INQ Os trabalhos todos que se faz durante o ano e em que mês é que se fazem, aqui no, nos Cedros, portanto?
INF Sim, a gente, praticamente todo o ano, o que se faz, praticamente todo o ano, é tratar das vacas. E isso é uma coisa que é indispensável, tem que ser todos os dias. É da manhã ordenha (...) e dar-lhe comida, e depois, por o dia adiante, ele praticamente não se está nas vacas, mas trata-se de outras coisas. Praticamente, agora aqui no mês de Janeiro não se faz muita coisa. Eu posso pegar aqui pelo mês de Janeiro que é a entrada do ano.
INQ Pois, pois, comece.
INF No mês de Janeiro, (...) cortamos os inhames (...) e praticamente é cortar os inhames, e tratar das vacas, e pouco mais. Nas quintas, mexe-se alguma coisa: já se pega a podar; pega-se já a cavar nas hortas para pegar a plantar o cebolinho, para couve ou praticamente todas as hortaliças. A gente já pega a preparar as hortas para quando chega ali a Fevereiro, a meado de Fevereiro, a gente já pega a semear as batatas, pega a semear o alho e a (...) cebola e praticamente tudo, a cenoura, praticamente tudo, cebolinho... Tudo o que se crie ali já em Fevereiro, isso pega-se entre Fevereiro e Março; é isso praticamente o que a gente vai-se entretendo nestas coisas aqui. E tratar das alimárias. Já ele em Março então já se pega a lavrar terras para batatas. (...) A gente bota o esterco, depois lavra-se com as vacas, ou com o tractor - conforme se quer, mas praticamente eu ainda lavro as minhas com as vacas -, pega-se a pô-las a curtir. Depois de elas curtirem, são picadas. Agora praticamente é só a gente... Noutro tempo, era sempre tudo com as vaquinhas é que a gente fazia tudo.
INQ Claro.
INF Agora já temos os tractores que vêm então picar as terras e a gente lá mete a batata (...) . Isto praticamente no mês de Março. Já no mês de Abril, a gente já pega a preparar as terras (...) para o milho de maçaroca. As vacas estão a comer, a gente vai lavrando atrás das vacas e pondo a curtir. E as terras curtem. E ali quando é de 20 de Abril, mais ou menos a 20 de Abril, a gente pega a semear o milho, a picar as terras e a semear o milho. Em Maio ainda se às vezes semeia algum, para, às vezes, para as vacas, milhos bastos, (...) e já se pega a calivar estes outros. Calivar e depois, já ali no fim de Maio, se pega a sachar. (...) E pega-se e vamos desenvolvendo, calivar e sachar, praticamente, a roçar a roça atrás das vacas, que é roçar o mantraste, e isso. Praticamente, agora monda-se menos. Em Junho, pois praticamente já em Junho se enterra o tremoço nos inhames, roçar o mantraste sempre, atrás das vacas, que (...) isto é continuação de todo o Verão. Todos os meses até ali ao mês de Outubro, a gente roça sempre atrás das vacas. Não temos outro remédio senão ir roçando, que ele no mês de Junho, isso acontece. Ele já no mês de Junho se aproveita as favas, que se semeiam também - que são semeadas agora ainda no mês do Natal. Mas no mês de Junho, a gente já... Ele malha-se as favas, depois venho apanhar outonos miúdos, ou tremocilha-charão, e praticamente assim estas miudezas, globa - que a gente chamam-lhe trevo-de-cabeça vermelha -, também lá (...) já em Junho, a gente aproveita toda (...) esses outonos. Depois passamos a Julho, o Julho é o mês que já, nesta altura, já não se faz muito. Quando era (...) há anos para trás, fazia-se muito, porque havia o tremoço que se malhava; havia o trigo que se cortava, que é ali na fim de Julho, já na entrada de Agosto. Praticamente o trigo foi uma cultura que desapareceu (...) por completo. O tremoço, até há dois anos, cultivámos sempre tremoço. Agora há dois anos para cá, pegou a dar uma doença no tremoço - que é uma doença que a gente até não conhece -, era como um bichinho que dava uma dentada a meio do torinho , pronto, ele virava e isso acabou. Acabou por não haver tremoço. Apenas conheço só uma pessoa aqui que tenha tremoço e só uma pouca coisa. Mas estava a ver se equilibrava aquilo, mas aquilo também (...) está a desaparecer, praticamente. Que isso era (...) ali no mês de Agosto havia essas coisas todas do tremoço e de esse resto de outono (...) que se acabavam de aproveitar. Depois vinha o mês... Isto eu estava a falar (...) do mês de Agosto.
INQ Em Julho ou...
INF Em Julho e Agosto. Pois, o mês (...) de Agosto, praticamente já ele ali para as fins de Agosto, (...) para aqui para a gente já não se faz muito. Na parte de tremoço já não há. (...) Há o milho-híbrido, que a gente está a cultivar na fim de Agosto, agora já chega para se quebrar as espigas. Já aí agora na fim de Agosto, a gente quebra as espigas todas ao milho. Vem o Setembro que já se pega, como este ano. (...) Há anos para trás, em Setembro só se pegava ainda... Na fim de Setembro é que se pegava a quebrar as espigas. Mas agora estes milhos-híbridos, estas sementes novas chegam cedo. Já este ano, na fim de Agosto apanhámos, e por todo o mês (...) de Setembro, apanhámos praticamente o nosso milho quase todo. Foi sempre (...) nessa apanhada do milho e na desfolhada (...) , descascar e trabalhá-lo, e já outonar as terras. (...) Porque ele este trevo de cabeça vermelha - que é a globa que a gente chama -, isso já (...) em Setembro é o melhor tempo para semeá-lo. Porque a gente temos possibilidades, a gente põe logo (...) a semente na terra. Depois já, nesta altura, o gado já está a roer nela e já está muito adiantado. Isso (...) resolve bastante, adianta muito. O mês de Outubro ainda é praticamente o estarmos a acabar aí com essa desfolhada dos milhos, e acabar de outonar as terras. Novembro é um mês que já não se faz muita coisa porque as terras já não se outonam muito nesta altura, mas ainda se outona algumas. Vemos que o Dezembro estamos nas matanças; já se corta alguns inhames; ainda tem as favas de grão agora para semear, que se vão semear; e estamos já a mexer nas quintas (...) e a tratar das alimárias. Praticamente é isto (...) , esta luta que vamos lutando. E além (...) do tempo que vai passando.
INQ Em todo o ano.
INF Todo o ano tem sempre as suas coisas. (...) Eu entretenho-me muito nas quintas. Porque a quinta, todo o ano a gente poda. A gente vai ao quintal, logo que vê um galho seco, a gente vai sempre tirando. Pois ainda hoje estive ali já em duas quintas nossas, a passar o sachinho, só uma mondinha pouca, mas todos os meses eu passo para ser fácil. Porque se eu passar todos os meses, eu vou lá duas horas e passo tudo. E se eu deixar aquilo enrelvar e ficar muitas mondas, olha, já não se consegue chegar lá. Já isso então dá para dias, a gente trabalhar dias e dias. E assim, todos os meses, pronto, (...) isso vai mesmo fácil. Também, ainda hoje, também dei uma passagem numa parte que é a Bananeiras. Tenho tudo tapado de monda, (...) dá pouca erva, mas se aparece algum pezinho de trepadeira - que é uma erva que a gente chama erva-de-galinha, não sei se os senhores lá conhecem? -, mas a gente também tem que andar sempre sobre ela porque se (...) a gente não andar sobre ela, ela fecha tudo (...) e não deixa a banana se criar. Temos que andar sempre à luta com ela. Praticamente são estas coisas que isto vai acontecendo.
INQ Portanto, qual é a diferença entre a quinta e a horta?
INF (...) A diferença entre a quinta e a horta é muito diferente. É porque a quinta é laranjeira, é macieira, era a pereira, o limoeiro, a tangerineira, a mandarina, praticamente, e as macieiras. É isto tudo que estão na quinta...
INQ As bananeiras também?
INF E as bananas. Esta terra nunca é cavada a eito, funda. Esta terra a gente só rapa. E a terra que tem as laranjeiras, e que tem (...) as macieiras, e que tem a pereira, e que tem as mandarinas e as tangerinas, e isso, praticamente essa árvore, essa árvore de fruta, a gente não cava. A gente deixa criar trepadeira, que é a tal erva-galinha, que a gente apanha todo o ano para as galinhas comerem. Já as hortas não. As hortas, a gente não deixa criar nada. Quando a gente, agora nesta altura, está a cavar - e a gente aqui até bota estrume das vacas, bota estrume dos porcos -, (...) a gente ali não deixa criar nada. A gente mete depois o alho, a cebola, a couve; praticamente toda a hortaliça que a gente põe ali, quando a gente vai tirando a hortaliça, a gente mete-lhe o milho. A gente não deixa crescer muito o milho por causa de não ficar só com as valentes. Mas quando ele ainda está novinho, a gente arranca e põe-o todo sobre a terra estendidinho, para assombrar a terra de Verão. E a terra fica uma terra fofa, uma terra leve, e aí (...) é que ela fica uma terra doce de trabalhar. Não se vamos com o gado acima da terra da horta.
INQ Rhum-rhum.
INF Não, de maneira nenhuma.
INQ Não há nada aqui, aqui não há nada que se chame o cerrado? O cerrado.
INF Ah, temos então um que chama-se os cerrados - que eu já não trabalho nenhum deles, as minhas filhas é que os trabalham -, mas temos ele aí um que chama-se os cerrados baldios. Que eram, vamos lá, pastagens que eram baldias. A gente chamava da Florestal, que, praticamente, ainda aqui (...) , ele vamos lá, nos Cedros, talvez é a única freguesia que tem a pastagem baldia. A pessoa quando tem os Cedros, todos têm as suas parcelas, como eu aqui tinha...
INQ Dentro do baldio?
INF Dentro do baldio. Como eu aqui tinha alguns cinco ou seis cerrados, ou mais, cerrados que eram aqui do meu sogro, cerrados que eram de meu pai, e eu depois é que fiquei com eles. Porque agora (...) os meus genros é que os trabalham, e as minhas filhas é que os trabalham. Mas há esse mato que a gente chama o mato baldio. (...) Chamava-se baldio antigamente. Agora não há nada que... A gente agora come todo o ano, mas antigamente não era assim. Antigamente a gente só comia no mês, vamos lá... As ovelhas vinham para ali no mês de Agosto e só eram retiradas no mês de Março. As ovelhas iam para a caldeira e, nesse tempo, vinham para fora no mês de... No mês de Agosto vinha para fora, ficava aqui até Março, (...) no mato baldio, e outra vez em Agosto é que voltava...
INQ À caldeira?
INF Não. Ela saía em Agosto e voltava em Março para a caldeira. (...) De Março a Agosto é que ela estava na caldeira. Em Agosto saía para fora. Isso agora não acontece. Já há anos para cá, agora, não há ovelhas nem na caldeira nem aqui fora. A caldeira praticamente (...) está sem animais. Praticamente, há umas cabras lá só, praticamente. Aqui o baldio agora está todo por nossa conta. É a única freguesia que acontece isso é os Cedros.
INQ Rhum-rhum.
INF É claro, está-se a explorar, (...) pagava-se uma insignificância, uma coisa só praticamente em selos. (...) Praticamente aquilo nem é renda!
INQ Rhã-rhã.
INF Mas isso praticamente é o que tem acontecido.
INQ Mas isso passava de família para família? Esse cerrado ficava...
INF Sim. Ele ou morria o pai ou morria a mãe ou quando morriam a família, praticamente os filhos é que iam (...) continuando a trabalhar. Que o que quer que venha acontecendo, sempre hoje ainda vai sempre nessa continuação. Eles ainda nunca aqui, nesta freguesia, nunca se agarraram àquilo. Porque há aqui, vamos lá, o mato do Salão, (...) o mato da Pedra Miguel, o mato da Praia do Norte (...) já é a Florestal é que está a tomar conta. Trabalhou aqueles matos que estavam muito perdidos - porque a gente aqui tinha o nosso trabalho -, eles trabalharam e agora as pessoas põem o gado lá. Pagam mil e cem escudos por cabeça, por mês, a rês, até aos dois anos. A partir dos dois anos, a pessoa paga mil e trezentos escudos por mês, para pôr a rês lá. (...) E isso nessas outras freguesias acontece isso. Só que aqui os Cedros também põe gado lá. Como (...) eles não têm gado bastante dos outros lados para pôr lá, eles dão prioridade também aqui aos Cedros (...) para meter gado lá (...) nesses matos baldios (...) . Mas isso já está tudo por conta dos Serviços Florestais, em pastagens grandes, e é que adubam (...) ... Têm os seus tratadores já. Afinal a pessoa só põe o gado lá, no fim do mês paga (...) . (...) Ela paga sempre adiantado. Paga mil e duzentos ou mil e trezentos - mil e cem ou mil e duzentos - para pôr (...) o gado lá. E só paga um mês adiantado e quando quer retirar, pode retirar quando quiser. Se não quiser retirar, pois agora quando chega a Janeiro são retiradas até Março ou até Abril. Depois é que dão entrada (...) nos Serviços outra vez. Estes meses agora são para adubar e fazer aquelas partes. Temos aqui uma outra zona de pastagem, que fica (...) , vamos lá, abaixo (...) da zona florestal e acima aqui (...) das nossas terras boas. E depois isso é uma zona que anda sempre gado, agora já de ordenha, praticamente naquelas zonas ali, e outros com gado alfeiro. Mas são zonas que (...) também estão bem exploradas. Ele são amansadas uma vez por outra, (...) renovam a pastagem, (...) e praticamente isso é o que vai acontecendo.
INQ O valado é, é um sítio mais alto do que o outro, portanto?...
INF É. Praticamente (...) é um cerro que a gente põe ali a plantar canavial. E a canavial, depois, aquilo vai, ao cabo de anos faz ali um cerrozinho mais altinho, (...) e é isso que se mantém. Vai e faz o abrigo das terras, faz a divisão. E depois ainda há (...) ... Porque quase todas as pessoas têm os seus marcos. Vá lá, têm os seus marcos (...) .
INQ Sim, sim.
INF Às vezes, eu vou lá o Presidente da Junta. Vai praticamente muita vez meter marcos, mais este ou mais aquele, pessoas que querem meter marcos. Mas pessoas que não se entendem muito bem, pois olha, vai o Presidente da Junta (...) e eles dão a enxada ao Presidente da Junta e, olha, dali, pronto, vai-se cavar e põe-se o marco (...) e lá fica o marco metido. Já aquele marco não pode ser arrancado mais, porque se houver (...) ... Se alguém tocar no marco, pois isso já pois agrava-se ele a situação. São marcos metidos pelas entidades.
INQ E esse marco de, normalmente não punham duas pedrinhas mais?
INF É, põem. É as testemunhas. Põem-se ao lado duas pedrinhas, eles dizem que é (...) ...
INQ Enterradas?
INF Ele é praticamente quase só encostadas ali só, praticamente, que era as testemunhas porque diziam que estava ali um marco ali (...) naquela...
INQ Meter de um lado para dizer que era dum lado e doutro.
INF Era dum lado e doutro.
INF (...) Pelo antigo, a gente punha porcas. Amarrava as porcas lá e elas iam foçando, iam trabalhando aquilo ali, e depois a gente ia escavacando com as enxadas. Os cepos, (...) mesmo quando (...) tinha cepas na terra, a gente depois era tudo arrancado a braço. A gente ia ali cavando de roda e cortando com um machado, arrancavam-se aquelas cepas, picavam-se aquelas cepas todas para vir para o lume para queimar. E depois então de isso estar tudo revirado das porcas, e de a gente ter revirado com as enxadas, arrancado aquelas cepas, aí então a gente semeava milho-basto. Era a primeira cultura que se semeava era o milho-basto. (...) E até há anos para trás, quando havia pouco trevo, levava-se anos e anos a semear o milho-basto, para a terra (...) ficar bem amansada. Havia algumas também nestas condições bravas, que eu até tinha também dois alqueires e meio. Mas era uma terra meia de ladeira, eu quis amansá-la. Estava toda perdida de silvado e rocas (...) , e eu pus-lhe madeira. Pois essa madeira acabou por levar tudo mesmo. Ficou a terra sem uma erva verde, nem uma erva de qualidade nenhuma somenos. E (...) o madeiral está lá - que é dois alqueires e meio de terra de madeira - que é uma coisa muito importante .
INQ Mas quanto é que é um alqueire de terra?
INF (...) A gente aqui (...) considera um alqueire de terra se é duzentas braças - duzentas braças, para as nossas braças que a gente mede. Mas um alqueire de terra (...) é mil metros.
INQ Quadrados?
INF Mil metros quadrados.
INF Joana Jaques.
INQ E a sua idade?
INF Cinquenta e três anos.
INQ E é daqui?
INF Natural dos Cedros. (...) Natural deste lugar. Nunca vivi noutro lugar. Toda a minha vida fui doméstica. E tenho a quarta classe. E muitos trabalhos também que fiz, no meu tempo de nova, de artesanato, que era uma das actividades (...) desta freguesia, mas mormente neste lugar. Este lugar era um lugar que se trabalhava em toda a espécie (...) de artesanato: palhas, linhos, bordados, rendas, crivos. Até porque aquela senhora centenária era uma das professoras aqui do nosso meio. Todas as pessoas que gostassem de aprender um trabalho, pois era com elas que iam ter e elas ensinavam. Praticamente todas as pessoas da minha idade, não há talvez ninguém que não saiba fazer crivo (...) - deste lugar, bem entendido! Porque há outras zonas...
INQ Como é que se chama este lugar aqui?
INF Cascalho de Cima. E, pois, atinjo eu também ainda da actividade da lavoura, pois também tenho sempre trabalhado muito na terra, ajudado nas lides da lavoura, ele quando era preciso, e fazia o meu serviço doméstico.
INQ Olhe, há bocadinho então falou do linho. Ainda se lembra como é que se, se tratava e isso?...
INF Sim. Então só de criança. Lembro-me de se semear o linho. (...) Na nossa casa nunca cultivámos linho que eu me lembre. As minhas tias ainda cultivavam e as minhas avós, mas eu não. Mas havia vizinhas que tinham. Eu lembro-me ainda de muita casa aqui nos arredores ter teares. E era muito vulgar. (...) Não casava ninguém que não tivesse o seu enxoval: colchão de linho, colcha de lã... Os sacos que se recolhiam os cereais também eram de linho. Tínhamos a rasoila que naquele tempo falava-se era por medidas de alqueire. Portanto, um saco levava cinco alqueires, cinco rasoilas de trigo. Ah, esse trigo depois era levado... As pessoas iam pô-lo para a cidade, porque em não estando os (...) das terras foreiras... Não é (...) já dos meus dias, mas ainda aqueles sacos eram levados com o trigo para as pessoas pagarem os seus foros (...) das terras. Faziam-se cobertores de linho (...) ... Eu até me lembro de uma prima minha fazer um fato, o linho tão bem fiado e tão bem apurado que fez (...) um fato de tecido no tear. (...) Eu então já não me lembro de as pessoas... Havia antigamente, nos anos atrasados, havia pessoas que vestiam de linho. Já não é dos meus dias. Mas essa prima fez um fato de linho, (...) de cor-de-vinho, (...) e era um fato domingueiro, bem feito. Portanto, o linho era: as pessoas semeavam, depois apanhavam-no, ripavam-no, (...) tratavam dele. Ia-se pôr num lugar chamado a Passagem, ou no Orvalho, (...) e era tudo feito. Então (...) era um lugar que todas as pessoas trabalhavam em comunidade. As pessoas ajudavam-se umas às outras. Quando era o dia de apanhar o linho, (...) de ripar o linho, de sedar o linho, as pessoas juntavam-se e ajudavam-se umas às outras. Depois fiar, (...) algumas pessoas fiavam à mão, com os fusos; outros fiavam a um engenho. Então o engenho já é uma ferramenta mais recente. Mas ainda eu conheci muitas pessoas a fiarem no engenho. Era a roda. Era na roda. Mas era posto numa roca. Fiavam a sua roca de linho. O linho acabou primeiro de que a lã. As pessoas começaram (...) ... Eu já conheci poucas casas a cultivar linho: as senhoras Jasmim, esta casa aqui, que (...) a dona desta casa também ainda cultivaram sempre. (...) Até que as pessoas, as donas desta casa, cultivavam linho já (...) nem sequer (...) para trabalhá-lo, só para terem (...) a linhaça. Porque (...) da linhaça, faziam remédios. E eles cultivavam o linho não já para trabalhá-lo (...) em obras, mas para terem (...) para remédios. Talvez tenha sido eu a última noiva que casasse (...) com colchão de linho. Depois começou a aparecer (...) o riscado de colchão, que se comprava nas lojas; depois começou a aparecer os colchões Molaflex, que já nem se usa colchões de riscado. Mas eu ainda é que fiz o meu enxoval do casamento à moda antiga, com a colcha de lã, (...) o colchão de linho. Depois começou-se a fazer as colchas acolchoadas, que era diferente mas também era com lã. Ainda me lembro também de haver muitas ovelhas, que então se trabalhava muito a lã. A lã foi uma coisa que acabou ainda depois (...) do linho. (...) As ovelhas eram criadas no baldio. Havia uma época que... Na época de Inverno elas estavam dentro da serra; na época de Verão iam para o fundo da caldeira. Portanto, havia os ajuntamentos, era uma festa. (...) Principalmente no ajuntamento do fim do Verão, elas eram juntas (...) , eram assinadas, os donos iam escolher cada um as suas, tosquiavam-nas, (...) traziam as lãs. Depois de deixarem (...) de tecer (...) as colchas e de usarem as lãs, fazia-se ainda as sueras, que os lavradores usavam. Era um agasalho que todos os lavradores tinham, feitas aquelas sueras... Ainda temos aqui o Núcleo... Já visitou o Núcleo Etnográfico dos Cedros?
