CLH01
INQ1 Senhor José, agora, a água vinha na ribeira. Como é que o senhor a fazia encaminhar, encaminhar até aqui? INF A água lá atrás, no princípio, tem um... Chamavam a portinhola. Hoje está tapado com cimento porque a portinhola é (...) uma porta de madeira. INQ1 Rhum-rhum. INF (...) Mas apodreceu. E eu como isto não estar a moer, tapei com cimento. Está a feição, uma vez que queiram moer, eu esmigalhar aquilo. (...) E depois eu botava a água lá só que queria. Ele embora que a ribeira estivesse grande, a gente botava só a que queria. Depois já aqui mais abaixo tem a divisão: umas portinholas então mais pequenas - uma para cada moinho. A gente se quiser moer com os dois, bota primeiro um a moer e vem-no regular. Assim que ele está encaminhado, vai outra vez então botar o outro a moer. Bota aqui o milho, e botará as coisas à feição, e bota o outro moinho a moer. Mas regula ali a água que, às vezes, um moinho leva mais água de que o outro. E a gente ali nas portinholas é que regula a água. Deixa vir só a água que quer para um e para o outro. INQ1 Na, na primeira portinhola como, como é que a água vinha encarreirada para as outras cá de baixo? Vinha por quê? INF A primeira portinhola, (...) vem tudo na mesma calha. E depois cá em baixo tem então (...) ali um tapãozinho de pedra (...) e é conforme há as duas calhas, uma para cada moinho. INQ1 Sim senhor. E depois no fim dessa calha... INF (...) Uma então quase que se via ali, mas está ali umas coisas... INQ1 Mas no fim dessa calha, ela estreitava um bocadinho? INF (...) Tem uma parte que é em pedra; depois aqui mais perto do moinho tem um bocadinho que é em madeira. INQ1 E como é que chama isso... INF (...) A parte da madeira, aquilo chamava-se setia. INQ2 Rhum-rhum. INF E daí é que a água que saía (...) da parte que era já madeira é que batia ali naquela coisa (...) que chamam as penas do moinho.
CLH02
INQ1 Não, não se costumava fazer ou um murozinho de parede ou qualquer coisa, que era para a água empoçar ali, para se desviar de, da ribeira para o sítio onde tinha a primeira portinhola? INF (...) Aquilo lá no princípio (...) forma como uma paredinha e tem uma pedra muito grande por cima, para defesa, quando a ribeira vem muito grande para (...) não meter água demais aqui. INQ2 Ah pois. INF Pode caminhar com o moinho. INQ1 Sim senhor. INQ2 Claro. INF E ali já tem um regulamento da água. INQ1 Rhum-rhum. INF Entra mais água do que o que os moinhos consomem, mas (...) senão fosse aquilo vinha muita mais. INQ2 Pois. INF Quando a ribeira viesse muito grande, isso tornava-se perigoso. INQ2 Claro.
CLH03
INQ1 E depois o senhor então tirava aquela quantidade que era para si como paga. Como é que se chamava? INF É. Uma maquia. Maquia. (...) Os que queriam a dinheiro diziam. INQ2 Ah! INF Quando vinham trazer, diziam: "A dinheiro". INQ2 Pois. INF (...) Eu moí aqui muitos anos, muitos anos, a escudo cada alqueire. INQ1 E o alqueire era quantos litros ou quilos? INF O alqueire era aí (...) , mais ou menos, treze quilos. INQ2 Rhum-rhum. INQ1 Treze quilos. E, o senhor, portanto, só moía e não, não, não tratava mais da, da farinha? Portanto, as pessoas vinham buscá-la e levavam-na para, para ca-, para su-, para casa de cada um? Ou o senhor ainda tinha que... INF (...) Ele vinham-na buscar quando era aqui. Agora quando era no outro moinho lá em cima, eu ia-a trazendo. Vinha a casa buscar uma saca de milho - que aquilo, às vezes, estavam para aí uns dias e depois naquele tempo havia muita falta... Uma pessoa tinha (...) assim um certo receio de eles às vezes agarrarem e... INQ2 Pois. INF Eu andava com aquilo com cuidado. (...) Quando vinha a casa buscar as sacas de milho para moer no outro lá em cima, trazia a saca de farinha para baixo que levassem sempre... INQ2 E como é que levava para cima? Levava aonde? INF Ah... INQ2 Às costas? Não tinham animais para levar? INF Não senhora, não senhora. INQ1 Então e... INF O caminho hoje está muito bom. Tem estrada, pode ir um carro até quase ao pé do moinho, (...) mas naquele tempo não se podia. Não. INQ2 Pois. E o senhor moía todo o cereal, ou não? Que cereais é que se moíam?... INF Não. Eu moía o que vinha para aqui logo que podia, logo que a ribeira aguentava a correr. Mas tinha muitos moinhos por aqui fora. Esta ribeira, até mesmo à beira-mar, tinha muitos moinhos. INQ2 Pois. Mas o que é que moía? Moía milho? INF Milho, trigo, e milho... Torrava o milho, que era para fazer a farinha torrada com aquilo. Era (...) assim um alimento, o milho. Botavam aquilo em leite. INQ1 Rhum-rhum. INQ2 Ah! INF Era. (...) INQ2 Milho, trigo... INF E outros comiam-na mesmo caldeados com açúcar, mesmo daquela (...) maneira seca. INQ2 Rhum-rhum. E não havia outras coisas, outras qualidades de grão para moer aqui? Assim no tempo mais antigo, além do milho e do trigo? INF (...) Era difícil. Aquilo o trigo também era pouca vez, porque não havia muito. INQ2 Pois. Aqui havia pouco trigo, aqui nesta zona? INF (...) O mais que era era milho. Milho é que... INQ2 Rhum-rhum. Centeio aqui nunca houve? Centeio? INF Não sei. INQ2 Não? E aveia, cevada, nada disso? INF O centeio (...) se havia algum era para semearem outra vez para os animais. (...) Não dava para moer. INQ2 Pois. Pois, pois. INF Então (...) moer, foi coisa que eu nunca moí foi... INQ1 Rhum-rhum. INQ2 E aveia também não, nem cevada? Não? INF Não senhora.
CLH04
INF Eu, da parte da manhã, às vezes, estou até perto de meio-dia aí para cima a trabalhar quando está bom tempo. Quando não está... INQ1 E à tarde? INF Ao meio-dia tenho que vir porque eu tomo remédios três vezes ao dia, e ao meio-dia tenho que... Em lugar de os levar, eu venho-os tomar a casa e como. INQ1 Rhum-rhum. Então talvez da parte da tarde fosse melhor para si, a seguir ao almoço? INF Da parte da tarde, eu só caminho aí a jeito das três, ou quando calha. E, às vezes, como hoje, vai ser mais tarde talvez. Ele talvez não passe muito das três. INQ1 São três e vinte cinco. INQ2 Mas se estiver a chover, da parte da manhã está cá em casa? INF Ele aí depois das oito horas. INQ2 Da manhã? INF É. INQ2 Ah, mas a gente não vem tão cedo. Está bem, está bem. INF As oito horas. Eu, até aos dias de chuva, não me levanto tanto cedo. INQ2 Ah, claro! INF (...) INQ1 Se não molhar até é depois de almoço. Aí quê? Uma e meia? INQ2 Não, a gente se vier vem lá por volta das... Mas eu acho que se estiver a chover, a gente vem cá de manhã, mas lá para as dez. Acha que é boa hora? INF É uma hora boa. INQ2 Se estiver a chover? Então pronto. INF É uma hora boa. INQ1 Está bom assim. INF Estando bom tempo, às dez horas então aí, às vezes, estou já em casa e outras vezes não estou, conforme o lugar donde estou a trabalhar. INQ1 Se é mais longe... INF (...) Se aquilo chegou para perto o trabalho, eu às vezes venho-me embora mais cedo (...) ... INQ1 Está bem.
CLH05
INQ1 Olhe, e antigamente este musgo era usado para alguma coisa, este?... INF Ah, eles quando era pelo Natal iam aí pelas paredes a desapegar algum para fazer presépios. INQ1 Rhum-rhum. INF Pois. INQ1 Mas não, nunca se usou assim aquele lá de cima, sem ser este das paredes, aquele lá de cima do, dos baldios e isso, nunca se usou para encher almofadas, para encher travesseiras? Aqui nunca se usou? INF (...) Usavam era musgão. Musgão. INQ1 Ah! INF Musgão. Uma coisa que havia nos postes (...) . Mas depois começaram a adubar, isso desapareceu. Aquilo dava nos terrenos mais fracos. O adubo fez com que o musgão desaparecesse. INQ1 Ah! INF Aquilo até enxugavam-no, (...) e escolhiam-no. Alguma coisa que não prestava, que ele (...) havia chamavam o 'musgão-tendilhão', que era um musgão mais miserável. Eles escolhiam-no e separavam-no do outro. E depois tiravam-no dos colchões, lá de tempos a tempos, e assoalhavam-no e iam mexendo e desfazendo para ele - tinha a tendência em 'entorranizar'... Mas hoje já não se usa musgão. INQ2 Pois. INQ1 Já ninguém usa? INF Aí muitos usavam, depois mais tarde, usavam casca: desfiavam casca de milho, e picavam-na. (...) E usavam o que era mais?... Ai! Palha. Palha de trigo. INQ1 Rhum-rhum. INF O pior era quando ela... Porque a de trigo tinha ainda alguma pragana na palha! Risos INQ1 Ai! INF Aquilo dava umas picadelas na gente! Risos INQ1 Claro. INF É bom para despertar, para uma pessoa não pegar muito no sono. INQ1 Pois é. INQ2 Está bem visto essas coisas. INQ1 Sim senhor. INF Mas (...) hoje é tudo colchões modernos, já não... INQ1 Já não há nada disso.
CLH06
INQ1 A senhora ainda se lembra dessas coisas de, de?... INF1 Credo! Pois eu sequei tanto! INQ2 A senhora também trabalhou na terra? INF1 Credo! Louvado seja! Fui criada (...) a trabalhar nas terras, a sachar milho. (...) Eu já fui sachar milho mas então não lhe dava jeito a cortar bem o milho, o meu pai mandou-me embora para casa. Mas mondar batatas... INF2 Era o melhor para não tornares... INF1 Mondar batata da terra, mondar batatas-doces, apanhar batatas-doces, apanhar batata da terra, apanhar feijão, semear feijão, semear ervilhas, eu fiz de tudo! Porque a gente éramos seis mulheres e só um homem. A gente já sabe... O indivíduo trabalhava muito para fora! (...) Sequei muito milho para fora! Trabalhei muito para fora, muito, muito! Sei muitas coisas destas de trabalho. Assim de milhos e batatas, aí nos campos, ninguém me ensina. INQ2 Nas hortas também? O que é?... A horta é o, onde semeia os?... INF1 É, a gente diz - por exemplo, como aqui (...) esta horta -, a gente diz... INQ1 Isto aqui é uma horta? INF1 Isto é uma horta. Mas já lá a outra lá, a gente diz que é um serrado porque é maior. Um bocado como aquele que está muito verdinho. Esta da banda de baixo também a gente diz é: "Ali aquele bocadinho" - este bocadinho aqui da banda de baixo desta. Esta hortinha ali é nossa. É nossa não, está de renda, mas, quer dizer, a gente é que a amanha . A gente diz: "Ah, é (...) ali à nossa banda lá da casa". Mas a gente diz aqui, por exemplo, é a horta. (...) INQ2 Pois. Mas a horta, na horta o que é que se põe? Não é o milho? INF1 (...) Pois estes aqui semearam milho. Mas isto antigamente não se semeava tanto milho! Porque eles agora semeiam este milho mas isto é para o gado. Mas antigamente semeava-se muita batata-doce, muita batata da terra, muito feijão! INF2 E semeava-se muito milho mas era (...) para a maçaroca. INF1 Para secar. INF2 E agora semeiam é para o gado. É para o gado. INF1 E agora semeiam muito milho mas é para o gado. INQ2 Pois.
