INQ A senhora podia dizer o seu nome completo?
INF Iolanda Iracema Hernâni.
INQ E que idade tem?
INF Sessenta e quatro anos.
INQ E fez, fez a escola toda?
INF Fiz a quarta classe depois de adulta.
INQ Ah, mas andou na escola também em pequenina?
INF Sim. (...) Na altura que eu andava à escola não havia professor.
INQ Ah!
INF E então a minha mãe como gostava que nós aprendêssemos - éramos três irmãs e um irmão - e pôs a gente... Eu andei era numa escola particular. E a minha mãe pagava, não é? Pagava (...) . Nessa altura houve muita pessoa que não aprendeu a ler porque não havia professor - (...) na minha idade.
INF Olhe, aquela santinha além, (...) da Senhora do Castelo... Por acaso, está aqui uma senhora, que lhe morreu agora uma filha - mora aqui -, essa senhora apareceu-lhe uma madrinha. Não sei se as senhoras são crentes das pessoas que morrem? Eu sou crente. (...)
INQ1 De aparecerem?
INF Sim. Eu sou crente. É a única coisa que eu quero crer, crer! E então aquela senhora apareceu-lhe uma madrinha... E a rapariga (...) - uma boa rapariga, que não é pessoa cá que - davam-lhe aqueles ataques. Até o médico (...) - esse médico já morreu - acendeu-lhe um fósforo dentro da boca e viu realmente que não era ela que falava! (...) Que essa senhora dizia que havia de fazer uma coisa aqui dentro de Aljustrel que havia de dar que falar. Queria que lhe pagasse umas promessas e queria que fosse ali à igreja grande, que é uma igreja que está aqui em frente ao hospital... Não sei se as senhoras já foram aqui? Até, por acaso, agora vão para ali as pessoas que morrem. Arranjaram ali a igreja e as pessoas vão para ali. Ali é que fazem os funerais. E eu fui ver. Eu gosto muito de ver estas coisas, fui ver! E então depois a rapariga, (...) vinha muito bem, (...) muito bem, depois viu tanta gente admirou-se, depois entrou, deu-lhe aquela coisa dentro da igreja e depois acenderam... Porque ela disse-lhe que para pagar aquela promessa - não me lembra já - era azeite e mais não sei o quê, umas coisas que ela tinha prometido. Chamava-se Irene e era muito rica, essa senhora. E era madrinha desta rapariga que lhe apareceu a senhora. E depois acendeu as luzes para pagar a promessa, não é? E depois ela: "Vamos pagar a promessa", ela como morta. E aquela voz disse: - e faltavam - "Faltam cinco minutos". E olharam, era às quatro. Tinha de ser paga às quatro horas da tarde. E depois olharam, oh, (...) estremeceu-se tudo. Elas pagaram a promessa e ela (...) agradeceu. Parece que se sentiu um pássaro a voar! A igreja estava cheia de família, ficou tudo tão poderoso! E (...) foi aqui mesmo, em Aljustrel! Ficou tudo sem saber... Tudo nervoso como uma coisa que foi fantástica! Deu que falar aí a muita gente. (...) A senhora disse-lhe que ela que lhe ficava com um sinal nas costas. Já (...) há muitas pessoas que dizem que ela tem, mas (...) a mulher é que não está lá a mostrar, pois.
INQ2 A mostrar.
INF Ela morreu-lhe agora uma filha também, uma filha nova, essa senhora. Mora aqui próximo.
INQ1 As pessoas em 29 de Agosto costumavam ir tomar banho ali ao, aos balneários, aos balneários de São João?
INF De São João, sim. São João do Deserto.
INQ1 Que, que fazia muito bem?
INF Pois.
INQ1 À pele, não é?
INF Oh, e olhe, deixaram perder aquilo, uma coisa tão rica! Por acaso é bastante rica. Que este senhor que me vem aqui trazer (...) a minha mercadoria, tem uma menina com uns três aninhos, a miúda apareceu-lhe uma coisa na pele, têm gastado rios de dinheiro. Já foram à Espanha, já foram à Inglaterra, têm corrido o estrangeiro. E então já não sabiam o que haviam de fazer à miúda, que a miúda, aquilo estavam tudo amargurados de a miúda estar assim. E agora e este senhor que se lembrou levar uma garrafa de água desta de São João, que é água forte, água da mina - que vem da mina -, então a miúda não se curou em oito dias? Está a ver? Aquela água era muito boa, muito boa! Mas está muito desprezada. E estava lá numa igreja, de São João do Deserto. Faziam lá umas grandes festas a São João do Deserto, não é? Ora deixaram perder tudo! Deram cabo do santo e deixaram perder tudo.
INQ1 E não havia nenhuma oração?
INF (...) Olhe, se havia (...) nunca aprendi. (...) Sei que no dia - eu não me lembra em que dia é que lá fazem a festa -, ia muita gente daqui lá festejar, (...) ia a música, iam... Punham lá coisas a vender, ia muita gente. Mas isso acabou tudo!
INQ2 Mas onde é que é?
INF É... Até podem ir ver que ainda estão lá balneários. É: quando se vai pela estrada nova, sobe por o... De carro é mais perto. Se tivesse aí o carro, eu ia-lhe ensinar onde era.
INF Eu estive morando ao pé de Mértola. (...) E entre Mértola estão três cerros. (...) Porque esta santinha, (...) são sete irmãs.
INQ Rhum.
INF (...) É a Senhora do Castelo, a Senhora do Amparo, que é essa santinha... Eram sete irmãs e todas (...) se avistam umas às outras. Isto dizia-me a minha mãe! Isto é de coisa já dos antigos, não é? (...) E eu, quando ia a Mértola, para lá de Mértola está um sitiozinho que lhe chamam a Moreanes.
INQ Sim, sim.
INF E entre a Moreanes está uma aldeiazinha que é de Corte, é - eu estive lá. E depois, passei lá, não é? E tinha lá pessoas amigas (...) e depois (...) eu até tinha lá uma prima minha, disse-me: "Olha, queres ir além à ermidazinha"? Digo: "Não". Depois é que me esteve a contar a história. Era uma ermidazinha que lá estava e estava lá um homenzinho que era o ermitão, mas o homenzinho ele ou mataram-no ou apareceu morto. Não se sabe bem o que fizeram ao homem. Isto é verdadeiro! E então a igreja depois deu (...) em cair um pau, em cair uma telha e ficou só o adro da igreja (...) e a armação, não é? E diziam que estava lá um tesouro, a gente antiga. E então pessoas corajosas iam lá cavar. E eu tenho esse primo - esse marido dessa senhora que é minha prima -, diz assim: "Ah, eu sou capaz de ir lá cavar". Mas tinha que ir de noite. Que é que ele fez? Pega (...) numa lanterna que usam além para os lados da mina de São Domingos - que aquilo era mina, tinham umas lanternas -, e então pega na lanterna (...) e põe com a enxada às costas e vou-lhe a subir o serro - que aquilo é um serro muito grande! Foi, entrou dentro da igreja, começa com a enxada a escavar debaixo da... Arma-se um vento tão grande dentro da igreja, que assoprava! Ele apanhou um cagaço tão grande! Veio à ladeira abaixo, nunca mais ele foi lá àquele sítio! Nunca mais foi para aquele sítio. E então a história não é só aqui (...) que acaba. Isto foi verdadeiro!
INQ Sim, sim.
INF Esse meu primo diz que apanhou um susto tão grande, tão grande. Pois se estava uma lua tão grande, um luar, não havia vento, não havia nada, assim que entrou dentro da igreja, o vento era tanto que até assoprava! Já não - oh! -, já não foi capaz (...) de cavar. E então - e eu conheço as três pessoas que foram lá - tiraram o santo e judiaram com o santo (...) , a santinha que lá estava. Um cortou-lhe as pernas, outro cortou-lhe os braços e o outro tirou-lhe os olhos. Mal feito! (...) Um pecado muito grande! E então esse senhor que lhe tirou as coisas, morava na (.../NPR) , esse senhor. Tem um filho que anda com umas muletas porque (...) deu-lhe qualquer coisa nas pernas, tem uma perna mais curta que a outra. E o outro que tirou os olhos estava quase cego - esse estava na Moreanes. E o outro que lhe cortou os braços, (...) cortaram-lhe um braço. Isto é a realidade! É por isso que eu não gosto de abusar nestas coisas. Não gosto. E isto é mesmo a realidade que eu lhe estou aqui a contar.
INQ Mas como é que se chama esse serro, ao pé de Mértola? Lembra-se do nome?
INF São três serros enfiados um no outro.
INQ Ah!
INF Talvez que pessoas lá (...) ...
INQ E vê-se de Mértola? Quem está em Mértola vê?
INF Para lá de Mértola. Fica o rio de Mértola... Fica Mértola, e depois fica o rio, e depois passa-se do rio para lá. Vai para a mina de São Domingos.
INQ Pois, quem vai para a mina...
INF Sim. Vai para a mina. Agora já tem ponte.
INQ Tem.
INF Sim.
INQ Tem ponte e estrada para a mina.
INF Pois, isso já há muitos anos. Isto era eu moça nova. (...) Quando eu lá estive era gaiata, pois, que eu ouvi contar isto. E estas pessoas que contavam isto estão todas em Lisboa. Moram tudo em Lisboa. Moram (...) na Pontinha, estas pessoas que me contavam isto. E então até eu dizia, olhe, além ao filho do Herodes: "A gente em não mentindo, não se engana. Aquele, olhe, não vê, com os braços, dizem que é isto". E ele dizia: "Ah, é agora castigo"!? "Sim, dizem que é castigo". Digo: "Então mas devia ter sido o pai, não o filho"! Mas é que os pais sofrem mais por ver os filhos assim.
INF Isto está (...) um tempo muito triste, muito triste! As senhoras nem se apercebem o tempo que está aí. Eu cá, felizmente, ainda tenho para comer - não é? -, ainda vou ganhando para comer. Mas quantas pessoas há aí que não têm para comer? E eu dá-me pena de ver aí as pessoas tristes, de ver o tempo que vai. O tempo está muito seco, está muito ruim.
INQ Claro.
INF Muito ruim mesmo! Isto só a providência divina é que salvará isto. A gente tem em dizer que uma seca que tem emenda e uma molhada que não tem. Mas não é já no mês de Março. As chuvadas deviam ter vindo de Janeiro até Março. E até a gente, isto é, os ditados antigos diziam: "Águas de Abril, de mil". Mas é que ele não tem jeito nenhum de chover. Isto não tem jeito nenhum. O vento está na mesma. Olhe, eu regulo-me pelos ventos. Sou uma pessoa que quando me levanto da casa, tenho um galo duma chaminé, aí em frente da porta, olho, digo: "Olha, ai, o raio do vento ainda está na mesma". Está mesmo aqui voltado ao norte que não... É vendaval, não há peixe... Que os peixes, atrai, com este tempo não há, e os que vêm é caríssimos, e é mau para as searas e é mau para tudo. Porque a fartura vem do mar. Em não vindo do mar... Porque ele o tempo estando mais morno, há mais peixes e há mais produção.
INF Olhe, eu cá tenho experiência nisto. (...) Quando me levanto (...) da minha cama, é uma coisa que eu vou logo olhar é (...) os ventos. Olho o galo, quando o vejo voltado para baixo, digo: "Ai, já é o mau tempo, não é ? Ai que tempo tão desgraçado"! Digo comigo: "Ai, Deus Nosso Senhor, porque é que não põe um outro tempo, não vem uma chuva"!? (...) Quando o galo está voltado para além, digo: "Olha, está voltado ao pego"! Dá água. Mas é que ele já um ano lá vai que nem sequer volta-se para além. Está voltado é para aqui, para o mau tempo. E é uma coisa que a senhora veja - aqui a minha irmã tem um galo na chaminé -, veja que é uma experiência muito... E quando as nuvens estão assim lavradas umas com as outras, que o vento está bom, voltado para além, que é bom tempo, há fartura de peixe. O mar dá logo fartura, de sinal. Mas agora veja que o céu está limpo, não aparecem nuvens nenhumas. De noite aparecem é estrelas. Que eu de noite assomo-me à porta e vejo, digo: "Olha, o mar está todo estrelado"!