INQ Não. Mas gostava de ver depois.
INF Lá temos ainda essas sueras antigas. Temos de tudo o que havia antigamente um pouco. E então temos todos os utensílios com que se trabalhava o linho e a lã. Temos (...) o tear e temos a roda, o engenho, temos o fuso, temos tudo (...) . Isso está (...) tudo lá (...) em exposição. De maneira que começou-se depois a ir... Começaram a aparecer outros agasalhos e as pessoas começaram a ir (...) ... Os baldios ficaram todo o ano à conta dos lavradores, as pessoas começaram... Porque quando se tirou as ovelhas, as pessoas (...) ficaram um bocado contrariadas porque achavam que a ovelha que era uma coisa que fazia muita falta. E há anos atrás fazia mesmo! Mas depois a vida mudou, as pessoas começaram a ter outros agasalhos e realmente a ovelha não fez grande falta. Mas a colcha acolchoada era uma coisa que (...) até recentemente era uma coisa que todas as casas faziam. (...) Cardava-se a lã, não era fiada, era só cardada, postas em cima (...) dum lençol ou dum cobertor, e depois era cozida. E depois fazia-se com uma forra de chita (...) - ou chita, ou (.../N) , ou lá o que lhe quisessem fazer -, e era isso as coberturas que se punham na cama. Recentemente, penso que até agora já, eu ainda fiz para as minhas filhas todas colchas acolchoadas e ainda tenho. Mas agora, há poucos dias, eu a falar nisso, alguém me disse que não, que já substituíam era pelos cobertores grossos que se compravam nas lojas, e que já (...) nem para as colchas (...) acolchoadas, as pessoas usavam as ovelhas. Mas mesmo ovelhas, agora aqui no nosso lugar, não há. Acabaram as ovelhas.
INF Olha, eu (...) vou falar muito da matança, mas também gostaria de falar - (...) se permite, se tem interesse, se não tem interesse não falo - do nosso artesanato principal (...) que as pessoas daqui viveram muito, (...) ajudou muito a sobreviver o pessoal deste lugar, era as palhas - o junco. O junco (...) era (...) uma erva que dava nos cerrados do mato e dava no fundo da caldeira. Por exemplo, aquilo corta-se o junco praticamente (...) no mês de Julho, Agosto. Cria uma altura mais ou menos de metro e meio - metro, metro e meio. E ia-se ao fundo da caldeira buscar molhos de junco, trazia-se, punha-se ao sol a secar, a curar e depois com isso fazia-se tapetes, fazia-se malas e que depois iam-se vender.
INQ Mas malas mesmo... Portanto, não de viagem. Era malas para levar?
INF Malas de mão. (...) A gente chamava mala de quarta, a mala de meio alqueire, (...) mala (...) de três quartas, por exemplo. Eram umas malas feitas numa forma de madeira. Portanto, o junco vinha, era curado, e depois era amolado - que também lá na Casa Etnográfica tem a máquina que se amolava o junco -, ficava amaçado, e depois faz-se trança.
INQ Como é que se chamava essa máquina?
INF Um engenho de amolar palha. (...) Fazia-se a trança... Por exemplo, como eu aqui já disse, sempre foi o lugar de as pessoas se juntarem e trabalharem em grupo. Íamos ao junco em grupos, às vezes vinte, quinze, vinte pessoas juntavam-se: "Olha, hoje vamos ao junco"! Havia pessoas que iam em grupos mais pequenos porque havia pessoas que praticamente viviam só daquilo e iam muita vez ao junco! Eu conheci pessoas de irem três dias por semana: iam à segunda e iam à quarta e iam à sexta-feira ao fundo da caldeira buscar molhos de junco. Depois (...) amolava-se a palha, faziam-se serões. Juntavam-se a quarenta mulheres a fazer serões nas casas dois dias: segunda e terça para uma casa, terça e quarta para a outra, e quinta e sexta para a outra. De tarde íamos amolar palha. Até era bonito! Porque os engenhos de muito trabalhar cantavam. Guinchavam. E a gente passava, "Olha, fulana vai fazer serão hoje porque estavam a amolar palha, estavam os engenhos (...) a guinchar"! A gente passava pela rua e via às vezes oito, dez engenhos a amolar palha. Porque não eram as pessoas todas que iam ao serão da noite que vinham amolar a palha. A palha era as pessoas mais íntimas, mais amigas. Ele enquanto se amolava, (...) outras iam começar os cabos. Porque aquilo começavam-se vinte cabos, que duas pessoas faziam o mesmo cabo: fazia-se peças de trança de três dúzias. Era o normal das peças. (...) Todas as coisas tinham os seus pormenores. Uma peça de trança eram três dúzias, trinta e seis varas de trança. A trança era medida à vara. E depois umas começavam os cabos, as outras iam amolando. Iam-se rendendo umas às outras porque aquilo era cansativo! Uma pessoa que amolava palha uma tarde inteira, principalmente o junco que (...) era duro, era rijo, acabava cansada e acabava (...) a transpirar. De Inverno e transpirava-se! Um bocadinho talvez (...) para entusiasmar, faziam-se (...) as favas torradas, milho torrado (...) . Não era uma coisa que toda a gente fizesse, mas: "Olha, fulana hoje deu milho torrado"! Ele torrava-se o milho no tijolo e deitava-se-lhe açúcar entremeio, e outras torravam favas. Depois então faziam-se os serões (...) , às tranças, e depois faziam-se os tapetes. Penso que esses (...) que já não devem existir, mas eu tenho uma vizinha minha que fez esteiras... Faziam-se passadeiras, porque o que hoje se usa de oleado, naquele tempo usavam-se era tapetes (...) de junco. Iam vender para a cidade, iam vender para fora da freguesia, porque era esta a única freguesia - Salão fazia também alguma coisa, mas era pouco -, era esta freguesia que fazia tapetes (...) e passadeiras para toda a volta da ilha. Ora, fazia-se um tapete de metro, um tapete de cinco quartas, para se ganhar quatro escudos! Mas naquele tempo era assim. Mas a casa do senhor doutor Jales, o falecido doutor Jano Jales, o seu quarto-de-jantar era todo forrado (...) - em volta, a parede, (...) uma certa altura - (...) de esteira de trança de junco. Uma vizinha minha é que lhe fez isso. Com certeza que já não deve de existir porque isso já foi há mais de cinquenta anos. Mas a casa dele era forrada, o seu quarto-de-jantar. E faziam-se... Pessoas ricas (...) mandavam fazer esteiras que depois eram (...) enramadas. Pintava-se parte da trança em cores: verde, cor-de-rosa, e enramavam os tapetes, enramavam as passadeiras. Corredores muito grandes, até às vezes fazia-se a passadeira... Ia-se fazer passadeira para casas (...) doutras pessoas que tivessem quartos maiores, porque, às vezes, havia quartos que nem suportavam o comprimento (...) das passadeiras que eram encomendadas, que vinham com as suas medidas. Depois a seguir, (...) a época do junco era cultivar no Verão e trabalhar no Inverno. De Verão, (...) também se escolhia (...) ... Era o tempo do trigo e escolhia-se a palha do trigo para se fazer os chapéus. Também as pessoas trabalhavam em grupo. Não tanto (...) como no junco, mas (...) também se fazia os serões a coser chapéus, a fazer a trança. Fazia-se a palha com as mesmas regras (...) do junco, só que a palha era muito mais macia de trabalhar.
INQ Rhum-rhum.
INF Fazia-se (...) os chapéus, alguns brancos, outros de cor, chapéus de criança, chapéus de homem, chapéus de mulher, e dava-se a volta à ilha a vender os chapéus. (...) Às vezes trazia-se encomendas, outras vezes (...) sem encomenda, mas lá se ia vender. Eu, então chapéus - tapetes nunca fui vender -, mas chapéus cheguei a vender. E também havia casas na cidade que vendiam. A gente vendia a eles para depois eles voltarem a vender a outras pessoas. No tempo da base naval, da segunda guerra mundial, houve aqui uma base naval na Horta que então isso houve muita avalanche de muitos trabalhos que se faziam. Faziam-se trabalhos de canudos, que lá (...) na dita Casa Etnográfica, há lá amostras de tudo o que se fazia. Faziam malas de trança, faziam malas de junco, faziam cabazinhos também em canudo, muitos trabalhos, que 'asquelas' pessoas, aqueles ingleses, talvez, para levarem como recordação desta terra... Muito negócio se fez naquela altura (...) com esses ingleses da base naval!
INQ O que é que chamava o canudo?
INF O que é que se chama o canudo? O canudo é a parte do trigo que... Tem a espiga; a seguir à espiga, a gente chamava palha de ponta, que era a ponta do trigo; o canudo é aquela parte da palha que fica mais junto à terra, mais grosso e mais macio de trabalhar. Os chapéus, também se pintavam (...) as tranças - as palhas - para se pintar os chapéus. Também se faziam (...) tapetes de palha de ponta. Mas então esses não eram para vender. Esses eram para as pessoas que trabalhavam. Por exemplo, a gente fazíamos esteiras bonitas de palha de ponta para pôr naqueles quartinhos de entrada - que nem salas eram, mas eram os quartinhos melhores que as pessoas tinham. Quando havia um noivado, a pessoa entre o seu enxoval também punha os seus tapetes, de palha de ponta. As tranças pintadas de amarelo para fazer os tapetes amarelos, (...) enramados. (...) Que havia ramos bonitos, que se bordavam (...) nos tapetes, trabalhos bonitos! Na Casa Etnográfica ainda aparecem lá muitos tapetes e muitas (...) esteiras...
INQ Eles eram enramados era depois de pintar, depois de estar feito, ou não? Ou, ou...
INF Faz-se o tapete.
INQ Rhum-rhum.
INF O tapete era urdido no meio chão, pregavam-se pregos. Ainda me lembro que uma passadeira levava dezasseis pregos; um tapete, que era mais largo, levava a vinte e dois, conforme. O tapete, se era para pôr ao pé da cama, era de cinco quartos. Por exemplo, fazia-se o tapete, urdia-se e depois tapava-se - uma por baixo -, uma espécie do tear.
INQ Rhum.
INF Ele metia-se por baixo e por cima, e tapava-se. E depois quando o tapete está feito, a trança pintada era bordada com uma agulha de ferro - e até de madeira, havia pessoas que sabiam fazer agulhas de madeira -, metia-se a trança entre (...) aqueles altos e baixos do tapete. Bordavam-se rosas, fazia-se datas, escrevia-se nomes.
INQ Rhum-rhum.
INF E era bonito! Eram trabalhos bonitos, eram trabalhos feitos que hoje a gente... Naquele tempo não se sabiam apreciar como hoje se aprecia, porque era uma coisa vulgar, toda a gente tinha. Hoje é uma coisa rara. Eu lembro-me que quando me casei fiz um cão - bordei um cão (...) num tapete para pôr ao pé da minha cama -, um cão empoleirado. (...) Era um lindo cão! Ora, o tapete estragou-se e não foi de ser usado. Deixou-se de usar os tapetes, que apareceram outros tapetes (...) não mais bonitos mas diferentes, e o meu acabou por se estragar porque eu o abandonei. Tenho ainda um que então esse eu não... Era com (...) um ramo de rosas muito bonito, que era posto do outro lado da cama. De maneira que era uma arte que nós tínhamos de embelezar a nossa casa com as nossas próprias mãos, porque não havia dinheiro que se pudesse chegar mais. Portanto, esta era uma da parte (...) de artesanato que teve muita actividade na nossa freguesia, quer para as pessoas usarem no seu próprio uso, quer para fazerem dinheiro.
INF Mas o dia de ir à caldeira ao junco era um dia de festa. Porque as pessoas iam, cortavam os seus molhos, faziam os seus molhos. Não se podia (...) trazer todo o junco que se queria. Ia-se muita vez à caldeira (...) buscar junco, mas não era que se fosse noutro lugar não se pudesse trazer muito mais junco. É porque era preciso poder subir a rocha com ele à cabeça, e não se podia fazer molhos que não se pudesse trazer. Mas eu conheço pessoas que eram muito pobres e que alguns (...) faziam os seus molhos e depois passavam o dia a brincar na água, a encher peixe - lá se levava as latinhas para se trazer os peixes do fundo da caldeira. Mas eu conheci pelo menos duas senhoras aqui perto da minha casa que faziam duas viagens por dia: desciam, iam pôr um feixe na borda e desciam a buscar outro; e depois em cima juntavam os dois a um e traziam. Então essas senhoras chegaram a ir buscar muita vez, às suas cabeças, o junco do fundo da caldeira, a chegar à cabeça a casa. Mas não era então vulgar isso. As pessoas (...) quando chegavam à borda, tinham os burros (...) e depois faziam e carregavam no burro para baixo. Mas elas não tinham burro e eram pessoas muito acanhadas, muito vividas só para si, e preferiam trazê-lo à cabeça do que incomodar as outras pessoas.
INQ Mas essas facas eram assim como essas facas de cozinha?
INF Sim, (...) facas de cozinha. Facas de cozinha bem afiadas (...) e era com isso que cortavam o junco. Havia algumas pessoas que cortavam com a foice, só que a foice (...) não cortava tão rente. Fazia o junco... Porque (...) o junco melhor é o que estava mais rente à terra.
INQ Rhum-rhum.
INF O que era mais macio era o que era posto por pé perto das águas, era o que nascia ao pé das nascentes das águas. (...) Eu talvez já nunca mais irei ao fundo da caldeira, mas já fui depois de rebentar o vulcão. O junco nunca mais foi bom como era porque deixou de ter água na caldeira. Portanto, junco ainda existe, mas é seco. (...) É um junco duro, (...) não é um junco que se possa trabalhar. Havia também aqui nos matos da Junta, cerrados que estavam por trabalhar que também davam muito junco. Também havia muita pessoa que ia lá, pessoas, nos cerrados, ali junto às ribeiras... Mas era então pouca percentagem que dava. Ele o forte do junco trazia-se era do fundo da caldeira!
INF A matança, pois ele as matanças aqui do nosso lugar era: praticamente toda a gente matava o seu porquinho por ano. Ou pobre, ou rico, ou maior, ou mais pequeno, todos matavam o seu porco. Muito diferente do que se faz hoje! As pessoas matavam... Na véspera (...) do dia de matar o porco, preparavam as morcelas. Picavam as cebolas, lavavam. Eu lembro-me de ser só cebola de casco (...) . Depois começou a aparecer a cebola de rama. (...) As pessoas faziam cebola... Porque a cebola de casco muitas vezes era custosa de conservar até matar um porco. Portanto, metiam na terra e faziam com a cebola de rama. Alguns faziam (...) de rama e de casco. Partiam dumas e doutras e misturavam.
INQ Então aproveitavam a rama também da cebola para picar?
INF Sim. Ele a rama da cebola fazia... Ele havia pessoas que só gostavam de fazer (...) morcela com (...) cebola de rama, outros só com cebola de casco. De maneira que na véspera da matança (...) preparava-se as cebolas, a salsa (...) e praticamente coziam um caldeirão grande de inhames. (...) Não havia matança sem ter inhames. Aqui, a festa da nossa padroeira é a Santa Bárbara, que é no dia 4 de Dezembro, que sempre se fazia mesmo no seu próprio dia. Era o primeiro dia (...) que se comia inhames era no dia de Santa Bárbara, e a seguir, o dia da matança. Porque, (...) normalmente - era muito raro -, toda a gente matava o porco no dia da primeira novena do Menino Jesus. Era no dia 16. Ele mais ou menos esta zona aqui, sempre, - a falar no Cascalho de Cima, esta zona de Cascalho de Cima - matava toda a gente o porco no mesmo dia. Havia um único marchante. Só havia uma pessoa que sabia matar o porco. (...) E ainda agora eles dizem que nem eles sabiam matar o porco, que era um trabalhão para matar o porco, para o porco morrer, porque tinham muito pouca experiência. Portanto, as pessoas matavam... Juntavam-se os homens da vizinhança e deitavam os porcos abaixo: "Vamos agora deitar os porcos abaixo". Deitavam os porcos no chão, matavam-nos... Era esse o único marchante que - era aqui até desta casa aqui ao lado - que passava as casas todas a matar o porco, e ficava a família da casa a limpar o porco. Só que havia muita dificuldade (...) em limpar o porco. Nem os porcos eram (...) limpos como são hoje, porque não havia ferramentas. O porco (...) era limpo, era chamuscado com rameiras, que se ia buscar ao mato... Sim, então ainda antes disso, (...) na semana antes de matar o porco, ia-se buscar a rameira ao mato, punha-se a murchar, e no dia de cozer o pão, tirava-se o pão e punha-se a rameira a secar no forno, para chamuscar o porco. Eu sempre me lembro de chamuscar (...) os nossos porcos foi com rameiras. Mas havia pessoas que até chamuscavam com palha de erva-da-casta e alguns até com molhos de espiga. Em nossa casa sempre se chamuscou o porco foi com rameira.
INQ A rameira é um que tem um tronco durinho e até que serve para fazer vassouras, é isso?
INF Grosso. Sim, sim. Era.
INQ É aquilo que eles noutros sítios chamam vassoura?
INF Sim, é. A gente aqui chama rameira.
INQ Rhum-rhum.
INF De maneira que chamuscavam o porco com a rameira. Depois de o porco chamuscado, rapava-se o porco com pedras - não havia (...) outra ferramenta. Rapavam o porco com pedras, iam-no esfregando, e depois lá tinham uma faca velha, uma coisa, que lá iam rapando e rapavam como podiam. Depois de estar o porco todo limpo, todo rapado, o mesmo que tinha passado a matar é que passava a abrir o porco. As pessoas esperavam que ele abrisse numa casa para depois ir abrindo nas outras todas.
INF Ora, depois de o porco estar aberto, era só com as pessoas da casa que se fazia. Portanto, o que é que se comia nesse dia? Ora, nesse dia se era muito cedo que se matava o porco, matava-se o porco e depois ia-se comer sopinhas de leite com inhames e pão de milho - na manhã, a primeira refeição. Ao meio-dia, tirava-se um bocado (...) de fígado, depois de o porco estar aberto, portanto um bocado de fígado, e um bocadinho de bife (...) de carne, de bife de lombo, mas só para a família da casa comer. Havia alguém que fazia caçoila mas para a ceia, junto com a morcela, quando cozia a morcela. Portanto, lavavam-se as tripas (...) ... Mas então depois de o porco sangrado, ia-se misturar (...) o sangue nas cebolas que tinham sido partidas na véspera. O que é que se punha nas morcelas? Pois punha-se aguardente, um copo de aguardente - nunca me lembro de fazer (...) morcelas sem ter um copo de aguardente -, aguardente, alho-bravo, umas folhinhas de alho-bravo, salsa e a cebola que tinha sido partida na véspera, cominhos, canela moída (...) e um pouquinho de colorau, pouco.
INQ Pão não?
INF Pão não. E jamaica. Era isto o que se fazia na morcela. E ficava aquela cebola a absorver aquele sangue enquanto se iam lavar as tripas. Depois das tripas lavadas, pois vínhamos para casa encher as tripas e cozer as morcelas. Era então o estilo do lugar ter um pratinho com figos passados e aguardente. E os vizinhos ia tudo ver os porcos uns dos outros. Ninguém desmanchava o porco sem que (...) fosse visitado o porco pelos vizinhos. E então eles lá diziam que era a luz, porque queriam a luz para ver o porco. Era então o copinho de aguardente com o figo passado. (...) Depois, para desmanchar o porco, era a família da casa só. Não havia festa de matanças. (...)
INQ Mas era, era no próprio dia ou era no dia a seguir?
INF No próprio dia à noite. No próprio dia à noite. Havia muito então entusiasmo em criar o porco melhor. Havia ver qual é que tinha mais toucinho, porque o porco era apreciado era por ter muito toucinho. Portanto, as pessoas iam, até havia alguém que trazia as medidas: "Olha, o meu porco tinha tanta medida"! Até eles diziam que era couto. O couto era menos de palmo mas era uma distância. Já o que tinha quatro dedinhos de toucinho não era muito mas já era razoável. Depois, em minha casa nunca aconteceu isso, mas muitos vizinhos meus coziam as morcelas e iam no outro dia de manhã vender as morcelas e vender um bocadinho de fígado, alguns iam vender a cabeça, para ajuda da vida. Alguns para ajuda de comprar um outro porquinho para pôr na rua (...) ... Praticamente (...) pouca gente criava (...) porcas para leitões. Era o porquinho do Natal; quando matavam um, punham outro para o outro Natal a seguir. Vendiam, iam... Ficavam (...) uns a derreter o porco em casa e os outros iam fazer o seu negócio. Como os porcos eram todos mortos no mesmo dia, as pessoas tinham todos o seu negócio ele pronto para ir fazer no dia seguinte. Iam para a cidade, para Cima da Lomba , vender as morcelas e vender muitas vezes a cabeça do porco. Algumas pessoas, que iam fazer esse dito negócio dos tapetes, já deixavam as suas cabeças e as suas morcelas, traziam-nas encomendadas para quando as tivessem, ir vender. Depois, faziam a vinha-de-alhos, (...) praticamente poucos torresmos, muita linguiça. Faziam muita linguiça porque a linguiça era muito vendida. As pessoas usavam pouca linguiça não é porque não a gostassem de a comer, é porque precisavam do dinheirinho e era uma maneira de fazer o dinheiro. Muita gente ia vender a sua linguiça. Faziam as vinha-de-alhos e depois, ao fim de quatro, cinco dias, enchiam a linguiça, rosavam-na e lá iam, (...) vendiam a linguiça ao metro. Não era ao peso. Alguns também não eram muito sérios, depois também as pessoas nem gostavam muito das linguiças, porque às vezes eram falsificadas. (...) Em vez de meter carne boa, metiam muitas gorduras (...) para acrescentar o tamanho da vara. De maneira que (...) depois de as pessoas, à noite, terem o porco desmanchado - olha! -, (...) não havia festa familiar. Mesmo que houvesse pessoas... Que eu conhecia aqui um caso, que era um pai que tinha aqui três, quatro filhos a viver junto, na sua vizinhança, mas estavam matando o seu porco.