CLH07
INF1 Semeiam as terras agora, semeiam as terras (...) assim com coisa para o gado. Não sei quê, como diga, favas, cevada, (...) ou assim uma outra coisa. Depois para diante, comem aquilo com o gado. Ceifam-no ou deitam o gado à corda, depois o gado come, lavram as terras, ficam atalhadas a curtir. Depois semeia-se o milho, primeiro de Abril, (...) Abril, Maio. Depois (...) semeiam o milho; quando ele está a modo de sachar, sacham o milho; depois, dali a dias, quando ele está a modo, aterram-no... INQ1 E sacham com quê? INF1 Com umas sachas. INQ1 Assim, à mão? INF1 À mão. INQ1 E não se usava aquela... INF2 (...) E já hoje em dia, em primeiro lugar, 'claveiram-no' antes de sachar. INF1 Já hoje em dia usam muito a 'claveira', que olha, esse... Bom, alguns, que botam as 'claveiras'. INF2 'Claveiravam', ultimamente, 'claveiravam'. INF1 (...) Só se é que fosses (...) a servir de burro e eu é que fosse à 'claveira'. INF2 Não. O que tinha a 'claveira' ia... O que estava à 'claveira' ia a ajudar o outro que tinha um burro (...) . INF1 Mas, quer dizer, isto (...) é assim o que era mais ou menos, o que a gente fazia. Antigamente não havia muitas 'claveiras'. Mas este foi 'claveirado', não foi sachado. INQ2 Rhum-rhum. INF1 Mas isto era para o gado. Mas, quer dizer, para ele ser... É como eu estou dizendo. (...) INQ1 'Clavavam'... Portanto, desculpe lá, sachava primeiro? INF1 Sachava primeiro. E depois quando ele estava (...) assim por este tamanhinho... INF2 Mais baixo. Oh! Muito mais baixo! INF1 Ou mais baixinho, conforme. Também, às vezes, havia muito, deixavam, passavam-lhe a 'claveira', para chegar a terra para dentro, e nos cabedulhos iam então com o sacho... INF2 Com os sachos de aterro, com os sachos de aterro, nessa altura. INF1 Já é outro sacho. Já é outro sacho, porque não é os sachos de sachar - quando é (...) para sachar. INQ1 São, tem, tem uma coisa mais larga? INF1 São uns sachinhos (...) mais estreitinhos; os de aterrar são uns sachos mais largos para chegar a terra mais... INQ1 Aterrar é che-, é chegar a terra... INF1 É chegar a terra para o milho para o milho criar raiz (...) . INF2 Para o milho. INF1 Depois deixa-se estar o milho até ali, ele amadurece, vai-se apanhar, faz-se 'mariotas'... Eu aqui não vejo nenhuma. INQ1 'Mariotas' é aquilo que está agora aí nos terrenos? INF1 É, é. INQ1 Assim alto? INF1 É, é, que eu já vi. Faz-se aquela 'mariota'. (...) INQ1 Chama-se 'mariota'. INF1 (...) Chama-se 'mariota'. Acarreta-se a cana para a... INQ1 Chama-se?... INF1 'Mariota'. (...) Ele depois enche-se o milho, leva-se para as casas, ajunta-se pessoas, ele fazem uma desfolha para descascar o milho. Depois escolhe-se o milho, e depois leva-se (...) , aquece-se o forno, seca-se o milho - como aquela está a secar -, debulha-se, e depois de debulhado e de estar seco... INQ1 Onde é que debulha? INF1 Num engenho, assim. INQ1 Mas antigamente havia esses engenhos? INF1 Também havia engenhos. A gente lá não tinha, mas havia em muito lugar. Mas (...) ainda há uns outros engenhos que eu me lembra de outros tempos , que têm uma roda muito grande. E eu moía bastante aquilo. Depois de agarrar a embalagem, vai bem. E aquilo é botado por um buraco abaixo e sai por outro (...) , para baixo, os 'grães' e para a banda os sabugos. INF2 O milho escolhe-se depois de sair do forno, não é? INF1 É, se tem falta. E se não tem, isso então não é uma coisa que... INF2 Eu parecia-me que ele que se escolhia que era antes de ir para o forno secar. INF1 Não, mas também se escolhe antes de ir para o forno. Mas (...) também estando muitos dias em casa, tem que escolher. E depois é então 'aventejado', joeirado e botado em bidões, e vai-se então tirando e fazendo, rodando ao moinho. INQ1 E os bidões, guardava-se aonde? INF1 No palheiro. Nós ainda temos ali um. INF2 No palheiro ou em casa, conforme. E quem não tinha palheiro? INF1 Oh! Não! Em casa então não (...) é. INF2 Quem não tinha palheiro era em casa. INF1 Guarda-se então é nos palheiros. Nos palheiros ou em casa, mas quase sempre é (...) nos palheiros, nuns bidões grandes, de folha. Está ali... INQ1 São assim com uma, com uma boca estreitinha, ou não? INF1 São assim largos e depois faz assim e faz uma boca assim, uma boquinha assim. INQ1 Exactamente. Sim senhor. Já vi. Vi no Pico. INF1 É. Pois, é disso. (...) E depois vai-se tirando dali para levar para a moagem ou para a ribeira, para estes moinhos. Mas já hoje em dia não há moinho. Mas antigamente, assim que (...) chovia, que ele parecia que a ribeira vinha, a gente vinha logo, porque não havia moagem. INQ2 Rhum. INQ1 Claro. INF1 E depois é levar para casa e é peneirada a farinha, para tirar o farelo, escaldado e amassado e posto a levedar. E depois então vai para o forno. INQ2 Para ir a... INF1 Depois come-se e prontos! Ficou o milho arrumado. INF2 (...)
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INF1 (...) Pois tem ali a... A gente, até aquela barba - já hoje em dia não -, mas aquelas barbinhas que havia ali, a minha mãe guardava sempre porque aquilo dizia que era bom para quando tinham dor na bexiga. INQ1 Rhum-rhum. INF2 (...) As maçarocas vermelhas diz que era melhor. INF1 Isso. INQ1 Pois. INF1 E o sabugo da maçaroca vermelha, a gente também... A minha mãe (...) gostava de guardar (...) e botar... Quando a gente tinha tosse, botava brasas de faia-da-índia - (...) não é faia, é duma outra faia que há. INF2 Isso é qualquer coisa de bruxedo. INF1 Botava o sabugo a arder ali e da cinza do sabugo (...) - não era bem a cinza -, quando aquilo estava em brasa, ela botava-lhe água a ferver, e botava açúcar, e dava à gente para a gente beber, que fazia bem à tosse. (...) INF2 (...) Então vou-me embora que isso aí já é coisa de feitiçaria. INQ1 Então vá lá. INF1 Não, a coisa de feitiçaria... Vai lá à fava. INQ2 João, onde é que estão as ervas? INF1 (...) O que esta senhora vai-se rir! INQ1 Claro. Eu nem sei o seu nome. INQ2 Idalinda. INF1 Idalinda. INQ2 Idalinda. Senhora Idalinda... INQ1 E quantos anos é que tem, já agora? INF1 Quanto? INQ2 Quantos anos? INF1 Sessenta e dois. INQ1 É uma rapariga nova. INQ2 E o senhor quantos é que tem, que me disse há bocadinho? INF2 Mais dez. INQ1 Setenta e dois. INQ2 Mas parecem quase os dois da mesma idade, ele parece muito mais novo. INF1 Pois eu mesmo (...) que ele esteja, não havia de ficar velha, está vendo? INQ2 Não, mas a senhora não parece mais. Ele é que parece mais novo. INF1 Pois. Ele é que parece mais novo, porque eu estou muito doente! (...) INQ2 Ah, não parece! INF1 Ah, pois não! INQ2 Ó senhora Idalinda! INF1 Ah, pois não! Não parece, porque a doença não aparece. INF2 (...) Não se sabe qual é o que está pior. Não se sabe qual é o que está pior. INF1 Mas eu ando muito mal do fígado e dos intestinos. E estou cheia de diabetes. INQ1 Rhum-rhum. INQ2 Ah, isso é que é pior. INQ1 Pois. INF2 Eu não sofro tantas dores, (...) mas posso estar pior de que ela. INF1 Mas, quer dizer, (...) eu não sou pessoa muito 'cramazela'. Eu quando cramar, a coisa está apertada. INQ1 Está apertada. INQ2 É porque está mal. INF1 É. INQ1 Então deixa-me... Posso dar cabo do milho? INF1 Sim. INQ1 Ainda não dei cabo do milho. INQ2 Acabar com o milho. INF1 Já deu cabo! INQ1 Não. Espere, tinha, tinha... INF1 (...) Só falta fazer... O senhor tem as mãos bem quentes! INQ1 Tenho, ora! Mas, a senhora... INF1 Ao respeito, tem mas é bem quentes à minha vista.
CLH09
INF1 Antigamente a gente não usava isto. INQ1 Ah! INF1 A gente antigamente não se fazia isto. (...) INQ2 Ah, a do pião? A burra? INF1 Não, não é. Nem havia burras de milho. INQ2 Rhum-rhum. INF1 O milho que havia era todo para secar. Só se pendurava o milho que era para semente. INQ2 Rhum-rhum. INF1 A gente, por exemplo, deixa semente em milho para semear para o ano. Porque - já sabe - para o ano, (...) se não deixar semente, não tem que semear. INQ2 Pois. INF1 A gente deixa. Mas então deixava era em maçarocas - a gente dizia uma cambada. Íamos, às vezes, visitar o Menino Jesus - não sei se a senhora sabe o que é? INQ1 Não. INF2 Não. Não conhece. (...) INF1 É no primeiro dia do ano, vai-se visitar o Menino Jesus. Aqui vai a muitas ilhas! INQ1 Sim. INF1 E antigamente - já sabe - não havia fartura como há hoje em dia. Muitas pessoas levavam uma cambada de milho; muitas crianças levavam milho; INQ1 Pois. INF1 outros levavam batatas-doces; outros levavam batatas da terra. Eu também já levei duas cambadinhas de milho e ia bem presunçosa visitar o Menino Jesus! INQ1 Claro. INF1 Com aquilo. A gente dizia que era cambada de milho. Agora ele diz que é... Como é? INQ1 Cambulhão. INQ2 Cambulhão. INF2 É o cambulhão. INF1 Porque é mais! Porque é mais maçarocas. INF2 (...) Ou cambulhões ou cambadas, é assim. Pronto. INF1 Pois, mas só que aquilo é mais... INF2 Eu não sei porque que nunca fiz então daquilo, daquelas para guardar milho. INF1 Sabe ajuntam a casca ali duma mancheia de maçarocas INQ2 Rhum. INF1 (...) e dobram assim uma coisinha INQ2 É. INF1 e passam assim uma corriola ali de roda e penduram aquilo. INQ2 Era isso. INF1 Hoje é mais porque adianta mais. INQ2 Rhum. INF1 Sabe se fosse só... A gente usava a botar quatro maçarocas (...) em cada cambada; se fosse seis, já era apertadinho. INQ2 Rhum. Mas esse, esse milho que era para semente, depois p-, pendurava-se nas árvores para secar, ou não? INF1 Nas árvores, sim, que furtavam-no! Era em casa! A gente pendurava... (...) INQ1 Aonde? Na cozinha? INF1 Se, por exemplo, a cozinha (...) era... Porque antigamente era assim desta maneira, dentro, já 'desenripada', mas era assim, não tinha tabique. Mas tinha uns tirantes. A gente dependurava nos tirantes. INQ2 Rhum-rhum. INF1 Os ratos, às vezes, iam lá e comiam. Risos Era para irem adiante . Os ratos, às vezes, iam lá e faziam um buraco no coisa para ir comer. Mas a gente pendurava aquilo em casa (...) . Quem tinha palheiros... A gente lá não tinha palheiros que prestassem. Ele mesmo era aberto. A gente tinha medo de o furtarem. Levávamos para casa, pendurávamos, nem sequer era na cozinha, era lá para fora, nos quartos da cama, nos tirantes.