INF Tenho muito medo quando vejo chover muito. Já tem feito trovoadas e água muito, muito. Tenho medo. Arrepia-me.
INQ Olhe, quando faz...
INF Arrepia a gente quando vê chover, às vezes. Como já uma vez choveu aqui em Novembro que levou aí casas (...) abaixo.
INQ Abaixo.
INF Ai, parece-me sempre que há um dilúvio. Porque a gente - não sei se a senhora já tem ouvido contar que Tróia se arrasou? Tanto que diz que quando Tróia se arrasou (...) que se arrasou com areia! Que choveu três dias areia. Diziam: " (...) Quando Tróia se arrasou, três dias choveu areia, só uma alminha escapou no ventre duma baleia". Tanto que a ponte da Tróia ainda se vê, da igreja. Arrasou em areia. Porque eu tenho muito medo disso. Lembra-me muito.
INQ Mas isso era só assim? Essa, isso...
INF Sim. A minha mãe dizia...
INQ Era só essa quadra?
INF Era só. "Quando Tróia se arrasou, três dias choveu areia, só uma alminha escapou no ventre duma baleia". E então diz que ainda está... O coiso da ponte, quando há maré baixa é que ainda aparece um tanto . Está arrasada. Eu tenho muito medo quando vejo. Lembra-me sempre que há tremores de terra, há... Tenho medo (...) .
INQ Mas a, a que Tróia é que está-se a, é que se está a referir?
INF Ao pé de Setúbal. Aqui para os lados de Setúbal.
INQ1 E outras ervas assim que tiram para chá?
INF Há uma erva que também se cria no campo e nos quintais que é a 'selva'. A 'selfa'. É muito boa.
INQ2 'Selfa'?
INF Aqui neste quintal a seguir há. Há bocadinho passei e ele digo: "Olha, se eu não me esquecer hei-de levar um bocadinho para fazer chá". Às vezes a gente está mal dispostas e é bom.
INQ2 Então quando passar por lá traga um bocadinho só para a gente ver a folha como é que é.
INF Sim.
INQ2 Está bem?
INF É a 'selva'.
INQ2 'Selva' ou 'selfa'?
INF Sim, eu até não sabia e uma senhora dum guarda me disse: "Olhe, vou levar aqui um bocadinho que, às vezes, estou mal disposta e isto é um chá tão bom, tão bom"! Pois. Digo: "Ai, mas isso (...) eu lembra-me de as pessoas, às vezes, lhe darem ataques e passarem-lhe com essa erva". "Não, mas é bom para chás", disse-me ela.
INQ1 Pois. E mais assim outras boas para chás?
INF Assim do campo? Do campo, ele eu não sei. Esta gente (...) das ervanárias é que sabem. Pois. Antigamente curavam as pessoas com as ervas do campo; agora é já é tudo à botica. Pois. (...)
INQ1 Então e cidreira, não?
INF Erva-cidreira é bom também. Conheço.
INQ1 Também se usa aqui, ou não?
INF Sim, também erva-cidreira, hortelã-pimenta. Pois. Hortelã-da-ribeira. Pois. Poejos. Poejos, se quiserem levar, tenho lá no quintal, podem levar que é bom (...) para a... Não gostam da sopa cá alentejana, não?
INQ2 Oh!
INQ1 Eu se... Gosto muito.
INF Hã?
INQ1 Mas eu gosto mais de sopa de, de coentros, açorda de coentros do que... Pois.
INF Ah, açorda. (...) Mas lá costumam a fazer? Então podem levar um panito caseiro do forno, e levarem coentros. Quando forem, eu logo lhe arranjo coentros. Lá não há?
INQ1 Há, mas é, por acaso, é difícil.
INF Mas, às vezes, (...) é difícil?
INQ1 É.
INF Pois. Mas, se calhar, não costumam a fazer como a gente faz (...) cá no Alentejo.
INQ1 Como é que fazem?
INF A gente, por exemplo, pica-se (...) quatro alhos - não é? -, (...) ele uns três ou quatro alhos - não precisam muito grandes -, cortam-se para não se safarem, (...) pisam-se muito bem com os coentros. Lavam-se os coentros e lavam-se os alhos (...) e põe-se (...) sal. Mas não se põe muito que é para depois saber se está bom de sal. Bate-se muito bem, muito bem. Eu gosto de bater e ficar tudo bem batido. Há pessoas que deixam os coentros grandes, eu não gosto de ver isso. Aqui em casa também gostam assim. E depois de aquilo estar muito bem batido, deita-se o azeite, aquele pouco mais ou menos que a gente vê. E depois, tem já a sopa migada - a sopa quanto mais fininha é, melhor -, sopa de pão... Até pode fazer açorda de bacalhau, açorda de amêijoas, açorda de poejos, também pode lhe deitar uns poejinhos. Mas se gosta mais de coentros (...) ... Eu também gosto mais de coentros. Deita-se a água e depois mexe-se muito bem - água a ferver!
INQ1 Pois.
INF Eu até costumo a deitar ovos dentro da taça (...) , corto-lhe um ovinho dentro. Quando é tempo de pimentão verde, deito um bocadinho que dá muito gosto à açorda. Não faz mal com os coentros!
INQ1 Pois, pois.
INF Se não gosta com o pimento, não deite. E depois de estar (...) as sopas migadas, deita-se água, mexe-se muito bem e prova se está bom de sal. Depois deita-se o pão, que o pão já tem sal. Tem que provar é o caldo. Depois tapa-se ali um bocadinho. Depois serve-se. É o uso cá do Alentejo.
INQ1 Estou cheia de fome! Tenho impressão que já janto!
INQ2 Se te dessem a açorda, não jantavas.
INF (...) E à noite é uma coisa que não faz mal. Eu já tenho ido de viagem, venho mal disposta, ponho logo a água ao lume, faço ali uma açordinha, deito-lhe um ovinho com uns coentrinhos só - coentros e o azeite e o ovo -, migo uma sopinha, cai-me aquele caldo tão bem!
INQ1 É!
INF Fica a gente bem. Lá, ele pouca gente... (...) A açorda (...) é o uso do Alentejo.
INQ1 É.
INF (...)
INQ2 Mas em Lisboa também se come bastante.
INF Mas é com este pão, não é com o pão fino, que o pão fino não presta.
INQ1 Pois.
INF Este pão fica... Embora abrande, mas fica rijinho.
INQ1 Pois, pois.
INF Tem que ser pão (...) daquelas mulheres que fazem o pão - como eu o amassava!
INQ1 Pois.
INF Pois. Como eu amassava que o amassava... Levava aí uma hora a amassar um alguidar de pão.
INF Mandaram fazer o jantar à vontade (...) ou deixaram da vontade da minha irmã?
INQ1 À vontade da sua irmã.
INQ2 A sua irmã é que manda.
INF Ela cozinha bem.
INQ1 Rhum-rhum!
INF Cozinha melhor do que eu, que eu sou muito preguiçosa para fazer comer.
INQ1 Sim?
INF E o meu cunhado, então esse!...
INQ1 Acho que sabe muito.
INF Oi!, sabe então pouco bem! E a mãe dele?! Também está gravando ou não?
INQ2 Está.
INF Então é melhor desligar, então é conversa...
INQ2 Eles não, eles não vão ouvir.
INF Pois. A mãe dele era uma cozinheira de primeira! Oh, era uma senhora que fazia tudo tão bem feito! Tinha uma mão para o comer que não havia. Mesmo (...) o filho diz: "Corri aí o estrangeiro e tudo", e que não encontrou uma mão de comer como a da mãe. Que eu não gostava de arroz de bacalhau, e em ela o fazendo até cheirava! Então e uma carne que ela arranjava?! Uma galinha, fazia umas poucas de qualidades de comer! Cozinhava muito bem. Tinha mesmo arte para o comer. Isto o comer é uma arte!
INQ1 Pois.
INQ2 Então não é?!
INF Pois.
INQ Olhe, e uma outra que dá umas bolas vermelhas que até no Natal aquilo até se usa para enfeitar a casa, ou para pôr em casa, que está, dá assim umas bolinhas vermelhas?
INF Não sei.
INQ Tem uns... Também pica um bocadinho?
INF Não sei. Pode que conheça e não sei agora o nome. Até pode que não haja aqui.
INQ Pois.
INF Pois.
INQ Pois, pois.
INF Pode que não haja aqui.
INQ1 Para que é que o corriolo é bom... O chá é bom para quê?
INF Eu, quando era moço, (...) ouvia dizer ali... Havia ali na vila (...) , em Aljustrel - eu sou de Aljustrel, morava lá... (...) Ele a minha gente iam lá a uma loja (...) dum homem que era o tio Isolino. E esse homem tinha lá um grande quintal. E quando alguém se queixava (...) , por exemplo: "Oh, o meu mocito tem andado agora com soltura", e tal, tal, tal, tal, "tem andado com a soltura", e isto, e aquilo, e tal, tal, tal. "Então, espere lá, que eu vou buscar"... E então (...) ia lá ao quintal, trazia uma mancheiinha de corriola e fazia chá, um chazinho de corriola e tal, tal, tal. E eu, às vezes sofro dos intestinos mas os meus intestinos não são muito puros. E, de vez em quando, faço aquele chá e não me dou mal. Faço um chá. Faço aquele chá. Faz um chá bom. Faz um chá assim amarelinho e sabe bem. Tem bom gosto. Tem bom gosto e não prejudica nada. É o tal corriola, pois, que (...) dá uma campainha.
INQ2 Sim.
INF Uma campainha branca. Pois.
INQ1 E a fuinha conhece?
INF1 Conheço. É também...
INQ1 Como é que é?
INF1 É uma espécie também dum rato com um focinho assim muito comprido. Tem o focinho muito comprido! Isso também é mau! Também é um bicho mau. Pois. Isso também é um bicho também em apanhando aí uma galinha também dá-lhe uma picadela dum jeito tal, chupa-lhe o sangue, também a mata.
INQ2 E como é que se chama?
INF1 É o nome que ela lhe dão é fuinha, fuinhas, ou um nome assim. Pois.
INF2 Ai, ai!
INQ1 Olhe, e uma outra que anda por baixo da terra, e faz, anda assim, corre tudo, come os nabos e come tudo o que está debaixo da terra?
INF1 Pois, eu (...) também conheço esse coiso, mas não me lembra também do nome disso, como é que é o nome que eles dão a isso. Pois. Doninha!
INQ1 Não, sem ser a doninha.
INF1 Não é? Isso é um bicho também muito coiso, da terra.
INQ1 Pois, mas é uma coisa, um assim muito pequenino, deste tamanho, tem assim as patinhas para o lado e corre tudo debaixo da terra. Fica a terra assim toda fofa quando ele passa...
INQ2 Até se vê assim um carreirinho por cima, assim a terra toda levantada...
INF1 Mas e é bicho grande que?...
INQ1 Não, é assim deste tamanho. É um bicho assim deste tamanho.
INF1 Mas mata outras ?...
INQ1 Rói as pontas todas de tudo o que estiver cultivado, quando ela passa rói aquilo tudo.
INF1 Ah! Pois. Pois. Há um bicho desses que muitos chamam-lhe minhocas. Mas esses aparecem mais é em terra molhada. E há uma outra... (...) Há uma outra... A gente conhece aí um outro bicho, (...) um outro coiso desses que corta muito coiso, que (...) chama-se a gente um nicanço, ou um nome assim qualquer.
INQ1 Como é que se chama esse?
INF1 Nicanço (...) . Nicanço, ou um nome assim. Porque eu já tenho visto (...) . Isto (...) é uma espécie (...) da coisa, da minhoca, mas é maior.