INF Depois as pessoas viviam... A matança do porco não era uma festa; era uma maneira de governarem a sua casa e de fazerem ele a vida. Deixavam para si aquilo que podiam e vendiam aquilo que precisavam. Muitas vezes não vendiam aquilo que não precisavam. Vendiam o que precisavam, mas precisavam do dinheiro e tinham que fazê-lo de alguma maneira. Como se pagavam as contribuições no mês de Janeiro, no mês de Dezembro matavam-se os porcos (...) . Eu então não é dos meus dias, mas eu lembro-me de o meu pai contar que havia pessoas que iam com as suas bandinhas de porco, às costas, daqui para a cidade vendê-las.
INQ O que era as bandeir-, as bandas do porco?
INF As bandas do porco é uma banda de porco!
INQ Ah! Uma metade?
INF Uma metade do porco. E ficavam em casa com a cabeça, com a espinha, com a fressura e com as morcelas, e o resto era vendido. Mas então já há setenta, oitenta anos para trás. Agora, nos meus dias, não. Nos meus dias, as pessoas vendiam um bocadinho mas não se despossuíam dos seus porcos todos. Depois, foi mudando até o ponto que hoje já é uma festa um dia de matança. Mas (...) no meu tempo de infância, uma matança do porco era um dia de trabalho. A pessoa matava o porco para o seu próprio uso (...) e era um dia de trabalho igual. Ajudavam-se! Mas não era aquele (...) tipo de ajudar, festa! Não havia comidas diferentes, não havia (...) nada diferente (...) por ser a matança do porco.
INQ O que era a caçoila?
INF A caçoila era feita com a fressura do porco, com o fígado, bofes, coração...
INQ Portanto, chama fressura àquilo tudo?
INF Chama-se fressura àquilo tudo: é o coração, é o fígado (...) e o bofe. Até que na minha casa nunca se usava caçoila. Mas havia pessoas que faziam e que até gostavam.
INQ Era espécie de guisado?
INF Espécie de guisado. Havia outras que faziam molho de espinhela, que era a espinha do porco partida em bocadinhos, e (...) punham-lhe cebola, alho, era uma espécie duma carne guisada. Também era saboroso! É claro era a espinha fresca... Também isso, muitas pessoas usavam isso... Então já nesta altura que se fazia o molho da espinha, já era a matança diferente. Já não era a matança só com a família da casa. Era, por exemplo, os irmãos - já se então começou a juntar os irmãos - a fazer a matança. Até que começou-se a fazer mais festa de matança foi com os namorados. O meu caso: eu namorei nas vésperas das matanças. O meu marido pediu-me em casamento nas vésperas da matança para eu já ir à sua matança. E foi por aí que começou (...) a fazer-se mais festa de matança com familiares. "Ele está namorada, olha, já foi à matança do porco"! E depois por aí é que se foi começando a ajuntar famílias e a fazer então (...) as matanças, que já hoje então são muito diferentes: (...) com pessoas bastantes, já se fazem bolos doces, já se faz arroz-doce, já se faz uma ementa diferente. Até que já pouco se usa do porco no dia da matança. Faz-se carne assada, por exemplo; faz-se galinha; tudo coisas que não se faziam porque o dia do porco era um dia vulgar.
INQ Rhum-rhum.
INF Não era um dia de festa, nem era um dia diferente dos outros. Era um dia diferente dos outros só porque o trabalho era diferente. Mas não se fazia festa.
INQ Há bocadinho falou que era de, rosar a linguiça. O que é? Era pôr ao lume, ao fumo?
INF Ao fumo.
INQ Estava a rosar?
INF (...) A linguiça era cheia ao fim de quatro dias depois de se fazer a vinha-de-alhos, e depois era pendurada nuns paus. Agora temos as chaminés mas eu ainda me lembro de as linguiças serem defumadas nas cozinhas, que não havia chaminés.
INQ Pois não.
INF Eles punham umas vergas penduradas nos tirantes da casa, punham um pau atravessado - o que se faz nas chaminés! -
INQ Rhum-rhum.
INF e a linguiça era (...) pendurada naqueles paus, enrolada nuns rolos, comprida, (...) e ficava ali (...) dois dias, dois, três dias o máximo, a curar. Fazia-se lume... O lume bom para rosar a linguiça era o lume de sabugos, que é o sabugo (...) do milho que se desbulha. Punha-se umas achinhas e com (...) os sabugos por cima e ela ficava rosadinha. E depois de rosada, os que era para vender, iam-na vender, e os que não, fritavam-na e punham-na (...) em banha, que ainda é o que se usa hoje. A gente, eu por mim, eu e a minha família usamos. Há quem põe nas arcas; eu, os condutos de porco, não uso nada na arca, só se um bocadinho de carne (...) para assar e para bife. De resto, ainda salgo (...) a carne de porco na salgadeira (...) e uso os meus condutos todos é (...) na banha, enterrado na banha. O que se usava naquele tempo era barro, era as caboucas de barro, era as salgadeiras de barro; agora usa-se em plásticos, que é muito mais higiénico (...) ... Porque havia barro que lhe punha gosto. (...) Íamos buscar e criava como que um ranço, um gosto a ranço. E o plástico então é muito mais higiénico e muito melhor.
INF Normalmente, cozia-se inhames uma vez por semana, ao passo que hoje se coze quando falta, porque é nas panelas de pressão, porque é pouca porção de inhames que se coze.
INQ Rhum-rhum.
INF Mas quando se cozia, não havia casa que cozesse inhames que não tivesse a morcela para comer com o inhame quente, no dia que se cozia os inhames. Também se fazia um outro conduto: aproveitava-se tudo... Mesmo eles diziam: "Só não se usa do porco o cocó, de resto tudo é aproveitado"! Derretia-se os torresmos do toicinho e tinha um pé, faziam o pé do torresmo.
INQ Que era feito de quê?
INF Que era o pé do torresmo? Era aquilo miudito que se desfazia. Era, às vezes, bocadinhos de banha. A banha e praticamente aquele riçol e aquilo, isso era deitado fora, mas umas gordurazinhas que não eram daquelas gorduras tão maciças eram aproveitadas, que se fazia o pé do torresmo.
INQ Era o que sobrava do, da, da, de se fritar o torresmo de toucinho? É isso?
INF De toucinho, sim. Por exemplo, a gente agora escorre a banha, e o que fica (...) no ralador vai para fora porque já não se usa. Que aquilo então acredito que fosse muito doentio, porque normalmente o pé do torresmo apanha muito sal.
INQ Rhum-rhum.
INF E aquilo era muito salgado. O que é que se fazia para tirar o sal ao torresmo? Cozia-se a cabeça do porco, desmanchava-se a cabeça do porco... (...) A parte do toucinho punha-se para derreter, a orelha para cozer, salgada; o interior da cabeça era cozida num caldeirão, sem sal. Depois (...) desmanchava-se a cabeça, desfazia-se aquele conduto todo, fazia-se vinha-de-alhos, fritava-se e misturava-se com o pé do torresmo para ir tirar (...) o sal que o pé do torresmo tinha. Isso era um conduto maravilhoso que hoje pouca gente gosta, mas que naquele tempo era maravilhoso para se comer com o inhame.
INQ E continua-se a chamar pé de torresmo, mesmo misturado com a cabeça?
INF E continuava-se (...) a chamar pé de torresmo, com cabeça.
INQ Rhum-rhum.
INF Porque (...) havia pessoas que faziam assim e havia as pessoas que só faziam o pé do torresmo.
INQ Só...
INF Mas eu nunca me lembro de comer só o pé do torresmo por o motivo de ser muito salgado.
INQ Era gorduroso e salgado.
INF Era gorduroso e salgado. E já se (...) diminuía o sal porque o outro não tinha sal e ia absorver o sal do pé do torresmo.
INQ Rhum-rhum. Mas, e a... Que nome, que nome é que dava àquela tripa que ficava entre a delgada e a grossa? Há uma que é assim mais grossita, que se enche também, normalmente se enche com a mesma massa da morcela, ou aqui não se faz isso? O palaio ou o paio?
INF Ah, é o paio! É o paio do porco. É o paio. (...) Isso é (...) um saco que fica... Isso é o fim (...) da tripa. Isso é o fim da tripa (...) do intestino grosso.
INQ Mas não é aquilo que se chama a tripa do rabo ou a tripa do cu, pois não? Não é essa?
INF Não. Não é essa. É a do paio!
INQ Sim.
INF É a do paio. E alguns chamavam paiol. Porque, às vezes, havia 'paioles' muito grandes. Esse paio, ele havia pessoas que o fritavam já na tripa. Eu, por mim, sempre já o desmanchava... (...) Cozia a morcela dentro do paio, mas desmanchava (...) e fritava era sem (...) ...
INQ Era frita. Só fritava o recheio.
INF Só fritava o recheio todo à volta . Isso chamava-se o paio e alguém chamava paiol.
INQ Paiol.
INQ E aqui nunca foi hábito de se meter a, a morcela também debaixo da, da gordura? Ou comia-se logo a seguir?
INF Ah, havia alguém que punha em gordura. Mas não, comia-se a morcela fresca. Até porque muita gente vendia muita morcela e que não ficava com muita morcela em casa. Mas comiam a morcela fresca, (...) ... Porque conservavam-na no fumeiro.
INQ Rhum-rhum.
INF (...) Quando a tiravam, conservavam-na (...) naquele pau que penduravam a linguiça, lá tinham também (...) as morcelas penduradas. Mas (...) o que ficava dentro da banha era o sarapatel.
INQ Era só o sarapatel?
INF Era só o sarapatel.
INQ Não dava nome nenhum àquele pau?
INF O pau (...) é o pau (...) da linguiça.
INQ Nunca chamaram baralha por aqui?
INF Não. Pau da linguiça (...) . Eu tenho, por exemplo, um pau que - sei lá! - eu lembro-me de ter um pau toda a minha vida, até talvez vinte cinco ou trinta anos. Depois ele partiu (...) e a partir daí tenho outra vez um pau com mais de vinte anos. É sempre o mesmo pau que se pendura a linguiça. Quando se tira a linguiça, arruma-se o pau para o outro ano ir buscar. É sempre no mesmo pau.
INQ E aqui era costume, sei lá, uns dias, uns dias ou umas semanas antes de se matar o porco se dar mais comida para ele ficar mais cheio?...
INF Não. Era costume era na véspera de matar não lhe dar comer nenhum.
INQ Pois, na véspera. Que era para ter menos...
INF Na véspera de matar não se deitava nada que era para ter menos que despejar (...) as tripas. (...) O tratar dos porcos, pois, já se vê, havia pessoas mais abastadas, havia pessoas menos abastadas, havia pessoas que tinham muita dificuldade porque mal cultivavam milho para comer. Os porcos o que é que comiam? Comiam as lavaduras de casa. Depois de (...) haver essas fábricas, muita gente ia buscar uma coisinha de soro, mas não era esta avalanche de soro que se usa hoje. Até que quando foi fundada a cooperativa, (...) juntavam o leite da parte da manhã e da parte da tarde distribuíam o soro (...) pelas portas, pelas casas dos sócios. Até que era interessante: a carroça guinchava nas ladeiras, e os porcos estavam no curral e ouviam guinchar a carroça e já começavam a gritar ele com o sentido no soro. Ele gostavam muito do soro. Mas não usavam soro (...) nos porcos como agora. E até que quando era o porco do Natal, nem gostavam de deitar soro aos porcos, que diziam que aquilo que não fazia bom conduto. Também não era verdade, mas tinham essa mania. Portanto, tratava-se os porcos com as lavaduras de casa, batata branca miúda, partida, quando tinha. E então toda a gente cultivava um bocado de terra de batata-doce, que era a batata-doce para engordar o porco.
INQ Beterraba não tinha?
INF Não.
INQ Não.
INF A beterraba, usa-se beterraba aqui há muito poucos anos. E pouca gente usa beterraba. Aqui a beterraba (...) não é uma cultura que seja muito vulgar. Pois havia pessoas que deitavam meio alqueire de milho aos porcos (...) para o Natal - quem tinha dois porcos, mas uma quarta era normal. Mas também havia muitos que deitavam só um punhadinho porque não podiam deitar mais. Porque lhe ia fazer falta (...) para pão.
INQ Mas às vezes não acontecia era a porca ter mais filhos do que, do que tetas?
INF Do que peitas? Normalmente não acontece muito isso. (...) Mas isso quando acontecia até eu já cheguei a ajudar a criá-los. Eles lá iam... Diziam (...) que o porco só mamava no mesmo peito, e que não ia ao peito (...) dum dos outros. Mas eu já cheguei a ter porcas de mamar dois no mesmo peito. E até é um caso curioso que ficou um vazio, havia lugar para mais um e ele foi, habituou-se a... Porque o que mama naquele (...) não mama em mais nenhum. Mas só que às vezes tinha mais fome. E eu ia lá, apanhava-o, ia com uma mamadeira e (...) ajudava a criar.
INQ Rhum-rhum.
INF Agora o porco que nasce e que não mama na mãe não se cria. Mesmo que se tente criar (...) ... Eu já cheguei a criar treze porcos sem mãe. A mãe morreu ao fim de três dias. (...) E eu fiquei com eles. E já se vê, (...) eles eram mesmo muito lindos, resolutos, e que foi com uma lâmpada, aquecê-los (...) ... (...) Era tal e qual como um bebé, de duas em duas horas, de dia e de noite. E eles é que acordavam. Começavam a gritar, e eu levantava-me e lá lhe aquecia o leite. Então, passados dois dias, uma pessoa vizinha minha tinha uma porca que tinha criado, e era manso. Tentou-se! E então ela só serviu para aquecer os porcos. Tirou-se de casa, da lâmpada, e pôs-se no curral junto da outra porca. E ela ainda os ajudou, ainda aleitou - também nunca mais então deu porcos, (...) nunca mais procurou. Mas criou os porcos (...) ...
INQ A esses nunca chamam enjeitados, pois não, aqui?
INF Não.
INQ Não?
INF É: morreu a mãe.
INQ Rhum-rhum.
INF Também nem sempre acontece mas daquela vez foi assim. Às vezes também morrem (...) a mãe e os filhos. Mas daquela vez eu consegui criá-los todos, com muito trabalho, mas eu consegui criá-los todos com leite . E depois bebiam no biberão, no frasco, com uma mamadeira. (...) E era interessante que eles esperavam (...) ... Mas aquilo não dava tempo! Era deitar e encher, e aquilo eles chupavam aquilo sem tempo. E depois como lhe dava mais fome, começaram a comer mais cedo (...) no cocho (...) e criaram-se (...) uns lindos porcos. Eu ainda tenho fotografias desses tais porcos!
INQ E agora actualmente com o que é que costuma rapar?
INF Oh sim, agora isso então é muito interessante, que começou a aparecer... Havia aqui um senhor que era muito habilidoso e que consertava muitos relógios de parede.
INQ Rhum-rhum.
INF E tirava as cordas e punha outras cordas. E com as cordas velhas dos relógios começou a fazer umas rapadeiras. Mas quando começou a aparecer essas rapadeiras, (...) era uma coisa maravilhosa e uma coisa rara. Só que poucas pessoas tinham as rapadeiras, emprestavam. Mas as rapadeiras não faziam o que fazem hoje. As rapadeiras só rapavam quando o porco já estava muito limpo, muito lavado, que era para não estragar muito a rapadeira. Era só para esbranquear mais (...) o coiro (...) do porco. E havia poucas pessoas que tinham e emprestavam aquilo mas era por um especial favor. Depois começaram a aparecer mais facas, começaram a rapar-se melhor. Ainda o meu marido dizia que - me contou há dias - que tinha uma faca... Só havia uma faca de matar (...) ... Era o marchante que tinha aquela faca (...) e ainda era uma faca má. E a gente tínhamos uma faca, que eu ainda... Tivemo-la até há poucos anos - agora já não sei se ela existe ou não -, era (...) com um cabo de osso de baleia, um cabo de osso de baleia grosso, não tinha corte que prestasse, mas era uma faca apreciada só para rapar o porco. Aquela faca era apreciada para rapar o porco. Depois (...) foram melhorando, depois apareceram os maçaricos a gás, que ainda foram poucas pessoas... No princípio as pessoas achavam que o toucinho, o conduto do porco, não era tão saboroso com o chamuscar do gás como com a rameira. (...) Já haviam pessoas (...) que chamuscavam o porco com o gás, mas enquanto ainda outros era sempre com as rameiras. Iam sempre buscar, que (...) aquele cheirinho da rameira gostavam mais. Depois começou a aparecer (...) os maçaricos a chamuscar com o gás, pois já se vê que já faz muito mais limpeza. Ah, também se rapava antigamente com o sacho, que já hoje não aparece. Mas não se matava o porco que não fosse ... A primeira rapadela era com o sacho - a chamuscar com a (...) rameira e a rapar com o sacho. Hoje já não se usa isso. Depois então começaram a aparecer muitas rapadeiras e hoje toda a gente tem montes de rapadeiras. (...) E hoje então há muita facilidade (...) de se rapar e limpar os porcos.
INQ Como é que limpava as tripas? Portanto, ia para a ribeira...
INF As tripas, sim, eu nunca me já me lembro de se limpar tripas na ribeira, mas normalmente, antigamente, era toda a gente ia era para a ribeira limpar as tripas. As tripas são lavadas... São descosidas ou desmanchadas - chama-se desmanchar as tripas -, (...) tira-se-lhe aquelas gorduras para o lado, e era quase sempre pessoa escolhida era as pessoas mais idosas é que sabiam desmanchar as tripas. Uma coisa que eu bem pouco tenho feito! Porque era a minha mãe que desmanchava as tripas, depois as minhas filhas chegaram é que passaram a desmanchar as tripas. É uma coisa que eu nem sei fazer muito bem, desmanchar as tripas. Desmanchavam-se as tripas e depois levava-se (...) para a rua. Ele era nos poços, que havia poços (...) ... Eu (...) ainda apanhei - já as minhas filhas não, mas eu ainda apanhei - lavar-se as tripas com água do poço. Agora já é tudo é com águas encanadas. Depois, ele quando havia invernos que não havia os poços - havia poços que nem vedavam muita água; havia, às vezes, secas que o poço tinha pouca água -, ia-se mais longe - porque eu sempre me lembra de haver chafariz de água -, ia-se mais longe, ao pé da fonte, lavar as tripas. Mas antes de se lavar as tripas, fazia-se uma poça na terra e (...) despejavam-se as tripas ao pé de casa, numa poça. E depois é que se iam lavar então (...) para a fonte. Portanto, a primeira vez que se lava, lavava-se era com sabão azul, e com limas, e com a salsa. Os toros da salsa que tinham servido para pôr nas morcelas deixavam-se para se lavar as tripas, para se (...) esfregar as tripas. Esfregavam-se as tripas ali duas, três vezes, três, quatro vezes, conforme era preciso, que há tripa que lava com mais facilidade que a outra. Portanto, o lado de fora da tripa não tem muito que lavar porque não está suja.
INQ Onde guardava a carne com o sal, aquela carne que era salgada, era no mesmo, nas mesmas coisas onde punha a linguiça e o, e os torresmos guardados?
INF Sim, era tudo em barro. Havia pessoas que usavam latas de petróleo.
INQ Rhum.
INF Mas então isto já da minha infância, pequenina, eu nunca usei. (...) O porco dava quatro latas de graxa - chamava-se latas. Eram latas de oito canadas, dezasseis litros. E eram latas (...) que não sei, pois, explicar isso então como era. Era coiso, aquilo traziam petróleo, mas eu não sei depois como é que elas desinfectavam aquilo para ficar sem cheiro a petróleo e para porem o conduto. Era uma coisa... Ou devia estar muito tempo para lá a evaporar... Elas usavam essas (...) latas.
INQ Essas latas.
INF Eu ainda me lembro de haver banha minha em latas de petróleo, mas só muito pequenina (...) , tenho uma vaga ideia. Também havia latoeiros que faziam latas para pôr a banha e para pôr condutos, mas não dava resultado porque a lata enferrujava muito depressa e (...) não dava resultado. Era o barro é que era mais... Até que as pessoas de São Miguel no mês de Outubro vinham trocar os seus barros pelos milhos. Para as pessoas guardarem as barças (...) para conservarem o conduto. O que era de salgar a carne não era igual (...) ao que era de pôr os condutos. Era as tais salgadeiras que eu já falei há bocadinho, barrigudas, é que eram as salgadeiras...
INQ Pois.
INF Agora, usamos em bidões plásticos.
INQ Pois. A moura e a salmoura é a mesma coisa?
INF É.
INQ Mas não, não... E não, não chama nada àquela, quando se salgava que esco-, que eram de madeira, que aquela água que escorria para fora?...
INF Mas nunca salgámos em madeira.
INQ Não?
INF Aqui nunca salgávamos em madeira. Aqui só se salgava...
INQ Também chamava moura àquela água que criava a carne?...
INF É, é. "Fazer moira a carne". (...) "A carne já tem moira". (...)
INQ Portanto, a moura era duas coisas: moura é isso que chamam que é pôr água com sal, onde põem os pés...
INF (...) É as duas coisas a mesma coisa.
INQ É?
INF É salmoura (...) ou moira é a mesma. Fazer moira... Até que a minha mãe quando fazia moira - eu nunca fazia isso, mas a minha mãe fazia -, punha uma batata, partia uma talhada de batata. Quando a batata subia - ela partia uma batata numa talhadinha estreitita, (...) -, quando a batata subia para o ar é que a moira estava boa (...) para salgar.
