazíamos... O que é que deixávamos as ovas. A ova, ia (...) . Tirávamos só as tripas, e a ova ficava agarrada (...) à pescada, porque a ova fazia parte (...) do peso da pescada. INQ Pois, pois. INF Porque a ova é boa! INQ Claro... INF A ova da pescada e do sável. Ah! Que colosso! E do robalo, e do badejo! Ai, Jesus! A ova é muito boa!
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INF (...) Eu tive já uma infecção. Apanhei Apanhei-a no bacalhau, uma infecção do estômago e duodeno . E os médicos só passaram esse peixe - badejo, faneca - (...) grelhado. Sabe para que era? (...) Algum bocadinho, qualquer coisa que tivesse de gordura, para ficar na brasa. E assim eu não fui operado. E assim curei-a. Três meses ali. Três mesinhos ali a comer, a fazer aquele regime. Lá foi embora. Agora (...) não como pedras porque são duras.
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INF Onde é que se cria isto, (...) o mujinho, é aqui. Olhe, é aqui nestes poços, aqui. Nós, se formos ali àqueles poços, já (...) vimos ali deste peixe. Aos cardumes! Aos cardumes. (...) Aqui mesmo no poço em seco! Nós, se formos aqui abaixo, a um poço qualquer destes, diz assim: (...) "Olha que cardume de mujos"! INQ E depois quando vem o mar leva-os, é? INF (...) Bem, às vezes ficam. E, quando estão maiorzinhos, lá vão.
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INF Isto chama-se o melo... INQ1 Pronto! INF Isto é caro, hem! Este O peixe é bom! Ai Jesus! Um peixe tão bom! Até comia agora eu uma postinha dele! INQ1 Daqui a bocado estamos cheios de fome... INF Ai Jesus! (...) INQ1 Olhe, então... Este aqui é o cherne, não é? INF Este é o cherne, é. Olhe, olhe. (...) Isto, andam os dois juntos. INQ1 Ai é? INF É, no mesmo mar. Olhe o cherne também anda no mesmo mar. Tem no alto! INQ1 Olhe e um que é parecido com o cherne, mas que é um bocadinho mais, é um bocadinho diferente, na cabeça sobretuto? INF Isto Este é a maragota. INQ1 Não, a maragota é pequenina. INF Não é a maragota, isto? INQ1 Não, não... INQ2 É uns grandes que andam aí... às vezes chegam mais perto da costa... e é o feitio do cherne mas é castanho, castanho escuro... a cor da pele... INQ1 O cherne também é castanho escuro... INF Escuro? INQ1 Não está a ver? INF Eu para mim (...) ... INQ1 Castanho... INF Castanho? INQ2 Mas é grande. Sabe, está a ver o tamanho do cherne... Há chernes assim desse tamanho, não é? Grandes... INF Há grandes, há. INQ2 Pois esses também são assim grandes... como o cherne. INF (...) Mas este peixe, aqui, não anda. INQ1 Não. INF Para mim, é o pargo-mulato.
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INF E houve aqui um barco que já caçou cento e tal corvinas, o que é que (...) eram assim, assim, assim (...) . Depois, daí para cá, as corvinas nunca mais apareceram nesta terra. E eu, se tenho sessenta e seis anos - sessenta e sete anos - nunca vi. Desde que foi nessa ocasião que foi veio esse barco com elas, nunca mais (...) apareceu aqui uma corvina. Ai, ai (...) ! (...) E aqui migrava (...) muito disso. Havia aqui muita coisa disso. Não sei que rumo levou esse peixe. Porque aqui não aparece uma corvina! Não sei, que aqui não aparece nada, aqui na em Âncora. Pode aparecer para outros lados, mas menos aqui em Âncora. Nunca mais se viu aqui uma corvina dessas. E aqui havia muitas.