INQ1 Rhum-rhum.
INF1 Maior, (...) e mete-se muito na terra, pois.
INQ1 Pois.
INF1 Pois.
INQ1 Então e a toupeira, não há para aqui?
INF1 Para aqui? Ele para aqui não há. Aqui na ribeira há. Aqui na ribeira há aí. Se for aqui à ribeira, já há ali bichos desses. Agora aqui no coiso não.
INQ1 E como é que lhe chamam?
INF1 É o mesmo, esse nome, toupeira. Pois.
INQ2 Mas anda na?...
INF1 (...) Isso nas ribeiras de coiso é que há mais, de água... Esta água aqui não é coiso para isso. Há, por exemplo, (...) aquela ribeira ali de Borba já tem muito disso. Isso é (...) um bicho também que se mete muito dentro de água e nas barreiras, do coiso, faz aquele buraco, e cria, e fura. Faz um buraco, tem um buraco na terra. Mas se fizer falta também se joga para dentro de água e banha que é um disparate!
INQ1 Isso não é a ratazana?
INF1 (...) É uma espécie disso, pois. É uma espécie disso. É também um bicho também com um focinho assim um bocadinho mais comprido que o rato. Pois. É uma espécie da doninha. Isso é tudo , pouco mais ou menos, (...) quase a mesma gente. Pois.
INQ2 Salvo seja.
INF1 Pois, é quase a mesma família! Doninhas, toupeiras, esses ratos de água, e coisa e tal, isso é quase tudo o mesmo.
INQ Os coelhos bravos vivem aonde?
INF Vivem naquelas tocas aí na ribeira - ou árvores mesmo.
INQ E, e fazem a criação aonde?
INF Fazem-na ali debaixo da terra.
INQ Mas tem algum nome aquele sítio onde eles fazem a criação?
INF (...) Pois, pois tem. Esses sítios onde eles fazem a criação, pois chamam coelheiras. Chamam coelheiras a isso onde os bichos criam. Aí os bichos bravos fazem um buraco na terra e ao fundo fazem um 'recocão' mais coiso e criam lá. Pois. Quando se encontra às vezes isso... Noutro tempo, encontrava-se às vezes esses buracos e um gajo com um coiso cavava, cavava até chegar lá ao fundo, até chegar lá à coelheira. Às vezes, dizia-se, tinham lá meia dúzia de coelhos, pequenos (...) ou já grandinhos.
INQ Rhum-rhum. Olhe, e as lebres, como é que fazem a, o sítio para?...
INF Acho que a lebre que é um bicho (...) que cria aí também num 'recocão' qualquer mas (...) não por buraco. A lebre não faz cá buraco na terra. A lebre, pois, deve ter - ou por meio de pastos, ou (...) de qualquer coisa - onde faz a cria. Mas, eu não acho que... Nunca conheci isso, quem venha dizer (...) que faz um buraco como o coelho. O coelho faz buraco para criar, agora a lebre não. A lebre, pois, deve acarear uns pastos, uma coisa qualquer e deve arranjar um esconderijo onde cria. Porque a lebre até cria pouco. (...) Uma lebre, ele parece que aquilo (...) duas crias, três, duas, três, é o que cria. E o coelho não. E o coelho não. (...) Há coelhas que têm oito e dez coelhos. E a lebre não: duas, três, duas, três. Mas não faz buraco.
INQ Olhe, e uns porcos que eram bravos, aparecia?
INF1 Agora ultimamente, olhe, de há muitos anos (...) não se dava notícia disso. Agora já se ouve falar. Mas não é aqui também no nosso sítio. Aqui no nosso sítio não se tem dado notícia disso. Mas eu ia aí para zonas, essa zona de Odemira, esta zona aqui (...) das Amoreiras, as zonas coisa e tal, às vezes já aparecia aí isso.
INQ E como é que lhe chamavam, a isso?
INF1 Já aparecia... Eram porcos bravos. Um porco bravo (...) . E dão-lhe outro nome. Pois, aquilo é um porco bravo mesmo, mas eles davam-lhe um nome, não sei como é que era.
INF2 Não era javalis? Não é isso?
INF1 Pois. (...) É um javali.
INF2 Javali.
INF1 Pois. Aqueles porcos bravos é um javali, é um porco bravo e não sei se ainda lhe dão mais algum nome. Pois, para ali, aparecia. Para ali, aparecia. Até houve ali (...) ... Agora ultimamente eu comprava ali muito porco ali naquela zona. Houve ali gente que se descuidavam e os cabrões chegaram a cobrir ali porcas (...) mansas, e os gajos coisa e tal, darem, e depois apareciam (...) com porcos desses, com porcos bravos. Apareciam. Houve aí uma altura em que havia muita vedada. As propriedades estava aí tudo vedado. E os homens, esses bichos apareciam, vinham de Espanha e infiltravam-se aí em zonas dessas. E havia matos, havia essa coisa toda e os bichos infiltravam-se e por ali andavam e não coisa. Depois, essas propriedades foi quase tudo... Quando foi o 25 de Abril, isso foi quase tudo... Deixaram de ser vedadas e deram-se em meter e os bichos deram em sair. Deram em sair e depois deu em aparecer aí em muitos sítios, deu em aparecer essas bicheza. Isso eram bichos que se acolhiam aí uma propriedade vedada. Aquelas zonas aqui de Odemira, tem ali muito mato, muita coisa, e os bichos acolhiam-se ali e ali andavam e não coiso. Mas depois, assim que isso foi tudo limpo, tiraram as tabuletas daí, aquilo os bichos depois desandaram. Uns depois para aqui, para aqui... Então aqui a nossa ribeira quase que não se dava já aqui notícia de bichos, aí, coisa e tal. Agora é um disparate! É um disparate! Fazem às vezes aí uma batida aqui, coisa e tal, tal, tal, não têm por dúvida, aí daqui até lá abaixo, matarem aí meia dúzia (...) de coisas (...) - como é que é o nome? -, de zorras. Uma coisa que não se dava aí já a notícia disso. E agora é um disparate! Isso há para aí bichos desses que até nem se criam aí já coelhos! As zorras são tantas, há aí tanto bicho desse, tanta zorra, que onde quer que dão notícia dum coelho palmam-no. (...) E coelhos há aqui já poucos.
INQ Pois.
INF1 É verdade. Aqui há já pouco coelho. Há já pouco coelho (...) e não é por causa dos caçadores. Não é por causa dos caçadores. Foi o raio (...) das zorras (...) que arrebentaram com isso.
INQ Pois.
INF1 Isso estavam aí metidas dentro dessas propriedades vedadas, assim que coiso, os bichos espantaram, uma foi para um lado, outra foi para outro, arranjam-se aí uma salsada que há aí bichos desses que é uma coisa parva. Aqui há muita zorra! Essa ribeira aqui toda, aí por aí abaixo, isso é um disparate de bicheza que tem aí!
INF1 Aqui na nossa zona, os passarinhos também, coitadinhos, também têm sofrido muito.
INQ1 Rhum-rhum.
INF1 E mesmo o 25 de Abril também não foi muito bom para eles. Não foi. Pois. Apareceu aí uma remessa (...) de gente (...) sem cabeça e andaram aí a fazer aí grandes sarilhos. Pois. Isso houve aí umas grandes vigarices. Coisas muito mal feitas, até porque isto não se admite. Não se admitem coisas dessas. Isso não se admite mesmo. (...) Pois não são mais que é selvagens, chama-se àquela gente. Aquilo é gente selvagem. (...) Arranjaram ali uma mezinha, essa gente, e então deram em passar de mão em mão, duns para os outros, essa coisa toda, foi tal e qual como a droga, aí (...) nessa rapaziada aí de dezoito anos, e dezanove, e quinze, e dezasseis. Apareceu aí uma coisa de droga que eu até fico parvo! Como é que uma pessoa vai tomar uma coisa (...) que o prejudica?! Aqui há uns tempos, morreu para aqui um moço ou dois, noutros sítios coisa e tal, e a aparecem calçadas com a droga! Como é que uma pessoa vai agora (...) fumar uma coisa duma droga, uma coisa que o prejudica?! E fazem. E aqui apareceu uma remessa de gente com essas ideias de drogas. É gente doida! (...) Apareceram aqui com um trigo roxo, um trigo. Depois com um preparo qualquer, deitam aquele preparo no trigo, deitam aí em qualquer parte. Os passarinhos, coitadinhos, vão tumba-tumba picar naquela brincadeira, oh, quando é ao fim dum bocadinho, começam a bater as asas, a bater as asas, caem para o lado, eh, é aos moitões! Oh! Então tem morrido tudo, têm matado tudo que não há aqui um! Era uma zona que a gente saía a qualquer banda... Olhe aqui onde aqui no meu quarto, ouvia-se aqui (...) neste coiso aqui atrás... Apareciam todos os anos, todos os anos! Apareciam aqui uns rouxinóis olhe, em vindo ali das três horas da manhã até de manhã, (...) parecia aí uma música aí que era (...) uma coisa parva. Há uns dois anos ou três para cá, não se ouve um passarinho aí vir piar. Canalhas dum cabrão deram cabo de tudo! E deram cabo de tudo, porque isto é assim: deitam isso e aqueles pássaros que comem trigo, comem-no e morrem. Eles no outro dia vão lá buscar os pássaros. Mas sempre há ocasião de ir um cair mais longe, que eles não vêem, deixam-no lá. Abala um desgraçado dum corvo, coisa e tal, que gosta (...) da caça, coisa e tal, vê lá aquele passarinho, (...) , coisa e tal, e papa-o. O pássaro está envenenado, oh, ao fim dum bocadinho é ele que bate os (.../N) também. E então vão morrendo assim atrás uns dos outros.
INF2 (...)
INQ2 Para que é que as pessoas matam os pássaros?
INF1 Então e o que é que você quer?! É para os comerem! Matam-nos para os comerem!
INF2 Tem muitas raças!
INQ2 Mas eles estão, estão envenenados!
INF1 Então, e o que é que você quer?! Então e o conhecimento, porque é que ele hoje não têm algum conhecimento?! Pois. Então e depois abalam com eles, não sabem o que é que fazem. Depois abalam com eles, chegam aí ao pé dum gajo qualquer, vendem-lhos. E esse gajo paga-lhe aquilo tudo e leva-os lá para Lisboa, para aqueles cafés, para aqui, para além, ou para Beja, ou para terras dessas, e eles querem lá saber!
INF Eh, a gente aqui conhece isso (...) por reclame. Reclame é o nome disso. Pois. Isso põe-se assim na boca e começa: tchi-tchi-tchi-tchi-tchi-tchi, a fazer como as perdizes. Aí a gente tinha isso. (...) Isso era também usado com maldade. Isso também era usado com maldade.
INQ Pois, isso era proibido!
INF (...) Pois, isso era proibido. Isso era usado também com maldade. As perdizes, têm ali uma altura em que (...) os perdigões, o macho dá em perguntar (...) à fêmea. Depois a fêmea arranja o 'recocão' e dá em pôr os ovos, e essa coisa toda. Em estando lá aquela conta de ovos, dá em chocar. O perdigão anda com aquela doidice (...) da perdiz e anda sempre de cabeça no ar à busca da perdiz, à busca da perdiz. Um gajo agachava-se aí dentro (...) duma mancheia de erva, ou de qualquer coisa, com um coiso desses, punha-se tchi-tchi-tchi-tchi-tchi-tchi. O perdigão estava em qualquer sítio, dois ou três ou quatro perdigões, ouviam 'chasnar' - ouviam esse barulho -, metiam na cabeça que era a perdiz. Por onde ouviam o barulho, iam-se chegando para lá; o gajo estava lá com uma espingardinha, essa coisa toda, às vezes enfiava logo ali três ou quatro. E quando matava, matava logo três ou quatro, mas era perdigões, porque perdizes, então elas estavam no choco. Mas o perdigão onde é que lá andava com aquela maçada, com aquela parvidade da perdiz, e então em ouvindo tchi-tchi-tchi-tchi-tchi-tchi, oh, dava em aparecer. Dava em aparecer, eh, um gajo que apanhasse aí três ou quatro, aí coisa e tal, ou que os encarreirasse, às vezes matava-os todos.