INQ Nunca lhe punha uma batata inteira?
INF Aí é que a gente aqui era uma talhada.
INQ É que há muito mais salgada. A linguiça do Corvo é muito mais salgada de que esta daqui.
INF Por causa disso, se calhar!
INQ Rhum-rhum. Porque levava muito mais sal e, portanto, gasta muito mais sal para pôr a batata do que uma talhadinha.
INF Mais sal. É. A gente era só uma talhada.
INQ Rhum-rhum.
INF Era só uma talhada.
INQ Então que animal é que os homens usavam para ir buscar o leite, quando tinham as vacas mais longe e isso?
INF Ora, pois os animais eram os burros. Mas só que ainda antes dos burros, as pessoas iam era a pé. As nossas pastagens aqui Tosse - desculpe! -, as nossas pastagens aqui vão até à porta da caldeira. Os cerrados eram muito mal trabalhados... (...) Eram muito mal trabalhados, não; eram muito bem trabalhados, mas eram muito de cabeço. Era tudo muitos cabeços. E tinha muitas ramas (...) ... E eles trabalhavam a cavar mas à enxada. Juntavam-se vinte, trinta homens, iam ajudar uns aos outros para cavar os cerrados, para fazer vale, para poderem mudar os gados. Ora até há quarenta e poucos anos, quarenta e qualquer coisa - não, já há perto de cinquenta anos -, que não havia nada senão erva (...) e tremoço. Deitava-se tremoço nos cerrados até à borda da caldeira. Depois é que (...) começaram a aparecer os trevos... Os trevos começaram a aparecer aí por volta de quarenta (...) e cinco, quarenta e seis anos. Há quarenta e seis, quarenta e sete anos é que começou a aparecer os primeiros trevos que se semearam aí. Por acaso, foi o meu pai das primeiras pessoas que começou a semear trevo aqui (...) no nosso lugar. Ora, as pessoas iam trabalhar os cerrados, (...) e tinham as vacas nos cerrados, e alguns ficavam de noite. E de manhã vinham para baixo com o leite (...) , às costas, em canecas, que se usavam canecas. Também estão as canecas lá no artesanato, (...) na casa (...) de artesanato. (...) Pouco leite! Uma pessoa que vendesse vinte litros de leite era um grande lavrador, naquele tempo. Depois começaram a aparecer os burrinhos mas nem toda a gente tinha burro. Iam com as canecas às costas para o mato, outros levavam os seus burrinhos, alguns ajudavam a trazer os leites dos outros para baixo nos seus burros. Então de não haver burros não é dos meus dias. Já quando eu me criei e me comecei a conhecer, quase toda a gente tinha burro. Eu só conhecia dois lavradores aqui nos nossos arredores que não tinham burro. Os outros tinham; uns maiores, outros mais pequenos, tinham. Depois começou então a aparecer já a raça cavalgar, que então já faziam viagens muito mais rápidas, e faziam... (...) Calivavam os milhos nas terras. Então era: de manhã tinham aqui em baixo, uma, duas, três vaquinhas, mais perto, tratavam delas de manhã, e as que ficavam no mato, só iam uma vez ao dia. De manhã iam para cima, levavam logo os seus farnéis, os seus jantarinhos, que era a tal linguiça que estava reservada para quando se tinha o gado no mato, para levarem o jantarinho, que levavam um torinho de linguiça para comerem. (...) Passavam o dia no mato, no cerrado. Alguns descansavam e muitos trabalhavam todo o dia a cavar os cerrados para fazer sempre o cerrado maiorzinho. E à tarde arrumavam (...) ... De manhã (...) mudavam as vacas. As vacas eram atadas à 'reira'. Comiam tremoço. À noite deixavam-nas na erva, mas era nessas ervas vulgares que há aí. Não era nada de pastagem. À tarde, deixavam-nas arrumadas e vinham para baixo. Quer dizer, (...) porque havia mesmo muita gente, o que era a tratar do gado do mato só fazia aquilo. Os outros ficavam a cavar os milhos aqui (...) . E eram normalmente os rapazes novos que - iam as lavadeiras lavar para a ribeira - tratavam o gado, namoravam (...) e, às vezes, ajudavam a trazer os cestos das roupas às lavadeiras.
INQ Pois.
INQ E dava algum nome ao primeiro ovo delas, que era assim mais pequenino?
INF 'Freima'. É uma 'freima'.
INQ Era o primeiro da postura?
INF (...) Não.
INQ Ou era o primeiro que ela punha na vida dela?
INF Não. (...) É o que é mais miúdo. Pode não ser o primeiro na postura (...) nem da vida. É o que é mais miudinho é que é uma 'freima'.
INQ Rhum-rhum. E...
INF E até há uma superstição - que eu não sabia, este ano é que soube -, há pessoas que têm superstição com essa 'freima': que se aparece uma 'freima' no seu galinheiro, vão ter um azar, vão ter um desastre. Eu então (...) nem nunca tinha ouvido. Este ano eu ouvi isso. (...)
INQ Rhum-rhum. Mas essa 'freima' tinha gema e clara da mesma maneira?
INF Ele muito pequenina. E até há algumas que nem tem gema. Só tem aquela manchazinha de clara e nem tem gema.
INQ Rhum-rhum. E um, um, um, às vezes podia ser um ovo ou podia ser uma maçaneta duma porta que se punha no ninheiro, que era para elas se habituarem a fazer, a pôr sempre no mesmo sítio...
INF Antigamente (...) não se fazia. A gente chamava o indês. Mas agora não. (...) Habitua-se as galinhas a não ter ovo (...) no ninho e elas põem à mesma.
INQ Rhum-rhum.
INF Mas era: não se podia ter o ninho sem ter (...) o indês - não é? Porque quando eu era pequena lembro-me, ia buscar os ovos: "Deixaste o indês"? Era. Tinha que se deixar o indês para a galinha. Até havia pessoas que era um ovo muito velho, que ficava para lá muito tempo. Outras era sempre dum dia para o outro, para ficar sempre o ovo fresco.
INQ Rhum-rhum. Então quando ela estava em cima dos ovos, dizia que estava a?...
INF No choco.
INQ Estava a quê?
INF (...) Estava a chocar ele (...) os pintos.
INQ Rhum-rhum.
INF Até antigamente - ele aqui há trinta anos para trás -, ninguém criava galinhas presas, a galinha era uma ave solta. E a galinha solta, pois, ia para onde queria e sumiam muitos ovos. (...) E muitas vezes, se andava a galinha solta, andava o galo solto, pois (...) elas caíam no choco.
INQ Rhum-rhum.
INF E vinham com muitas ninhadas de pintos. E aqueles é que não tinham prejuízo. A gente, às vezes, punha uma galinha no choco e elas partiam ovos, e a gente vinha e, às vezes, acabavam por não tirar pinto nenhum. E aquelas que caíam por si... Ele (...) amiúda muito a galinha e não tem muita vantagem, mas a vantagem de os pintos terem muito mais saúde, tem. A galinha que caía por si no choco era (...) ... "Achei uma galinha no choco com tantos ovos"! E ficavam para lá por sua conta e ela só vinha quando tinha os pintos tirados, é que vinha com as suas ninhadas de pintos.
INQ Então quando ela está; có-có-ró-có-có?
INF Está a cantar.
INQ E então como é...
INF Às vezes, mandava-se os rapazes: "Olha, a galinha está a cantar"... Porque quando a galinha está... A galinha também, às vezes, tem certas épocas que tem a tendência de ficar a chupar os ovos. E temos que andar de vigilância, porque a galinha quando chupa o ovo, quando está viciada a chupar o ovo, não há nada (...) que a convença. Mas a galinha, normalmente a galinha agora é bem tratada, mas antigamente não era porque não havia com que tratar a galinha. A galinha, ele chamavam a galinha caça-brava. Portanto, deitavam-lhe quatro 'grães' de milho de manhã e ela ficava para aí o resto do dia a andar. Não era bem tratada porque faltava-lhe cálcio. A galinha quando lhe falta cálcio, vira-se é aquilo que precisa, pois; (...) é o ovo, que o próprio ovo também tem muito cálcio. Elas nicavam os ovos, comiam gemas, comiam claras e comiam cascas. Comiam tudo. E andava-se numa certa vigilância. (...)
INQ E nunca costumava pôr areia? Dar areia às galinhas?
INF Também se põe. Depois isto há trinta anos para aqui, normalmente, há trinta anos para aqui, quase ninguém... Hoje ninguém tem galinhas soltas!
INQ Claro.
INF (...) Hoje uma galinha solta é tão escandaloso como uma vaca que vá à banda alheia, ou (...) um bezerro, ou um porco. Hoje toda a gente tem as suas galinhas presas, tratadas como se deve, como se trata os outros animais - como se trata dos porcos, por exemplo. Mas a galinha hoje trata-se com trepadeira, grão-de-milho, um bocadinho de ração ou mistura - que a mistura (...) do trigo, (...) ia-se à moagem. Mas agora há muita dificuldade em se arranjar mistura. Normalmente eu, eu trato as minhas galinhas com troca, da fábrica - vou buscar um bocadinho de troca -, que misturo ou com água ou com soro...
INQ A troca o que é?
INF A troca é aquela parte que se deita fora, que faz a manteiga.
INQ A manteiga.
INF Compro, por exemplo, uns vinte litros de troca por semana, deito num bidão, e vou buscar todos os dias uns três litros de troca. Acabo de encher o balde - o balde leva, mais ou menos, de oito a dez litros -, acabo de encher o balde com soro ou com água. E deito-lhe um meio quilo de ração no cocho da galinha. Isso faz muito bem à galinha: faz pôr e faz a galinha ficar vitaminada, que não lhe dá para chupar os ovos. Também dou... Neste tempo, é muito bom deitar à galinha urtiga brava, não sei se conhece? Urtiga brava é uma coisa que pica muito, e é muito quente. A galinha, quando começa a comer urtiga, há a certeza que ela vai começar a pôr.
INQ Rhum-rhum.
INF Há quem deite couve cozida, couve crua. Eu, por exemplo, de Verão, (...) quando há muita couve, eu (...) cozo umas panelas de couves, deito junto com a mistura. Que deixei de usar mistura por ser muito difícil de adquiri-la, mas juntava à mistura a couve cozida, e (...) com a troca, fica uma galinha bem tratada. Fica a galinha muito gorda. Mas a maior vantagem de se tratar bem a galinha é nos ovos: põe mais (...) e não lhe dá para chupar os ovos.
INQ E aqui não era hábito haver pessoas que trabalhavam ao dia para outros, não?
INF Há. Havia. E até havia pessoas que iam trabalhar para as casas das pessoas. Havia pessoas muito pobres - isto (...) há quarenta anos atrás.
INQ Rhum-rhum.
INF Havia pessoas que eram muito pobres e iam para as casas dos outros trabalhar, ganhando uma insignificância. Mas aliviavam a família em casa porque comiam fora, vestiam fora. Quase que iam para as casas trabalhar pela comida, e pela roupa, e pouco mais.
INQ Rhum-rhum.
INF Ficavam para lá anos! Eu conheço um rapaz que trabalhou (...) numa casa dum patrão doze anos - ou dez, ou doze anos -, a pessoa já considerava-se pessoa de família.
INQ Rhum-rhum.
INF (...) O que ganhava era pouco! Mas já ajudava (...) ... O pouco que ganhava ajudava a família e aliviava a família nas despesas (...) que lhe fazia na casa.
INQ Mas não dava nome nenhum a esses homens que trabalhavam a dias?
INF Criados.
INQ Criados.
INF " (...) Está por criado em casa de fulano".
INQ Mas esse ficava durante muito tempo lá?
INF Sim.
INQ Mas esses que iam assim só a um, a um dia ou dois?
INF " (...) Ele está a trabalhar ao dia"! Trabalhava ao dia. Mas criadas aqui nos Cedros, muita gente foi servir de criada para a cidade. Raparigas novas, de famílias numerosas, iam servir de criadas para a cidade. Eu conheço uma senhora que esteve vinte e um ano (...) a trabalhar por criada numa casa. Chamava-se criada, ao passo que hoje não se pode ouvir essa palavra.
INQ Pois.
INQ E dava algum nome àquelas cordas com que se amarravam as latas do leite, dantes?
INF Não.
INQ Não?
INF Era a corda (...) ... Agora (...) havia antigamente umas andilhas de madeira que as pessoas punham...
INQ Rhum-rhum.
INF Porque havia as andilhas de luxo, que eram feitas em madeira, ele de cruz atrás , que também temos lá (...) na Casa Etnográfica (...) em exposição. Por exemplo, a pessoa ia a uma festa, fazia o tapete de pôr na albarda do burro. (...) O tapete era bordado ou feito em retalhos. E punha as andilhas por cima. Também chamavam as andilhas aquilo. Mas também se fazia umas andilhas de madeira com uns tornos, que eles penduravam as canecas. Não era então todas as pessoas que usavam aquilo, mas havia pessoas que usavam. E hoje usa-se as andilhas de ferro, que têm (...) uns ganchos (...) para pôr as asas das latas.
INQ E não havia ninguém que tapasse os buracos de, dos caldeirões, e isso, aqui? Ou dos tachos?
INF Soldar. (...) Os ferreiros, às vezes, remendavam. O que havia era os gateadores da loiça, de gatear a loiça. Havia (...) loiça grosseira, que era aquela loiça que não é a loiça de barro nem é a loiça fina. Era uma loiça de barro de São Miguel, chamava-se loiça grosseira. É (...) um tipo de loiça que não é barro grosso, mas também não é da loiça fina, feita de Sacavém. (...) E também (...) os pratos e as tigelas de loiça também passavam a gatear. Mas gateavam-se os alguidares da de barro e gateavam-se os pratos e as tigelas (...) . Era um homem que passava. Eu lembro-me de haver um homem a passar que chamavam o Triola, com uma buzinazinha, e com a sua maquinazinha, e com a sua mochilazinha. Punha armas em guarda-sóis... Mas então eu lembro-me isso de pequenina (...) . Lembro-me bem dele mas foi pouco tempo.
INQ Rhum-rhum.
INF Havia então era umas pessoas aí pelas casas que se ia pôr loiça a gatear, ali. Eu ainda tenho alguidares de barro gateados.
INQ E latoeiros não havia?
INF Havia. Havia os latoeiros que até, quando se formou a cooperativa, (...) tinham lá uma oficina de latoeiro que fazia as latas para fornecer aos sócios. E ainda hoje temos aqui um latoeiro.
INQ E aquele que fazia os sapatos?
INF1 Era o sapateiro. Também tínhamos bons sapateiros.
INQ E aquele que fazia uns sapatos muito mal atamancados, dava algum nome?
INF1 Não, até porque não tínhamos assim sapateiros aqui muito mal amanhados. Tínhamos aqui bons sapateiros! E agora o que era normal era o sapateiro normalmente era deficiente: ou era cambado, ou era doente de falta de ar, ou tinha qualquer defeito para não poder fazer uma profissão normal.
INQ Rhum-rhum.
INF1 (...) Mas assim sapateiros muito mal amanhados, e se os havia, não tinham nome especial.
INQ Sabe aquela coisa em ferro que ele tinha, que era para ter a... Parecia um pé, mas era em ferro?
INF1 A forma. A forma do sapato.
INQ E eles tinham uma coisa com uma ponta mais aguda...
INF1 (...) Que é de abrir... Também isso deve ter um nome mas eu então esse nome... Eu sei o que é mas não sei chamar o nome.
INQ Noutros sítios chamam sovela a essa...
INF1 Sovela, não . Aqui chama-se sovela é aquilo que furava para coser a sola do sapato.
INQ Sim. É isso.
INF1 Mas aquilo que era... Que eu sei o que é, que eu (...) ainda até tenho uma filha minha que lhe deram uma coisa dessas que é: quando o sapato fica apertado, mete-se dentro do sapato... É uma cunha!
INQ Ah, que é para, para esticar...
INF1 (...) Para esticar o sapato.
INQ Não, eu estava a perguntar a sovela que era aquela...
INF1 Ah, a sovela é de coser a sola do sapato. Aqui havia sapateiros bons que faziam sapatos (...) de os homens usarem em dia de festa. E também me lembro que não se andava calçados. Ninguém andava calçado. Andava-se de galochas. Havia os tanoeiros que faziam as galochas, faziam as selhas, os baldes. Eram as pessoas que trabalhavam em madeira. Ia-se buscar muita madeira de cedro (...) à rocha da caldeira, para fazer os cepos - que se chamava cepos aquilo com que se fazia as galochas para calçar. Aqui nunca foi estilo os homens andarem de galochas; andavam de albarcas. Depois começou-se a fazer umas 'traquinetas', também feitas de madeira, mas então já mais embelezadas, com umas riscas, pintavam-lhe, faziam uns enfeites. Às senhoras, faziam-lhas cobertas de madeira, bordavam-lhe uns raminhos por cima e punham-lhe uma tira, que era uma 'traquineta' com calcanhar, (...) que lhe batia. Era um sapato como a gente hoje usa sapatos sem calcanhar; naquele tempo, às vezes, usava-se aquilo. Depois começaram a aparecer as sandálias. Ora a sandália era uma coisa de luxo.
INQ Isso já era tudo em cabedal ou era também de madeira?...
INF1 (...) Não. Então (...) a sandália já era feita em cabedal. Já eram os sapateiros que faziam.
INQ Rhum-rhum.
INF2 Não sei há quantos anos que eu não encontro. Eu sempre me lembro então de andar com umas.
INF1 Fazia-se as sandálias no sapateiro. Havia então umas mais baratas... Que depois começou então toda a gente a andar calçada, e a galocha já começou a desaparecer mais, começaram a fazer-se as sandálias. (...) Um par de sandálias custava setenta escudos. Era mais custoso comprar um par de sandálias por setenta escudos do que hoje um par de sapatos por sete contos.
INQ Pois. Pode ter a certeza.
INF1 Mas (...) fazia-se as sandálias, por exemplo, para se ir à missa, para se ir ao dia de São João. Normalmente as sandálias novas saíam no dia de São João.
INQ Rhum-rhum.
INF1 Eram esses sapateiros que faziam as sandálias. Então depois começaram a fazer umas sandálias (...) mais toscas, mais grosseiras, bem feitas, fortes, mas mais grosseiras para se andar pela terra, e então as outras mais (...) para o dia de festa (...) . Para o dia de festa não! Para a festa de São João - como acabei de dizer -, festa de São Pedro, para as festas populares, em que era traje (...) mais simples.
INQ Rhum-rhum.
INF (...) E então os sapatos dos homens eram feitos no sapateiro. Compravam-nos feitos no sapateiro por serem mais baratos e por serem mais fortes.
INQ Rhum-rhum.
INF Muita gente fazia sapatos no sapateiro, sapato de homem.
INQ Pois.
INF E alguns faziam-nos no sapateiro porque os pés eram tão grandes que não havia à venda sapatos que lhe servissem.
INF Mas o moinho há quarenta anos para trás não tinha a utilidade que tem hoje por o seguinte: todas as casas de lavradores tinham a sua atafona de moer. E moíam com a vaca.
INQ Rhum-rhum.
INF Até que eu há bocadinho disse (...) que o cavalo (...) só calivava, mas o meu pai tinha um macho que moía na atafona. E era muito coiceiro! E metiam-no (...) a moer na atafona e aquilo era manso como um cordeiro! Moía uma moenda sem tempo nenhum. Moía-se (...) as farinhas era (...) nas atafonas das vacas. Só quem não tinha gado é que moía (...) no moinho. Mas havia ainda muita gente que não tinha ele gado, (...) que ia moer ao moinho. Então o que se moía no moinho, que era indispensável, era a farinha do trigo. Do trigo é que nas atafonas das vacas pouca gente sabia moer. Porque o trigo tinha lá uma cerimónia qualquer que (...) não podia ser moído (...) nas vacas. Havia alguém que moía na atafona das vacas mas era poucos. Quando era para se moer (...) trigo para uma função... Eu cheguei a ir, que havia ali um moinho então, que isso era... Porque também a pessoa que moía tinha influência. Havia pessoa que sabia moer muito bem e havia outra pessoa que não moía tão bem. E também o vento! Também dependia do vento que estava. Também era o dia escolhido... Ele a pessoa que ia fazer uma função falava com o moleiro: "Olhe, eu quero moer trigo para uma função". E ele lá quando via que o trigo estava bom - o vento -, mandava a notícia à pessoa: "Olha, hoje vem moer, que hoje está bom vento". E então as pessoas iam, porque fazia-se funções com dois, três sacos de trigo. Para moer dois, três sacos de trigo era muito tempo a moer. E as pessoas juntavam, e vá, dois, três burros com as sacas - com os tais sacos de linho que se enchia o trigo para se ir moer ao moinho. E depois trazia-se a farinha, punha-se em lençóis aberta a arrefecer. Porque aquela coisa do moer com a pedra, ele aquecia a farinha. (...) Punha-se a farinha aberta em lençóis a arrefecer, e no outro dia juntava-se um grupo de senhoras a peneirar a farinha para a função, quer fosse para casamento, quer fosse para serviço. Portanto, (...) peneirava-se a farinha. Como é que se peneirava a farinha? Havia três peneiras para peneirar a farinha: era a peneira de milho, que tirava o farelo; era a peneira de alva rala, que tirava o rolão; e era a peneira de trigo, que é que apurava (...) a farinha (...) para ficar apurada para poder fazer a massa sovada. A peneira de alva rala tirava... (...) Depois passou-se a usar só duas peneiras: a fina e a de alva rala. A de alva rala tirava (...) as sêmeas (...) e o rolão; e depois (...) a mesma peneira passava duas vezes. Voltava a passar para tirar o farelo do rolão. E essa farinha depois era muito bem apertada: (...) amarrava-se em lençóis e punha-se dentro de cestos. Por exemplo, podia às vezes faltar um mês, ou cinco semanas, para fazer ele a função, mas que se queria aproveitar (...) o vento, moía-se mais cedo.