CLH10
INF1 Eu já joguei! Eu já joguei ao burro lá em casa da minha mãe. (...) INQ1 Claro. Então sabe! Pois claro. Portanto, são dois paus? INF1 Dois paus. Assim por o mesmo tamanho. Nem são muito grossos. INQ1 Mais ou menos de quê? De meio metro? INF1 Assim como aqueles. Como aqueles. INQ1 Como aqueles que estão atravessados? INF2 Ouve, como aquele não se aguenta em pé. INF1 Não, mas quer dizer, de grossura, mais grossinhos uma coisinha mas não mais, (...) bem direitinhos por baixo para se aguentarem em pé. E em cima é como é que se aguçavam um coisinho. E fazia-se umas coisinhas assim, que a gente dizia que era a 'pingue-larita'. INQ2 'Pingue'?... INF1 'Pingue-larita'. INQ2 'Pingue-larita'. INF1 'Pingue-larita'. (...) E a gente tinha uns pauzinhos assim, como aqueles (...) . Olha, era a mesma coisa; não eram maiores nem mais pequenos que aquele está ali atravessado. E a gente botava aquilo como, por exemplo, um ali e outro ali. INQ1 Cerca de meio metro, quarenta centímetros. Sim. INF1 E a gente ia (...) para aqui assim, e lá fazíamos a pontaria para ver se enviávamos a malha para ver se acertávamos na 'pingue-larita'. INQ1 Mas o que era a malha? INF1 A malha é aquele pau que eu estou dizendo. INQ1 Ah aquilo chamava-se a malha? INF1 É. Aquilo era a malha. (...) INQ2 E os, e os que estavam no... INF1 E eu, a gente enviava para ver se virava o bilro. Se virasse a 'pingue-larita', ganhava (...) quinze pontos; se virasse só (...) o pau, ganhava... INQ1 O bilro? INF1 O bilro. INQ1 Mas o que é o bilro? INF1 Quanto é que a gente ganhava ganhavam ? INQ1 Mas espere lá... INF1 Pois, o bilro é o tal pau que eu digo. INQ1 A 'pingue-larita' e o bilro é o mesmo ou não? INF2 Era, era, era... INF1 Não. INQ1 Ah! INF1 A 'pingue-larita' é uma coisinha pequena assim. INF2 (...) Era assim... INF1 Feita dum pauzinho também aguçadinho. INF2 É. INQ1 E o bilro é maior? INF2 (...) Era assim, que isso apanhava... INF1 O bilro então era assim um pau grande. INF2 Não . Era assim como se virasse o bilro. E agora se (...) apanhasse a 'pingue-larita' e o bilro aqui em cima, quanto era? - ali (...) na junta? INF1 Quinze pontos. INF2 Era menos cinco (...) . INF1 Dez? INF2 Sim. INF1 Era dez. INF2 (...) INF1 E se virasse a 'pingue-larita' e o bilro? INF2 Era cinco. INF1 Ah! INF2 E agora (...) se o bilro começasse só assim (...) a tremelear? Quanto era? INF1 A virar a 'pingue-larita'. Quanto era? Já não me lembra então! INF2 Era uma 'joana'. INQ1 Era uma quê? INF1 Uma 'joana'. INQ1 E o que é uma 'joana'? INF1 Oh, ora agora! Naquele dizia-se que era uma 'joana'. Sabe-se lá o que é que é. INQ1 Mas não, já não se lembra quanto é? Quantos pontos? INF1 Não era nada! INF2 Não era nada (...) . INF1 Era uma 'joana' ou era uma burra. INQ1 Uma 'joana' era uma quê? INF1 Uma burra. INF2 Era como um desprezo. Era uma vã palavra como um desprezo. INF1 A gente dizia: "Olha, ganhaste uma burra"! INQ1 Uma 'joana' é uma burra? INF1 Uma burra. Quer dizer, a gente, aquilo era coisas inventadas já de antigamente (...) . INQ1 Os miúdos?... INF2 Eles não querem ouvir nada dessas coisas . INQ1 Não, não. A gente interessa-nos isso. INQ2 Mas o, o bilro... Espera. O bilro e a 'pingue-larita' ficavam muito juntos um ao outro? INF1 Ficavam em cima dele. (...) O bilro ficava ali direitinho, a 'pingue-larita' ficava ali! INQ2 Em cima? INQ1 Em cima do bilro? INF1 Em cima do bilro. INQ1 Ah! INF1 Se a gente, por exemplo, acertasse na 'pingue-larita' eram quinze pontos; se a gente quase... INQ2 Só que era a de cima? INF1 (...) A de cima. Só se levasse a 'pingue-larita'. A 'pingue-larita' é assim pequenina. (...) INQ2 Sim. E se levassem os dois? INQ1 Mas era muito difícil acertar só na 'pingue-larita'? INF1 Oh! Isso então eu nunca lhe acertava! Se lhe acertava, ele era lá uma vez e não lhe acertava mais! (...) Ou dava no bilro! Às vezes não dava em nada! Enviava-a como calhava, porque eu era (...) muito assarapantada, não...
CLH11
INF1 E também, eu jogava ao croque. INQ1 O croque também não sei o que é. INF1 É (...) um quadradinho assim (...) como isto. E tinha um arquinho ali naquela ponta, e outro aqui, e outro ali naquele canto e outro aqui. E aqui tinha uma coisa que fazia quatro... Tinha, por exemplo, assim, uma cruz com uma campainhazinha. INQ1 Uma cruz. INF1 E havia umas rolinhas - não sei quem é que nos fez aquelas rolinhas. INF2 Mas isso não interessa! INQ2 Mas rolinhas de quê? INF1 Umas rolinhas de madeira. INQ2 De madeira. INF1 De madeira. Madeira (...) ou doutra coisa, mas não havia, naquele tempo, não havia... Hoje em dia há bolas plásticas mas não prestavam que eram muito leves. INF2 Bem, com licença que eu vou... INQ2 Até logo então. INF2 Eu vou-me sentar. Até amanhã, se Deus quiser. INQ2 Até logo, então. Ou amanhã talvez. A gente depois vem cá. Até amanhã, obrigado. INQ1 Até amanhã e obrigada. INQ2 Não, a gente é que pede desculpa. INQ2 Amanhã, a gente conversa um bocadinho, está bem? Sobre a vinha também. INF1 (...) INF2 O que eu souber, mas eu, como eu lhe já lhe disse... INF1 É tolo como o tonto! INQ1 Não. INF1 E depois tem vergonha. INQ1 Não está nada tonto. INF1 E depois tem vergonha mas eu então não tenho. INF2 Não, eu não tenho nada... INQ1 Pois claro. INF1 Eu tenho vergonha mas não é (...) de falar. E agora a gente fazia aquela coisinha e tínhamos uns macinhos assim que lá (...) um velhotezinho que morreu é que nos fez no torno aqueles macinhos. (...) INQ1 Macinhos, portanto, que era um pau redondo? Esses macinhos eram um pau redondo? INF1 Eram um pau redondo e tinham um cabinho assim. INQ1 Ah! INF1 Que era de a gente dar nas... A gente ia, por exemplo, para aqui e tocavam. Mas a gente, se tocassem na campainha, ganhava um tanto. INQ1 Ah! Adeus, obrigada. Até amanhã. INQ2 A gente é que pede desculpa. INF1 A gente se acertasse na campainha, ganhava... Eu não me lembra já... Já sabe, isto já há muitos anos. INQ1 Claro. INF1 Isto já há-de haver talvez uns quarenta anos ou mais. INQ2 Ah pois. INQ1 Tão engraçado! INF1 Eu casei-me com vinte e um, eu já tenho sessenta e dois, já sabe, já há muitos anos. (...) INQ1 Mas era o croque? INF1 Era. Mas aquele jogo era engraçado. O meu pai, tínhamos lá (...) um bocado grande à frente do palheiro e ele deixou-nos fazer lá. A gente limpou aquilo muito bem limpinho (...) e aquilo era terreno duro. INQ2 Rhum-rhum. INF1 E ele deu-nos quatro tábuas, a gente botou para as bolas não sairem para fora. (...) E então lá uns vizinhos - tinham uma mancheia de rapazes - é que nos ajudavam a fazer aqueles arquinhos. Os arquinhos eram feitos de vime, de vimeeiro. INQ1 Mas os arquinhos eram para quê? INF1 Para quê? Para passar a bola por aqueles arquinhos. INQ1 Ah! INF1 A gente tinha que passar a bola por uns tantos arquinhos e depois ela tinha que ir ao meio. INQ2 Mas, e com que é que mandava a bola? INQ1 Era com um maço. INF1 Era com um macinho (...) . INQ1 Com um macinho. INQ2 Ah! INF1 Mas (...) eu já vi na televisão, assim um macinho (...) como os juízes têm (...) de, às vezes, bater sobre a mesa: "Silêncio, silêncio"! INQ1 Ah! INF1 Era uma coisa... Só que está em ponto maior, mas é uma coisa parecida com aquilo. INQ2 Era assim que se ...? INF1 (...) E aquilo, agora eu (...) não me lembra é... (...) Já não me lembra quanto é que ganhava. INQ2 Já não lembra os pontos e essas coisas? Chamava-se o croque? INF1 Ele chamava-se o croque. E a gente tínhamos lá aquele. INQ1 Que engraçado! INF1 Assim que restava um poucachinho, aquilo é que era uma carreira para ir para lá! INQ1 Para ir a correr! INF1 Chamávamos os... INQ1 E quantas pessoas jogavam? INF1 Podiam jogar duas de cada vez só. INQ1 Duas de cada vez. INF1 Porque aquilo era poucachinho, se fosse muitos não dava. (...) INQ2 Rhum. INQ1 Pois, pois. Portanto, eram duas de cada vez? INF1 Duas de cada vez. INQ1 Depois ganhava uma delas. INF1 Assim que uma ganhava, (...) vinha outra para a lugar dele.
CLH12
INF1 E havia também um jogo que era também de jogar o arco. Havia uns arquinhos feitos (...) de vime, de vimeeiro, também que a gente fazia (...) . INQ1 Que tamanho é que tinha o arco, mais ou menos? INF1 Não sei dizer. Assim um arco como uma peneira - a senhora já viu uma peneira? -, INQ1 Sim, sim, sim. INF1 assim como uma peneira. INQ1 Rhum. INF1 E havia uns pauzinhos assim deste tamanho, também feitos também pela mão (...) desse Joaquim. Então ele eram os outros cá de baixo, eram mesmo (...) assim muito inteligentes, muito coisa. INQ2 Até amanhã. Espero que não apanhe chu-, espero que não apanhe chuva, já agora. INF2 Como? INF1 Não apanha. (...) INQ2 Espero que não apanhe chuva! INF1 Tem o guarda-chuva! INF2 Ali para aquele lado está a levar a chuva . INQ2 Está carregado para além. Aqui... INF1 (...) INQ1 Obrigada! INF1 A gente jogava... Tinha aqueles pauzinhos e tinha não sei quantos sacos - também não me lembra já. Mas tinha uns quantos. E a gente, com aqueles pauzinhos, a gente botava aqueles pauzinhos, metia-os assim no arco e enviávamos à outra. (...) INQ1 Metiam dois pauzinhos no arco? INF1 Dois pauzinhos assim, e agarrávamos assim como de banda e enviávamos. INQ1 A agarrar o arco. INF1 Por exemplo, estava ali uma, estava ali outra, estava... Eram quatro pessoas de cada vez. E a gente enviava àquela pessoa, aquela pessoa estava assim com os pauzinhos já à espera para a apanhar o arco. INQ1 Ah, e agarrava no arco. Ai que giro! INF1 Se calhava (...) a agarrar o arco, ganhava. Mas eu não sei... Não me lembra já quanto é. (...) INQ1 Que engraçado! INF1 Mas aquele jogo era bonito! INQ1 Pois. INF1 Mas hoje em dia não... INQ1 E chamava-se jogo do quê? Jogo do arco? INF1 É o jogo do arco. INQ1 Sim senhor. INF1 Mas era bonito. INQ1 Pois era. INF1 (...) Mas eu gostava então de... Quer dizer, aquilo já hoje em dia não há . (...) Hoje em dia há a televisão, há a rádio. Mas naquele tempo não havia nada. INQ1 Já ninguém brinca. Claro. INF1 (...) Mesmo por matanças ao porco, a gente jogava tantos jogos, tantos jogos!
CLH13
INQ1 O jogo de quê? INF (...) Da agulha. A gente, por exemplo, assentava-se todas por ao pé duma parede fora. E ia uma e dizia assim: "A senhora quer esta agulha com ponta, e linha, e cose bem"? E ela dizia: "Tem cu"? E eu dizia: "Cu tem". Eu ou outra pessoa. Depois (...) ela passava a agulha a outra e dizia: "A senhora quer esta agulha (...) com linha, e cose bem"? E ela dizia: "Tem cu"? Eu ainda o outro dia é que me lembrei deste jogo. Este jogo é engraçado! INQ2 Rhum-rhum. INF Porque (...) a pessoa, ela por exemplo, dizia: "Tem cu"? E ela virava-se para trás dizia: "Tem cu"? E a outra dizia: "Tem cu"? "Cu tem". Mas isto (...) numa mancheia de pessoas... INQ1 Claro. INF Quer dizer, a senhora há-de dizer que isto que não tem graça nenhuma. INQ2 Tem, tem. INQ1 Não! INF Mas isto era engraçado! Porque numa mancheia de gente, por exemplo, o último de lá dizia: "Tem cu"? Virava-se para trás e eu dizia: "Cu tem". E (...) ela virava-se para trás para o outro: "Tem cu"? Virava-se para a outra: "Tem cu"? E a última de trás dizia: "Cu tem". E elas diziam: "Cu tem". E já aquilo virava-se tudo. INQ1 E dava outra vez a volta toda? Ai, que giro! INF Virava-se aquilo tudo. Era muito bonito! INQ1 Isso chamava-se?... O jogo?... INF (...) O jogo da agulha. INQ1 Ai, que engraçado! INF E era... Jogos então, havia muitos jogos. Havia os jogos (...) mesmo de cartas e de coisa. A gente entretinha-se para ali, pois então não havia... INQ1 Mas os jogos de carta eram mais ou menos parecidos com o que há agora, ou não? Ou eram muito diferentes? INF Não. Não, havia a dourada, o truque, (...) a dourada, (...) a sueca e o pidro. Mas a gente jogava então jogos fora isso. Jogávamos o jogo do... Chamava-se o jogo (...) de burro. Era, por exemplo, a gente, iam três ou quatro, pegávamos... Por exemplo, são quarenta cartas e a gente tinha quatro pessoas. Dava dez cartas a cada um. E a gente punha: "um", e o outro dizia "dois" e o outro dizia "três" e outro dizia "quatro". Se, por exemplo, acertava no um, que era o ás, ela recolhia as cartas. (...) Se, por exemplo, a senhora ia botar a carta e dizia "dois" e era dois, a senhora recolhia as cartas que tivesse; se eu dizia "três" e (...) calhava a ser três, eu recolhia as cartas; o outro (...) do quatro - aquilo era melhor de quatro porque era mais depressa - recolhia. E, às vezes, calhavam a dar as voltas todas e a gastar as cartas e a um só é que ficar com as cartas. INQ2 E não sair. INF A gente (...) dizia, e ele ia botando até acertar a carta que... Por exemplo, "um, dois, três, quatro, cinco, seis, sete, sota, cavalo, rei". Se, por exemplo, ele ia dizendo, assim que chegava (...) à carta (...) que ele dizia, acabava. A gente dizia: "Olha lá, por quantos anos é que ficaste burro"? Ele lá contava, às vezes dizia: "Eh, que hei-de ser bem velho! (...) Sou burro há quarenta anos", ou assim, ou coisa. INQ1 Claro. INF Ou trinta. Era conforme as cartas que tivesse. INQ1 Que engraçado! INF A gente entretinha-se naquilo porque tinha que ser. INQ1 Claro. INF Porque, sabe, não havia mais nada!