INQ1 Um que anda durante a noite e que dá um, que diz cá-vai, cá-vai, cá-vai?
INF Que andam durante a noite? O pássaro que aparece aqui, e coisa... Às vezes aparecem dessa maneira. A gente até lhe tem zanga. Será as corujas?
INQ1 Sem ser as corujas. Um que diz cá-vai, cá-vai, cá-vai?
INF Oh, e há os mochos, também são danados para um coiso .
INQ1 Rhum.
INF Há um pássaro que é um mocho que é danado para andar também de noite.
INQ1 Mas ainda é outro. Ainda é outro.
INF Mas esse também já não há muito. Já há poucos mochos.
INQ1 Pois.
INF Risos (...) Também há já pouca coisa dessas. É também já raro encontrar-se. Risos É quase tudo cornudo, já não há mochos. Risos
INQ2 Eu não estava a perceber. Não estava a perceber a piada.
INF Está aqui uma mulher, além no largo, que ainda agora quando você estava falando ali comigo, estava ali o marido agachado. O marido dessa mulher estava ali agachado. E depois um dia foram os dois aí - ele tem uma espingarda -, foram os dois (...) na bicicleta, conta ele. Ele é que conta isto. Diz ele: "Espera lá que eu vou matar aquele pássaro que está ali". Começa a andar com a espingarda de roda do coiso, e ela (...) encostada à bicicleta (...) à espera de ele vir. E ele não vinha. "Então o que é que andas aí fazendo"? "Ando a ver se mato aqui um mocho". Risos A mulher é um bocadinho assim simplória, diz-lhe assim: "Deixa já o passarinho! Então se tu fosses mocho também gostavas que te matassem"?! Risos
INF1 Um dia, disse que um dia que ia para Alvalade na bicicleta e levava-a a ela também. Levava a senhora. Levava a senhora na bicicleta.
INF2 Ela diz aquelas coisas assim, sempre .
INF1 O quê? Ela é simplória, a mulher (...) não diz aquilo com maldade.
INF2 Diz aquelas coisas sem maldade.
INF1 Iam os dois na bicicleta motorizada.
INF2 Não diz aquelas coisas com maldade .
INF1 Estiveram caçando ele ali, foi ali depois do sol posto, ninguém acenderam as luzes. E depois vinha um gajo com um automóvel com as luzes acesas e não baixava os faróis. Não baixava os faróis e ele estava cá todo gacho, e parou a bicicleta, e baixou o farol da bicicleta dele. E o outro não baixou lá. Ele estava já danado com aquilo de o outro não baixar os faróis, diz assim: "Aquele filho dum cabrão não baixa os cornos"! Não baixava os faróis. Diz-lhe ela que estava cá atrás agarrada a esse: "Deixa-o da mão. Deixa estar a bicicleta parada. Baixa lá tu os teus e deixa-o a ele"! Risos
INF Aqui o meu filho, uma vez, arranjou aqui um carro dum polícia da estrada. (...) Um polícia da estrada (...) que faz serviço além para o lado de Lisboa. E ele arranjou-lhe aqui o carro. Eh, e o homem depois estava aí, chegou à hora do almoço, "Eh, diz lá ao homem que venha almoçar". E o homem veio almoçar. E depois de o homem estar aqui dentro é que começou lá a contar a vida dele (...) . O homem era do Algarve. Veio encaminhado por um rapaz lá do Algarve que tinha uma oficina, que é cá da família da gente, e encaminhou o homem para vir aqui, e coisa e tal, e então o homem veio aqui à do meu filho. Ele arranjou-lhe o carro, e tal; o homem veio aí por duas ou três vezes. Mas a primeira vez que veio até deixou aí o carro. Foi depois na camioneta da carreira e deixou aí o carro para o meu filho lhe arranjar. Mais ou menos chegou à hora do almoço e tal, tal, tal: "Bem, diz lá ao homem que venha almoçar", pode às vezes o fulano... Eu não faço isso com todas as pessoas mas lá alguns, às vezes, que têm mais coisa e tal, faz-se. "Ah, diz lá ele (...) ao moço que venha almoçar". Depois eles ficam ali, pessoas de fora ou que não têm coisa e tal. "Ande almoçar com a gente, almoce aí". E então esse veio almoçar aqui com a gente. Ele veio almoçar aqui com a gente (...) e o homem depois perguntou quanto era, e tal. "Ele não é nada". Depois queria que eu fosse ali ao café tomar a bica. Digo: "Não, vá lá mais o meu filho. Deixe-me cá a mim. Eu fico sempre aqui, não vou cá tomar a bica. Se eu quisesse café, digo à mulher para fazer aí em casa, que eu não vou cá tomar bicas". Pronto, fiquei aí em casa, o homem foi-se embora. Mas o homem ficou satisfeito, e tal. Tanto que dali , depois quando veio cá buscar então o carro, apareceu aí com um bicho desses. Mas parece que era para dar um conto e qualquer coisa por uma santola. Era para dar um conto e não sei quê, mas aquilo era polícia da estrada, o outro parece que lha vendeu para ali por quatrocentos mil réis, um gajo lá dum café. Têm medo deles! Vendeu-lha para aí por quatrocentos mil réis. E a gente comeu-a a essa (...) ... Tem também muita perninha e tem a cabeça assim dura, e ali no meio...
INQ Pois.
INF Pelo meio lá dessa coisa, em elas estando cheias é que têm lá comidinha . Eu, por acaso, até como ali aquelas pernas e coiso e tal. Aí o Hortênsio, ele é um marafado por aquilo. Chegam a ir a propósito, a caminho daqui e dalém, onde há essas coisas, comer. Eu não me perco com isso. E então esse senhor é que apareceu aqui (...) com uma santola. Cá (...) há a lagosta e há a santola, mas esse a que trouxe foi uma santola, boa! Pois.
INF1 A rã em sendo bem arranjada também é boa.
INF2 É.
INF1 Ali os quartos das arrãs?! Embora , faz cá uma petisqueira!
INF2 É bom é. Eu até, eu podia falar nisso que eu então já comi.
INF1 Então aí, uma vez, um gajo mandou-me sentar num sítio: "Senta-te lá aqui um bocado... Senta-te lá aqui um bocado que eu não me demoro. Vou buscar ali um petiscozinho". E o gajo foi. Aparece-me lá com um tarrinho, cheio; pus-me a comer e é que eu comi bem! Comi bem e sabia-me bem! Bebemos lá uns copinhos de vinho e comi bem. Depois de comer aquele coiso, e tal, tal, tal, ele estava-me lembrando de rãs, de cágado, de coisas dessas - era uma carne muito branca e boa, e coisa e tal. No fim de comer contas , depois disse-me que eram alguns três ou quatro lagartos.
INQ Lagartos?
INF1 Lagarto. Poh! Cale-se daí, oh!
INQ Mas todos ou só as pernas?
INF1 Não. Aquilo é esfolado, e é ali o lombo, e é as pernas, e é ali um bocado também do pescoço. Pois. E esteve ali na vila, esteve ali um espanhol com uma loja, tinha ali uma loja, esse espanhol era quantos os moços arranjassem, quantos ele comprava. E em os comprando dava dez tostões - nesse tempo da vida barata -, dava dez tostões, quinze tostões (...) por um lagarto, coisa e tal, tal, tal. E em o moço abalando, a gente estava-se a rir, e ele dizia: "Riem-se?! Eu como". Eles lá em Espanha chamam-lhe 'sardoni'. O lagarto, que a gente aqui diz lagarto, lá em Espanha é 'sardoni'. E o gajo, dizia ele assim: "Comam lá sardinhas podres, que eu como 'sardoni'"! E mamava-os que era o fim do mundo, o espanhol. E eu aquele dia comi e o gajo disse-me que era lagarto. E o caso foi que eu depois de o ter comido... Se ele me tem dito antes, talvez que eu não comesse. Mas comi e senti-me bem. Não me senti cá mal, não me fez mal nenhum e era bom! E era bom! Pois.
INF Tanto que eu gostava dessas amêijoas, uma sopa dessas amêijoas. Hã!, que coisa! Já tenho dito aí. Aqui este moço que está aqui na farmácia, que tem aqui esta casa, esta farmácia, ainda teve um armazém lá em Portimão. E um dia arranjou. Disse lá a um amigo e tal, e trouxe. Ah, trouxe uma 'pilharcada' disso! Tínhamos aí uma carne de porco, abrimos assim com carne de porco, essas amêijoas pretas.
INF2 (...) E era daquela amêijoa preta!
INF1 Pois, dessa. Com cada uma! Dessa mesmo boa, mesmo amêijoa, dessa preta! Oh! Trouxe aí quilo e meio ou dois quilos, que lá que lhe arranjou lá um gajo em Portimão (...) . Não sei se isso custou aí a trezentos mil réis, se foi trezentos e cinquenta o quilo. Está claro, arranjou aqui para este. Este tinha lá um armazém (...) de artigos de farmácia. Nunca mais! Nunca mais apareceu aqui nada disso. Já tenho dito a esse moço do peixe: "Ah, agora está muito cara", e isto e aquilo. Aparece aí com essa merda desses berbigões e dessa amêijoa branca.
INQ Pois.
INF1 Pois. Eu, o berbigão, uma vez comprou-se aqui um raio duns berbigões e fizeram mal aí. A gente lá em Monchique... Eu juntava-me lá com uma malta, lá em Monchique, e 'abríamos-os' lá numa lata. Abriam-se lá numa lata. O coiso com vinho branco e umas rodelas de limão, e comíamos e, eu cá nunca me fez lá mal. Uma vez aqui em casa, a mulher faz aí um arroz duns macacos desses, foi a gente aqui e foi aí uma remessa de gente aí, fez mal aí.
INF2 Ó Herodiano, isso foi a muita gente. Então eles não estavam já bons!
INF1 Não estavam bons!
INF2 E quem os comeu!...
INF1 Fez mal. E então nunca mais, e coisa e tal. Mas a gente lá, estou-lhe dizendo, juntámos lá, às vezes, uma remessa de malta, lá em Monchique, juntávamos ali (...) a coiso e tal, tal, tal. E 'abríamos-os' aí num tacho (...) com vinho branco e umas rodelas de limão, e coisa e tal. Bom! (...)
INF2 Então, não eram uns bons petisquinhos?!
INF1 Fazia ali uma petisqueira em bom!
INQ Pois, é muito bom.
INF2 Pois, é bom.
INF1 Ali aparecia muito! Em Monchique aparecia muito e mesmo aquela gente compram muito.
INF2 Mas aqui já não vinham frescos!
INQ Pois.
INF1 Pois.
INF2 (...) Já não estavam bons.
INF1 Não estavam bons!
INF2 As pessoas comeram-nos, fez-lhe um mal terrível!
INQ Pois.
INF2 (...)
INF1 São coisas que às vezes põem em frigoríficos, põem para coisa, e depois não têm vergonha de vender aquelas porqueiras, e depois quando vendem coisa e tal. Aquilo foi a gente aqui e foi mais gente. Houve aí mais gente.
INF2 Onde está ali o Jacob, foi ele e a mulher e foram os vizinhos.
INF1 Pois. Houve aí uma remessa de gente (...) que fizeram mal.
INF2 E a gente aqui, também aos que comeram também...
INF1 Fez mal.
INQ Olhe, e uns outros que faziam carreirinhos durante a noite? Saíam das madeiras...
INF1 Oh, também tão bons!
INF2 Ah isso!