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INF Eu, o que uma pessoa trazia de corvinas! Jesus! (...) Não íamos vender, não vê que aqui era proibido. Porque esse peixe, aqui, era proibido. Sabe onde é que nós íamos vender? Você sabe onde é que é Fão? INQ Sei. INF Fão. Não é Esposende (...) . INQ Sim é para cima, para cima de Esposende. INF Temos Esposende, e temos por o sul Fão. INQ Ai, é para o sul, Fão? INF É. Esposende (...) é para cá do rio - do rio de Esposende. E Fão é para lá de Esposende. Passa-se a ponte, e depois ali é que é Fão. - Olhe o mau tempo! - E nós íamos vender ali o peixe. Está a perceber? Porque ali não havia autoridades, nem sabiam donde é que vinha aquele peixe. Porque aqui era proibido. E nós íamos vender às tais prainhas de Fão - chamamos nós -, às prainhas de Fão. (...) Jesus! (...) Trazíamos raias, trazíamos cações, trazíamos congros, trazíamos polvos, trazíamos fanecas, trazíamos sorelo, trazíamos (...) os tais bêbedos!
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INQ Olhe, e o pancho? INF O pancho? O pancho é do feitio do goraz. O pancho é do feitio do goraz, INQ É a mesma coisa. Mas é pequeno ou...? INF o que é que é pancho mais pequeno. É pancho pequeno. INQ E o goraz? E o goraz? INF E o goraz (...) é do feitio do pancho, o que é que é maior. INQ Olhe e quando este... se este for pequenino como é que lhe chama? INF Um gorazinho pequeno. (...) INQ Não chama besugo? INF Ou um besuguinho pequeno.
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INF Eu e um filho meu - este meu filho - uma ocasião (...) ... Era o fogo da Senhora da Bonança. Ainda ele era pequenino - tinha ele para aí o quê? Cinco anos - e levei-o comigo ao mar, pequenino. E fomos à pesca do pancho, ali perto, perto daquele sanatório, aqui por fora. Eu... estava a ver (...) que o rapaz que me morria. INQ Porquê? INF Vou-lhe contar. É que eu (...) vi-me atrapalhado. Eu, quando saí do porto... Ainda não morava ali naquela casa, ainda não tinha casa. Eu estava a morar por baixo do (...) ... Sabe onde é que é o posto dos guardas, acolá em baixo? Eu morava ali, numa casa alugada. Pagava, naquele tempo, oitenta escudos. Andava eu na pesca do bacalhau. E dia de fogo de Senhora da Bonança, que era num sábado, apeteceu-me ir ao mar, numa embarcação que era do falecido meu pai, (...) numa gamelinha pequenina. Não havia motores, (...) era só a remos. E eu pego no meu filho, que era pequeno - para aí cinco, cinco anos, até seis anos, talvez não os tivesse -, e levei-o comigo. O mar estava bom! (...) Mar como está aqui, chãozinho, calminho, como está aqui! E eu pego no rapaz, disse eu para a minha mulher: "Aida, vou pilhar um bocado de peixe"! "Não vás homem, que (...) é dia de Senhora da Bonança". "Vou"! E eu tinha isca, desta isca que se apanha aqui (...) nestas pedras, no mexilhão, destas minhocas assim grandes, minhocas. INQ Como é que lhe chama? INF Minhoca. Chama-se (...) isca, mas (...) é umas minhocas que há, no mexilhão. INQ Por baixo do mexilhão? INF Sim. Cava-se Escava-se com uma sachola e aquela isca está debaixo do... e aquela minhoca está (...) debaixo do mexilhão. É. Larotes assim grandes! E eu apanhei muita isca, (...) - apanhei de véspera - e ao outro dia, lá vou eu e o meu rapaz. Levei-o comigo. INQ Eu estou a ouvir tudo... INF Nós afundeámos, (...) demos, largámos - nós chamamos-lhe poitada. Sabe o que é uma poitada? É uma pedra, grande, assim grandinha, amarra-se-lhe a corda, bota-se para o fundo, para afundear a embarcação, para afundear (...) a embarcação. E ali estivemos. Estivemos. Ora, eu (...) levei sardinhas, e peguei num pedaço de rede - dessa (...) fininha do camarão - e botei aquelas sardinhas naquela redinha, botei-lhe uma pedra, botei-lhe uma linha para o fundo... Ora, aquilo, aquela sardinha, foi-se desfazendo, e o peixe, que estava ali pelo lado, veio todo parar à minha beira, ali, debaixo (...) da embarcação. Era só ter linha para apanhar peixe, os tais panchinhos - os tais panchos que são assim, ó, assim e assim e assim - e fanecas! INQ Dez centímetros, quinze centímetros... INF E fanecas. Fanecas boas! E eu pus-lhe uma linhinha (...) para ele. Ele estava assim à ré, assentadinho. E eu à proa, porque tinha mais 'blindança' para alar a poitada e tudo. E eu pu-lo à ré com uma linhinha. Ai, e pilhou! Ele era tão novinho novo ! Eu só me ria. E eu tanto me ri que depois comecei a chorar! Caiu uma trovoada! Caiu (...) uma trovoada, veio (...) um trovão! Depois, deu em cair chuva, caiu uma faísca em cima daquele sanatório, que manda um estampido - que ele (...) tem lá o pára-raios, tem. (...) E aquela faísca deu (...) um estampido que veio para ali : "Ai, meu pai, que vamos morrer todos"! (...) "Ó meu filho, não te assustes"! E eu fui acolá (...) à poitada, (...) à corda, alei, alei a poitada. Eu, ali naquele tempo, eu tinha força como um leão, Jesus!