CLH14
INF Ou bailar bailes. Também se bailava então muito. INQ1 Pois. INF Antigamente então bailava-se muito, as famílias. INQ1 Mas, mas era quê? Todas as semanas? Todos os fins-de-semana? INF Não! Por as matanças do porco. Isto era por as matanças dos porcos. INQ1 Ai, pela matança dos porcos! INF Era! (...) A gente ajuntava-se. A gente era uma família grande. E tínhamos (...) uns parentes - que era um irmão da minha mãe que morava lá para diante, ao cabo lá da freguesia, que até chamava-se o Hortão Fundo (...) ... INQ1 O?... INF O Hortão Fundo. INQ1 Hortão Fundo era o sítio? INF Lá para diante. Lá no cabo lá da freguesia (...) . Até a casa, ainda está lá uma nesguinha. Quando foi do abalo, avariou. E depois só estava cá a mãe - o marido já tinha morrido, que era o irmão da minha mãe, já tinha morrido e ela foi para a América, os filhos estavam todos na América, ela foi para a América... Ele morreu um agora há um ano. E eles vinham para cá, e iam ali - aqueles vizinhos, tinham muitos rapazes novos -, e a gente, já sabe, sempre se havia de entreter nalguma coisa. INQ1 Claro. INF Era a jogar aqueles jogos. INQ1 Claro. INF E era o jogo (...) da carapucinha do Manel do Canto. A gente fazia uma roda, e levávamos um pano e lá: "Aqui fica, vai ficando a carapucinha do Manel do Canto. Aqui fica, vai ficando a carapucinha do Manel do Canto"... E lá quando nos parecia nos deixávamos ao pé duma pessoa, e ela, se não dava por isso, a gente chegava ao pé dela e dizia: "Ora, tu agora (...) é que és (...) "... Ai Jesus! Eu não sei como é que a gente dizia?! " (...) É que vais (...) de fazer de carapucinha de Manel do Canto". E era assim que a gente se entretinha. INQ1 Também joguei a isso. INF Ah! INQ1 Quando era miúda também joguei a isso. INF Pois. INQ1 Mas chamava-se o jogo do lencinho. INF Ah! INQ1 Que andávamos assim umas atrás das outras, já não sei como é que era... INF Ah, mas não! Mas é que era a gente estava parados. Só um é que andava! INQ1 Não, estávamos... Só uma é que andava! INF É. INQ1 Exactamente. Estava assim e depois deixava... INF É. (...) A que fica, vai ficando a carapucinha do Manel do Canto. É. INQ1 Exactamente. E depois vinha... Se ela, se ela dava por isso co-, corria atrás dela... INF Era, era. E a gente metia-se... INQ1 Tinha que chegar primeiro ao sítio. INF A gente tinha que chegar primeiro ali àquele lugar lá. Ah, então a senhora também sabia! INQ1 É, também joguei isso. Esse também joguei. INF Ele havia muitos jogos então. Era quantos quer. Sabe, a gente tinha que se entreter. Era muita gente. INQ1 Claro. INF Pois às vezes bailava-se então! O meu pai gostava então de bailar! INQ1 E bailavam ao som de quê? INF Toque de viola (...) ou de violão. Mas havia pouco violão! Quase sempre era uma viola, ou uma guitarra, ou assim uma coisa. INQ1 E quais, qual eram as danças? Quais eram as danças? INF Não havia danças. INQ1 Ah! INF Era as chamarritas e bailes de roda. Gostava muito. INQ1 Chamarritas. INF Não havia estas danças como há hoje em dia. Bailinhos lindos era antigamente. Cantar, ai que... Havia pessoas que cantavam, cantavam!... Já (...) um rapaz (...) que morreu, que chamavam o Heraclito, ah, que aquele rapaz cantava! Ele cantava que!... E ele cantava e tocava uma noite inteira! E ele tocava e cantava que ele consolava! Ele ia ali para a sociedade - que a senhora sabe, a sociedade (...) , a da filarmónica, ali ao cabo de baixo do caminho novo. INQ1 É aquela onde a gente parou hoje de manhã, não é? INQ2 Pois, eu não sei... A gente parou perto duma, mas não sei se é essa. INF Tem um chafariz? INQ1 Sim. INQ2 Sim, faz um... INQ1 Faz assim um encontro de quatro... INF É, é, é. INQ2 Três. INF Quatro. Ele ia para ali, e ele cantava e bailava! Ele era baixinho. Ele é mesmo mais baixinho que o senhor um bocado. Mas aquilo ele cantava! Ele tinha-me uma voz, que ele consolava! Ele cantava e bailava e mandava! Quer dizer, ele tocava e mandava e cantava! (...) Tudo no mesmo tempo. Ele no intervalo (...) da cantoria, ele dizia: "Rola para a direita"; "Foge para a direita"; "Foge para a esquerda". E depois mandavam chamar. Eu consolava-me a bailar alguma chamarrita que ele mandava. Não há como a gente ... INQ1 Há quantos anos é que já não dança uma chamarrita? INF Ah, já morreu há muitos anos. Mataram-no. INQ1 Ah! Coitado! INF Nem sequer foi... (...) Não foi morte natural, mataram-no. Apareceu morto. INQ1 Mas porquê? Coitado. INF Não se sabe. Ainda andaram para saber quem é que tinha sido e quem não, mas não... Era um desgraçado, coitado! Não tinha ninguém. (...) INQ1 Mas alegrava as pessoas, não era? INF Era. E era muito boa pessoa. Não era pessoa de fazer mal nenhum a ninguém (...) . E havia um também ali no lado da Calheta que se chamavam o Heraldo. Ah, que ele Aquele também tocava (...) e mandava e cantava que consolava! Eu uma vez estava na sociedade... Nosso Senhor Jesus Cristo se esqueça por mor de eu nem sequer vá a ver ali na televisão porque eles vão conhecer a minha voz. (...) INQ1 Não dá na televisão nenhuma. INF (...) Ele estava uma vez na sociedade e o meu pai era amigo de beber uns copinhos. E eu fui mais ele. As minhas irmãs nem por isso gostavam de ir. Mas eu ia então sempre mais ele, quer ele tivesse bebido, quer não tivesse (...) . Muitas vezes eu estava na cama e levantava-me para ir mais o meu pai. INQ1 Ai, que engraçado! INF Ele chegava, ele dizia: "Ó Idalinda, não queres ir ao baile"? Eu dizia: "Quero, pois eu mesmo não tenho sono, eu quero ir". Mas eu não dormia para ver se ele chegava para ver se eu ia ao baile. (...) E fomos para o baile, e estava lá esse tal Heraldo. Também enforcou-se. INQ1 Ah, coitado! INF Ele então mesmo é que se enforcou. E ele já tinha uma bebidinha, mas não era muito. E ele foi pedir umas quantas pessoas (...) , umas quantas raparigas para ir bailar e ninguém quis ir com ele. INQ1 Porquê? INF Porque como ele já tinha uma bebidinha, como era assim, coitado, mais um pobre, não quiseram ir com ele. E o meu pai, (...) ele acho que foi para a cozinha. E eu, já se sabe, estava cá fora no salão, não sei. Mas julgo que ele que foi para a cozinha e disse que não ia bailar, não ia mandar o baile, porque não tinha quem fosse com ele. (...) E o meu pai disse: "Anda cá que tu tens um par para ires". (...) O meu pai chegou cá com ele ao pé de mim, e disse: "Vai bailar com este senhor". Eu disse: "Por qual a razão não hei-de ir? Ele é um homem como outro qualquer". E levantei-me (...) e pus-me ali à frente dele. Porque a gente já sabe quando vai bailar, vai... INQ1 Claro. INF Olha, fui. E depois (...) o meu pai então é que disse. Ele disse que ele foi lá dentro dizer que não ia porque ele disse a umas quantas... Foi verdade que eu vi ele dizer a umas quantas e nenhuma quis ir com ele, como ele já tinha uma coisa de bebida. Mas olha, ele mandou-a e cantou-a e bailou-a, (...) o mesmo que não tivesse bebida nenhuma. (...) Portou-se melhor do que outros que estivessem lá. INQ1 Do que muitos. INF E olhe, ainda depois de ele bailar esse baile, ele veio-me pedir para eu ir dançar mais ele, e eu fui. E ele dançou e cantou-a mais eu... Eu não cantei. (...) Não cantei porque não quis porque eu também sabia cantar. Eu naquele tempo sabia cantar. Hoje em dia não sei, mas naquele tempo sabia. INQ1 Rhum-rhum. INF Mas não cantei porque eu não quis. Mas ele dançar, ele dançava que ele consolava! Era tão leve no dançar, tão leve, aquilo era um pezinho levinho que aquilo consolava!
CLH15
INF Mas já hoje em dia, não há mesmo quem mande baile, ninguém quer. INQ Pois não. INF Nem querem mesmo. Se mesmo estiverem, por exemplo, na sociedade, acolá em baixo e disserem: "Vamos a um baile de roda", aquelas raparigas novas vai-se tudo embora. INQ Mas porquê? INF Vão-se embora para o quarto de banho, vão-se embora para a rua... INQ Não sabem. Se calhar, não sabem. INF (...) Não gostam daquilo, não querem aquilo. Eu, uma chamarrita! Ai, gostava imenso duma chamarrita! Havia (...) um homem (...) na rua de baixo, que ele ainda era parente com a gente... Também já está no mundo da verdade, e a mulher e um filho. Os outros dois estão no Canadá. Mandam sempre visitas pela minha filha - que eu tenho uma filha no Canadá -, mandam sempre visitas. (...) E ele, não sei porque seja mas ele nunca mandava uma chamarrita, nem nunca bailava uma chamarrita, que não fosse mais eu. E a minha mãe um dia disse: "Ó Herberto" - ele era Herberto -, ela disse: "Herberto, eu quero saber por qual a razão me estrompas a minha filha? Ela vai para os bailes e vem sempre estrompada que tu não a largas da mão para fora" (...) . Ele disse: "É porque ela baila muito bem. E ela é muito levinha e eu apanho-a num instante". Porque eu era muito magrica e bailava bem; não é por me gabar, mas então bailava bem. INQ Pois, pois. INF Já hoje em dia talvez não lhe desse jeitos sequer a bailar. Mesmo talvez não lhe desse jeito já a bailar uma chamarrita. Eu então mesmo não dava. INQ Não! INF Porque as pernas... Não, não, não. Porque eu já a última que fui, eu amassei-me em baixo. Porque eu já não podia. Eram umas dores aqui na barriga das pernas e nas curvas que eu tive que me amassar em baixo. INQ Ah, pois. INF Já não podia. Mas então era muito lindo! Antigamente era outra vida que não é hoje em dia. INQ Pois. Isso é. INF Eles dizem: "Ah, isto é"... Não, não. Ele então, outro dia no rádio, estava aquele Álvaro de Lemos, que a senhora... INQ Álvaro de Lemos? INF Sim, que vem... INQ Mas do continente ou de cá? INF Ele fala no rádio de... Não sei se é de São Miguel, se é da Terceira. INQ Ah! INF Que dá sempre do meio-dia à uma hora. O Almanaque! (...) INQ Não ouvi. Então eu estou cá há oito dias só. E tenho andado a trabalhar. INF Mas, quer dizer, mas aquilo dá sempre. Dá todos os dias. INQ Mas eu não tenho rádio. Eu não tenho rádio. INF Mas quer dizer... Ah! (...) INQ Agora tenho no carro, mas não tenho, não costumo ter rádio. INF Pois. Mas ele disse... Ele outro dia estava a fazer muitas perguntas. Tem uma rapariga consigo. Consigo?! Não sei lá mas ele diz: "Ah, fulana tal, isto e assim"... E ele disse assim: "Será que haverá alguma pessoa" - isto foi as únicas duas perguntas que eu pronunciei mais... E ele disse: "Será"?... Virou-se para ela - e eu parece-me que ela que era Margarida - e ele disse: "Ó Margarida, será que haverá hoje em dia alguma pessoa que quisesse reviver o passado"? E eu disse... Eu estava a almoçar mais o meu marido e eu disse: "Eu, por mim, queria". Eu queria reviver o passado. Mas era com o pessoal que era antigamente, não era com este de hoje em dia. E ele disse: "Pois é, mas é que não podes". Depois ele fez ali mais umas perguntas e ele disse: "Será também que haverá alguma pessoa que tivesse algum amor que quisesse tornar ao passado"? E eu respondi: "Eu, por mim, queria". E vai, diz ele, o meu marido: "Pois querias, mas o pior é que ele está na América". E eu disse: "Se ele não estivesse na América, também talvez eu já não estava contigo".