INF1 Também tão bons! Ai cale-se daí! Se vossemecê (...) apanhasse uma injecção, que eu apanhei uma vez! Um amigalhaço meu - eu tenho muita história! -, um amigalhaço meu foi caminho do Algarve, fazer lá um negócio. Depois viu lá umas velas dum barco. Como eu tinha moinho, o que é que o gajo se lembrou? Diz ele: "Vou comprar aqui uma coisa dessas lá para o meu parente"! Era meu parente, o gajo. E vai e traz umas velas dessas. Ah! E depois aparece-me ali com aquilo. Digo eu: "Então não vês que isto está queimado já do mar, homem"! "Eh, parecia-me que tinha feito lá um negócio"! Eu aproveitei lá só umas cordas que lá vinham agarradas àquilo: "Tu não vês que isto está já queimado de lá da água do mar, homem?! Então isso não presta para aí, vou meter isto lá nas velas do moinho nem um raio"! Ah! Mas pus aquilo ali à porta do moinho. O Algarve, não havia casa nenhuma no Algarve que não estivesse atafulhada em percevejos. O Algarve é muito quente e isso é tudo bichos (...) de tecido quente.
INF2 Agora também já não há nada. Agora também já não há.
INF1 (...) É tudo bicho de tecido quente. (...) O tal percevejo era tudo bicho de coisa e tal, de tecido quente.
INF2 Isso era uma aflição. Era um bicho muito mau!
INF1 Olhe, fui um dia lá tirar às velas, e tal... Estavam ali à porta, pus aquilo ali (...) à porta do moinho, mas do lado de dentro. Ai, tanto percevejo, tanto percevejo! Desviei aquilo lá para fora, puxei-lhe o fogo. Então de noite tinha lá a luz acesa, estava o moinho trabalhando, tinham lá a luz acesa, dava em ver aqueles bichinhos além. Depois havia lá muita madeira no moinho, com buracos, deram-se em infiltrar, enchia aqueles buracos todos de DDT e vou-lhe dizer uma coisa: parece-me que quando me vim embora, que deixei lá o moinho, ainda lá ficou percevejos dum cabrão. Ainda lá apareceu essa porqueira.
INF2 Era uma bicheza!
INF1 Isso era a maior porqueira dum cabrão!
INF Quando uma pessoa é moços... Noutro tempo também havia uns moços que também brincavam com isso. Às vezes até lhe amarravam - porque eles às vezes também avoam -, amarravam-lhe às vezes uma linha. Os gajos, oh, dali a nada, desandavam com a linha lá para fora. Risos Isso é um bicho também engraçado, o tal escaravelho.
INQ1 Olhe, e um que ac-, acende uma luzinha à noite?
INF1 Ah, isso é os pirilampos.
INQ1 Chamam sempre assim?
INF1 Pirilampos. Não conheço... Fogos-fátuos. O nome disso, a gente cá, é pirilampos. Ele mesmo no livro está também. Ou pirilampo ou fogos-fátuos. Está os dois nomes, tem os dois nomes. (...)
INQ1 E nunca chamam caga-lume ou?...
INF1 Não. Não. Isso até é um coiso que aparece muito nos cemitérios, aparece muito. Os pirilampos ou fogos-fátuos. E em anos de inverna, em anos de inverna, aí onde às vezes há ervas, às vezes vai a gente andando, vê saltar. Saltam... Aquela luz - parece uma luz -, salta aquele bicho para cima e vê-se aquela luzinha. Aí em sítios verdes, assim onde há ervas, coisas dessas, aparecem também. E nos cemitérios então há muito! Pois. Dizem que é... Cá nos livros que eu li, diziam (...) que é do calor, que é do calor que a terra tem (...) . Deita aquele calor e aquele calor lá da terra, (...) dos corpos, deita então ali, e então cria muito aquilo. É onde se vê muito! Mas eu aí também, em sítios verdes, também vi muito bicho desse.
INQ2 Rhum. Mas já os viu...
INF1 E nos livros...
INQ2 Já os viu no cemitério, o senhor?
INF1 No cemitério aparece muito. No cemitério aparece muito. À noite, que a gente passe aí à porta do cemitério, que se ponha a olhar coiso, vê-se muito. Vê-se. (...) Pois.
INF2 Luzincus? Diziam porque de dia não se viam.
INQ1 Diga?
INF2 Luzincu.
INF1 Chamam luzincus também. Têm essa mania, pois, de luzincus.
INF2 Chamam-lhe luzincus. Que é que ele dá aquela luzinha!
INF1 A luzinha, pois. (...)
INQ1 Como é que é?
INF1 A gente cá, têm a mania, aí essa gente aí e coiso, chamam luzincus. Mas os nomes aí do livro ou pirilampos, ou fogos-fátuos.
INF2 Luzincus.
INQ1 Mas é o nome de cá é luzincu?
INF1 (...) Luzincus. Chamam luzincus. Mas aí nos cemitérios, se coisa, esses bichos que se vêem, coisa e tal, eu nos livros que vi, onde fazem essas explicações tinham isso.
INF2 Aparece aquela luzinha!
INF1 (...) Pirilampos ou fogos-fátuos.
INF1 Aqui na nossa zona nunca houve bichos nenhuns desses, que picassem aqui. Pois, (...) não faziam bem uma picadela dum bicho desses. Agora ao chegar a uma altura de coiso, isso é esses bichos mais coisos é lá das Áfricas, de países desses. Agora cá em países como o nosso, agora cá haver bichas cá agora aí que picam alguém?! É que muita gente tem muito medo duma cobra, isso é tudo asneiras! A cobra faz mal a alguém?! A cobra é um bicho, se você se chegar aqui assim (...) e estiver aí uma cobra, ou encontrar uma cobra aí em qualquer banda, pois se você se aproximar dela, ela começa lá com aquilo, fff-fff-fff, a assoprar, principalmente no Verão.
INF2 Ah!
INF1 Se for agora no Inverno, enrola-se aí, e coisa e tal, se você lhe der uma pancada mata-a. Se for no Verão, o bicho com o calor, e tal, tal, tal, começa a assoprar, mas ela tenta logo é em fugir de si!
INQ Pois.
INF1 (...) Não se quer aproximar de si.
INQ Claro.
INF1 Tenta é em fugir. Há muita gente é que tem essa mania que uma cobra e que isto e que aquilo. E se for ver uma cobra que esteja muito farta, e essa coisa toda, se lhe puserem um pé em cima e tentarem em coisa e tal, não tem (...) de deitar aí cinco ou seis ratos. Que aquilo sustenta-se é de ratos.
INQ Pois.
INF1 E então não tem (...) de deitar além pela boca, ou por o fundo, aí cinco, seis, oito, dez ratos. Uma cobra. Uma chufa, ali um bicho desses a um ponto e come aí uma remessa deles. Mas não é aí bicho nenhum coiso, e se for aí para dentro duma horta, essa coisa só faz lá é bem.
INQ Pois.
INF1 As cobras, os lagartos, os sapos, essa coisa toda. A gente é que tem essa mania (...) . Um sapo prega um salto e deita às vezes um esguicho de coisa. "Ah, aquilo faz mal, e faz assim, faz assado"! Os sapos não fazem mal nenhum nas hortas. É como os ouriços. Os ouriços só prejudicam, por exemplo, numa horta, é chegarem lá e levarem uma pera que está no chão, uma coisa dessas e tal. Mas quanto ao resto, o coiso, aquilo come muito rato, homem!
INQ Pois.
INF1 Come muito rato, come muito bicho que prejudica às vezes as hortas. Tanto que até há países... Ele no nosso país é que se come essa coisa toda. Mas se for à Alemanha e mate lá um ouriço que seja coisa de eles verem, tem uma multa que é um disparate! Não deixam matar ouriços! Porque sabem que os bichos, que aquilo são bichos que não prejudicam nada.
INQ Pois.
INF1 Aquilo não prejudica nada. E há muita gente aqui no nossas coisas é que é: "Ah, os ouriços assim, os ouriços"!... Aquilo é proibido até! Ele mesmo agora cá no nosso sítio é proibido! Que eles há aí gentinha que têm cães e vão à busca de ouriços para comerem. Mas aquilo coiso... Olhe, faz mais mal comê-los! Eu já comi uma vez um bocado (...) dum ouriço, estive aí uns dois dias sem urinar.
INQ Ah!
INF1 Aquilo tem um pêlo! Aquilo tem um pêlo por baixo daqueles picos, naqueles biquinhos, tem um pêlo tão fino, tão fino, tão fino, tão fino, que é preciso muito bem musgado e muito bem arranjado para se comer. Eu como um filha da puta daqueles, comi um bocadinho (...) dum fio daqueles, meteu-se-me cá na urina, estive uns dois dias sem urinar. Nunca mais quis tal coisa! Nunca mais! E houve aqui um além na Aldeia Nova que encharcou-se para além num, foi para o hospital, morreu lá. E há aí gentinha que come aquela coisa toda. Aquilo é preciso ser muito bem arranjado. Até há quem diga... Uns dizem que é aquilo, (...) que faz mal os pêlos. E há quem diga que a ouriça também quando anda às vezes... Que a ouriça é menstruada como a mulher, a ouriça.
INQ Ah!
INF1 E dizem que quando a ouriça anda com a menstruação, coisa, que prejudica, que faz mal. E agora a pessoa que vai comer aquilo sabe lá quando o bicho anda com isso ou não anda!
INQ Claro.
INF1 Não se sabe. Eu cá fez-me mal e ponho culpas com o ser daquilo que eu comi, (...) daqueles fiozinhos do coiso. Às vezes até podia a ouriça estar assim e coisa.
INQ Claro.
INF1 Então dizem que a ouriça quando está nessas condições que faz mal, que prejudica. Eu nunca mais comi! Mas há aí gente que dizem que têm comido toda a vida e que não lhe faz mal. Eu nunca mais comi tal coisa! E é um bicho que não faz mal a nada, eu não lhe estou dizendo? Esses bichos (...) só fazem bem, esses bichos aí no campo fazem bem. Comem ratos, comem porqueiras, outros bichos que prejudicam uma cultura de couve, que prejudicam uma cultura de batata, e essa coisa. Aqueles bichos comem essas coisas todas. Ah! É costume comerem-se, papam-nos. Comem-nos.
INF Isto está aqui uma coisa... Há uma coisa... Isto é engraçado. Noutro tempo, havia muito divertimento - no tempo da miséria, quando havia miséria - e o pessoal entretinha-se (...) . Aqueles que tinham muito, tinham automóveis, tinham isto, tinham aquilo e tal, tal, tal. Aquele pequeno nunca pensou - com licença - em possuir um automóvel, em possuir uma biciclete a motor, e coisa. E então tinha que ir para coisas lá que lhe pertenciam. E então qual eram as coisas que pertenciam? "Ah, eu vou para uma taberna, cantar uma modinha". Lá mandava assar um bocadinho de linguiça e comê-la. Não tinha aquela coisa e tal, tal. Hoje não existe já isso. Já não existe isso. Uma pessoa numa terra destas... Por exemplo, aí à rés duma estrada, aparece um restaurante. Então aparece um freguês de Lisboa, depois ao fim de um bocado aparece um do Algarve, passou no carro, e tal, tal, tal, tal e a taberna ali faz uma comida, faz uma coisa, e tal. E essa taberna tem uma saída. Aqui, nestes sítios, já não acontece isto. E não acontece isto porquê? Porque é já rara a pessoa, mesmo numa terra destas, que não possua já um automóvel. E essa gente hoje que possui já automóvel, já querem estar numa classe, já não querem saber da taberna. Vão mais depressa, por exemplo, passear aqui ou além, e vão comer depois lá a um restaurante desses. E vem o domingo, que eram os dias em que a gente fazia qualquer coisa numa taberna destas, um domingo que se aproveitava, pois é nos domingos que é os dias mais ruins numa taberna, numa aldeia. Porque aos domingos, toda a gente tem automóvel e aquele que não tem vem dalém o vizinho... Mas os automóveis são já muitos e os vizinhos são também muitos, e quando a gente dá-se notícia, ao domingo é um silêncio!... Se a gente estiver deitados até um bocadinho mais tarde, não se ouve rumor de nada. Parece a gente que está no monte. Aos domingos! Aos sábados e aos domingos parece a gente que está num monte! Não se ouve ninguém! A gente abre uma porta para vender um copo de vinho, essa coisa, pois marchou-se tudo: um foi para a praia, outro foi para uma ribeira aí comer um petisco, outro foi para outro lado. Têm automóveis! Têm os carrinhos para a coisa e tal, tal. E em vindo outro certo tempo, têm os carrinhos, aos domingos vão à caça, coisa e tal, tal. E os domingos numa terra destas - sábados e domingos - são sempre mais ruins. E depois aos dias de semana vão trabalhar e pronto, aparecem... É sempre uma ruína. E essas casas que estão aí perto da estrada nova são (...) uns restaurantes que, em tendo uma casa bem arranjada, defendem-se bem. Defendem-se. E um tipo aqui numa terra destas não se defende com uma taberna. Não se defende com uma taberna porque aos domingos - que é o dia em que a gente fazia, no outro tempo, dinheiro -, ninguém tinha automóvel, vinham para uma taberna, cantavam, e pulavam, e isto, e aquilo, e tal e estava tudo muito bem. Agora não! Agora têm automóvel, querem lá saber agora de estar aqui em Montes Velhos, em vindo o domingo! Marimbam-se em Montes Velhos e vão-se embora. Vai-se tudo embora. Ninguém quer estar aqui.