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INF Ai, eu dantes dançava tão bem! Ó minha senhora! Palavra de honra! (...) Eu sabia dançar! Eu não havia festas nenhumas que não fosse. Eu não havia bailes nenhuns que não fosse. Bem, eu, também era livre. Olhe que eu cheguei a ir... Eu lá sei onde é que cheguei a ir aos bailes, homem! Eu era perdido! A sério. Eu era perdido por os bailes. Palavra de honra! (...) Tempos, tempos que já passaram!
VPA53
INF E (...) esse peixe chegou a vir dentro do nosso portinho. Cargas e cargas! Daí, desse ano, não apareceu mais aqui uma. INQ1 Foi para despedida. INF Para onde é que foi (...) essa espadilha? INQ2 Pois, pois... INF (...) Ele há espadilha no mar. Há, porque uma pessoa às vezes vai à sardinha - (...) vai à sardinha com as peças, com aquelas redes - ainda vem vêm algumas. Mas assim tanta porção, nunca vi na minha vida! Tenho sessenta e (...) sete anos, nunca, desde aí. Eu, eu era novo, quando foi (...) essa coisa (...) , essa invasão. Tinha eu para aí alguns quinze ou dezasseis anos. (...) Era o que podia ter. Nunca mais apareceu esses cardumes aqui (...) desse peixe. Nunca mais! (...) Aquilo só visto. Até os fidalgos, tudo vinha ver aqueles cardumes de peixe que estavam mesmo na costinha. E (...) aquelas gamelas carregadinhas! Ia para o estrume. Eram os carros dantes. Não havia camiões. Dantes era carros de vacas, esses carros de vacas aqui. E ainda hoje há. E não havia nada de camiões como há agora. Carregavam aqueles carros de vacas, levavam para o estrume. (...) Sabe o que é estrume? INQ2 Sei, sei. INF Para os campos, para os campos. Era. Para cultivar. Porque (...) a espadilha tinha muita gordura.
VPA54
INF Nós à tripa da sardinha chamamos-lhe maga. INQ Mas salga-se, é?, para... INF Não, nada. Aquilo não leva nada de salga. Olha, tenho lá eu. Tenho lá dessa maga - dessa tripa da sardinha. Tenho lá na arca. Tenho lá na arca, fechadinha, congelada. Sabe para que é? Que é para um dia para ir para a pesca. Já tem para aí alguns três meses, aquela maga. Está na arca. Tem que estar tudo fechado, sabe, que é para não cheirar à, ao... Está fechada, arrolhada bem (...) num tacho que tenha rosca, (...) e lá está essa maga. (...) À tripa da sardinha, chamamos-lhe maga. Aqui ao norte é tudo maga.