CLH16
INF E houve lá (...) um casal de velhos e a velha era amigada. Mas o velho não sabia. E disseram ao velho que a mulher que era amigada. E (...) a mulher todos os dias saía. Ele disse... Ou o homem é que saía (...) ? Não, era a mulher. A mulher todos os dias saía e ele disse: "Eu vou saber o que é que tu vais fazer. Eu vou saber (...) o que é que vai haver". Fez um dia que ia caminhar de casa mas deixou-se estar em casa. (...) Mas ela não lhe arranjava comida. Mas quando o homem vinha, ela guisava comida mas metia era no forno. E tinha um papagaio e o papagaio diz: "Ó corno, a comeres pão seco e as bogas no forno". INQ1 O forno quê? INQ2 "A comeres pão seco"... INF "Ó corno, a comeres pão seco e as bogas no forno". INQ2 As bogas. INF As bogas. Era a comida para o amigo. E ele disse: "O papagaio está sempre a dizer aquilo mas eu vou esperar". Fez um dia que caminhava de casa e deixou-se ficar em casa. E choveu muito! E ela (...) fez comida (...) para o homem comer (...) ... Para o almoço foi... Ah, já não sei o que foi. (...) . Já não sei a modo como é. (...) Fez papas (...) . Depois para comerem outra vez, fez pinto. E (...) para a ceia, fez um bolo para a merenda. E (...) ela chegou a casa... Ele chegou a casa e ela disse: "Ó homem, não vens alagado?! Pois choveu tanta"!... E ele disse: "Olha, se não era uma abinha de pedra como o bolinho (...) que tu 'almoçastes', eu vinha alagadinho como o pintinho que vós merendastes"! Ah: "A chuva foi basta como as papas que tu 'almoçastes'. E se não era uma abinha de pedra como o bolinho que vós (...) jantastes, eu vinha alagadinho como o pintinho que vós merendastes". E ela ficou admirada de o velho saber aquilo tudo. Mas o velho estava em casa a ver ela a fazer aquele guisado. Isto (...) era contos que a gente contava antigamente. INQ1 Antigamente.
CLH17
INQ1 E aquela grande que está ali por cima? INF Aquilo é babosa. INQ2 Portanto, é o aloé. INF Aquilo é uma coisa que é até bom para remédio. INQ1 Dizem que sim. E aquelas mais pequeninas, carnudas que estão aqui em baixo? INF Aquilo também não sei como é o nome daquilo. INQ2 Mas diz que é um quê? INF Isto, isto... INQ1 Espera, eu estava... INQ2 É um tipo de quê? INF Isto? Eu não sei o nome disto. INQ2 Não, não era dessa. INF É esta? INQ2 Isso assim chama-lhe o quê?... INF Não, não... INQ2 Não tem nome nenhum? INF Não tem nome. A minha filha é que trouxe isto da fazenda do vime. Não tem nome. E aquilo também. Ela também trouxe aquilo. Aquilo dá uma flor, uma cachopa muito grande, amarela, e então enxameia poderes. Aquilo, ela trouxe uma plantinha disto e, olha, foi uma planta até para acolá... INQ2 É, é. INF Eu trouxe ele uma plantinha, por exemplo, mais pequenina (...) do que aquela que está acolá, (...) da Caldeira de Santo Cristo, e plantei ali e olhe a senhora já como aquilo está! INQ2 É. INF E já vieram buscar aqui (...) daquilo para fazer remédios. INQ1 Pois. INF A minha mãe, eu era rapariga pequena - porque eu já não era muito criança mas também não era muito grande -, e ela teve uma (...) erisipela numa perna. E disseram-lhe que ela que (...) aquecesse no lume de lenha (...) uma raminha daquelas - INQ2 De babosa? INF de babosa - e esfregasse naquilo e depois pendurasse ao fumo e deixasse estar, não tirasse, que aquilo que havera de cair por si. Eu fui pedi-la - (...) umas nesguinhas daquelas - lá abaixo ao pé da igreja, numa casa, que (...) a gente não conhecia em mais banda nenhuma. E olhe, ela esfregou, esfregou (...) e desapareceu que nunca mais lhe tornou a dar. INQ2 Ai que giro! INF E já vieram buscar por duas vezes aqui (...) . INQ2 Sim, sim. INF Foi para uma dor ciática que deu na mulher (...) desse Herculano, que tem uma dor... INQ2 Herculano. INF Deu-lhe uma flebite numa perna e diz que era boa, mas ela não... O doutor já a desenganou, que ela que não tem cura. Mas ela veio aqui também buscar daquilo. (...) E veio uma outra mulher para fazer um xarope. Com mel e açúcar, (...) tirar só aqueles picozinhos por fora, mas também não é destas de fora nem muito das de dentro, é daquelas intermédias, e ferver aquilo com um quilo de açúcar e não sei se é um litro de água, e depois deitar aquilo de infusão, que aquilo que era muito bom para o fígado. E eu disse: "Há-de-me ensinar, senhora Josefa, a fazer"! Ah, é assim . "Ai, não posso fazer porque eu tenho diabetes, não posso beber isso". (...) Porque então se beber umas coisas doces, eles sobem logo. (...) INQ2 Nem penses. Açúcar, claro. Ainda era pior. INF Eu comi ontem umas batatas-doces que ele o meu marido comprou. Porque a gente usava a semear isto tudo muito semeado, mas agora depois que estamos sozinhos... INQ2 Claro. INF E ele ontem comprou umas e eu cozi e eles já hoje estão quase no máximo. INQ2 Pois é. Não deve... INF A mim, a batata-doce vem muito... INQ2 É. INF Isto, não sei dizer o nome disto. Agora isto conheço muito bem.
CLH18
INQ Mas há alguma coisa que chame um cacto? Um cacto? Não? Não se chama nada. INF Cardos, há-de ser cardos. INQ Cardos também. Mas não, eu estava a falar de cacto. Um cacto. Não, não há nada que se chame um cacto. INF Ah, pois eu conheço aqui é cardo. Talvez haja mas eu também não sei. INQ E os cardos como é que é? Uma coisa que pica muito? INF É, que pica muito. E depois aquilo dá assim (...) uma planta grande, (...) e depois dá aqueles espigos e dá uma florinha roxa, assim. (...) INQ Sim. INF Não é parecida com isto. Porque até a gente (...) até por o São João fazíamos as fogueiras, íamos lá queimar e só ficava aquele piquinho. E a gente guardava aquilo para noutro dia que estivesse... (...) Se ele estivesse arrebentado, a gente ia ter sorte na vida; e se não estivesse... Eu, coitada, o meu arrebentou pouco, eu não tive muita sorte. Mas está bem bom, podia ser pior. (...) Não tenho tido sorte... Não tive sorte porque os anos foram muito apertados. INQ Claro. INF A gente quando se criou, ele era... (...) Mesmo depois de eu me casar - já vai há quarenta e um anos, vai fazer para o mês que vem quarenta e um ano -, penei muito. INQ Claro. INF Penei muito! Olhe, eu ontem ouvi aquela mulherzinha que foi para... Ela está em França com um pequeno que foi ser operado... INQ Ah, sim, sim. INF Ai, eu chorei tanto, tanto! Que eu lembro-me do meu, que eu fui para a Terceira e ele tinha ano e meio. Também tão doentinho, tão doentinho! Eu chorei tanto quando vi aquela pobre mãe! Mesmo a dizer o que eu ouvia, eu chorei tanto porque eu lembrou-me sempre do meu. Eu lembro-me por cá quem tem filhos. INQ Claro. INF Você não tem filhos? INQ Tenho um filho já com vinte e cinco anos. INF Ah! Olhe, o meu tem trinta e... O mais velho tem trinta e seis, vai fazer trinta e sete agora para Fevereiro. Ele é da idade (...) da que é casada com o Hércules. INQ Ah! INF Ele é do mesmo dia só com a diferença de dois anos. E a outra tem trinta e um. Fez agora em Abril. (...) Portanto, (...) tem três anos de diferença. (...) A mais velha tem diferença de... O mais velho tem... Há outro que tem diferença de dois e aquela tem três anos de diferença. E depois não tive mais nenhum, porque o Nosso Senhor não teve destinado a me dar. Não foi que eu então tomasse coisas para... Às vezes diz que tomam pílulas... Eu isso mesmo (...) nunca vi. Mesmo quando a gente era pequena, quando eu me casei, não havia disso. INQ Não havia. Não havia não. INF E eu mesmo não tomava. Porque você sabe, aquilo se evita aquilo, faz também mal muito a uma pessoa. INQ Pois faz.
CLH19
INQ Que madeira é, as moendas? INF Isto é de sanguinho. INQ Ai é sanguinho. Ainda nunca vi um sanguinho. INF (...) A senhora já ouviu algum carro de bois cantar? Ah, pois. Isto canta muito bem! INQ O sanguinho é bom para cantar? INF (...) Aqui um (...) vizinho meu é que o carro dele cantava sempre (...) muito bem, muito melhor do que os outros e eu como que invejava aquilo. E um dia perguntei-lhe como é que o carro dele cantava e os outros não cantavam. E ele disse: "Homem, é moenda de sanguinho". Até os 'coucães', que é isto aqui, ele diz que também sendo de sanguinho (...) é melhor ainda. INQ Que engraçado! INF (...) E eu então arranjei. Ele foi difícil porque eu queria... Sabem, é preciso ser um pau ainda grosso para dar (...) esta medida. INQ Claro. INF Mas agarrei um bocadinho de sanguinho e ele mesmo é que mas botou então aqui.
CLH20
INF (...) Ela pode estar meio esbugalhada INQ E isso era... INF porque o carro, quando foi do abalo, em 1980, o carro estava ali donde a gente esteve ontem à abrigada, e aquela parede caiu. Caiu em cima do carro. Mas calhou a que tinha a seve - que era quando carreava estrume ou maçarocas de milho, estava primeiro num... Primeiro fincavam os paus na parede e é que ficava mais altinho. E aquilo veio primeiro e depois as pedras caíram em cima daquilo, ele sempre não partiram o carro. (...) Mas ali a tábua como é que sofreu então uma coisinha. INQ Olhe, e as seves eram dos lados que se punham, em quê? INF A seve, (...) ele tinha modo de engatar (...) nos fogueiros e depois tinha atrás (...) um modo de tapar. INQ Que se chamava o quê? INF Sebetes. Chamava-se sebete. INQ Sevete? O sevete era o quê? INF Era engatado no cabo de trás da sebe, aqui, no cabo de trás. A gente quando queria descarregar o estrume, ou o milho - milho em maçaroca -, INQ Pois. INF quando vinha das terras a gente tirava-o (...) e ia puxando-o. Depois engatava (...) o cabeçalho por meio (...) da canga dos bois, e empilhava o carro e aquilo descarregava tudo duma vez. INQ Sim senhor. Olhe, aqui...