INF Se for (...) aqui a cem metros, ou coisa, aqui onde é a estrada nova que vai para Lisboa, e aqui se pusesse um restaurante... Ali em Canhestos estão dois - está um dum lado, outro doutro e tal, tal - e se for lá têm sempre gente e essa coisa toda. Se aqui (...) se pusesse um restaurante ou uma bomba de gasolina... Aqui só há gasolina em Aljustrel ou depois em Grândola. Não há aí mais nada. Mas se pusesse aqui perto um restaurante, ali com uma bomba de gasolina, e essa coisa toda e tal, tinha ali fregueses.
INQ Claro.
INF À rés da estrada nova! E depois esses fregueses são sempre assim uns fregueses bons. Porque você chegou a (...) um restaurante desses, eu não a conheço de lado nenhum, tanto se me dá levar-lhe cento e cinquenta mil réis como duzentos; e você achou caro, saiu da porta e disse assim: "Filho dum cabrão, cravou-me aqui com mais cinquenta paus que a conta". E eu fiquei cá os duzentos paus e digo assim: "Aquela magana! Vai passear os parentes, não te conheço de lado nenhum"!... Você vai-me arrematando que eu levei-lhe muito e eu fico-a arrematando que devia-lhe ainda ter mamado mais cinquenta, e não coiso. E depois quando você desanda de lá, que vai para lá para os lados de Lisboa, vem outro para o lado do Algarve, papa esse que vai para o lado do Algarve. E são sempre caras desconhecidas. E aqui a gente, qual é depois o freguês que se não tem alguma... Vem ali o vizinho ou outro não se lhe vai cravar (...) , que depois ainda vai acabar com algum que tem. Ainda vai acabar com algum freguês e é sempre miséria, ámen. É sempre uma miséria. Eu fui multado aqui uma vez. Veio aqui uns, dos fiscais, multaram-me aqui em dois contos. Paguei dois contos. Estava vendendo o vinho, custava-me o vinho a vinte e nove escudos e trinta. Tinha um de trinta, outro de vinte e nove. Estava vendendo a trinta e cinco mil réis, o litro - uma diferença de cinco escudos em litro. E eles queriam que a gente só ganhasse três mil réis, multaram-me em dois contos. Foram além àquele meu vizinho, fizeram-lhe o mesmo, outros dois. Foram a outro que estava aqui deste lado, fizeram-lhe o mesmo, outros dois contos. Foram ali a outro que estava daquele lado, outros dois contos. Só a gente os quatro aqui... Os outros não coiso porque eles depois fecharam as portas.
INQ Pois.
INF Assim que deram notícia fecharam as portas. Mas a gente os quatro aqui fomos caçados. Estornaram-nos oito contos por estar vendendo o vinho com três mil réis. (...) Veja a diferença que há. A mesma garrafa de vinho que a gente vende numa taberna, que não pode vender por mais de quarenta escudos, a mesma garrafa de vinho, se estiver ali daquele lado um café e for pôr essa garrafa de vinho e você vier comprar a minha casa, não a pode comprar e eu não lha posso vender por mais de quarenta escudos. Está tabelado o preço. Mas se você for a um café defronte e tenha lá a mesma garrafa, iguais, compradas ao mesmo gajo e essa coisa toda, você já pode vender uma garrafa dessas por setenta mil réis. Num restaurante, numa casa (...) do café, pode vender uma garrafa dessas por setenta escudos; a gente numa taberna não pode vender mais por quarenta. Queriam que a gente estivesse ganhando três escudos num litro de vinho! Ora diga-me lá quantos litros de vinho é que uma pessoa tem de vender durante o dia para tirar um ordenado... Ordenados como há hoje! Qualquer desgraçado ganha quinhentos mil réis ou seiscentos. Qual é o ordenado que uma pessoa tinha que tirar numa taberna?! Quantos litros de vinho tinha que vender?! Porque o vinho que se vende mais aqui no coiso, (...) não é aos meios litros nem coiso, é aos copos. É por isso que um homem enceta um garrafão de vinho, de cinco litros, de manhã para vender aos copinhos, copinho a um, copinho a outro e, parte das vezes, vem à noite, ainda tem lá o garrafão com metade do vinho. O que é que isso dá? (...) Dá hoje dá ele nos restaurantes, onde, por exemplo, põem-lhe além no meio litro de vinho que você bebeu logo um litro de vinho. Você chegou com duas ou três pessoas, eles papam-lhe ali duzentos mil réis a cada pessoa e põem-lhe ali mais xis para isto, mais xis para aquilo, e quatro pessoas, ali num restaurante, papam-lhe ali uma nota de conto, ou um conto e quinhentos, ou uma coisa. E a pessoa hoje está já... Há dinheiro, pagou e foi-se embora. Não, as tabernas aqui não dão nada, isso não dá nada. Não é negócio que dure. E eu (...) tentei em acabar com isso. Não era só (...) até o dar, nem isso, nem aquilo. Eu, agora ultimamente, (...) não me fazia diferença, não coisa. É mesmo que vi (...) que não tinha necessidade nenhuma de estar já a aturar chatices. Pois eu não tenho ninguém. Tenho três filhos; aquele tem além a vida dele; os outros têm a vida deles também; e eu estou sozinho mais a mulher. Tenho alguma vontade de estar agora a aturar moengas?!
INQ Pois.
INF Levava uma vida inteira, com sessenta e quatro anos. Agora mais meia dúzia de anos que uma pessoa cá está, está agora sujeita a aturar agora chatices. Chatices! Eu negociava em cereais, tinha uma fragonete. Negociava em cereais, negociava em gado, tive aqui um talho... Eu acabei com isso tudo. Larguei isso tudo da mão. Até hoje mesmo quando aparece um a vender-me qualquer coisa, digo: "Não, não. Olha, vai para aí ao coiso, que eu não te compro nada". "Porquê"? "Porque eu não quero"!
INQ Pois.
INF Quero eu agora cá chatices! Pois.
INQ Olhe, aqui não havia antigamente, o senhor já não, não deve ser do seu tempo, que havia terras que pertenciam a toda, pertenciam, eram de todos?
INF Para aqui na nossa zona, aqui na nossa zona... Pois, foi muito antigo. (...) Essas coisas aqui na nossa zona, foi muito antigo, está a perceber? Foi muito antigo. Apareciam aqueles ministros, nesse tempo, com mais vista, mais 'engatunados', olhavam e faziam. Aqui à frente (...) há aqui uma propriedade que é a Alagoa. Está aqui uma propriedade que é a Alagoa. E havia aqui um macaco, que era o senhor que é Hipócrates Honório.
INQ Sim.
INF Um gajo rico. Ah, mas é um gatuno de marca! Era um gatuno de marca, esse Hipócrates Honório. E não tinha filhos, nem nada, o bicho. Não tinha filhos. Até unicamente enganou aí uma mulher e pegou no moço, que mandou um criado pôr o moço em Messejana, (...) esse macaco. Mandou pôr o moço em Messejana. Uma filha! Uma filha. E mandou pôr a filha em Messejana. Pois, nesse tempo havia os tais que lhe chamavam a isso enjeitados. (...) Iam pôr os moços à porta das pessoas. Puseram lá a mocinha. A mocinha à porta duma pessoa, a pessoa estava do lado de dentro, ouviu chorar, e quando se levantou estava uma moça dentro duma alcofa, lá à porta. Depois levou a moça lá para casa e tratou da mocita e tal, tal, tal. E mais tarde, ele sempre lhe deu assim consciência e mandou-a buscar. Não foi o coiso, foi mais tarde. Foi a mãe aqui do Homero.
INQ Rhum.
INF Uma senhora que tem aqui uma drogaria, ali onde vocês estiveram esta manhã, aqui no largo.
INQ Rhum-rhum.
INF (...) A mãe desse rapaz era filha desse Hipócrates Honório, uma criada que ele tinha em casa e enganou-a e então depois fez esse trabalho. Mas esse gajo tinha ali a Alagoa. Era um grande pirata! Pegava lá num criado e tal, tal, tal, tal, e pois aquilo eram umas charnecas - havia ali umas charnecas -, pouco ligavam ao terreno; noutro dia, pegava nos marcos, ia mudando neles. Foi mudando neles, foi mudando neles - ah, filho dum cabrão! -, mudou ali da Alagoa para uma propriedade, que é a Boiadeira. Mudou ali aquilo quase tudo com uns marquinhos lá à vontade dele. E depois mais tarde foi andando com os marquinhos, apanhou a Senceira - uma propriedade que é a Senceira. E ninguém queria saber também daquilo, fez lá um monte e arranjou lá aquela coisa toda e pôs-lhe lá o monte da Senceira. (...) E depois foi indo, foi indo, o gajo chegava a Sines, com aquela brincadeira, o cabrão. Risos Daqui de ao pé de Montes Velhos chegava a Sines. Abalou, abalou, o pirata, ele abalou coisa... Aqui era a Alagoa, e apanhou a Boiadeira e apanhou a Senceira. Mas lá pegado com a Senceira há um monte que é o Manguelho. (...) E estava lá gente já morando nesse monte. Que o lavrador Honorato, ainda conheci esse homem... Era o lavrador Honorato, que ainda conheci. Aquele Hipócrates Honório não tenho ideia mas o outro conheci lá, o lavrador Honorato. E esse um dia foi dar com os marcos da Senceira já lá quase todos dentro do Manguelho. Oh, o gajo ia indo, chegava ao mar! O bicho era um pirata da primeira apanha! Chegava, coiso e tal, e era daqueles gajos da justiça, de coisa e tal, e ninguém lhe dizia nada. Ia para aí indo e pronto. Ah, mas lá o Honorato do Manguelho - que eu conheci ainda bem - foi dar com os marcos e foi logo lá caminho do monte. Foi lá caminho da Senceira, foi dar com o feitor: "Afinal, aqueles marcos estão já lá tão longe, que jeito tem aquilo, e tal. Ah, por acaso eu já os colhi. E eu não me importa de eles serem lá postos. Mas tem que ser o seu patrão. Não é você que os vai lá tanchar. O seu patrão é que os vai lá tanchar. E eu deixo já aqui dito para o seu patrão estar lá tal dia de manhã, que eu estou lá de manhã, que é para a gente tanchar os marcos". Mas ao outro dia, com uma espingarda às costas, e ia contando se ele fosse lá para deixar os marcos, matava-o lá. Deixava-o lá morto. E ele achou que o negócio para ali para aquele lado que não foi assim muito bom e então o outro pegou nos marcos, vieram-lhos tanchar cá no lugar da Senceira e lá para o lado do Manguelho já não foi. Foi quem o segurou, senão o cabrão ia parar ao mar! Risos (...) Só o mar é que segurava o bicho. Só o mar é que segurava o bicho. Mais tarde acabou por morrer... Sabe o que é que o pirata dum cabrão ainda fez? Acabou por morrer e a família, os outros Honórios... Aquilo era uma família que era Hipócrates Honório. E havia uns lá na Peroguarda... Se vocês falarem lá na Peroguarda, eles ainda há lá, muitos Honórios.