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INF Aquilo não é peixe. Aquilo não se come. Aquilo é um peixe (...) - chamamos-lhe nós peixe-rato - mas é de lixa. Tem uma lixa. Só se aproveita os fígados, que é para fazer o óleo. INQ O óleo para? INF (...) O óleo daquilo... INQ Para o reumático? INF Para tudo! Para doenças. INQ E para queimaduras também é bom? INF Também. Olhe, olhe, para os tropeções. Dantes (...) , olhe, nós tínhamos muito disso. Os meus pais, quando uma pessoa ia (...) , quando ia assim ia-se àqueles barcos de belgas buscar o peixe, trazíamos muito disso. E esse fígado, era seco à sombra. Punha-se uma tigela por baixo, e aquilo era derretido à sombra - ao sol não. Aquilo era derretido à sombra, que aquilo fica mais clarinho do que o azeite. Aquele óleo fica mais clarinho do que o azeite. Aquilo tem serventia para tudo. INQ Pronto, já sei o que é. É uma coisa que lá para baixo chamam peixe-porco. INF Só se aproveita o fígado, para fazer óleo. Aquilo, olhe, aquilo é uma coisa especial, para reumáticos. E eu ando assim coisa, porque aqui não o há. Isso acabou, homem. Nós tínhamos tanto e tanto! Aos litros dele, engarrafado! E tudo foi embora. Dar aqui, dar acolá, dar acolá, ficámos sem nenhum. Porque (...) o falecido meu pai, aqui em Caminha, um velhote que era do tempo dele - eram amigos - (...) andava de muletas nas perninhas - nas muletas - e (...) deu-lhe esse óleo. - Até eu também ainda curei aqui um. - Disse-lhe: "Toma lá, vais fazer o que eu te digo. Pegas neste óleo, aquece-lo ao lume, quentinho, hem". E ele então na cama: "Esfrega bem onde é que tens essa (...) ". Olhe, pois o homem, quando foi dali a um mês, já andava a pé. E eu curei aqui um primo meu também, com esse óleo. (...) Estava na cama, aqueci-lho, aqueci, fui-lhe fui dar aquelas esfregações, a um primo meu - por acaso já morreu, mas não foi dessa doença. Dei-lhe aquelas esfregações naqueles ossos, olhe, começou a andar, pronto. Aquilo é bom! Muito bom, muito especial, aquilo. Isso aqui já desistiu.
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INF A candorca (...) ainda é pior do que a toninha, do que o golfinho! INQ Claro! INF Quando vê peixe (...) ... INQ Atira-se. INF Jesus! (...) Anda mais que à toninha, a bem dizer, homem. INQ Pois. E é maior... INF Maior. Monstros! Muito grande, homem! Aqui havia muito disto. Agora não se encontra uma. E eu também não sei para onde é que foram esses animais. Aquilo é um peixe animal. INQ Pois, pois, claro. INF Aquilo, (...) andam na proa (...) . Leva o peixe que comer . INQ Mas é toda preta? INF Toda pretinha, toda preta (...) . Bem, a toninha é branca (...) por baixo INQ Pois. INF (...) e a candorca chamamos nós arroazes. INQ É toda preta. INF A candorca ou o arroaz. O arroaz e candorca é a mesma coisa. INQ Aqui também se chama arroaz? INF Também chamamos-lhe arroazes. INQ Ou é o nome lá do sul? INF Diga? INQ Ou é o nome lá mais para o sul? INF Nós também aqui chamamos, também aqui. Chamamos-lhe candorca (...) ou arroazes. Nós chamamos-lhe aqui (...) também dois nomes. Porque (...) isto era um animal que escorraçava muito o peixe. Jesus, escorraçava o peixe todo! E até (...) também atirava com o peixe à costa - pelo menos o robalo. Isto! Era a candorca, peixes bravos. Chamávamos nós: "peixes bravos". Mesmo peixe bravo! Era o peixe mais bravo que tínhamos aqui era a candorca.
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INF Aqui há duas qualidades de botelhas. INQ Quais são? INF (...) Há uma botelha para dar aos animais, aos porcos. E há outra que dá para estrumes. INQ E qual é a diferença? Como é que se conhece uma da outra? INF (...) Conhece. Porque a que se dá aos porcos tem umas bolinhas. INQ E onde é que se apanha? É no rio ou é no mar? INF Olhe aqui, ali, ali, ali, aqui, aqui já, aqui já, aqui já, aqui já, olhe. INQ Nas pedras... INF Nas pedras. INQ A botelha que se dá aos porcos é a que se apanha... INF (...) No rio não há disto. No rio só há limo. Bem, nós chamamos-lhe aqui limo. (...) Em Aveiro, chamam-lhe moliço. INQ Pois, isso. INF Está-me a perceber? INQ Mas portanto a que se dá, a que se dá aos porcos tem bolinhas e cria-se na pedra. INF É. Esta é que não é. (...) Esta não é. Olhe, olhe, olhe, está aqui olhe. Vê? INQ Essa é que é a botelha que se dá aos porcos? INF Vê aquelas bolinhas que estão ali? Esta é a que se dá aos porcos. E esta não. (...) Esta apanha-se (...) para estrume.