INQ Rhum-rhum.
INF (...)
INQ Mas a...
INF E não se moía senão trigo (...) e milho.
INQ Rhum-rhum.
INF Centeio e isso...
INQ E aquela farinha mais fina, mais fina, como é que lhe chamava?
INF É farinha de trigo. Era farinha de fazer a massa sovada.
INQ Rhum-rhum.
INF Farinha da massa sovada, rolão e sêmeas, (...) e o farelo. (...)
INQ Aquele mais grosso era o farelo?
INF Era.
INQ E depois vinha a sêmea...
INF A sêmea, e depois o rolão. Mas depois ainda as pessoas tiravam as sêmeas e ainda com essas sêmeas faziam bolo.
INQ Rhum-rhum.
INF E depois passaram a deixar as sêmeas junto com o rolão, e faziam o bolo (...) que se chamava-se o bolo inchado (...) só (...) com o rolão e com as sêmeas.
INQ Diga-me o que é?... Quais são as diferenças que acha da Ribeira Funda?
INF1 Da Ribeira Funda para aqui?
INQ Rhum.
INF1 "Credo! Aquela rapariga está doida! Ela já estava namorada e deixou o rapaz por causa daquele outro laparoso. Nunca se constou! Tu já 'ouvistes' isto"? "Olha, mulher, é verdade! Olha, a nossa Jesuína foi lá abaixo aos Cedros a mudar as vacas, e chegou lá abaixo, a vaca tinha dado bezerro"! Risos Agora já não se fala tanto, tanto assim acentuado, mas há trinta e há quarenta anos, era isto tal qual.
INQ Então era mais diferente do que das ou-, do que do resto das outras freguesias?
INF2 Era. (...)
INF1 (...) Dos Cedros para a Ribeira Funda fazia mais diferença do que dos Cedros para o Salão ou para a Ribeirinha.
INQ Rhum.
INF1 Mas que dos Cedros para o Salão também já se nota a diferença!
INF2 (...)
INF1 (...) O Norte Pequeno: "Credo, Jesus Maria, olha vai chover"! "Ah, credo, olha"... É (...) muito depressa e com outra guinada.
INF2 E a Praia também é diferente.
INF1 E a Praia do Norte também é: "Credo, a nossa mãe"! (...) Mas já faz diferença do Norte (...) para a Praia do Norte. (...) O Norte Pequeno pertence ao Capelo.
INQ Rhum-rhum.
INF1 A Praia do Norte é uma freguesia pequenina, mas é sozinha, lá independente, está lá só por si. Mas lugares tão perto que faça tanta diferença como os Cedros com a Ribeira Funda não é fácil.
INQ Olhe, naquele sítio então onde ela estava a amassar?...
INF Ah, estávamos era mesmo nisso.
INQ Era.
INF Portanto, a massa é escaldada e depois amassada. É amassada com água quente, fria ou tépida, depende. O que se escalde o pão e amasse ele logo de pouco tempo depois de ser escaldado, é amassado com água fria para temperar e o calor não ficar muito quente. Porque a massa se for amassada muito quente, com água muito quente, queija o pão. O pão queijado é mesmo queijado. Fica malaçado. É um pão que fica dessaboroso. Portanto, antigamente amassava-se em alguidares de barro, em selhas de cedro. Havia uns tanoeiros - chamava-se tanoeiros as pessoas que faziam os vasilhames para se amassar (...) . Hoje ainda poderá haver alguma selha mas as pessoas nem as usam. A selha era uma coisa que esvaía muito com o calor; depois ficava uma costela fora, uma costela dentro, metia-se muitas falhas (...) nas unhas das mãos; às vezes falhava-se, ficava o sangue a escorrer. As panas plásticas são muito mais práticas porque são muito lisas (...) . Mesmo que haja alguidares de barro - que ainda os há -, mas quase que são (...) uma coisa (...) de recordação, (...) de arquivo, não usam já. As selhas acabaram por desaparecer porque se esvaíram.
INQ Depois de estar lêveda, então qual é o trabalho que tem que fazer?
INF A massa sovada então é diferente: a massa sovada amassa-se... A massa sovada leva muitos fermentos. Faz-se primeiro uma reforma de fermento de milho, depois faz-se (...) o fermento da batata. Descasca-se um prato de batatas e cozem-se, passam-se por o passe-vite. Depois de passadas pelo passe-vite, faz-se-lhe um buraquinho no meio, fica (...) a batata em toda a volta e no fundo da pana fica um buraco, onde se quebram aí dois ovos... Quebram-se dois ovos, duas colheres de açúcar, bate-se aquelas duas colheres de açúcar bem batidas com aqueles dois ovos, e depois mistura-se o fermento, a reforma do fermento que estava feita.
INQ O que é a reforma?
INF A reforma é o fermento pequenino que se deixa do pão de milho, que se acrescenta com um pouco de água e farinha, (...) e faz o fermento maior. Faz um pãozinho de fermento, que é isso que se chama a reforma do fermento. Reformou porque ficou maior.
INQ Rhum-rhum.
INF E ficou mais fresco. Depois (...) mistura-se essa reforma de fermento (...) na batata e no ovo e no açúcar, e mexe-se bem mexido (...) e fica a levedar. (...) Demora, mais ou menos, duas, três horas, já está (...) ... Quando é para ela vir, porque também às vezes emolam. A gente diz: " (...) A massa hoje emolou. Não veio". Ele quando (...) os fermentos se demoram a vir, a massa normalmente também nunca mais se leveda depressa. Depois o fermento de batata estando bem lêvedo, faz-se o fermento de trigo, que é o fermento que é para pôr na massa. Para o fermento de trigo tiram-se dez ovos... Os fermentos levam uma dúzia de ovos. Portanto, dois ovos foram no fermento da batata, os outros dez ovos ficam para o fermento de trigo. Põe-se dez ovos e meio quilo de açúcar, contando com as duas colheres que já se tinham posto no fermento da batata. Bate-se (...) os ovos bem batidos com o açúcar e mistura-se-lhe o fermento da batata. E amassa-se. Mas normalmente precisa de levar mais molho, porque fica (...) muito enxuto. O fermento para levedar depressa tem que ficar um bocado - a gente chama 'molancacho' - meio mole. Deita-se-lhe água que baste, água que fique em bom tempero, e depois fica a levedar. Normalmente faz-se o fermento (...) de milho - o fermento de trigo - por volta das dez, onze horas, para se amassar a massa à tarde - à noite. (...) O fermento depois fica a levedar e é mexido duas vezes com uma colher de pau (...) para fermentar bem, para ficar bem lêvedo. Depois para se amassar a massa de trigo, (...) para dez quilos de farinha, põe-se: três dúzias de ovos, ou três dúzias e meia - depende dos ovos que se tenha e que se queira pôr -, três dúzias e meia de ovos, três quilos e meio de açúcar... Porque o outro meio quilo já ficou no fermento. São quatro quilos de açúcar para dez quilos de farinha. Normalmente nós fazemos dez quilos para uma fornada. Três quilos e meio de açúcar (...) com as três dúzias de ovos ou três dúzias e meia, raspa de dois limões - se não são muito grandes, põe-se três -, uma noz moscada, um copo de aguardente e um bocado de manteiga crua, umas cento e vinte cinco gramas de manteiga crua, depois aquilo bate-se muito bem batido, muito bem batido, até ficar mesmo muito leve, muito bem batido. Depois de bem batido, mistura-se-lhe o fermento. O fermento torna a ser muito batido e muito bem dissolvido (...) naquele molho e depois põe-se a farinha - os oito quilos de farinha, porque os dois quilos já tínhamos no fermento de trigo.
INQ Rhum-rhum.
INF Portanto, amassa-se. A gente chama aquilo é: tomar a massa. Começa-se a andar com aquela massa de roda, (...) aquela farinha vai chupar aquele molho que está no alguidar. Depois de estar bem tomada, começa-se a amassar.
INF1 Depois amassa-se a massa com água. Quando era (...) as massas dos nosso trigos, dos trigos de casa, amassava-se só com os ovos e dava bastante. Mas agora com as farinhas de fora não se pode amassar a massa só com ovos, tem que levar água para a massa criar fêvera. A gente chama criar fêvera é a massa (...) que liga. Portanto, a gente (...) deita água; quando vê que está mais ou menos em tempero de a massa poder ficar bem, a modo de se tender... Porque a massa muito dura custa a levedar e fica uma massa entoirada. A massa mais macia chega mesmo mais depressa, leveda melhor e fica mais macia. (...) Quando ela está em tempero bom, põe-se a manteiga, que é cozida. Para dez quilos de farinha põe-se (...) - ah! - um quilo e meio de manteiga e, mais ou menos, cento e cinquenta gramas de banha de porco, derretida junto com a manteiga.
INF2 Um quilo e meio de manteiga.
INF1 Põe-se a manteiga cozida em tempero que se possa meter as mãos, amassa-se a massa com a manteiga. Quando se acabou (...) de usar aquela manteiga toda, está a massa amassada - que fica a levedar. Leveda, mais ou menos, quatro horas no alguidar - quatro, cinco horas. Depende. Às vezes, também demora, quando o tempo está mais frio... Mas como eu acabei de dizer, o plástico é uma coisa que isola e que não deixa ficar a massa muito tempo sem levedar. Quando a massa está bem lêveda, que (...) já encheu bem o alguidar, põe-se a massa no tendal, nos tabuleiros. Portanto, os tabuleiros são de lata (...) - ou alumínio, depende, mas nós aqui usamos é a lata porque o alumínio é muito caro -, untam-se com banha, e depois polvilha-se a lata com farinha de trigo. Põe-se a massa em tabuleiros a levedar e volta a levedar. O mesmo tempo que esteve no alguidar, está (...) nos tabuleiros. Aquece-se o forno... O forno quente para a massa é diferente do que para a massa do milho. É com menos calor. Aquece-se o forno de meio para diante; depois de o forno estar quente - com o calor que lhe pareça -, estende-se aquele brasido (...) da lenha que ardeu... Antigamente só se cozia massa sovada com rapa e com palha de tremoço. Hoje aquecemos o forno com qualquer coisa. Depois tempera-se, aquece-se o forno... Há pessoas que só cozem a sua massa no calor do pão de milho. Cozem o pão de milho, tiram o pão de milho e deitam a massa para dentro, mas nós não fazemos assim. Nós (...) aquecemos o forno só mesmo para a massa. Tempera-se... Para temperar o forno, varre-se bem varrido com um varredor com água, molha-se o varredor em água e passa-se o forno. Depois põe-se (...) farinha de trigo num prato ou numa tigela e deita-se pelo forno dentro. Espalha-se pelo forno e vê-se. Há fornos que precisa (...) a farinha ficar (...) com mais cor, outros que a farinha fica mais branca, porque guardam mais o calor e vão a rosar lentamente. Isto para temperar o calor para o lar. Para cima, há pessoas que até só temperam o forno... Há pessoas que só temperam o forno (...) para a massa pular. Eu, por mim, tempero por cima e por baixo, para ver o calor de cima do forno, quando é que está a modo de pôr a massa. Rezo uma ave-maria. Deito o braço por o forno dentro, rezo a ave-maria e quando vou começar na "Santa Maria" já tem que ter calor que eu arrede o braço para fora. Aí é que está o calor temperado para poder pôr a massa e ela ficar em boa cor. Depois de a massa posta no forno... Põe-se a massa no forno e ela perde a cor, fica muito branca, muito branca. (...) Se a massa está lêveda, que não passou de lêveda e que está bem lêveda, a gente começa a ver que a massa vai começar a subir devagarinho. Se a massa passou de lêveda (...) cá fora, chega ao forno, a gente põe-a no forno e ela sobe muito, e dá uma pancada e desce, e já fica abatida. É a massa que passou de lêveda. Depois de a massa ficar branca, começa a perder aquela cor (...) dos ovos, começa a ficar muito branca, tapa-se com jornais. E fica tapada ali uma meia hora, depende (...) dos fornos. Há fornos que demoram muito a dar o calor de cima, há outros que (...) dão mais depressa. Se o forno demora mais a dar o calor de cima, tira-se os jornais para fora mais cedo para então dar a cor à massa. Porque a massa é tapada para não rosar sem levantar, dar tempo de cozer a massa e não ficar com cor demais. (...) Se o forno rosa muito depressa, fica... Às vezes há fornos (...) que cozem a massa toda (...) com jornais por cima, porque senão ficava a massa com cor a mais. Quando está ali (...) ... Depende do tamanho dos pães. Há pães grandes, há pães mais pequenos, mas o normal (...) dos pães que se faz é de estar ali três quartos de hora, uma hora, e é cinco quartos de hora no forno. Depois de tirada, logo que ela está saborosa é comê-la.
INF1 O pão de trigo aqui não se faz.
INF2 Cheira bem.
INF1 Antigamente faziam pão de trigo, faziam pão de leite, fazia-se muito bolo inchado, que foi o bolo que eu me referi do rolão. Hoje em dia pouca gente faz. O bolo inchado, ainda há alguém que faça mas poucos. E pão de trigo, não conheço ninguém que faça aqui no nosso lugar pão de trigo. O pão de trigo aqui era feito... Eu ainda cheguei a fazer algum, mas não é feito daquele pão saboroso da padaria. É bom para comer mas fica sempre um pão adocicado. Por exemplo, se fizesse sopa... Ainda há pouco tempo - este ano -, fez uma pessoa aqui uma função - ela era de São Miguel e fez uma função do Espírito Santo - e é que fez (...) o pão para as sopas. As pessoas não gostaram das sopas só por causa do pão. O pão é feito diferente do pão da padaria. O pão da padaria para sopa é muito mais saboroso que o nosso. O pão de trigo que se fazia aqui, pois era também o fermento de trigo, (...) amassado com água e farinha com fermento de milho, e depois era amassado, tomava-se (...) a farinha com água morna (...) ... Primeiro se tomava a farinha com fermento, e depois deitava-se-lhe a farinha (...) de trigo e deitava-se água que tomasse. Fazia pão fofo e fazia pão... Quando se ia à lenha - que antigamente ia-se à lenha com carros de vacas -, nesse tempo que o pão de trigo era (...) melhor que massa sovada hoje, realmente o pão era muito saboroso. Levavam queijo, levavam bananas, levavam doce... Fazia-se doce para levar (...) nos dias da lenha, e fazia-se queijo em casa - queijo frescal - para comerem com esse dito pão de trigo cozido em casa. Mas pão para sopa nunca fizemos aqui no nosso lugar. O pão de leite era feito precisamente (...) com os mesmos ingredientes da massa sovada, só que não levava (...) ovos. Em vez de se pôr os ovos, punha-se o leite. Mas também não é uma coisa que se use muito.
INF Uma outra coisa, (...) as brindeiras de pão de milho antigamente eram usadas para fazer esmolas. Aparecia muita gente pobre a pedir e havia pessoas pobres que não podiam cozer o pão. Eu ainda me lembra de passarem pelo menos três, quatro pessoas. Eram pessoas assíduas todas as semanas. E quando se tendia o pão já se fazia umas brindeirinhas para os pobres que iam passar a pedir, umas brindeirinhas pequeninas. Ele por exemplo, ainda me lembra, era o tio Jeová de São Miguel, era um homenzinho já de idade - não sei com certeza que ele tenha vindo de São Miguel, mas chamavam-lhe o tio Jeová de São Miguel -, usava um bordão muito grande, debaixo do braço, por causa dos cães. E era uma casa (...) de uma família pobre, ali, de raparigas, que tinha-lhe morrido o pai. E eram ali outras raparigas também que lhe tinha morrido o pai, as Jeremias. Eram estas as pessoas que todas as semanas passavam a pedir a sua brindeirinha de pão de milho.
INF E aqui há uma coisa muito interessante - agora já (...) as pessoas se vão esquecendo mais -, é que uma pessoa solteira queria sempre comer a ponta do pão para se casar. (...) Porque quando se fazia as funções, as pontas das brindeiras - a gente chamava era as pontas das brindeiras - era cortada fora, não era delicadeza pôr a ponta da brindeira à mesa. E partiam-se (...) aquelas pontas (...) da massa. Mas lá vinha uma rapariga ou um rapaz: "Ah, dá cá essa ponta da brindeira, que eu quero-me casar"! Era uma graça (...) mas era um costume.
INQ Olhe, e aqueles bocados da lenha que eram mais grossos, como é que se chamavam?
INF1 Ah, aquilo chama-se (...) achas, toros de achas. Mas era só as que eram escachadas.
INQ Não eram umas... Diga. O toro grande...
INF1 O toro era serrado e depois era escachado, que fazia achas.
INQ Exactamente.
INF1 (...) Ele aqui havia então muita dificuldade (...) em arranjar lenha, havia muita dificuldade. Era na Praia do Norte. Mas as pessoas até nem queriam vender...
INF2 (...)
INF1 Ah, mas isso é agora. Mas naqueles anos não havia lá achas dessas.
INQ Eram maiores?
INF1 Eram muito miudinhas que (...) as pessoas cortavam a lenha (...) em muito pouco tempo.
INF2 Também poucas vezes que se vai à lenha.
INF1 Portanto, quem tinha um bocado de terra na Praia do Norte era tanto rico, ou aquela terra valia-lhe tanto como se tivesse uma terra de dar pão para milho.
INQ Rhum-rhum.
INF1 (...) Estava "dar pão para milho"? Dar milho para pão!
INF2 Dar milho para pão.
INF1 Porque (...) a lenha era muito custosa de adquirir. Havia muita gente com apoios ... Havia cá as pessoas que cozinhavam, e tudo era à base de lenha. Em casas de muita gente todo o dia o lume ardia! Faziam comida... Havia pessoas que faziam o caldo - que a gente aqui chamava caldo -, o caldo, às vezes, era duas vezes ao dia, porque não tinham outra coisa para pôr na mesa. Punham umas couvinhas, uns funchinhos, (...) uns feijões e faziam as suas panelas de comer. Portanto, havia casas que iam buscar três, quatro carradas de lenha por ano, mas aquela lenha só vinha num dia. Juntavam-se os vizinhos e as pessoas amigas, parentes, e iam buscar a sua lenha num dia.
INQ Era lenha de quê?
INF1 De faia e incenso. Quatro carradas. Quatro carros. Saíam daqui quatro carros, cada carro com duas juntas de vacas.
INQ Rhum-rhum.
INF1 Mas iam carreá-la muito longe. Chamavam ao lugar o Branco. (...) Às vezes andavam meia hora e a mais (...) com a lenha às costas. Carreavam em molhos ao pé do carro, ao pé do carregador, e depois faziam as carradas, carradas grandes. Que então isso é que é engraçado, mas eu então não sei. Era (...) carregada nos paus. Faziam aquelas carradas muito bem feitas, e depois vinham... Eram caminhos somenos. (...) As sirgas duns carros ajudavam-lhe a passar os carros. Passava um carro de cada vez (...) pela estrada para poderem ajudar a puxar a lenha. E depois de chegarem à estrada, cada carro trazia as suas duas juntas de vacas para puxar o carro até à porta.
INQ Rhum-rhum.
INF1 Mas para irem para a lenha, para poderem chegar a casa com a lenha aí às vezes pelas quatro, três, quatro horas da tarde, e às vezes às cinco, caminhavam de casa pelas duas, três horas da madrugada. Portanto, era (...) esse pão de trigo que se cozia, o pão de leite, para eles levarem, que era o farnelzinho que levavam para comerem. Eles chegavam lá ao amanhecer, às vezes ainda andando que não se via bem, começavam a amarrar lenha e carrear a lenha. Traziam a lenha para o carregador, comiam, carregavam o carro e vinham-se embora. Mas para chegar com a lenha de lá aqui, muitas vezes gastavam duas, três horas de viagem.
INQ Rhum-rhum.
INF1 Portanto, chegavam aqui, descarregavam a lenha e tinham o seu jantar (...) para comerem. Por exemplo, (...) quem fosse à lenha: (...) cada carro era três, quatro homens. Uma carrada que levasse quatro homens (...) ... Um dono que levasse quatro carros dava comer a dezasseis homens. Havia pessoas que era com famílias muito numerosas que iam muitos dias no Verão à Praia. Às vezes dias seguidos! E eles carreavam lenha a ficarem com os ombros esfolados de carregar aqueles molhos. Depois não era carrear a lenha em caminho direito, era em caminho (...) ... Ai, como é que se chama?
INQ ...
INF1 Mistério . Era aquele caminho com aquelas pedras por baixo. Eles levavam albarcas.
INF Depois com o vulcão dos Capelinhos, os carros do Estado... A lenha até ficou muito coberta de cinzas e ficou muito difícil, (...) mas as pessoas eram... As pessoas da Praia do Norte são egoístas! São pessoas que pensam muito em si e não pensam nos outros. Até de Inverno se ia buscar incenso então ao mistério. Mas então (...) há ali umas certas zonas (...) no Capelo e na Praia do Norte que é baldio. (...) É concelho. Não é baldio, é concelho. Portanto, aquilo é do Estado, iam buscar uma senha ao Estado, aos Serviços Florestais - agora reportam é para os Serviços Florestais - e autorizavam que se fosse buscar incenso; mas lenha não, só incenso. Com o vulcão dos Capelinhos, começaram (...) os carros do Estado a transportar esses incensos, porque o gado (...) ficaram aí poucas e mesmo (...) não comiam coisa que pudessem carrear. Isto também aqui passou-se uma crise grande nesse tempo. Portanto, eles começaram a achar que era bom carrear (...) a lenha de carro. Depois a vida foi mudando, (...) as pessoas emigraram, isto ficou mais leve, porque já se precisou ou começou a precisar de menos lenha depois que chegou o gás. Eu penso que todas as casas ainda usam lenha. Uns mais, outros menos, mas sem usar lenha nenhuma acho que ninguém...