INQ Já ouvi falar. Já ouvi falar dessa família.
INF Há lá uns Honórios (...) da raça desse bicho. Esta dita filha casou e o marido, um parvalhão qualquer e a querer tudo e também, guloso, mas guloso mas daqueles gulosos parvos, de lhe darem qualquer coisa... O Hipócrates Honório morre e ela, como filha - toda a gente sabia; pois estava ainda aí o feitor, esse que a tinha levado dentro duma alcofa para Messejana! -, sabendo que ela que era filha dele e estando ainda aí o homem e essa coisa toda, havia alguém que lhe tirasse aquela fortuna? Ninguém! O que é que o cabrão faz? Quando morreu, deixou tudo para os sobrinhos! Só tinha sobrinhos, não tinha filhos! Tinha aquela filha, mas chegou-se para trás, que não tinha filhos, que não tinha filhos, e deixa tudo aos sobrinhos. Os sobrinhos muito macacos chamaram o marido dessa senhora e disseram-lhe e coisa... Depois toda a gente dizia: "Vai coiso homem! Vai coiso, que vais mamar aquilo. Vai caminho de Beja! Vai caminho dum advogado que aquilo é tudo teu, a Alagoa e a Senceira e a Boiadeira, isso é tudo teu, homem! Isso é tudo teu, homem! (...) Então se a tua mulher é que é a filha (...) "! (...) Mas os outros todos ministros (...) - e moravam aqui uns -, o que é que fizeram a esse gajo, o marido dela? Chamaram-no: "Então que conversa é essa? Deixa-te lá disso, homem! Toma lá vinte mil reizitos e vai coiso". Ele gostava muito duns copinhos, ia beber vinte mil reizinhos de vinho. No outro dia: "Espera lá, vai lá aqui a casa, toma lá um alqueire de farinha". Foram-no contentando com essas merdas, filho dum cabrão deixou passar aquela merda toda, não apanhou nada. Não apanhou nada.
INQ Pois.
INF (...) Deram-lhe um alqueire de farinha, deram-lhe uns vinte mil réis. Era o pai do Homero, guloso!
INQ Pois.
INF Guloso! Vinte mil reizinhos. "Toma lá cinco, toma dez". Lá os da Peroguarda e os outros mamaram a Alagoa, mamaram a Senceira, mamaram isso tudo. Tudo gajos ali que não tinham falta nenhuma daquilo. E este, parvalhão, não apanharam nada. Não apanharam nada.
INF1 O que eu comia que eu gostava era o tal pão, o de cão, pão de rolão, que amassavam (...) para os cães.
INF2 Pois.
INF1 Então e eu não gostava daquilo?! Comia aquilo!
INF2 Aí nos montes.
INF1 Nos montes faziam (...) .
INF2 Aí nos montes. Nos montes faziam essa coisa.
INF1 Lá no monte do meu padrinho, tinham lá cães e depois (...) amassavam o comer.
INF2 Aquele pão de rolão.
INF1 Ali o rolão, amassavam (...) para os cães.
INF2 Para os cães. Não tiravam o rolão da farinha.
INQ Pois.
INF2 Não tiravam o rolão (...) .
INF1 (...) E eu era miúda, eu gostava de comer aquilo! Eu e outros miúdos comíamos!
INF2 Ah, até eu! Então e a gente achava diferença: o pão aí dos montes era sempre (...) ... Está claro, era (...) gente que amassavam muito.
INF1 As nossas mães zangavam-se com a gente. E a gente era comer o comer de cão. Ah, mas a gente gostava!
INF2 Amassavam muito, e depois davam as esmolas. Nesse tempo, nos montes, davam esmolas, para os pobres, e tal. Alguém que ia coiso, vá, um bocadinho de pão. Metade dum pão, que havia uns panitos pequenos, cortavam o pão ao meio e davam metade dum pão a cada um, e tal. (...) E então esse pão era sempre (...) mais mal trabalhado, que era, por exemplo, numa casa como a minha. E esse pão ficava sempre um bocadinho doce. Doce. Deixavam o pão doce. E coisa e tal, tal, tal. E a gente quando era moços... Eu cá uma vez - ainda me lembra de ir uma vez - fui além ao Carregueiro mais um. Depois vínhamos com a fome. Fomos ao Carregueiro, e de Aljustrel, nesse tempo, só havia a estação do Carregueiro. E essa gente tinha uma loja e fomos. O moço desafiou-me para irmos numa carrinha e fomos lá ao Carregueiro. Quando viemos para cá, (...) diz-me o moço assim: "Vamos pedir uma esmolinha aqui à Minhota"? A Minhota está ali à beira da estrada. "Vamos". E eu fui. Então eu usava uma boininha, pus a boininha assim nos olhos e fui. Lembro-me de ir. Tinha para ali uns sete ou oito anos. Lá pedi uma esmolinha lá à coisa, à lavradora da Minhota. Ah, batemos à porta, quem é e quem não é , mas a mulher viu logo que era gente preparados, bem preparados, começou logo a mirar. Diz: "Hm! Vocês não têm tipo de"... E (...) deixámos a carrinha cá na estrada, eu mais o moço do Hipólito, do Hipólito do Monte Espada, o mais velho.
INF1 Ah, o Honorino.
INF2 O Honorino. É com certeza mais velho do que eu, tinha mais uns dois anos de que eu. Ele tinha aí uns doze anos ou coiso, e eu tinha uns nove ou dez, uma coisa dessas. E então fomos. A gente já tinha um bocadinho de grisa, de fome, e coisa e tal. E depois a mulher vem de lá, mas a mulher achou logo a roupa assim muito coisa, muito... Calçadinhos (...) e bem preparados, a mulher ficou logo assim sem acreditar . E então começou a fazer perguntas: "E então tu és de quem? Então tu és de quem"? A perguntar a ele. "Eu sou filho do senhor Hipólito do Monte Espada", e tal, disse o outro. "Eh, então o teu pai tem lá uma loja, então e agora 'viestes' à esmola"?! "Ah, olhe, a gente ia passando aqui" - ele era assim muito desenrascado - "a gente ia passando aqui e tínhamos fome, viemos pedir um bocadinho de pão". E ela cortou um panito desses lá do monte ao meio e deu metade a cada um. Depois pôs-se a olhar para mim e eu pus a boina assim, e eu não lhe queria dizer coisa e ela de roda de mim. "Então este é do Hipólito do Monte Espada, então (...) e tu és de quem"? E eu nada, e eu nada. Não lhe disse nada, e eu agachado. Agachava-me. Nada. O outro cabrão era muito coiso, era muito assim, muito alarve, assim que ela apertou ali duas vezes, diz ele: "E aquele é do Horácio". "Ah"! Diz logo a magana da Jaquelina: "Então esse é meu primo! Então esse é meu primo! É por filho da prima Isabel? É filho da prima Isabel castelhana"?, e tal, tal, tal. "Olha, come". "Então a ver se me dás bocado de pão, que eu já te digo"! Assim que lhe apanhei o tassalho de pão, raspei-me, fui-me embora! Risos Não fazia já o mesmo. "Quem era? Quem era"? Digo: "Vai passear"! Oh, então e cale-se daí! Depois sentámo-nos na carrinha, viemos comendo o panito até cá à vila. "Ah, panito tão bom, homem! Ah! Estou mesmo com vontade de voltar para trás e ir buscar"! Pois se eu não tinha cá pão melhor em casa que era aquele! Mas o pão era assim doce, e coisa, e era a fome, que eu tinha fome. Mesmo sem conduto. Se fosse cá em minha casa não o queria, sem um bocado de queijinho, ou um bocado de linguiça, ou qualquer coisa. Mas aquele papei-o muito bem, soube-me bem. Risos Aqui, dizem que o melhor conduto que há que é a fome.
INQ É a fome.
INQ1 Ó senhor Herodiano, e ce-, cevada não se cultivava?
INF1 Cevada? Para efeitos de quê? Pão?
INQ1 Sim.
INF1 Para efeitos, cevada branca, também. Também. Cevada branca, também se fazia pão. Fazia e hoje não sei... Ele também deixaram muito , e coiso. Mas houve altura até que a gente era obrigados. Eu ainda tive uma altura, quando trabalhava nos moinhos e moagens e coisas dessas, era tudo obrigado... Chamava-se a isso a mistura. Tinha que se fazer mistura. Era obrigado. Em cada cem quilos, tinha que se meter, por exemplo, dez por cento, ou de milho, ou de cevada branca. Era obrigado. Vocês já não são desse tempo. Foi numa altura em que houve racionamento. Estava tudo racionado, (...) vocês devem ter ouvido falar nisso.
INQ2 Sim.
INF1 Era tudo racionado. Era por meio dum livro. (...) Toda a casa tinha um livrinho, e coisa. E havia uma casa onde a gente ia lá dar contas, chamava-se a Comissão Reguladora. E depois lá vinha. A casa só tinha direito por semana a meio quilo de açúcar - conforme as pessoas que tinha -, só a dez quilos de farinha, só a meio quilo de massa, a um pacote de arroz. (...) ...
INF2 Um pacote, não. Nesse tempo nem sequer era (...) pacote.
INF1 Nesse tempo, (...) não havia pacote. Era duzentas e cinquenta ou meio quilo de arroz.
INF2 Duzentas e cinquenta.
INF1 Pois, houve um tempo desses. Eu já apanhei esse tempo.
INF2 Era um tempo que se vendia tudo avulso. Agora já não.
INF1 Tudo avulso.
INQ2 Claro.
INF1 Ainda apanhei esse tempo, o tempo do racionamento.
INF2 Hoje é tudo empacotado e é tudo pacotes já é de quilo.
INF1 Era tudo racionado, tudo, tudo, tudo, tudo. Pois.
INF1 Nesse tempo, às vezes quando era assim...
INF2 Pois.
INF1 Porque isso cá fora de povos, assim coiso, não tinha dúvida. Mas, por exemplo, ali em Aljustrel, Aljustrel, pois, é um meio grande e havia muito pássaro, muito pardal. E o pardal faz muito mal. Oh, pois, se ali aos arredores, se havia ali uns farrejais, algum que se descuidava a semear ou cevada branca ou trigo, pois via-se à nora porque os pássaros andavam por cima daqueles telhados e lá dos telhados voavam e iam-se caminho daquelas searas. Algum trigo que vinha assim mais cedo, quando um gajo lá ia, não estava lá nada. (...) Era só as... Parecia uns espiguitos ali. E punham um coiso, depois vieram os espantalhos.
INF2 Punham espantalhos! Um pau tanchado com uns trapos, faziam o jeito dum boneco.
INF1 Uns trapos. Até faziam bonecos. (...)
INF2 Pois. E iam com um saco qualquer...