CLH21
INQ1 Nunca se lembra de aqui de se fazer os tamoeiros, ou essas coisas, com nervo de baleia? Nunca se fazia? INF1 Eu, nervos de baleia, comprei uma vez umas brochas de nervo de baleia, foi ele o negócio mais ruim... Também não há negócios... Eles dão muito prejuízo. Foi a coisa mais ruim que eu fiz mesmo na minha vida. Que aquilo assim que chove... Um dia parecia-me que não chegava com o carro a casa porque começou a chover e as borrachas foram alagando, elas começaram a crescer (...) e foram-se 'desenmalhetando' (...) e eu estava-lhe a ver jeito que ele tinha que vir a casa buscar (...) umas betas (...) para amarrar os 'canziles' para (.../VB) . Olhe, não quis mais saber daquilo. INQ1 Mas no Pico eles usam muito isso. INF1 Ah, mas aquilo é preciso não chover. Elas são boas mas é preciso não chover. Chovendo, aquilo (...) ... INQ1 Alarga. INF1 Oh! INQ1 Ah, está bem. Olhe, e portanto, isto aqui, o senhor chama como? Estas coisas aqui do milho? INF1 Cambadas de milho. INQ1 Cambadas de milho. Mesmo as que estão aqui para semente. INF1 É. INQ1 Isto é para semente já, não é? INF1 Ele eu não o escolhi para semente, agora é que tenho que escolher que o vou tirando para os animais e é que tenho que as escolher. Elas este ano (...) são ruins que o milho foi muito ruim. Ainda mesmo assim, eu não esperava nada de elas serem tanto grossas. INQ2 Claro. Isso... INF1 Ele tinha algum que talvez não estivesse muito mais de um palmo a maçaroca desviada do chão. INQ1 Tchi! Hi! INF1 É. (...) A terra adoeceu, o milho (...) não prestava. INQ1 Pois. INQ2 Pois. E também chamava cambada àquelas que se punham na rua com a casca amarra-, amarradas e com a casca por fora? Ou chamava-lhe outro nome? INF1 Aquilo (...) que botam nas burras - como é? -, aqueles cambulhões que eles usam a fazer, como é que se chamam àquilo direitamente? INF2 Ah, isso não sei. INF1 Não sabe? Eu cá comigo, aquilo é cambulhões ou cambada de milho, ou... INQ1 Pois. INQ2 É a mesma coisa? INF1 Pois. Em burras. INQ2 E se o senhor agora pegasse numa cambada e tirasse as maçarocas, dá algum nome a esta parte que fica toda atada? A isto? INF1 Ah! A isso? Eu digo que é a casca (...) . INQ2 É a casca.
CLH22
INQ1 Isto aqui como é que se chama, que eu não sei? INF Isto aqui? É a rua. INQ1 Não. INQ2 É a rua? INQ1 Está bem. INF Pronto. INQ2 E... INF A rua da cozinha, a rua da sala - lá fora. (...) Antigamente, quer dizer, já hoje em dia, há as salas, vem tudo para a cozinha, as salas não servem de nada. As cozinhas é que (...) são bem amanhadas, não é como a minha, porque a minha é muito mal amanhada. Mas eu não me importo porque eu não tenho com que a amanhar melhor. Ela já está (...) por pouco tempo. INQ2 É muito bonita. Está óptima. INF Mas, quer dizer, a gente diz: "É a rua da cozinha". INQ2 Então e esta parte aqui assim à frente? INF É a horta. INQ2 A horta. INF A horta de semear. INQ2 Aqui não há nada a que chamem o aposento? INF Pois, ele diz-se horta e diz-se aposento. Sei lá. "Aquilo tem aquele aposento; aquele tem outro aposento". Quer dizer, dizem horta e dizem aposento, quer dizer, INQ2 Mas é ao pé de casa sempre? INF (...) dá tudo a mesma coisa. É. INQ2 O aposento é sempre ao pé de casa? INF É, sim senhora. Mais fora, é pasto ou é terra de lavrar (...) ... INQ1 Rhum. Então e este aqui com milho? INF Aqui isto é os currais dos porcos. Eram os currais dos porcos. Agora está em cerca de galinha, mas era... (...) A gente acrescentou a casa para aqui. INQ1 Rhum-rhum. INF Porque acrescentámos (...) ... Ali eu acrescentei e aqui a cozinha. Ela só tinha aquelas duas janelicas de lá. E a cozinha era para trás e a gente acrescentou-a. E então no tempo que acrescentámos, aproveitámos e fizemos os currais. INQ2 Mas olhe lá, e aquele sítio onde ali, onde o porco se gu-, se metia à noite? INF É o chiqueiro. INQ1 E onde lhe punha a comida? INF Aqui. INQ1 Mas ia... Ia para dentro... INQ2 Ai que giro! INF Quando se fez ele o curral, fez-se aqui chama-se a pia. INQ1 A pia. INQ2 A pia. INF De deitar comida. (...) Está agora a servir as galinhas... Isto aqui também tinha uma pia. INQ2 Ah! INF Só que eu tive aqui uma cabra (...) e então esmigalhou-se a pia para a cabra entrar para dentro e para fora, para eu a ir botar a comer. E tapou-se (...) ... Pois era, porque o porco saía era por acolá. Um ano, a gente tínhamos um tanto gordo que foi preciso partir acolá uma nisca, que ele não cabia para ir para a outra banda, para se matar. (...) E aquilo chama-se o chiqueiro. INQ2 Rhum-rhum. INQ1 E ago-... Antes, isso era para o porco, era o curral, não era? INF Era. INQ1 E as galinhas? INF As galinhas, costuma-se a dizer que é a cerca das galinhas. Mas eu, o que eu digo sempre é "o curral do porco", porque estou acostumada. INQ2 Claro. INF Mas, por exemplo, para quem não as tenha aqui, que faça uma coisa, diz: "É a cerca das galinhas". INQ1 Olhe, e este bichinho que está aqui agora ao pé de mim? INF (...) É uma abelha. INQ1 Pronto, diz lá. INQ2 Mas antes disso quero saber uma coisa. INF Sim. INQ2 Como é que se chama a fêmea do porco? INF É a porca. INQ2 A porca. INF Pois. INQ2 E quando nasce um pequenino? INF Quando nasce um pequenino, pois se nasce... INQ2 Chama-se o quê? INF Chama-se os porquinhos, porque são pequeninos. INQ2 Pequeninos, quando acabam de nascer, são os porquinhos? INF Sim. São os porquinhos, porque são deste tamanhico. Mas (...) têm, às vezes, a dezassete, (...) e a dezoito, e a dezanove. INQ2 Sim senhora. INF Ainda há pouco tempo que nasceu ali em baixo, no Vale Frio, numa casa que tem ali, que nasceu dezoito porcos. Porcos e porcas. Quer dizer, aquilo tanto nasce (...) duns... Mas, em geral, vem mais porcas do que porcos. Não sei porque seja!
CLH23
INQ Chamava-lhe o quê? INF As lavaduras. Agora já nem por isso eles usam tanto a lavadura porque há muito almeice, muito (.../N) , muita coisa. (...) INQ Almeice é o quê? INF Almeice é (...) de fazer o queijo. (...) Levam o leite para a fábrica e depois fazem o queijo, trazem o almeice, repartem (...) por as pessoas que vendem leite. INQ Portanto, o, fa-, eles, eles fazem, eles tiram, fazem o queijo e o almeice é o que sai do queijo? INF É, sim senhora. E depois então deitam (...) aos porcos. Hoje em dia, quase todos, deitam (.../N) e milho. Não, lavaduras, já nem por isso ajuntam. Mas a gente antigamente era lavaduras e couves cozidas, como as que tenho ali... Cozia-se couves, ia-se ao jarro - como o meu marido disse ontem que íamos ao jarro para deitar (...) ... INQ Mas não era jarrocas, era jarros? Não era jarros daqueles pequeninos. INF Era jarros, não era jarrocas. Jarrocas era bom só para cozer. A gente cozia (...) caldeado com as couves. Por exemplo, as batatas miúdas, havia muita batata da terra, a gente cozia aquelas mais miúdas caldeadas com aquilo. No tempo das batatas-doces - como agora neste tempo -, apanhava-se batata-doce, deitava-se então... Já então quando a gente estava perto de o matar, se tinha muita, deitava mais, se tinha, e se não era perto de o matar, porque eles então se provassem batatas-doces não queriam mais nada. INQ Ah! Eram gulosos! INF Não queriam comida guisada, nem nada. Eram gulosos! INQ E esse tempo, porque antes... Quando estava próximo de o matar davam-lhe essas comidas melhores, era? INF Era, era melhor. Por exemplo, as batatas-doces era ali perto... Se tinham muitas, começava-se mais atrás. Porque dantes, só se matava de ano a ano, em Janeiro. Agora matam muitos porque há muito almeice, muita coisa, e criam e matam. Matam muitos por ano. Mas a gente antigamente era só um por ano. Ele, já se sabe, estava gordo; a gente não nos servia estar (...) a botar-lhe muito cedo... A gente melhor o aguentava com comida guisada mais tempo, porque não o queríamos matar senão para Janeiro. Ele era assim de matar ele lá para o fim de Dezembro, perto do Natal, entre o mês do Natal e depois em Janeiro. Então se tínhamos uma mancheia de batata... Eu ou outra pessoa qualquer, se tinha muita batata-doce, começava-lhe, por exemplo, a deitar batata-doce... Começava a apanhar, começava-lhe a deitar; mas se não tinha, guardava a batata, ia comendo comida, porque a comida guisada faz muito bem. Faz os porcos criarem carne. A gente botava um punhadinho de farinha... Eu, por mim, mesmo aqui já nesta casa, tinha uma... Mas tinha mais couves do que tenho, que aquilo é só para as galinhas (...) e se quero fazer uma sopa, mas eu uso pouca couve. Tínhamos um canto grande de couves, eu ia às couves e trazia, e botava, por exemplo, uma camada de batatas no caldeirão e botava-lhe uns punhadinhos de farinha, depois tornava a botar outra camada de couves, outra punhadinha de farinha. Depois aquilo cozia, aquilo fazia bem aos porcos! Eles consolavam-se com aquilo e aquilo fazia bem. Faz criar carne aos porcos. INQ Pois. E isso é que chamava comida guisada? INF É. Isso é que a gente diz que é: " (...) Vamos guisar comida para os porcos". E se eles, por exemplo, não comiam as batatas da terra, as cascas, a gente ajuntava-as, depois quando cozia as couves, caldeava (...) as cascas das batatas e eles comiam. E era assim que a gente engordava os porcos, era assim. Agora, já sabe, hoje (...) em dia não dá trabalho porque aquilo (...) é almeice. Deitam-lhe almeice. Chega-se agora a este tempo, (...) ele as vacas já dão pouco leite e isso começam a matar neles. Ele quase todos os dias há matanças. Por aqui e por ali, há matanças. INQ Matanças de porcos? INF É. Há matanças. Hoje já não fazem matanças como a gente fazia antigamente, porque matam muitos, (...) não fazem. Antigamente fazia-se muito as matanças.
CLH24
INQ1 E o senhor Heraclides... Heraclides Imaginário? INF Heraclides Heribaldo Herlânder. Ele não é Imaginário. Ele é Imaginário porque o pai (...) era Imaginário. Mas ele não é Imaginário. INQ2 Ai ele não é Imaginário? INF (...) Ele é o Heraclides Heribaldo Herlânder. Muita gente que não o conhece por o seu nome! Que é tudo Heraclides... INQ1 Pois, eu julgava que ele era Heraclides Imaginário Heribaldo. INF Pois, é tudo Heraclides Imaginário, Heraclides Imaginário, porque o pai dele era Imaginário. INQ1 Ah! INF Mas ele não é Imaginário. INQ1 E tem setenta e dois? INF Tem setenta e dois. É mais velho de que eu dez anos. INQ1 Sim senhor. É um rapaz novo. INF (...) Ele está bem conservadinho para a sua idade. INQ1 Está bom. INF Tenha paciência. INQ1 Está bom. INF Se for andar, já foram outros mais novos. INQ1 Senhora Idalinda... INF (...) Isto não está gravando? INQ1 Não. INF Ah, bem ! INQ1 Está, está, está para ficar o nome só. Que a gente não quer... INF Ah! É porque eu não vá dizer estas bobagens... INQ1 Não!
CLH25
INQ O primeiro trabalho do campo que se faz e isso? INF Agora isto é uns poucos duma coisa, outros poucos doutra... Eu tenho gado (...) à corda o ano inteiro. INQ Rhum-rhum. INF A primeira coisa de manhã, o primeiro trabalho que faço é ir mudá-las. E, depois, logo que não tenho trabalho para fazer no lugar onde elas estão, eu venho para casa outra vez, eu como alguma coisa e vou para os lugares assim que têm mais falta de fazer alguma coisa. Quando é no tempo de começar a semear batatas e ervilhas, assim no princípio do ano, eu vou para as terras logo que está bom tempo para ir escolher ervas, preparar a terra e ir semeando alguma coisa. Gosto de semear quase sempre é quando é vazante de lua. (...) E depois semeio um bocadinho naquela altura, e dali (...) a uns tempos semeio mais outra remessazinha, vou andando assim. Semeio ervilhas. Quando chega o tempo, que elas é preciso eu fincar-lhe lenha, para elas se atreparem, eu trago lenha, e aguço-a, e finco-a lá (...) para as ervilhas se irem atrepando. E depois mais tarde quando as batatas nascem que estão a modo de sachar, eu sacho-as. Depois começo a dar-lhe sulfato. Se o tempo vai húmido, dá-se sulfato (...) mais vezes, num intervalo mais pequeno; (...) se vai mais seco, pode ser um intervalo maior. Vai-se andando (...) até (...) o ponto onde deixar de sulfatar.