INQ Mas qual era a diferença entre o concelho e o baldio?
INF Baldio é (...) os cerrados fora da serra; o concelho é as terras que pertencem ao Estado mas que não são no mato.
INQ Portanto, e com, com esses toros fazia as achas, como já disse. Com o que é que fazia?
INF Mas a lenha era feita às achas era à porta.
INQ Ah!
INF Era carreada, (...) nos carros, a lenha tal qual ela era. No mês de Março - Março, Abril -, eles iam cortar a lenha. Mas aquilo iam cortar... Por exemplo, iam comprar quatro carradas de lenha, e eles marcavam-lhe um lote de terra, as pessoas lá. Porque pouca gente tinha terra na Praia (...) ... Daqui dos Cedros, pouca gente tinha terra de lenha na Praia do Norte; iam era comprar às pessoas da Praia do Norte.
INQ Rhum-rhum.
INF Apareceu (...) a comprar terra de lenha, foi (...) umas... O meu sogro então é que saberia contar isso. Eram uns - como é que se chamavam? - uns ricaços... Não é ricaços, como é que se diz? Pessoas antigas que tinham aquele terreno e isso foi leiloado. Dividiram em lotes e foi (...) leiloado. Fizeram muita campina. O meu sogro comprou onze alqueires de terra (...) que lá ainda tem, que é a que a gente ainda quando precisa vai lá buscar. Outros compravam três, outros compravam... Aquilo foi dividido e foi arrematado. E então nessa altura é que mais umas pessoas vizinhas aqui dos Cedros ficaram a ter terra de lenha. A não ser, era tudo comprado àquelas pessoas da Praia. E elas exploravam. E não eram pessoas que fizessem aquilo...
INQ Então chegavam depois...
INF Regateavam.
INQ Pois.
INQ Mas as ovelhas daqui nunca se misturavam com as ovelhas, com as ovelhas, sei lá, de Castelo Branco, coisa?
INF As ovelhas de Castelo Branco e de lá estavam juntas com as nossas.
INQ Mas depois quando iam...
INF (...) Eles tinham os seus sinais.
INQ Rhum-rhum.
INF E cada um ia ver o seu. Conhecia as ovelhas. Não era conhecer a ovelha em si, era conhecer (...) o sinal que a ovelha tinha.
INQ Mas depois como é que conseguiam separá-las e juntar todas as dos Cedros? Portanto, não tosquiavam no mesmo dia?
INF Tosquiavam... (...) O ajuntamento era feito, por exemplo, três, quatro dias. Quando era para tirá-las da caldeira, eles iam... Aquilo era perigoso!
INQ Tinham de lá ir então?
INF Mas é que praticamente as pessoas que cultivavam (...) ovelhas era aqui esta zona. Pouco mais. (...) A zona de trabalhar eram os Cedros. A mulher dos Cedros é diferente. Não é por ser mas é... Ele trabalhar as lãs, trabalhar as palhas, trabalhar o linho, era praticamente só nos Cedros. Não quer dizer que não houvesse uma ou outra ovelha lá, que viessem com o porquito . Eu até, também então quanto a essa coisa da ovelha, estou muito recordada, que havia um guarda campestre (...) do Castelo Branco e havia um guarda campestre da Ribeira do Cabo, que vinha aqui no dia do ajuntamento. E eu penso que era por causa desses... Que eles traziam uns livros dos sinais. Portanto, a pessoa inscrevia-se e escrevia o seu sinal. (...) E ia procurar a ovelha pelo sinal. Os cordeiros, muitas vezes os cordeiros cresciam, porque nasciam uns mais cedo, outros mais tarde. Os cordeiros que estavam com as mães eram conhecidos porque andavam atrás das mães; os que já tinham sido crescidos, que já não tinham sinal, e que não se sabia quem era o dono, eram arrematados. E não tinha dono, porque não tinha sinal nem tinha mãe. O que tinha mãe era assinado no sinal da mãe; o que não tinha mãe nem tinha sinal, era arrematado.
INF Ah, mas eu então não acabei a conversa ainda foi das ovelhas. As ovelhas eram juntas três, quatro dias e postas num curral.
INQ Rhum-rhum.
INF Todas as ovelhas que vinham da caldeira iam para aquele curral. Era um curral, sei lá, aí uns dois alqueires de terra em curral, e tinha um outro curralinho mais pequeno para os cordeiros. Portanto, as ovelhas iam para aquele curral, e os donos iam escolher, e marcar, e vinham os guardas campestres (...) com os seus livros (...) para ver (...) as ovelhas.
INQ As ovelhas.
INF Portanto, naquela altura é que os donos sabiam as ovelhas que tinham.
INQ Rhum-rhum.
INF E tosquiavam-nos e tornava-as a deitar fora.
INQ Mas havia algum sítio onde se amarrava as ovelhas até tosquiar, ou não? Quando se iam escolhendo. Ou iam tirando, tosquiavam é mandavam para fora?
INF (...) É. As ovelhas eram amarradas. Por exemplo, havia um dono que tinha quatro... (...) Também as ovelhas não era uma coisa (...) das pessoas todas do lugar - deste lugar.
INQ Rhum-rhum.
INF Era aqueles que gostavam mais, era aqueles que tinham mais tempo disponível (...) ... Porque ainda perdiam muito dias e muito tempo para andarem naquilo. Embora não fosse durante o ano todo, mas, por exemplo, durante aqueles dias (...) dos ajuntamentos era praticamente uma semana (...) para ajuntamento. (...) As ovelhas, também havia uma raça de ovelha muito miúda. Depois começou a haver esta ovelha da raça (...) mais grada, a ovelha mais bonita, que não se dava tanto bem no mato. Porque era uma ovelha mais pesada, uma ovelha que, muitas vezes, (...) não se dava tanto bem no mato. (...) Então as pessoas amarravam as suas ovelhas e tinham ali os seus montinhos: um tinha quatro ovelhas, outro tinha dez ovelhas, é conforme. Tosquiavam-nas e depois de tosquiadas tornavam-nas a pôr a andar.
INQ Aqui...
INF Ficavam à solta.
INF É uma vaca bem armada, uma vaca (...) muito feia de armação. Até que aqui tinha-se o costume de se enfeitarem os galhos das vacas. A vaca que tivesse o galho mal feito, que tivesse os galhos curtos, havia aqui os ferreiros... Havia os ferreiros e havia pessoas habilidosas, que emponteiravam as vacas - chamava-se emponteirar as vacas. Era com as vacas mortas, que iam buscar as pontas dos galhos... Eu lembro-me então de a gente ter pelo menos três vacas emponteiradas. E depois faziam-lhe uma chapa enrolada (...) nessas pontas dos galhos
INQ Nesta ponta.
INF e ali cravavam, e ficava a vaca bem armada, com as pontas acrescentadas.
INQ E aquela que tinha os galhos para baixo não se dizia nada?
INF Mas a vaca com os galhos para baixo é menos anos. Daquela raça de gado antiga, normalmente (...) eram armadas. Podiam era ser mais curtos, ou mais compridos, ou mais fechados, ou mais abertos, mas descidos para o chão é desde que é desta raça holandesa. Antes não havia. E também se embolava as vacas, que é umas bolas de metal amarelo que se punha nas pontas dos galhos.
INF1 Também se diz que estava de barriga cheia. Mas (...) o remoer, há aí um pormenor (...) do remoer... Porque antigamente as pessoas, não havia veterinários, as pessoas não usavam (...) médicos, não tinham medicina. Mas quando a vaca aparentava doente, deixava de remoer. Sinal de doença é a vaca não remoer.
INQ Sim.
INF1 E ia-se aos curiosos, pessoas que tinham uma certa habilidade, (...) um certo conhecimento e receitavam remédios (...) caseiros: chás de ervas, aguardente de arrúdia feita com chás de marcela, de nêveda, de poejo. Havia vacas constipadas (...) ...
INF2 Os galhos frios também era...
INF1 O galho frio também era (...) das maneiras de (...) diagnosticar a doença. Só que a vaca dava sinal (...) de melhoras quando começava a remoer, quando voltava a remoer.
INQ Como é que chama à porcaria da vaca?
INF1 Estrume ou bosta.
INQ E tinha um sítio onde se arrumava a bosta toda que era para depois levar...?
INF1 Sim. (...) O gado, quando estão em casa, a gente chama a rua do esterco. Portanto, havia...
INQ Isso era cá fora, depois? Fora de casa...
INF1 Na rua. (...) Tem a cova do gado.
INQ Rhum-rhum.
INF1 Chama-se a cova do gado e todos os dias, ou de manhã ou à noite, eles limpam a cova, deitam fora na rua, e aquele esterco fica ali a curtir - chama-se o esterco -, porque eles fazem cama (...) com o toro do milho, com mondas... E aquilo fica ali a curtir para depois quando as terras estão despejadas se estrumar as terras, deitar (...) esterco na terra.
INQ E o do porco também ia para o mesmo sítio ou ficava mesmo no próprio?...
INF1 Depende. Quando (...) o porco fica perto da rua do esterco, pois, como é o nosso, no meu caso, tanto se deita o esterco da vaca como se deita o esterco do porco. Mas quando ficava mais distanciado... Antes também se fazia cama aos porcos, também se serrava toros (...) nos currais.
INQ Pois.
INF1 Agora normalmente os currais todos são acimentados, são é lavados e não se faz estrume, não se aproveita o estrume do porco. Aproveita-se mais a urina do porco do que o estrume. Porque (...) quando o curral é lavado, desfaz aquele esterco do porco, e torna-se num líquido e as pessoas também estrumam as terras com a urina do porco.
INQ Rhum-rhum.
INF1 Mas mais perto. (...) Não é transportado para terras longe.
INF O queijo então era posto o coalho (...) no leite e ficava ali um bocado. (...) Quando o leite era tirado da vaca e posto logo a fazer o queijo, não era preciso ser quente, mas (...) se vinha da terra ou estava um bocado frio, levava-se ao lume, a um calorzinho pouco, só um arzinho, coisa que amornasse o leite. Depois fica (...) o coalho a talhar o leite. Quando o leite (...) estava coalhado, que se via que estava bem coalhado, dessorava-se o leite. Cortava-se com uma faca, em quadros. Cortava-se a fazer quadrados e depois de estar dessorado, (...) ficava ali um bocadinho, uns dez minutos, ficava dessorado e deitava-se dentro dum coador. Às vezes era um pano, (...) ralo, branco, que dessorasse o leite, outras vezes era mesmo num ralador, quando começou a haver raladores. Mas normalmente, o ralador mas com o pano por cima. Depois (...) de estar dessorado, punha-se para dentro da forma - a forma feita com uns furos nos lados. Punham a tábua por baixo, (...) para fazer vedação, e ia-se deitando o leite. (...) A massa dentro (...) da forma e com umas pedrinhas de sal... Havia quem deitava o sal na altura que dessorava o leite. Mas eu aí era: (...) deitava um bocado (...) de massa, umas pedras de sal, e ficava ali até ao outro dia. (...) ... Até havia que diziam que o queijo (...) ... E realmente aguentar, aguentava-se melhor, mas não era mais saboroso do que o outro. Havia quem punha uma parte de leite desnatado e uma parte de leite inteiro, mas eu fazia era só com leite inteiro. E havia quem fazia o leite da cabra que ainda era então é que era um queijo mais saboroso, o queijo feito com leite de cabra. De maneira que depois aquilo ficava ali até ao outro dia. E às vezes (...) tinha-se duas formas... Porque fazia-se, normalmente, era um queijo por dia para casa. Mas havia quem tinha duas formas: o queijo ficava (...) ... Para ficar (...) o queijo mais aguentado, ficava dum dia para o outro e no outro dia é que se tirava a forma (...) e tornava-se a fazer o outro queijo. E curava, algumas vezes curava uns dias, e outras vezes comia-se mesmo assim frescal. Havia aqui duas casas na freguesia - então não muito era distante daqui - que faziam muito queijo para vender. Faziam o seu leite quase todo em queijo para vender. E depois iam até vendê-lo (...) ... (...) Uma família não me lembro de passar. Mas havia outra senhora que até se chamava a Mulher dos Queijos. Porque ia vender à Praia do Norte, Capelo, e pôr a vender nos botequins. Havia ali uma grande... Elas faziam com canas. Tinham umas tiras de canas (...) que chamavam (...) o lugar de curar o queijo. Punham num lugar mais fresco e o queijo ia ali curadinho, queijo de oito dias, de quinze dias, e vendiam. Faziam muito dinheiro com esse queijo. Mas então queijo para vender, e assim em certa abundância, era essas duas casas, ali na rua de cima. E os outros só faziam para seu uso.
INQ Mas em vime, fazia-se aqui umas coisas?
INF Ah sim, (...) ele fazia. Não mobílias.
INQ Não, não.
INF Mas faziam-se cestos, faziam-se açafates, faziam-se cancelas. Por exemplo, havia os cestos da roupa - todos os cestos (...) eram classificados lá para as suas coisas. Ele tinham o cesto da roupa, tinham o cesto de meter milho em casa, que era um cesto muito grande, o cesto de carga era um cesto que se carreava o esterco para as terras... Porque, normalmente, os carros eram pouco utilizados, as terras não tinham servidão (...) para carro, era quase tudo por atalhos. Portanto, as pessoas levavam o esterco às costas. Havia (...) os cestos próprios de carrear o estrume. (...) Era interessante, tinham o cesto do homem e o cesto da mulher, porque a mulher também ajudava a carrear o esterco para a terra.
INQ Rhum-rhum.
INF Levava (...) o seu cestinho mais pequeno. Ele havia muita terra que (...) não tinha acesso (...) a carro. Portanto, levavam os carros com o esterco para a costa, por exemplo. E chegavam lá, descarregavam do carro para os cestos para transportarem para dentro, para a terra.
INQ Mas esses não tinham asa, ou tinham asa?
INF Tinham asa. Era o cesto do estilo (...) do cesto (...) de meter o milho em casa, só que era em ponto mais pequeno.
INQ E aquele então da, que tinha uma asa, que era mais altinho para pôr as batatas?
INF É o cesto de asa. É o cesto de asa...
INQ Então e este? Este também chama?...
INF É o cesto de asa. É o cesto para ir juntar batatas para a terra, para ir deitar milho à terra... Só que, então, o cesto de deitar o milho na terra era mais... E era até muitas vezes para ir levar a comida à terra. Quando, por exemplo, estava só uma pessoa ou duas a trabalhar na terra, levavam a comida dentro do cesto de asa, e iam. Quando ia-se para a terra cavar milho de manhã à noite, ia-se para a terra... Porque para semear o milho era preciso (...) atalhar a terra duas vezes - que o meu marido já deve ter explicado -, portanto, estavam as pessoas, acabavam de semear o milho era da parte da tarde. Ficavam em casa, faziam as comidas para ir levar à terra, num balaio, à cabeça, com uma toalha muito bonita, levavam (...) era uma sopeira - não havia tachos -, era a sopeira, e com os pratos em volta e com isso. E faziam sopa de galinha, sopa de carne, porque era no tempo que se matava o gado pela festa.
INQ E esses cestos eram feitos de quê?
INF Vimes. Todos eles são feitos com vimes.
INQ Rhum. E havia algum homem que, que fazia ou toda a gente fazia?
INF Toda a gente fazia os seus cestos. Não quer dizer que não houvesse lá uma pessoa... Mas não havia pessoa que fizesse cestos para vender.
INQ Rhum-rhum.
INF Havia aqui uns senhores que então faziam cabazes, também de vimes, faziam condessas que iam vender para a cidade e que iam vender para fora da freguesia.
INQ Como é que era a condessa?
INF A condessa é o vime entrelaçado (...) ... Até também lá tinha no Núcleo Etnográfico.
INQ Rhum-rhum.
INF A condessa era porque servia para pôr pão na mesa, servia para pôr inhames...
INQ Em vime branco?
INF Era o vime branco. Era o vime torcido...
INQ Pois, portanto, era mais baixinho do que o cesto da, da?...
INF Não. (...) A condessa é uma coisa aberta, é uma espécie dum tabuleiro. (...) Olha, a minha Joaquina tem.
INQ Ah!
INF A condessa (...) é aberta.
INQ Rhum-rhum.
INF E o vime é posto entrelaçado. (...) Faz um enfeite. (...) O vime é posto entrelaçado.
INQ Era baixinho?
INF É. (...) Não era mais alto do que... Olha, era uma espécie disto só que era em vime. (...)
INQ Era em redondo?
INF (...) Em redondo. E o fundo era mais abaulado.
INQ Rhum-rhum.
INF O fundo era abaulado e era entrelaçado e, no fim, fazia um arco em volta. (...) Havia (...) as condessas com asa por cima, que, por exemplo, fazia-se as festas do Natal, que todas as crianças levavam ofertas para depois serem arrematadas. Havia a festa de Santo António, havia (...) várias festas que havia arraiais. E as crianças da catequese levavam ofertas para depois serem leiloadas. E então levavam (...) maçãs, fruta e ovos, e levavam (...) nessas condessas, que então tinham uma asinha, que levavam na mão. Havia a condessa aberta de se usar em casa com as coisas em cima da mesa, e havia a condessa com asa (...) de fazer presentes. Até, às vezes, também mandavam-se presentes numa condessa só com um guardanapo no fundo. Tudo guardanapos feitos, ou bordados, ou de renda, com as suas pontilhas de linho na ponta, que as pessoas então quando saíam tinham o brio de terem as suas... Havia as toalhas de linho tecidas no tear, mas nessas toalhas (...) fazia-se renda em algodão grosso para que condissesse com a grossura do tecido (...) da toalha. E depois punham uma franja, uns cadilhos, feitos no algodão, no algodão grosso. As pessoas tinham brio de sair... Quando saíam levavam o melhor que tinham.
INQ O cadilho era aquelas franjas que tinham para os lados?
INF Sim.
INQ E cesta, era o quê? Não chamava a nada cesta?
INF Cesta, era a cesta do pão. Ele chamava-se açafata e também se podia chamar a cesta que tinha o pão.
INQ Rhum-rhum.
INF (...) Os inhames, era sempre a açafata de os pormos .
INQ Pois.
INF Agora a cesta do pão, ainda apanhei de chamarem a cesta do pão. Porque eu já não apanhei muitas casas, como disse ontem, (...) com pão (...) em açafatas, mas ainda apanhei algumas que diziam: "Olha, foi à cesta buscar um bocado de pão".
INQ Rhum-rhum. Era parecido com o dos inhames?
INF Pois , era igual ao cesto dos inhames, só que um tinha o pão, o outro tinha os inhames. Por exemplo, o cesto dos inhames, o cesto do pão, o cesto da roupa, o cesto de deitar o milho na terra, o cabaz - até eram os vimes muitas vezes pintados em vermelho; isto era tudo com vimes cozidos e vimes brancos -,
INQ Rhum-rhum.
INF o cesto do esterco, o cesto de meter milho em casa. Havia alguém que até também fazia com vime branco. Mas também se fazia com o cesto preto. Agora o cesto da roupa era rigorosamente cesto branco.
INQ Era mais ou menos do mesmo tamanho da?...
INF Do cesto de carga.
INQ Do cesto de carga.
INF Era mais ou menos do tamanho do cesto de carga. (...)
INQ A fruta e isso, era, era um cesto, era num cesto desses?
INF É. Para ir à fruta. Até que o nosso lugar não era lugar de muita fruta.
INQ Rhum-rhum.
INF Há quarenta anos para trás não havia frutas nos Cedros, muito pouca. Banana, a banana então é uma fruta antiga aqui nos Cedros, mas não muita. Mas as laranjas, por exemplo, os Flamengos é que era o lugar da laranja. E havia aqui os vendilhões de peixe deste lugar, vendiam peixe e vendiam fruta. Por exemplo, de Inverno - e até vendiam peixe escalado -, passavam (...) a trocar por milho. Portanto, quando é que se comprava fruta? Era praticamente só por o Natal. Havia muito pouca... Eram muito raras (...) , contavam-se as casas nos Cedros que tinham quintais com fruta. (...) E mais para a zona baixa da freguesia, mais (...) para as Areias, aonde era o lugar mais abrigado, havia umas recostas e as pessoas plantavam... Mas até (...) plantavam era em recostas de ribeiro. Não era quinta feita. Era numas recostas (...) , abrigadas, e davam as laranjas. A maçã então foi uma fruta que sempre houve.
INF Eu tenho uma coisa interessante (...) que se passou comigo e com o Januário. Conhece o Januário Jerónimo?
INQ Não.
INF Ele vinha muito aqui, vinha ainda em estudante e agora veio um dia, um ano, vieram para aqui passar uns dias, numas férias. E já se vê a couve, depende, mas nós temos aqui uma qualidade de couve que cresce muito. Há couves que ficam da minha altura e mais altas. E ele chegou (...) , eu estava na horta a apanhar e ele disse: "Eh pá, quantos anos tem este pé de couve para estar deste tamanho"? Eu ri-me e disse: "Olha lá, estás a estudar mas eu ainda sei mais do que tu! Este pé de couve foi plantado este ano, em Fevereiro". Só que a terra é muito produtiva, depois o meu marido também então trata muito bem. Deita muito estrume, deita a urina do porco, deita a urina da vaca. Porque como a vaca fica de noite em casa, dentro da cova, há ali uma vedação que a urina veda.
INQ Rhum-rhum.
INF E ele (...) enche, põe nuns baldes e vai deitar na horta. Deita (...) nas couves, deita no cebolinho (...) ... E (...) fica a terra muito forte, (...) dá couve muito bonita. (...) Agora o repolho também não é uma hortaliça que se use há muitos anos aqui no nosso lugar. Praticamente, o que se usava aqui era couve e nabo. O repolho, a couve-de-lombarda, a couve-de-talo-branco, a couve-flor - que não se cultiva couve-flor aqui no nosso meio -,
INQ Rhum-rhum.