INF1 Havia sítios que faziam bonecos. (...) E havia quem fizesse moinhos, moinhos de cana, uns moinhos grandes de cana e punham-se lá. Em o vento lhe dando, aquilo fazia ali um barulho que era um disparate e os pássaros voavam. Mas haviam alguns que tinham já tanta prática disso que, às vezes, iam pousar mesmo em cima do moinho. E quando se punham lá bonecos, ora, às vezes, ia a gente lá, até a cabeça do boneco estava já cagada dos pássaros! Até lhe cagavam em cima a dar cumprimentos ! Que o que eles queriam era comer! Risos Havia coisa, e havia gente, coitados, davam lá uma volta e agarravam-se a um latão, a uma coisa, e davam em dar voltas naquilo, desaparecia tudo. E um ano, lá ao pé do moinho, havia lá uns eucaliptos lá da mina, e aquilo era muito certeiro lá em pássaros e em pardais - havia muito pássaro nesse tempo, muito pardal -, os cabrões mamaram-me a cevada branca que eu lá tinha. Mamaram-ma toda!
INF2 (...) Ali onde é o correio, agora já é tudo cheio de casas, ali era certo, (...) era tudo terreno para semear.
INF1 Semeava-se ali onde estão essas casas...
INF2 Semeavam (...) até mesmo ali já rente quase (...) ao correio.
INF1 Onde estão essas casas que vocês falaram aqui ontem à noite, essa parte toda aí por aí abaixo, direito lá à avenida, lá em baixo, essa zona toda donde estão esses prédios aí coiso, isso era tudo semeado. Aquilo era terreno da Câmara e a Câmara semeava ali, cevadas mesmo. Porque eles tinham sempre duas, três bestas lá no matadouro para carregar a carne, e bestas para carregar o lixo. Nesse tempo, o lixo era todo carregado em carrinhas, em coisas, tinham sempre duas ou três bestas. E então a Câmara semeava ali aquilo tudo de cevada. Às vezes, sobrava-lhe até vendiam a pessoas (...) que tinham falta, que tinham animais, vendiam ali bocados. Pois isso era tudo semeado ali, tudo, tudo, tudo, ali por aí abaixo, até lá à avenida, aquela parte toda até à avenida, até lá quase (...) donde há umas bombas de gasolina.
INQ Rhum.
INF1 Lá em cima, uma parte que chamam a casa ali do Ivo, onde há uma oficina...
INQ Sim.
INF1 Tem umas bombas de gasolina ali à direita. Aí onde estão essas bombas de gasolina, havia ali um chafariz onde a gente ia dar água (...) às bestas. E na banda de cima, havia ali um poço - ainda lá está, esse ainda lá está -, havia ali um poço que era também da Câmara, como é que se chamava além àquilo?
INF2 Era a Romeira.
INF1 Era a Romeira.
INF2 Pois.
INF1 Aquilo era conhecido ali por a Romeira. E vinha a água de lá, tinha lá um coiso...
INF2 Tinha umas torneiras, punha-se lá... Ia-se lá encher as bilhas.
INF1 Pois, porque a gente enchia lá as quartas ou barris. E de lá vinha um tubo que vinha parar cá a esse coiso onde a gente chegava ali e, por exemplo... É que mesmo a cavalo na carrinha, o animal chegava lá e bebia. Tinha ali um chafariz. Ah, pois isso foi-se modificando, acabou tudo, o Ivo pôs lá aquelas bombas de gasolina e isso desapareceu, essa coisa toda.
INF1 Então a minha mesa (...) tem alturas que...
INF2 O meu filho conhece também gente em muita banda. Esteve na tropa com muitos macacos, uns daqui, outros dalém. E então em lhe dando na cabeça vinham-lhe fazer visitas. E depois vão lá a Aljustrel. Mas a minha nora, ele não está lá, (...) mandam as visitas para cá.
INF1 Às vezes, está cá...
INF2 Está a perceber? E então quem carrega com a burra é o pai. Um dia, eles foram lá, ele não estava lá, disseram que eles estavam cá - até estava aí a minha nora, ou a minha nora veio também...
INF1 Veio? Não, estava ela cá.
INF2 Ou estava ela cá. E vieram à busca do Hortênsio aqui. Mas vieram (...) um de Lisboa que esteve (...) no coiso com o Hortênsio.
INF1 Eram dois casais.
INF2 E então trouxe a senhora e os meninos. Depois que viram lá um vizinho que não conhecia o meu Hortênsio mas veio conhecê-lo - e veio-me conhecer a mim também -, veio também e a senhora e os meninos. Bem, não era lá mais nada, (...) estive a contá-los todos, eram dezassete pessoas! Risos Eram dezassete pessoas. Olhe, não lhe digo nada! Foi aí, e coisa e tal, depois vai mais isto e vai mais aquilo, paparam-me cinco litros de vinho.
INQ Bolas!
INF2 Paparam-me uma garrafa (...) - era tudo daqueles gajos que bebem bem! -, paparam-me uma garrafa de brandy. Foi no café, com o café, com a bica, paparam-me uma garrafa de brandy. E as senhoras gostaram de tudo quanto apareceu...
INQ Tinham bom boca!
INF2 Por acaso foi.
INF1 Pois. Até por acaso era assim neste tempo, lá mais já um bocadinho à frente, que é no tempo da fava verde.
INF2 Por acaso foi.
INF1 Até fiz-lhe uma favada.
INF2 Cinco quilos! Cinco quilos de favas esburgadas, com toucinho e chouriço. Favas com toucinho e chouriço.
INF1 (...) E depois uma cachola de borrego frita, em cima.
INF2 E depois uma cachola de borrego frita, em cima, e mais uns bocados de carne. Depois em cima ainda mais uns bolinhos e umas coisas, (...) e café, e mais uma garrafa de brandy. Aquilo, no tempo, era... A vida, nesse tempo, ainda era um bocadinho barata, mas (...) já me deviam ter enrolado ali uns dois contotes. Risos A vida era barata, mas aquilo foi coisa e tal, e tal, todos... (...) Com os amigos do meu filho lá da tropa! Risos
INF2 Tomara a gente saúde! É preciso é termos saúde.
INF1 Acaba a gente por se rir, então o que é que a gente lhe há-de fazer?
INF1 Havia um rodo em madeira que quando era assim muito coiso... Quando era coisas poucas, mesmo a gente com um rodozinho pequeno fazia esse trabalho. Mas quando eram coisas grandes... Tinha umas cordas - esse rodo tinha umas cordas -, metiam-se lá as bestas, e os animais puxavam e eu mais eles que juntavam aquilo.
INQ E não havia também uma espécie dumas vassouras, duns basculhos?
INF1 Pois. Essas vassouras era para varrer depois (...) a semente. Para juntar a semente toda no meio da eira, tinha que se varrer toda. Pois.
INQ Olhe, e quando se atirava a, a, o trigo ao ar, o que é que se dizia que se estava a fazer?
INF1 Ah, estava-se limpando. Era limpar o nome disso.
INQ E o que é que saía, o que é que voava?
INF1 (...) Temos que começar... Ah, palha. Palha e moinha. Aquela moinha do trigo, aquela pragana do trigo, e a moinha, e terra que tinha, por exemplo, a eira, que deitava aquela terraria, saía tudo. Deitava aquela moinha.
INQ E depois, e depois ainda tinham que... Ainda não estava o t-, o trigo pronto para ensacar?
INF1 Pois não. Então depois (...) ainda era junto, ainda era passado à forquilha outra vez para deitar ainda algum resto fora, e depois mais tarde... Como é que era o nome que a gente?... Iria!
INF2 O que é?
INF1 Como é que a gente dava depois o nome para se pôr assim, quando se juntava o trigo assim (...) , que se fazia um quadro? Fazia-se aquele quadro...
INF2 Sim.
INF1 Tirava-se a palha, e depois fazia-se aquele quadro...
INF2 Pois.
INF1 Fazia-se... (...) Fazia-se um quadro com coiso. Mas isso também tinha um nome. A gente dava um nome, eu também não me lembro.
INF2 Pois tinha. Eu cá é que não me recorda agora o nome disso.
INF1 Também eu, não me lembra. Tanta vez que eu fiz isso! Pois.
INF2 Hum, não chego ao nome.
INF1 Era o rechego.
INF2 Rhum?
INF1 Fazia-se o rechego, com a mão, assim, o rechego.
INF2 Ah, lembra-me, lembra-me.
INF1 Era o rechego. Chamava-se a isso, quando se juntava além em quadro, "Ah, (...) temos que despachar isso que ainda não fizemos o rechego".
INF2 Era .
INF1 Pois fazia-se o rechego era rechegar aquilo tudo, fazia-se assim em quadro. Depois ainda era tornado a jogar ao ar... Eu, por exemplo, ia com uma forquilha deitando, saindo (...) já depois já ia saindo muito trigo já limpo. Essa coisa toda . Mas depois vinha uma pessoa atrás com uma pá de madeira - com uma pá de madeira -, esse depois é que (...) ia sacudindo lá no coiso. E deitar aquilo tudo que tinha o seu jeito. Quer dizer que o vento estava, por exemplo, além daquele lado e a gente tinha que deitar a semente contra o vento (...) , porque ela, mesmo no ar, ficava a semente mais pesada, ia para um lado (...) e a palha voava para o outro, está a perceber? E depois disso então tudo junto, é quando chegava já esse que vinha trabalhando com a pá; esse que vinha já trabalhando com a pá, já o ia juntando em moitão. Quando a gente acabava de fazer o rechego e que deitava o rechego já ao ar, já estava aquilo tudo feito então em moitão. Depois de estar em moitão, ainda aparecia uma espiguinha, que era alguma coisa mais pesada que caía junto ao trigo, ou alguma pedra mais grada da eira que caía junto ao trigo, nessa altura depois usava-se um coiso grande, chamava-se um arneiro. Um arneiro. Eu até (...) tenho um coiso desses ainda. Mas (...) está lá à do meu genro. Um arneiro. E então nessa altura, punha-me, por exemplo - eu ainda fiz isso muita vez -, eu dum lado e a minha mulher do outro, e havia um com uma alcofa, varríamos ali um bocado da eira para fazer aquilo mais limpo... Quer dizer que o trigo estava aqui junto e a gente depois íamos para além. A minha mulher punha-se lá daquele lado, eu punha-me cá deste, e o outro ia com uma alcofa ia carregando o trigo para lá. E a gente púnhamos só a trabalhar, a trabalhar, a trabalhar, e o trigo a correr, e aquelas praganas, coiso, (...) não caíam, nem as pedras gradas, nem isso, ficava além coiso. Em ele lhe deitando além três ou quatro alcofadas de trigo, que se juntasse além muitas, tirávamos ali para o lado.
INQ Como é que se chamavam esses bocados?
INF1 (...) Isso que ficava depois eram os cachos. Chamava a gente... Dava-se-lhe o nome de cachos.
INQ Rabeiras.
INF1 Punha-se além de lado. Ia-se pondo além de lado. E esses ditos cachos, no outro dia, iam-se jogar para dentro do calcadoiro. Iam para dentro do calcadoiro, iam indo coiso, coiso. Quando fosse o último dia, esses cachos depois eram então batidos com um bocado dum pau. Batiam-se esses cachos com um pau - a pessoa que queria! A pessoa que não queria, deixavam isso depois para dar a umas galinhas. As galinhas, isso em apanhando aí uma espiga, também penicam e comem o trigo e deixam lá o resto.
INQ Rhum.
INF1 E então a gente havia quem fizesse isso. Mas quem tinha mais assim de debulhar: "Oh, sobraram aí os cachos". Esses cachos eram postos depois no outro dia dentro do calcadoiro. Jogavam-se logo além no meio da eira, estrambalhava-se, ficavam pelo meio da eira. À tarde, sobravam outros cachos, no outro dia fazia-se o mesmo. Quando eram os últimos, enchia-se aí um saco ou dois daquela coisa, deitava-se às galinhas. A pessoa que não tinha galinhas e queria aproveitar, isso punha aí dentro dum coiso qualquer, dava-lhe aí umas porradas, dentro duma alcofa ou dum saco, dava-lhe ali umas pancadas, ainda, às vezes, arranjava ali um alqueire de trigo. Tinha que ser tudo muito esmifrado (...) por causa da barriga. Tinha que ser tudo muito apurado. É verdade.