CLH26
INF E (...) agora vamos à outra banda. Depois, quando tem alguma coisa (...) de roçar, à maneira que o gado vai comendo, eu tiro também uns poucos (...) para ir roçar. INQ1 Rhum-rhum. INF E tiro também alguns poucos para descansar porque não posso trabalhar todo o dia, INQ1 Claro. INF principalmente quando está muito calor. Eu sou mais sentido ao calor do que não ao frio. Tendo frio, trabalho, aqueço; e sendo muito calor, nem sequer a uma sombra, às vezes, estou bem. INQ1 Claro. INF E mesmo o médico diz que também (...) que não trabalhe muito, principalmente. INQ2 Pois. INF E assim se vai andando durante o ano, umas coisas uma vez, outra outra, conforme as coisas vão aparecendo.
CLH27
INF Trabalhei para eles (...) mas nessa altura ordenhava vacas. Aí ia ordenhar as vacas antes de ir para o posto. INQ1 Sim. INF E depois estava lá até receber o leite. E quando tinha queijos, viravam-se e limpavam-se. E assim que se acabava, vinha embora. Quando era só ele para receber o leite, assim que chegavam os pastores todos, lavava-se aquele vasilhame, e varria-se aquilo e lavava-se o chão, e vínhamos embora. INQ1 Rhum-rhum. INF Depois à tarde tinha outra vez uma hora certa de tornar a reabrir. INQ1 Os pastores eram quem? Eram as pessoas que lá iam levar o leite? INF Eram . Eram as pessoas que iam levar leite. Mas ali (...) não tinham muita quantidade de leite porque tinham as cooperativas (...) . Eles gostavam mais de vender era para as cooperativas. INQ1 Rhum-rhum. INF Teve ali uns anos, quer dizer, para trazerem o soro do leite que levavam, tinham que pagar por ele nos primeiros anos. Depois mais tarde era dado. Mas os primeiros anos, aí os pastores foram-se afastando. Porque nas cooperativas, (...) traziam o soro conforme o leite que levavam mas não pagavam por ele. INQ2 Rhum-rhum. INQ1 Pois, pois. INF E aí é que fez de modo a afugentar mais os pastores dali para fora. INQ1 O pessoal.
CLH28
INQ E o que é o aposento? O aposento. INF Pois ele o aposento pode ser também casa - às vezes com mais terreno do que esta aqui... INQ Rhum-rhum. Porque aqui à frente, como é que chama a isto aqui? Em cimento. INF Casa... INQ Que está aqui. INF Esse do quintal? INQ Sim. Não, esta coisinha aqui à frente da casa. INF Ah, isto é o passeio. O passeio pela frente da casa. INQ Rhum-rhum. Não se chama a rua? A rua da ca-? INF Como? INQ Não, a rua da casa ou a rua... INF Não. A rua é além por trás. INQ Ali por trás. INF Eu podia ter aberto ali fora, mas no baldio aquilo não é possível. INQ Pronto. Mas o aposento... É que eu ficava-... Para se perceber exactamente o que é o aposento, o aposento é tudo o que fica à volta da casa? INF É. Não. Se tem prédios mais desviados, hoje já não são... São muito mais vezes da mesma pessoa mas já não lhe chamam aposento. INQ Já não é só... Rhum-rhum. INF Chamam, por exemplo, aposento (...) , se tem uma casa ou mais (...) , o reduto de terreno que tem ali em volta da casa. INQ Sim senhor. INF O meu pai tinha uma casa que - eu estive lá a morar até uns tempos, já depois de estar casado - as terras eram todas em volta da casa. INQ Rhum-rhum. INF O palheiro - ainda tinha o palheiro - e a casa ficavam no meio (...) do prédio. INQ Sim senhor. INF Aquilo ali já lhe dava bem a ser um aposento.
CLH29
INQ Ou dá-se algum nome aqui?... INF Às vezes as pessoas podem chamar belga, uma belga de terra. INQ Rhum-rhum. INF Outros dizem (...) uma tira de terra, mas isso então já não é tanto vulgar. INQ Uma tira. E a sua senhora... INF (...) Ou uma gira. Uma gira de terra. INQ Uma?... INF Gira. Gira de terra. INQ Gira de terra. INF Sim senhor. Assim ainda compridota (...) e ainda larguinha. INQ Rhum-rhum. INF Tenho eu uma gira de terra ainda grande. INQ Rhum-rhum. Mas isso é, isso seria a mesma coisa que a belga ou não? Ou é, a gira é maior do que a belga? INF Ele a gira é uma coisa, sabe, um formato parecido mas contanto que deve ser mais pequena, com certeza. INQ Mais pequena do que, do que... INF É. Pequenita. INQ E há bocadinho a s-, a sua senhora falou num combro, o que é? INF Combro? INQ Ela falou há bocadinho num combro de terra. Um combro. Ou eu sonhei? Eu acho que não. Não sabe? Nunca ouviu chamar? Combro? Eu pergunto-lhe depois quando ela vier. Deixe lá. Olhe, e se fosse um, um terreno que t-... Aqui, o senhor como é que chama àquele canto que tem os inhames? Está aqui no quintal não é? INF É que ele o quintal é que fazia a parte aqui da terra. (...) INQ Pois. E naqueles sítios das Fajãs, que, aqueles terrenos que era só onde havia inhames, como é que chamava? INF Esses chamavam-lhe o rio da Fajã. (...) Aqui na Fajã dos Vimes, tem um lugar (...) que chamam-lhe o rio, mas não é rio como há no continente nem nada disso. INQ Claro. INF É um lugar que tem uma fonte de água e aquela água é dividida. Porque (...) os inhames são (...) de várias pessoas. INQ Rhum-rhum. INF Cada um tem lá os seus bocadinhos. (...) E a água, acho que é dividida por aqueles terrenos todos. INQ Rhum-rhum. INF Agora parece que ali uns tempos antes de os apanhar, que têm (...) que tapar a água para ela não correr até o dia de os apanhar - portanto, os inhames. Eu então nisso não sei porque não tenho prática. INQ Pois. E... INF Mas parece que já ouvi mesmo qualquer coisa, na televisão, ou em São Miguel, que também cultivam muito inhame, ele explicar alguma coisa acerca disso. INQ Não, mas, pois, eu queria os nomes daqui.
CLH30
INQ A estrema, não se dizia? Ou o que é a estrema? INF Sim, eu posso chamar também estrema. (...) Quer dizer, o terreno está dividido, é a estrema (...) de ele ter sido dividido, uma parte para uma, e outra para a outra. INQ Rhum-rhum. Mas se for, se for assim já com um muro também chama estrema à mesma? INF Se for com uma parede? INQ Sim. Já não chama estremas? INF Não, (...) o que está dividido com a parede já não... INQ Não se chama estrema? INF Pois (...) é uma estrema à mesma porque é a divisão (...) dum prédio para outro. INQ Do outro. INF Mas sempre é diferente já dos malhões, pois com certeza . INQ Sim senhor. E esses malhões, costumava pôr outras duas pedrinhas por baixo dos malhões ou era só uma pedra que se punha lá? Mais fundo não se enterrava nada? INF (...) Aquilo ficava uma pedra e, às vezes, alguns - não eram todos - faziam, com uma pedrinhas mais pequenas, faziam a modo duma eirazinha em volta e ficava o malhão ali no meio. INQ Ai, ficava esse a meio. Rhum-rhum. INF Mas isso então é preciso pôr-se em poucos senão isso dava muito trabalho. INQ Dava muito trabalho. INF Agora era bom então o que era para ser direitamente a (...) servir de estrema ficar bem fincado para não andar... Porque sempre podia ter algum mais (...) maldoso (...) que o quisesse afastar (...) mais para fora para aumentar mais o seu terreno. INQ Que puxasse para um lado ou para o outro. Sim senhor. E, se fosse mais terreno de pasto e isso, em vez de ter esses malhões não, não se fazia uma, uma c-, um monte de terra para pôr o?... INF Faziam. (...) E depois plantavam - como por exemplo isto -, plantavam-lhe então ele pelo meio abaixo hortense. INQ E como é que chamava isso?... INF O senhor (...) sabe o que é hortense? INQ Sim. INF Chamava-se-lhe bardo. E depois a hortense crescia, fazia abrigos e ficava então um tapume alto. INQ Rhum-rhum. Havia alguma coisa que chamasse o valado? INF Valado? Os regos que abriam ali em volta das paredes (...) ou mesmo dos bardos servia (...) para escorrer a água do terreno, INQ Rhum-rhum. Do terreno. INF para enxugar mais o terreno e também para os animais terem assim um certo receio (...) de irem para a do vizinho. INQ De irem para o outro. Pois. Mas, quer dizer, só o valado em si não era uma divisória do outro, com o outro terreno? Tinha que haver sempre ou um bardo ou uma parede? INF Pois. Pois não. Mas (...) auxilia. Auxilia... INQ Sim. INF É preciso não ser muito largo demais, para o gado não caber com os quatro pés lá dentro, a não ser ao correr com a parede. INQ Lá dentro. Pois. INF Mas, por exemplo, (...) botando só as mãos, os pés ficam mais altos e já não fica fácil de INQ Rhum-rhum. De saltar? INF saltar para a outra banda. INQ Sim senhor. INF E agora já ficando com as mãos ou em terreno igual ou donde tem os pés, ele se o tapume não é muito alto, é fácil de 'jampar' para a outra banda. INQ Sim senhor. INF Usava-se muito disto.
CLH31
INF Quando está mau tempo, devem-no chegar para um lugar mais abrigado. E vão fazendo mudas. Quando está um lugar comido, muda-se para outra banda. (...) E as pessoas pagam um tanto. INQ Pois. INF Por exemplo, a rês (...) que é (...) mais velha, que ele quando sendo mais velha, é maior, come mais, pagam mais. E as que são mais pequenas pagam menos. INQ É isso... INF Mas (...) tem que avisar INQ Rhum-rhum. INF e tem dias certos de as ir levar e de as ir buscar. INQ Pois, portanto... INF Não é botá-las para lá e irem-nas buscar quando quiserem sem dizer nada (...) aos que estão (...) à testa daquilo. INQ Pois. Então, mas mesmo antigamente para este lado então não havia nada que se parecesse com a serra do concelho que existia para aquele lado de lá? Aqui? INF Aqui para este lado (...) onde criam ovelhas, penso que aquilo que têm todas os seus donos. Mas em prédios que têm pouco valor, ele alguns (...) acho que mal se pode andar lá. INQ Pois. Mas se, por exemplo, se o senhor... Pois. INF Eu não tenho muito conhecimento daquilo... INQ Mas se o senhor tivesse ovelhas, tinha-as nos seus pastos? Não tinha no sítio... INF Pois tinha, mas aquilo devem-se caldear, porque uns prédios que não são bem tapados... INQ Saltam dum lado para o outro. INF Aquilo é como calha. INQ Está bem. INF Aquilo acho que tinham uns lugares pequeninos, de forma de currais, então bem tapados que é donde eles as rodeavam quando era para lhe cortar a lã ou para trazer alguma por a carne. INQ Rhum-rhum. INF Aí arrodeavam-nas (...) e ficavam ali tapadas, e (...) numa área pequena para lhe poderem pegar, que às vezes elas são muito bravas! INQ Rhum-rhum. É isso, sim senhor. INF São criadas sempre lá à vontade, INQ Sim senhor. INF aqueles cordeiros que vão nascendo lá e cabritos e aquilo tudo, ali são bravíssimas! (...) INQ Mas, por exemplo, como é que o senhor sabia que eram as suas e as dos outros? Como é que diferenciava umas das outras? INF (...) Eles acho que... Eu não sei porque eu (...) nunca tive lá nenhuma, INQ Nunca teve. INF mas já ouvi que eles que as marcavam. INQ Nas orelhas? INF Marcavam. Acho que lhe davam uns golpezinhos nas orelhas. O pior é se algum dava parecido com outro que já tinha marca igual. INQ Está bem. Sim senhor.