INF poderá haver alguém que use mas só comprando (...) no mercado.
INQ E um que costumava crescer perto das ribeiras, que dava uma folhinha verde, que depois também se fazia sopa, e também?...
INF Agrião. Agrião. Esse agrião então era usado. Não eram todas as pessoas, mas havia pessoas que iam buscar o agrião da água. E há o agrião da terra.
INQ Pois.
INF (...) O que era vulgar em todas as casas era (...) a couve e o nabo. A couve era usada em sopa de feijão, chamava-se o caldo de feijão, que era posto couve, alho, cebola e funcho. Não se fazia sopa de feijão que não tivesse couve e funcho (...) e o alho e a cebola. Depois é que se começou a ir pondo o endro e o coentro. Mais o coentro do que o endro.
INQ Rhum-rhum.
INF Quando era de Verão, por exemplo, (...) a sopa de queijada, a sopa de queijada é a fava (...) descascada e tira-se-lhe aquela casca de fora, fica só o miolo da fava por dentro. Chamava-se queijada. Então aí é que (...) não se fazia sem ter o coentro. Essa era. Mas era comida que se fazia de Verão.
INQ Pois.
INF Não era de Inverno. De Inverno não se usava muito coentro. (...) Já se usa coentros desde que eu me conheço. Mas antes não. Antes usava-se o coentro e o endro era (...) só na sopa da carne.
INQ E espinafres por aqui não havia?
INF Agora há. Mas então já depois que eu tive as minhas filhas
INQ Rhum-rhum.
INF é que começaram os médicos a aconselhar que era bom dar sopa (...) de espinafres ele às crianças, aos bebés, e então já começaram a cultivar. Mas ainda não é uma comida que seja (...) do dia-a-dia, das pessoas. É mais para bebé (...) ... As pessoas como não foram habituadas nem se habituaram nem gostam.
INF Marroio.
INQ Marroio. Isso não sei o que é.
INF O marroio é uma coisa que eu até me lembro dela agora porque a vi ontem.
INQ Rhum-rhum. Não, aqui não está.
INF Porque a vi ontem (...) numa casa duma pessoa, que fui acolá ajudar a tirar telha. Porque já quase ninguém usa. Mas quando se dá... Quando uma pessoa tinha muita tosse, usava o chá do marroio, que era muito bom para a tosse.
INQ Rhum-rhum.
INF Só que era, uma coisa interessante: quanto mais açúcar se lhe põe, mais amargoso fica. Mas já ninguém hoje usa isso. Eu não sei, ela tinha lá ainda... Eu lembro-me de ter aqui uma tia minha que sofria muito de falta de ar, e dava-lhe muita tosse, e ela usava esse chá do marroio. E tínhamos aqui ao pé da macieira (...) . O orégão também é uma planta que se faz chás (...) . A salva, o chá da salva para quem tem tosse. A salva, muitas pessoas ferviam o chá da salva, e batiam uma gema do ovo, punham aquele chá da salva com a gema do ovo. Outros era a salva fervida com leite. Também se fazia. (...) Praticamente, as pessoas tratavam das suas doenças, destas doenças do dia-a-dia, era com remédios caseiros.
INQ Pois. Porque não havia...
INF O leite fervido com o alho, também se usava muito quando a pessoa tinha tosse, que era um bocado esquisito de beber. E não era só o ser esquisito de beber, é que ficava sempre a dar aquele cheiro. A pessoa arrotava (...) e ficava sempre a dar aquele cheiro ao alho, mas era bastante bom.
INQ Este feijão?
INF Feijão-verde. Também é uma das coisas que é de poucos anos.
INQ Rhum-rhum.
INF Não se cultivava feijão-verde. Aqui cultivava-se o feijão-rolo, o feijão de subir, que era um feijão que trepava pela cana do milho acima, mas que não se comia verde.
INQ Rhum-rhum.
INF (...) Não. Comia-se verde (...) já a querer amadurecer. Mas comer (...) a vagem do feijão verde é há poucos anos.
INQ Pois.
INF A pessoa vivia isolada (...) ... Agora as pessoas começam (...) a conviver, começa a haver a comunicação social, começa a haver estas culinárias, estes livros (...) de receitas e as pessoas começaram-se assim a abrir mais e a adaptar. Mas a comida típica do nosso lugar dos Cedros era: leite, inhames, os condutos dos porcos - como eu já ontem disse - fritos e quentes,
INQ Rhum-rhum.
INF batatas escorridas com peixinho. (...) A cebolada era um bocado de cebola crua, que ele hoje faz-se salada com a cebola crua, com ovos cozidos. Por exemplo, eu já era uma moça quando vi a primeira vez que se fazia salada, que se punham ovos cozidos entre cebola crua (...) . Fazia-se o molho cru para comer (...) com a batata escorrida, com a batata do Verão. Era só salsa e alho - a salsa picada, e alho, e vinagre. E molhavam naquele vinagre. Não se fazia as saladas que se fazem hoje.
INQ Pois.
INF Até que hoje já toda a gente que faz batata de Verão, ou que faz peixe, (...) acompanha com salada, com tomate, com (...) a cebola às fatias, às rodelas, (...) com a alface, que já hoje se usa muito mas não se usava.
INF (...) Nós aqui (...) costumava-se até semear (...) os nabos entre o comer do gado.
INQ Rhum-rhum.
INF Porque fazia-se o comer de porco... A carne de porco salgada fazia-se escorrida, com couves, batata, batata-doce. Tosse E também se fazia sopa de nabo.
INQ Rhum.
INF Por exemplo, (...) o porco, a carne de porco cozida com couve era escorrida. Deitava-se fora a água. A sopa de carne (...) de porco com nabo era feita em caldo. Punha-se (...) o nabo, o cebolo e o alho, que é um tempero que vai a todas as panelas, e punha-se o nabo, a folha e a cabeça, se tinha cabeça. Como se usava muito o nabo, naquele tempo, com o porco - que até penso que agora já ninguém (...) coze -, era semeado entre os outonos do gado. E normalmente, como aquilo semeava-se quando outonava as terras, (...) o nabo ficava na terra até (...) Abril, Março, Abril, que era quando (...) despejavam a terra, (...) já criava cabeça. Nessa altura usava-se a cabeça do nabo. Aquilo o nabo, chamavam o nabo... Agora há muitas qualidades de nabo porque se adquirem as sementes que vem de fora.
INQ Rhum.
INF Antigamente só havia uma qualidade de nabo: era um nabo amargoso que dava uma cabeça redonda, mas a folha do nabo era amargosa. Quando uma pessoa tinha doença: "Olha, vai (...) fazer-se-lhe um caldinho de nabos, que aquele amargozinho pode ser que lhe abra o apetite". Depois ele começou a vir umas sementes, porque as pessoas, os nossos emigrantes, vinham aí e também traziam das suas coisas, e começou a vir uma semente da América que chamavam, mesmo chamavam nabo-americano. Era um nabo adoçado e que havia muita gente que não gostava (...) do nabo, porque (...) não era o gosto do seu nabo.
INQ Não havia nada que chamasse então a nabiça? Não?
INF Não.
INQ À folha não se chamava nabiça?
INF Não. Era a folha do nabo e a cabeça do nabo.
INQ Este também já falou há bocadinho nele...
INF Sim, a cenoura, também não é uma coisa muito... O tomate, também este tomate, sim, é uma coisa que aparece para aí há quarenta e tal anos, mas (...) não era do (...) antigo. A malagueta é que talvez então é (...) ... Sempre me lembro de haver malaguetas. Malaguetas, malaguetões...
INQ Diga?
INF Malaguetas, malaguetões, (...) pimentões.
INQ Malaguetões é esses verdes que há aí?
INF (...) Também há pimentões vermelhos.
INQ Rhum-rhum.
INF E há a malaguetinha miudinha, que se chamava a malaguetinha-putinha.
INF Portanto, há (...) o mogango sobre o comprido, preto, que (...) é um verde muito escuro, quase preto; há o mogango amarelo, mas muito grande mesmo - também depende do terreno.
INQ Rhum-rhum.
INF Há terra que dá... Eu, por exemplo, este ano, eu nunca me lembro, tivemos muito pouco mogango. Mas há anos que eu começo a deitar mogango aos porcos no mês de Julho e deito até Março. (...) Dá carradas e carradas de mogangos.
INQ E abóboras, o que é que havia?
INF Aqui abóbora também havia mas não tantas. Era mais o mogango. Agora já há e já há muita qualidade de abóbora. Fazia-se com a abóbora: assava-se a abóbora no forno... Também se coziam (...) os mogangos, e também se assava o mogango no forno. Por exemplo, no Verão, quando se cozia a batata punha-se cada uma sua talhada de mogango para comer com a batata. E também se assava... Eu nunca fui então... Na nossa casa nunca se usou muito. E fazia-se comer de mogango, que era descascar o mogango, (...) deitá-lo aos bocadinhos e cozer... Cozia-se o mogango... Isso foi uma comida que eu nunca fiz; já comi, (...) mas eu nunca fiz; era no tempo da minha mãe é que se fazia muito. Chamava-se comer de mogango. Era o leite fervido, cozia-se o mogango em água, secava a água e depois cozia-se. Depois punha-se o leite (...) no mogango a ferver, e fervia o leite no mogango, e deitava o leite e o mogango em cima das sopas do leite e chamavam comer de mogango. Havia pessoas que gostavam muito. Eu, por mim, nunca gostei muito mas mesmo também nunca fiz.
INF A caseira da melancia e do melão é uma cova funda, uma cova (...) que leva o espaço dum cesto. E no fundo dessa cova põe-se um cesto de estrume, um cesto de esterco. E depois tapa-se a caseira com terra. E depois aquilo é em circunferência, é em redondo. E depois faz-se em redondo e (...) , por fora, (...) na parte de fora (...) daquela circunferência faz (...) a sementeira. Põe a pevide. Pode-se pôr numa caseira vinte, trinta pevides, que depois podem nem todas nascer, podem, às vezes, algumas os bichos roerem. Depois, se elas nascem todas, são (...) trabalhadas e arraladas. E pode ficar em cada caseira, sei lá, dez, doze plantas. E depois (...) as caseiras são (...) espaçosas, sei lá, um espaço de metro, umas das outras, para todos os lados. Portanto, quem faz uma horta... Fazia-se hortas de vinte caseiras, de trinta caseiras... Outros fazem caseiras mais pequenas.
INQ O feijão nunca era à caseira?
INF O feijão aqui, normalmente, é semeado (...) junto com o milho, com o milho de maçaroca.
INQ Rhum-rhum.
INF Semeia-se o milho e, de quatro em quatro regos, semeia-se um rego de feijão. Semeava-se! Depois isto aqui é um lugar muito ventoso, as pessoas, vinha às vezes um ciclone que lhe deitava os milhos todos no chão, as pessoas para tirar (...) os feijões entre meio do milho, era muito difícil, custava muito!
INQ Rhum-rhum.
INF Mas houve anos que não se podia fazer senão assim, porque as terras eram tão poucas, que a pessoa tinha que aproveitar a terra o mais que podia.
INQ E a batata também não era à caseira, nunca se fez à caseira aqui? Só ao rego?
INF Não, também (...) a batata é semeada na horta, que de cedo costuma-se a semear (...) um cestinho de asa - ou dois cestinhos - dessas batatas para chegar mais cedo, que não há Espírito Santo sem batata nova. Tem que se ter a batata nova para comer com a carne fresca. Portanto, aí era semeada ao rego, à enxada, mas sempre ao rego. Mas essa batata que é semeada assim de cedo, é também semeada com estrume. Põe-se o estrume no fundo do rego. E antigamente não era assim porque é como (...) eu estou sempre a dizer que não havia possibilidades. Havia pouca comida para o gado. Cortava-se os tremoços... Hoje já não se faz assim. Arranca-se o tremoço, põe-se no fundo do rego, e põe-se adubo, que eu ainda me lembro de não se (...) cultivar nada com adubo. Era só à base do estrume. Já hoje (...) há muita casa que já não faz estrume para nada, só cultiva à base (...) de adubo, de adubagem, ou (...) das ervas, (...) do tremoço. Porque o tremoço, há três, quatro anos para aqui, desapareceu. Há muito pouco... O que há de tremoço, pode-se dizer que é quase como (...) uma recordação (...) do que havia. Não há tremoço. O tremoço (...) deixou de haver. Ou a doença do tremoço, (...) ou a doença da terra, o tremoço deixou (...) de dar. Mas cultiva-se a fava e a aveia, o centeio, porque faz (...) o outono no lugar do tremoço. Porque o tremoço já hoje não faz falta (...) para o gado. (...) Faz falta para estrumar (...) as terras. Mas para o gado não faz falta porque vem o trevo substituir e vêm os outros comeres mais doces, que o tremoço amargava e o gado também já não gostam tanto.
INQ Portanto, aquela fruta que aparecia primeiro?
INF Ele pois era a fruta de cedo.
INQ E a outra que aparecia depois?
INF Era a fruta do tarde. (...) E havia pessoas... Até as ervilhas, havia pessoas que eram muito pobres e que tinham que governar a sua vida, porque (...) a pessoa capacitava-se que tinha que viver à sua própria custa, (...) e procurava ideias de se ir desenrascando...
INQ Rhum-rhum.
INF Por exemplo, quando se semeava agora no mês de Novembro, que se semeava as favas, em volta da terra das favas, elas semeavam ervilhas. Era a ervilha de cedo. Mas elas não comiam aquelas ervilhas. Iam vendê-las para a cidade - que era uma coisa apreciada porque chegava muito cedo -, para com esse dinheiro irem comprar (...) os seus açúcares e as suas... Que praticamente era açúcar. Porque a manteiga era feita do leite de casa, (...) a farinha era do trigo, mas precisavam de comprar o açúcar, e (...) era com esse dinheiro das ervilhas.
INF A casca da castanha é aquela parte que se descasca por dentro. Que a castanha aqui não é usada como é devido, porque esta professora nova (...) que é do continente foi fazer a castanha assada, porque elas dizem que é que é muito saborosa. Nós aqui usamos a castanha é cozida. Coze-se em água e depois tira-se a casca.
INQ Pois. E não se fazia uma festa lá, quando se ia abrir o vinho, lá com as castanhas?
INF Pelo São Martinho. Mas aqui como não havia vinho, não se faz festa de São Martinho.
INQ Então não havia vinho aqui?
INF Não.
INQ Não se fazia?
INF Não.
INQ Portanto, não havia uvas?
INF Não havia uvas. Um pé de uva, uma latada ou um pezinho de uva, mas isto então só depois da guerra (...) de 45,
INQ Rhum-rhum.
INF aonde os soldados que conviviam aí trouxeram vinhas e (...) plantaram (...) uns pezinhos. Mas agora há (...) umas latadas já muito grandes e muito boas. Porque havia aqui um padre, que esteve no Corvo (...) ... Não sei se é dos seus dias, o padre Jesuíno?
INQ O padre Jesuíno, acho que sim.
INF Esse padre (...) é muito teimoso, muito mau, (...) mas também tem boas ideias. E ele dizia: "O lugar do vinho (...) é nos Cedros! Aquela costa, por cima (...) daquela costa adiante, pôr uns salgueiros, que desviava do mar. E realmente ele tinha razão, porque agora há pessoas que têm latadas e que não há lugar nenhum que dê melhor uva (...) que os Cedros. Mas também é uma coisa em quantidade pequena.
INQ Onde é que a gente ia comprar o vinho aí?
INF As pessoas, antigamente, iam comprar o vinho à Fajã. Havia aqui na Praia do Norte, no fim da Praia do Norte, entre a Praia do Norte e o Capelo, havia um que chamavam as casas grandes.
INQ Rhum-rhum.
INF Porque eu ainda apanhei essas casas (...) sem tecto mas ainda de pé. Agora já estão caídas. E essas gentes eram pessoas muito ricas que tinham muito terreno (...) de vinhas e (...) faziam muito vinho. E era aí que as pessoas iam comprar o vinho. Porque só se usava vinho pelo Espírito Santo.
INQ Pois.
INF (...) E o vinho não era comprado ao litro, era comprado ao pote. Porque um pote (...) de vinho era, penso que seis canadas. (...) Não eram três. Eram seis canadas porque ele dava doze litros.
INQ Eram seis porque eram doze litros.
INF Que naquele tempo só se falava em canadas e não em litros. Portanto, as pessoas iam comprar o vinho (...) à Fajã ou à Praia do Norte.
INQ No meio do trigo punha-se uns, umas coisas cheias de palha, com roupa, que era para?...
INF Espantalhos, para espantar (...) a praga.
INQ Aqui nunca chamaram macaco?
INF "Está muito emacacado". (...) Também se chamava macacos. Fazer os macacos para espantar o trigo. Mas depois de estar lá posto no seu lugar, eram os espantalhos. Mas até também se vigiava a praga ao trigo. Íamos para... No tempo de semear, não tanto, mas no tempo (...) de ele amadurecer... Porque a praga aqui dava mais perda no trigo quando se começou a cultivar trigos de fora. Quando era o trigo da terra, do de cá, não... Porque muita gente cultivava o trigo, (...) não me consta. Eu lembro-me de começar a haver muita praga no trigo. Era quando se começou a vir os trigos de fora: era o trigo-branco, o 'trigo-quaderno'... Era outro trigo, eram outras sementes de trigo, talvez com menos pragana, a praga entrava melhor (...) na espiga do trigo. Portanto, nessa altura de o trigo amadurecer, punham-se os espantalhos e punham-se campainhas, espalhadas pela terra e puxava-se pelo cordão. E (...) levava-se os trabalhos para a terra, fazia-se renda, ele fazia-se trança (...) - as tranças dos chapéus de São João. Porque o dia de São João era um dia (...) de roupa nova, como a festa do Espírito Santo. Aqui, ele usa-se os trajes novos é pela festa do Espírito Santo. E no dia de São João, era um vestido de chita, ele podia ser umas galochas (...) - que não é já (...) muito do meu tempo, mas podiam ser umas galochas... (...) E muita gente ia descalça também ainda à de São João! Ou poderia ser... Ele , mas então, o chapéu de palha é que não faltava! O chapéu para ver qual é que fazia o chapéu mais bonito, com a palha mais, com tranças... Fazia-se tranças de oito palhas. O senhor talvez não tenha tido ocasião de ter visto lá (...) na casa, mas lá tem o mostruário das tranças que se faziam antigamente. Fazia-se trança com onze palhas, fazia-se com catorze, fazia-se com doze, mas não era só virar a palha e fazer a trança. Era enfeitar! Fazia-se uns arrendados na trança que faziam o chapéu mais bonito. Portanto, ia-se da parte da manhã e (...) durante o dia a praga fugia mais. Mas à tarde e de manhã, a praga apertava muito, levantávamos ali de cedo... Eu também já cheguei (...) a ir vigiar ele a praga ao trigo. Portanto, a gente levantava-se de manhãzinha cedo, ali ao amanhecer... Era lindo! Ouvir as chilreadas dos melros ou ver o sol a nascer e, de Verão, não havia frio, era (...) uma manhã amena, muito agradável, íamos vigiar o trigo, (...) a praga ao trigo.
INF O pardal então é uma ave terrível. Porque vai fazer os ninhos... Este Verão, os meus netos foram acima da casa desta, acima do tabique, por baixo da telha, e juntaram não sei se foram dois, se foram três baldes cheios (...) de pardalitos, de pardais pequeninos, que elas foram para lá fazer os ninhos. E precisávamos de saber como é que elas conseguem levar tanta (...) erva - ervas secas, folhas de foliões (...) ... Ervas secas! Por debaixo da telha, (...) por cima do tabique, e lá vão fazer os seus ninhos para ter os pardais. Mas isso então é recente, é de poucos anos.
INQ Olhe, àquela ponta então do trigo, como é que chamam, que tem uma?
INF É o espigo do trigo,
INQ Que tem lá o quê?
INF e que tem o grão e tem a pragana.
INQ Que é aquela mais fina?...
INF (...) Aquela mais áspera (...) que tinha. E que cultivava-se também (...) o centeio, e aveia, e a cevada. Porque quase toda a gente cultivava cevada para fazer os seus cafés. (...) O café era feito em casa. Por exemplo, fazia-se o café com ervilha seca, torrada, com fava torrada... Alguns punham até milho torrado, que não era então (...) o café tão saboroso. O café bom, o que se fazia ele saboroso, era com cevada, ervilha e fava.
INQ E faziam naquele moinho que eu vi lá na Casa? Um moinho pequenino de mão?
INF Sim, era. Era com esse. E havia até pessoas que faziam maior percentagem e também até levavam à atafona das vacas e moíam na atafona das vacas. Mas, os primitivos, era naqueles moinhos é que se moía (...) o café. Era. Torrava-se o café (...) ...
INQ Então quando o trigo estava maduro era a época da?...
INF Das ceifas.
INQ Dizia que se ia?...
INF Ceifar o trigo.
INQ Rhum-rhum. E o, com que, com que é que?...
INF Era uma foice. (...) Ceifava-se com uma foice de mão. Eram os homens a ceifar... Havia também senhoras que ceifavam, mas não muitas. Era normal era os homens a ceifar e as mulheres atrás a amarrar, a fazer os molhos para depois se levar para a eira. Que eu ainda apanhei o começar a debulha com as debulhadoras. (...) Chamava-se um calcadoiro de trigo, debulhar o calcadoiro. Havia pessoas que tinham muita terra de trigo, pessoas mais abastadas e que (...) debulhavam três, quatro dias no Verão. (...) Ceifava-se o trigo e, muitas vezes, (...) também não havia muitas eiras... Havia pessoas que tinham... Havia mais trigo do que eiras. As pessoas faziam os rilheiros do trigo; enrilheiravam o trigo e ficava na terra à espera; muitas vezes, à espera que fizesse bom tempo, outras vezes à espera que tivesse lugar na eira (...) para debulhar o trigo. Portanto, o dia de ceifar o trigo, havia quem ceifava de manhã à noite e dava jantar - porque aqui jantar é a refeição do meio-dia. Mas também havia pessoas que só ceifavam da parte da tarde; da parte da tarde iam ceifar o trigo. Outras vezes, debulhava-se o trigo e, se era um dia de muito bom tempo e de muito bom vento, ainda dava tempo de se debulhar o calcadoiro e limpar e à tarde ir ceifar um bocadinho do trigo. Mas (...) debulhava-se o trigo na eira com (...) dois trilhos. Normalmente era dois trilhos; quando era uma eira maior, era com três juntas de vacas e três trilhos. Aquilo era a festa da rapaziada, porque quando aquilo estava a correr bem, que já o trigo estava mais calcado, que se estava só ali a moer a palha, as crianças iam para cima dos trilhos, andar-se nos trilhos.
INF Cantava-se muito (...) no dia de debulhar o trigo. (...) A comida do dia (...) de debulhar o trigo era outra vez a galinha, sopa da galinha (...) .
INQ E quando se ceifava não punham um, umas coisas no dedo?
INF Havia quem punha. (...) O meu pai usava sempre uma dedeira. Havia quem punha (...) de coiro, mas o meu pai tinha (...) uma dedeira dum chifre duma vaca, descolado, pois, sem a parte de dentro, e aquela parte de fora é que ele punha no dedo (...) para ceifar.
INQ E de cana não faziam?
INF Talvez alguém (...) que talvez que fizesse. Mas não é uma coisa então que eu me recorde, que esteja agora em mente.
INQ Rhum-rhum. E aquela porção que eles agarravam de cada vez?...
INF É uma mão de trigo.
INQ Era uma mão de trigo?
INF Era uma mão de trigo.
INQ Depois punham logo no?...
INF Numa paveia. Era uma paveia de trigo. Fazia-se as paveias. (...) Porque havia pessoas que lhe rendia uns muito mais do que os outros (...) a ceifar. Portanto, eles iam pondo aquilo num carreiro e nós íamos atrás (...) a amarrar, a amarrar o trigo. Depois de o trigo estar amarrado, em molhos, carreava-se para o monte, e eram os homens que faziam os rilheiros. Mas ainda depois ia-se respigar a terra, juntar aquelas espigas, aqueles pés de trigo, que por acaso tivessem ficado espalhados e escangalhados pela terra. E então isso fazia-se já (...) numa mão e já não era (...) amarrado tão bem arranjado como os molhos de vime. Era mais (...) embrulhado.
INF Porque aquela maunça era escolhida... Havia pessoas que não tinham terras de trigo. E não tinham terras de trigo, iam - havia quem dava, mas também havia quem vendia -, iam medir a terra... Havia pessoas que compravam uma quarta de terra de palha. (...) A pessoa que comprava a palha é que ia cortar. Cortava a palha, trazia para casa e escolhia (...) a palha melhor. Faziam-se maunças. (...) E aquelas maunças eram depois amarradas e postas às dúzias. Por exemplo, uma quarta de terra dava, por exemplo, dezasseis dúzias... Não. Meia quarta é que dava dezasseis dúzias de palha. Porque também havia uma palha que rendia mais uma que a outra. Se o trigo fosse mais basto, se fosse melhor, dava mais palha. Portanto, ele (...) escolhia-se as maunças, amarravam-se e punham-se ao sol. E batia-se com uma maça, com a mesma maça (...) que batiam o linho. E (...) o restolho, chamava-se o restolho, (...) amarrava-se em molhos e ia-se pôr em casa do dono, porque a gente trazia a palha para as nossas casas. (...) E ia para casa do dono o restolho, para deitar na eira, para moer junto com o outro trigo, que era aquela palha que não prestava mas que tinha grão. O trigo que era das maunças, as pessoas (...) escolhiam o trigo, batiam as maunças, limpavam o trigo e iam pôr o trigo em casa do dono. E esse é que era o trigo muito limpo que as pessoas guardavam para ficar para semente, para semear para o outro ano, porque era um trigo muito limpo, muito escolhido. Havia também pessoas que não se importavam com a palha (...) e davam. A pessoa ia para lá... (...) Muitas vezes ia-se escolher... Também havia pessoas que escolhiam muita palha para vender e havia outros que só escolhiam (...) para os seus chapéus. Mas não havia casa nenhuma que não escolhesse palha, que não tivesse a sua palha para fazer os seus chapéus. Portanto, também até se escolhia no dia de o trigo ir para a eira (...) . Levantavam-se muito cedo e iam (...) estender o trigo na eira. E depois escolhia-se (...) os molhos de trigo melhor, de palha melhor e 'escapuchava-se'. Vai-se 'escapuchar' umas maunças para se fazer os chapéus. Aí era 'escapuchada' a maunça. Ele podia-se (...) escolher duas dúzias ou três dúzias de palha, porque não dava tempo para escolher mais. E então amarrava-se a maunça, punha-se ao sol, e quando era ali onze horas, onze e meia, meio-dia, ia-se bater as maunças, que já não se batiam com as maças. Então havia pessoas também que não gostavam tanto assim. (...) Era batida (...) no trilho, em baixo, a parte (...) do trilho que ia de rasto na eira, batia-se as maunças... Até os homens também ajudavam a bater. E batia-se sempre pelo lado... Porque a gente, o gado (...) encruzavam-se - iam em volta e encruzavam-se -, e batia-se sempre no trilho que estava por dentro, para não respingar tanto para fora da eira.
INQ Rhum-rhum.
INF E depois esfregava-se em cestos, quando aquilo ficava... Ficava batido mas não ficava bem... E depois punha-se o cesto (...) na banda do combro da eira e esfregava-se a maunça para cair o resto do trigo (...) dentro da eira.
INF A eira era feita de cré. Era 'acombrada' em volta (...) ... (...) Eu não me lembro de se fazer nenhuma eira nova... Não, eu lembro-me de fazer-se alguma eira nova aqui, mas poucas. Por exemplo, as eiras eram 'acombradas'; ia-se à pedreira encomendar a pedra, os combros, que era (...) uns bocados de pedra, mais ou menos do mesmo tamanho, que não era pedra da melhor, e era feita, mais ou menos no mesmo tamanho e na mesma altura. Depois era chamado o pedreiro que ia 'acombrar' a eira. A eira era 'acombrada' e depois era rodada, (...) limpavam a terra, e depois era carreado o cré. Ora, o meu marido até talvez saiba quantas carradas de cré é que levava, mas era à volta de trinta carradas de cré que se punha...
INQ Que se punha por cima da terra?
INF Não. Punha-se dentro da terra...
INQ Ah, essas pedras era para pôr à volta?
INF (...) As pedras era (...) para rodar a eira (...) ...
INQ Chamavam-se os combros?
INF Os combros, que era para vedar a eira.
INQ Rhum-rhum.
INF Ele sei lá, combros mais ou menos (...) ...
INQ Como estas que tem aqui fora?
INF Como estas que tenho aqui fora; ele mais ou menos vinte e cinco centímetros ou trinta.
INQ Rhum-rhum.
INF Portanto, depois de estar a eira 'acombrada', era rodada a eira por dentro, para ficar baixo, para depois poder levar a cré. Afundavam, sei cá, uns trinta centímetros. Porque para pôr ali dentro de vinte a trinta carradas de cré, era muita carrada. Ia-se buscar o cré ao Salão. Convidavam-se dez ou doze carros (...) ... Que eu penso que era só uma carrada que iam buscar por cada vez. Era só um dia que se ia buscar cré.
INQ Rhum-rhum.
INF Iam de manhã os carros com as vacas, (...) e ia-se buscar o cré, e estendiam o cré na eira... Havia então uma pessoa que não ganhava, mas era o mestre da eira, é que sabia destinar a eira. Portanto, a eira era feita com água, faziam como (...) uma malaçada, um barro, e era com muita gadaria, a eira bem fechada de gado a calcar, a calcar aquilo para o chão, e os homens a bater com paus. O gado apezinhavam, para fazer como um vidro, para aquilo abater, para o chão, e os homens calcavam com uns paus, uns paus que não era paus, era... Não estou a ver bem mas eu penso que era assim: o pau tinha um pau grosso, maior, em baixo, e depois em cima tinha um que encavava e o homem pegava no pau e ia batendo (...) para abater a eira; (...) feita isso era nesse dia. E depois ficava, ainda mais oito ou dez dias, sempre a trabalharem na eira, de dia. Havia (...) umas grades que não eram com uns dentes de ferro, eram com dentes de madeira. E ficavam ele durante (...) oito, dez dias - também agora não estou a prever bem, mas era (...) uma quantidade de dias - (...) o gado sempre a andar com aquela grade, para fazer o vidro da eira. (...) E então já (...) nesses dias não era ele (...) com gente de fora. Mas havia pessoas... Porque não havia muitos gados e aquilo cansava o gado! E eles iam ajudando: um dia ia um da parte da manhã, outro da parte da tarde, iam ajudando. E o que era o mestre da eira é que ia ver quando é que a eira estava a modo de ficar. Quando a eira começava a cantar - (...) a grade passava e aquilo guinchava: "Olha, já a eira está quase feita, que já está a guinchar" - já está (...) a cantar! "Já (...) a grade está a cantar". E assim ficavam as eiras feitas. (...) Ainda há umas quantas eiras aí de cré, mas poucas. Algumas acertavam muito bem, outras não acertavam tão bem. Começavam a desfazer, começavam (...) a esfarelar. Agora há (...) vinte e cinco, vinte e seis anos para cá, as pessoas começaram a substituir o cré pela cimento. E normalmente as eiras são feitas de cimento. E já há muitas eiras que desapareceram. As pessoas deixaram de... Fazem uns pequenos eirados diante da porta com cimento, porque também a eira já hoje não tem grande utilidade.
INQ Claro.
INF Não se faz já... O trigo desapareceu; (...) malhava-se o tremoço, também está com tendência mesmo a desaparecer e mesmo já havia muito pouco. Porque a eira era muito... A maior importância de a eira ser redonda era para a debulha do trigo. Porque para um malhar o tremoço, ou outra coisa que se malhe, tanto faz ser redonda como quadrada, porque malha-se de qualquer maneira. O trigo é que tinha que ser redondo para a vaca poder andar de roda.
INF Eram uns vimes (...) que ficavam muito velhos na cepa, muito grossos, e depois eram cortados e eram postos dobrados. Adornavam o vime e metiam-nos (...) numa parede. (...) O vime ficava a adornado (...) ... Mas está ali uma temporada para ficar mesmo bem adornado. Depois de o vime estar bem adornado... Era um vime grosso, (...) a parte de baixo, a parte de cima é mais delgada, porque o vime normalmente (...) a parte de cima é mais delgada. E era com isso que se malhava. Malhavam-se quatro dum lado e quatro... Punha-se o tremoço em carreiras - chamava-se uma carreira de tremoço -, (...) as pessoas malhavam dum lado e doutro. Quando um malhava, o outro levantava o malho. (...)
INQ Essa parte do vime é que batia, era para bater, ou era aquela que eles seguravam na mão? Era, era aquela parte...
INF Era. A parte grossa é que batia no chão, e a parte fina ele seguravam na mão.
INQ Mas depois havia uma corda que segurava ali?
INF Nada! Era só assim.
INQ Ah, era só um pau?! Era só...
INF Não era um pau.
INQ Ah!
INF Era um vime adornado. Não era pau.
INQ Era dobrado?
INF Era dobrado. (...)
INQ Mas era só um peça inteira? Era só...
INF Era só uma peça inteira.
INQ Sim.
INF Era uma espécie disto: o vime estava assim adornado;
INQ Rhum-rhum.
INF (...) a parte fina era metida num buraco duma parede para segurar, para ficar bem adornado, e aquilo estava ali uma temporada (...) que ficava assim dobrado.
INQ Que ficava assim dobrado.
INF Ficava com o dorno.
INQ E os homens pegavam nessa parte estreita...
INF Pegavam na parte estreita e com o adorno... Era muito difícil!
INQ Depois metiam o grão dentro de quê? Dum...
INF Dos sacos de linho, que eram tecidos no tear.
INQ E ficavam sempre aí dentro ou ia-se tirando depois então?... Não?
INF Não. O trigo, (...) se viesse da eira frio, ficava nos sacos;
INQ Rhum-rhum.
INF se chegasse quente, era posto a lastro no chão, no chão das casas, nos quartos às vezes das camas.
INQ Mas ficava aí todo o ano? Não?...
INF Não, era até ser assoalhado e ser joeirado. Porque as pessoas normalmente vendiam o que lhe restava.
INQ Pois.
INF Ele a pessoa ia vender o trigo para os celeiros, para a cidade e punham (...) ... A gente dizia: "Ficou a nossa ração". (...) Era o trigo (...) para o Espírito Santo e era as misturas para o milho, (...) para o pão de milho. Porque quando se moía em casa - o pão para casa; nas atafonas de moer em casa, nas vacas -, tinha-se uma latinha, que era a medida da mistura para o pão. E moía-se (...) aquela latinha (...) de trigo junto com o milho (...) . Por exemplo, a gente (...) ainda temos o barril que se arrumava o trigo. Arrumava-se doze alqueires de trigo para o ano. (...) Era um barril de Brasil. madeira de Brasil,
INQ Rhum-rhum.
INF Um barril abaulado. E (...) aquele trigo era assoalhado, crivado e depois posto (...) no barril. Depois quando se queria usar... O que era para moer (...) para a mistura não era escolhido; quando se queria moer (...) para cozer massa ou para cozer bolacha... Só se cozia bolachas duas vezes por ano: era no fim do mês de Outubro, no fim dos serões do mês de Outubro para se fazer a merenda - coziam-se bolachas, e fazia-se café (...) ou chá, para se dar no último dia -; e fazia-se pelas noites de cantar, é que se faziam as bolachas (...) para se ir ouvir cantar os ranchos.
INQ ... Rhum-rhum.
INF E fazia-se massa sovada pela festa do Espírito Santo. Algumas pessoas, mas poucas, faziam também por Páscoa, mas não era muita gente. O que era normal depois as casas fazerem era pelo Espírito Santo e pelo São João, os bolos de São João. Portanto, as pessoas dividiam (...) as suas raçõezinhas de trigo conforme podiam; o outro vendiam-no.
INQ O trabalho do milho, o que se fazia?...
INF Quando se apanhava o milho? A gente apanhava o milho, (...) a primeira coisa é (...) quebrar a espiga. O milho começa a aloirar e (...) a maçaroca começa a aloirar e vai-se quebrar a espiga. Quebra-se a espiga, põe-se nos valados (...) ou amarrado aos milheiros, (...) amarrado com folhas de 'pite'. E fica ali a secar depende do lugar onde vai ser arrumado... Nós nunca (...) tínhamos o nosso mais que oito, dez dias fora. Há pessoas que tinham aí quinze dias porque as atafonas eram pequeninas, não lhe corria muito vento. A gente era oito, dez dias, o máximo dez dias. E até normalmente é oito dias. Ainda hoje é sempre oito dias (...) que se tem (...) a espiga a secar. Porque o meu pai dizia que antes pô-la mais verdoenga em casa e sem chuva do que apanhá-la com chuva. E eu, que também sou uma pessoa que tenho lido muito, assino o Mundo Rural, não sei se conhece?
INQ Conheço.
INF É um jornal... E lá aconselham muita coisa da agricultura. E eu li já há muitos anos que a comida seca, desde que perca o sumo, mas que fique com a cor verdoenga, que é muito melhor para o gado. E eu, desde isso, tenho sempre isso em mente e gosto sempre de a gente pôr o comer seco mais cedo em casa. Portanto, (...) a espiga ia para casa, e quando a maçaroca está seca, (...) ou quase seca, desfolha-se a folha. "Vamos desfolhar a folha"! Quando há muita folha seca, desfolha-se a folha seca separada da folha verde. Quando (...) a maçaroca está a modo de desfolhar a folha, mas está a folha muito verde, desfolha-se tudo a eito. E amarra-se em gavelas e pendura-se no milheiro do milho ou (...) no valado, entre o valado das canas, porque normalmente nós aqui as nossas terras todas são rodeadas por abrigos de cana. Depois quando o milho está bem maduro - que é o que não acontece já hoje tanto, mas (...) antigamente o milho era todo seco no forno... O milho quando estava bem maduro, era apanhado, trazia-se para casa, em carradas, e posto na loja ou nas atafonas. E muitas pessoas nem tinham cá lugar onde pôr, punham em palheiros pequeninos (...) . Normalmente o milho é trabalhado é de serão, à noite. À noite, depois da ceia, juntavam-se os vizinhos. Nunca ninguém faz serão sozinho! São as pessoas amigas, (...) as vizinhanças ou as famílias. Juntavam-se à noite para descascar o milho. No meu princípio, por exemplo, a gente sempre pusemos o milho na nossa loja da casa. Mas só se descascava o milho na loja; e depois o milho era posto nos cestos e carreado para cima para casa, onde se punha. E uma parte do milho era esbichado, escolher o podre do são, e posto para outro lado. Portanto, havia uma parte de pessoas que estavam na loja a descascar o milho e a quebrar - uns abriam, outros quebravam -, em cima, uns a esbichar. Quando se acabava ou quando não se podia acabar tudo mas chegava perto das nove horas, se não havia milho debulhado para se poder deitar no outro dia no forno, acabava-se o serão, ficava por descascar. Muito raro, ficava por acabar de esbichar. Acabava-se de esbichar, para ficar limpo, limpava-se o podre para um canto e começava-se a desfolhar o milho. Debulhava-se o milho mole. (...) Uma fornada de milho normalmente eram dez alqueires, mole. Ele debulhava-se o milho; no outro dia de manhã, aquecer o forno... Aquece-se o forno não como é para pão de milho, mas quente. E depois de estar quente, não se aquecia o forno senão com canas - porque a cana é uma coisa que dá calor mas não dá muito lar, para o milho não ficar (...) com muita cor - e punha-se o forno a descansar. O forno descansava aí três quartos de hora, uma hora, depende, conforme as pessoas querem. Punha-se o forno a descansar e depois varria-se. Varria-se o forno, puxava-se o rescaldo para fora - chamava-se o rescaldo -, puxava-se para fora com o rodo, e depois varria-se (...) com os varredoiros. Agora varre-se (...) com o criptomério, mas antigamente era com os varredoiros de pica-cu. Primeiro se varria... Até a espiga que dá na cana do folião também muita pessoa fazia varredoiro com isso. E (...) a folha da hortense - que (...) no mês de Outubro já não há (...) flor de hortense, há a folha -, portanto, aqueles galhinhos partiam-se e fazia-se o varredoiro. E o último varredoiro era passado com o pica-cu. Agora até, recentemente - antes não, mas agora -, já se faz o varredoiro com a casca do milho. Aquela casca mais branca e mais fina, junta-se ali (...) uma mão grande dela, aperta-se bem apertada e faz-se a casca. A casca varre muito bem. Porque molha-se a casca (...) na água, e aquela casca com aquela água vai e limpa aquela cinza que fica no lastro do forno. Há pessoas que até fazem - eu, por exemplo, faço muita vez - com um pano. Um vestido velho ou uma roupa velha, amarro (...) - por fora do varredoiro amarra o pano -, (...) e molho na água, e varro, que chama-se lavar o lar do forno, bem lavado. Depois deita-se (...) o milho no forno. Antigamente era tudo em balaios, enchia-se a fornada. Agora já encho é (...) em sacas. Encho três (...) alqueires em cada saca e ponho em cima de umas cadeiras. (...) Porque antigamente as pessoas tinham quem ajudasse a pôr o milho no forno, uma ia mexendo o milho, outras iam deitando logo para o forno. Agora eu faço tudo sozinha. Varro o forno e depois pego numa saca e deito no forno. (...) A primeira saca com o milho que vai para o forno, eu mexo, mexo, mexo, para aquele milho ficar quente, para puxar aquele calor (...) que está no forno. Se o forno tem muito calor, que estala muito o milho, nunca se pára de mexer que é para não deixar torrar o milho; se não tem muito calor, deixa-se descansar, aquele milho a aquecer. Mexe-se (...) uma vez ou outra ... Eu, normalmente, quando acabo de pôr o milho no forno, a última saca de milho que ponho no forno, já o primeiro está a três quartos de hora, uma hora. Porque já o outro milho está quente, e já puxou mais o calor, e não é preciso mexer tanto como antigamente.
INF Antigamente mexia-se sempre, sempre sem nunca parar.
INQ Rhum-rhum.
INF (...) Eu agora já não faço assim. Eu não faço assim porque me ensinaram assim. Depois o milho começava... "Já está acolá leve"! Começa a ficar enxuto, depois aquilo sai um fumo. Quando o milho está muito... Sai um fumo, o bafo, e a gente põe o forno mal tapado, para aquele fumo sair pelo lado da porta do forno, para não deixar o milho suar. Depois o milho começa a rolar leve e fica seco. No outro dia tira-se para fora e torna-se a fazer a mesma coisa. Só que agora já se faz diferente do que se fazia antigamente. Apanha-se o milho mais lento porque não é seco no forno, é pendurado na rua. O milho que é pendurado mais lento (...) não cria tanta borboleta nem tanto gorgulho. O que é para secar é que se deixa amadurecer mais. Cultivamos agora o milho híbrido, que é um milho diferente (...) do que era da terra, que é muito fácil de secar. A gente deita aquele milho no forno e ele tem pouca pevide, chupa num instante. Deita-se com mais calor porque não é para fazer pão, não precisa ficar muito branco; deita-se com mais calor e é muito fácil de secar. Mexe-se Mexe menos e é muito mais fácil de secar.