CLH32
INF Aquilo ficavam abandonadas (...) . INQ Rhum-rhum. INF Mas eles (...) sempre iam usando neles que o gado ia indo para lá e não deixavam perder... INQ Pois. INF Não deixavam perder as coisas. INQ Rhum-rhum. INF Agora talvez deixem perder algumas, porque tem pessoal que ainda vai lá, às vezes, mas para viver lá continuamente, penso (...) que deve haver poucos. INQ Rhum-rhum. Sim senhor. E aqui nunca havia sítios em que a terra fosse relativamente fraca, que não desse para semear lá todos, coisas todos os anos, e, e depois num ano semeava-se qualquer coisa e depois no outro ano não se semeava nada, que era para a terra ver se ficava mais forte para o ano seguinte... Diga. INF Para descansar. (...) Para descansar mais alguma coisa e depois a seguir, quando resolviam a semeá-la outra vez, ele quase sempre plantavam a batata-doce. Porque a batata-doce, ele em terra fraca (...) e fosse bem estrumada é que dava batata boa. (...) INQ Rhum-rhum. INF A batata aqui, em terra muito mole... INQ Não dá? INF A batata-doce em terra muito mole não dava.
CLH33
INQ Quantas vezes é que eu tenho que lavrá-lo para, para ele depois ao fim, para poder pôr outra vez a semente do milho no chão?... INF Como eu aqui, quando quero semear o milho, eu costumo... Ele lavra a terra no dia e atalha a terra, lavradinha a eito... INQ Que é já... O que é atalhar? INF A eito, a atalhar. E depois grada aquilo bem gradada, de dentes, primeiro, e depois, se é preciso, passa de costas, a grade. INQ Rhum-rhum. INF E depois marca-se o milho que era na largura de poder 'claveirar' com a 'claveira' (...) antes de sachar. INQ Rhum-rhum. INF Aquilo marca-se além na largura e depois agasalha-se com a grade outra vez. Para quem tem seu, como eu aqui, não costumam fazer isso. INQ Rhum-rhum. INF Aquilo agasalha-se o milho e depois, quando ele está a modo de sachar, eu sacho-o e não o grado. (...) INQ O que é agasalhar? INF (...) Agasalhar é passar a grade (...) para botar terra para cima do milho, para o milho ficar agasalhado. INQ Rhum-rhum. E como é que marcava? INF (...) Marcar, aquilo a gente marca... O boi indo certo dentro do rego, a gente marca mais ou menos. Como eu, usava uma canga mais curtinha, sabia como era. Mas como eles usam agora, eu (...) não me amanhava. Porque os bois nunca iam certos INQ Rhum-rhum. INF e eu marcava pelo pé de dentro do boi, que ia por fora na terra, (...) na parte (...) que ele não ia dentro do rego. INQ Rhum. Portanto, o boi... INF (...) Marcava pelo pé de dentro dele. INQ Junto, aquele que ficava junto do temão do arado? INF Sim senhor. (...) E dava certo. Agora da maneira que eles usam (...) as cangas compridas, eles têm que marcar aquilo é a olho... INQ Mas eu não percebi o que era marcar. Portanto, é, marcar é fazer um rego só? Não? INF É fazer os regos mas contanto que ficam abertos, ou coisa parecida, como é no continente, que eles fazem com as máquinas, que fazem uma mancheia de regos duma vez e botam batatas ali. INQ Rhum-rhum. Sim. INF Depois então, depois agasalham com uns sachos. Em lugar de agasalhar com os sachos, é agasalhada depois (...) é com a grade INQ Rhum-rhum. INF para endireitar a terra. INQ Rhum-rhum. Portanto, o senhor ia com o arado e fazia um rego. INF Aquilo é uma imitação... Marcar o milho é uma imitação de como eles fazem a tal... (...) Pode é não ser tanto largo INQ Mas... INF como eles semeiam batatas no continente, (...) INQ Pois. INF com máquinas que abrem (...) uns quantos regos duma vez e depois o pessoal vai ali a botar as batatas e vai um só com um sacho a chegar alguma coisinha de terra para dentro. INQ A pôr outro. INF A gente não agasalha o milho então com os sachos. É com a grade. Passa-se depois a grade. INQ Rhum-rhum.
CLH34
INQ1 E se, por acaso, encontrar só uma pedra ou uma raiz e ficasse aquele, um bocado que não ficasse lavrado, como é que se chamava? INF Aquilo ou emendavam o arado, a pegar com a ponta do arado devagarinho o outro lado da pedra, se pudesse ser; e se não com alviões - para quem gostava do trabalho bem feito -, com alviões, depois desapegavam a leiva ali de roda da pedra e se a pedra estava à feição de se poder arrancar, arrancava; e se não, ficava então lá outra vez. INQ1 E se, e se for um, uma pessoa que não é muito jeitosa a lavrar, vai, vai lavrando e de repente faz ali pchiii. Fica ali aquele, aquele bocado que não ficou lavrado. Como é que se chama àquilo? INF Ah, eles sempre podem fazer... Com o arado da América não é tanto fácil de fazer cambetas. Com os outros é mais fácil para quem não bote sentido. INQ1 Sim. INF Mas isso fica feio é para o lavrador. Ganha poucos louvores (...) se fizer o rego muito cambado. INQ1 Pois. INQ2 Exactamente. INF Agora (...) se tiver alguma presunção e goste do trabalho bem feito, faz a diligência de o rego ser direito. INQ1 Rhum-rhum. INQ2 E chama-lhe cambeta? Fica ali uma cambeta, é? INF Pois, é uma cambeta. Pois, se querendo endireitar (...) o rego depois no outro a seguir, ali é claro que tem (...) que ir mais grossinho um bocadinho para endireitar o rego. INQ1 Pois. INQ2 Pois.
CLH35
INQ1 Mas as mulheres costumavam lavrar também? INF Havia uma, que lhe chamavam a Dona Inácia das Vacas... (...) Já morreu há muito ano. Porque ela tinha lá um sobrinho, mas era um servo deles. Ele só lhe dava jeito a ordenhar duas vaquitas que ela tinha, mas acho que era muito difícil mesmo assim. INQ1 Rhum-rhum. INF E de maneira que ela (...) criava bois e acho que é que lavrava. Mas acho que havia aí homens que não se sabiam desembaraçar numa terra tanto bem como ela! INQ1 Mas era raro as mulheres lavrarem? INF Era. Tinha aquela e acho que tinha uma outra rapariga, que chamavam Josefina, que (...) foi para a América. Foi criada com o avô e o avô criava quatro bois, e o avô é que a foi ensinando. Ela parece que gostava daquilo! INQ2 Rhum. INF Mas parece também (...) que se desenrascava. O avô acho que era um lavrador bom e ela, no fim, acho (...) que já não era inferior ao avô (...) para lavrar. INQ1 Pois.
CLH36
INQ1 Esses regos trazem água para dentro de quê? INF Aquilo há anos aproveitavam aquilo para bebedouros, pois para o gado beber, mas hoje há muito tanque feitos em cimento e blocos, outros em cimento e pedra... INQ1 Rhum-rhum. INQ2 Mas antigamente, aqueles sítios onde se acumulava a água? INF Acumulava a água, pois ele faziam a diligência (...) - era lugar que vedava - de aproveitar aquilo para o gado beber. Aquilo depois de estar cheio, a água continuava e ia ter às ribeiras. Às vezes ficava desviado, levava um bocado grande para chegar às ribeiras, mas ia depois desaguar nas ribeiras. INQ1 Mas o senhor agora falou em tanques, que é moderno, não é? Que é feito com cimento e com... INF É. Isto (...) hoje já fazem pouco uso de... Chamavam bebedouros. Eram os tais que eram no terreno.
CLH37
INQ1 Chamava-lhe o quê àquele sítio que tinha água? INF Aquilo chamavam-lhe os poços de linho. Poço de linho. Porque aquilo era ao pé da ribeira (...) e tinha um modo de encanar para lá uma tanta água, só a água que queriam. INQ2 Rhum-rhum. INF E depois aquilo era dividido por vários poços. Enchiam um... E eu tinha uns que não vedavam bem. Tinha que ter sempre uma (...) pinguita de água a correr. Era pouca, depois de estar cheio, era só para ir aguentando. Agora aquelas que vedavam, enchiam-nos (...) e, às vezes... Mas iam lá de vez em quando ver, porque, às vezes, havia algum maldoso (...) que sabia os que não vedavam e tapavam a água (...) para ela secar. INQ2 Claro. Mas... INQ1 Pois. INF (...) Toda a vida houve quem fizesse bem e mal! INQ1 Pois. INQ2 Mas esses... INQ1 E chamavam-lhe poços a isso? Eram os poços? INF Eram os poços do linho. INQ1 Mas eram só para o linho? Não era para mais nada? Esses poços não serviam para mais nada? INF Ele quando não era no tempo do linho, às vezes, quando era vimes que queriam fazer cestos mas estavam já muito secos, que os queriam botar de molho, iam-nos lá botar. E eles, às vezes, estavam meio já arcados - no que tinham secado, tinham arcado -, e eles botavam com aquela giga pelo ar, e apertavam-nos para baixo, e botavam-lhe umas pedras grandes em cima. INQ2 Rhum-rhum. INF Faziam isto antes de botar água a correr para lá. INQ2 Rhum-rhum. INF E depois é que botavam a água a correr e estava para ali uns dias. Quando lhe pareciam que eles que haviam de estar já a modo, iam lá experimentar. Metiam a mão e experimentavam o vime a ver (...) se ele não quebrava. INQ1 Pois. INF Estava a modo de fazer os cestos. Mas só os traziam quando viam (...) que podiam (...) ou tinham quem lhe fizesse os cestos, para não os deixar secar outra vez. INQ2 Rhum-rhum. INF Mas tinham que os deixar enxugar, porque eles alagados conforme vinham de lá, escorregavam muito. INQ2 Não dá. INF (...) Não conseguiam fazer os cestos. INQ1 Pois.
CLH38
INQ1 Esses poços eram feitos pelas pessoas ou era pa-, a própria, aqueles buracos que estavam... INF (...) Aqueles, ele tinham sido feitos mas já não foi do meu tempo. Aquilo já há muito anos que existiam. INQ1 Portanto, mas eram feitos por pessoas?... INF Eram, sim senhor. Eram feitos por pessoas. Aquilo é em terreno... Hoje, a Florestal é que... Os poços desapareceram. INQ1 Rhum-rhum. INF A Florestal é que plantou lá árvores, e nasceu acácias. Sementes que a ribeira foi trazendo! E a ribeira quando vinha grande saía para aqueles lugares, e foi ficando semente e aquilo agora nunca mais se desinça, porque das raízes vai rebentando, e vai caindo semente daquelas. Como há agora, é. (...) Eles hoje estiveram a tirar vários paus, pesados. (...) E estiveram esta tarde a serrar mais, que é para tirar para fora talvez amanhã. INQ2 Pois. INF Que há árvores que o vento virou em cima de plantas que eles tinham lá. INQ2 Ah! INF E eles têm que as tirar porque senão aquilo as plantas levam um mau caminho debaixo delas. E os poços de linho desapareceram por causa disso. INQ2 Rhum. INF Mesmo também não há linho agora, nem vimes, nem essas coisas . INQ1 Claro. INQ2 Pois.
CLH39
INQ Como é que os animais faziam? O que é que?... INF1 Os animais, quando ele não era assim calcadura muito grande, era só uma junta de bois. E quando era muito, era duas. Aquilo primeiro engatavam-nos atrás uns dos outros, mas depois era a encruzar. Aquilo quando era a encruzar é que eu não gostava de maneira nenhuma. Quando eu (...) estava a atender a alguns... Porque aquilo, os que iam aqui por fora, logo a seguir quando encontravam a outra junta tinham que ir por dentro. E, às vezes, bois com (...) pouca educação, não obedeciam ao que a gente queria que eles fizessem e ele era uns trabalhos (...) para eles (...) não brigarem uns com os outros. E, às vezes a irem... INF2 E a gente a andar no trilho e eles pegarem no trilho de repente e a gente (...) ... INQ Pois, era isso. Como é que chamava àquilo de madeira que eles puxavam? INF1 Era o trilho.
CLH40
INQ E o, o senhor ia em cima disto? INF1 Iam. E, às vezes, (...) ia um assentado à frente. Ele à banda da frente era arredondado. INQ Era assim, fazia um altinho assim?... INF1 Era. Era. Era arredondado, não tinha aqui estes cantos, desta maneira - arredondado. INQ Sim senhor. INF1 (...) E (...) tinha aqui uma corda que era de engatar, a parte (...) que ia engatada nos bois. INQ Rhum-rhum. INF1 (...) O pau era cambado. Botava-se assim (...) com a curva para fora e com (...) a outra banda para dentro. INQ Rhum-rhum. INF1 E ele ia às vezes aqui (...) um rapaz, ou uma rapariga, aqui assentado, aferrado a isto. INF2 E às vezes três ou quatro. Corriam quase todos. INF1 E, às vezes, iam mais aferrados uns aos outros. O primeiro ia aferrado naquela corda, (...) que era a amarrar aquele pau (...) que engatava nos bois e os outros iam abraçados a eles. E a gente quando os achava distraídos... Já fica corda cá atrás de... Como é que se chama? De rabear o trilho, não? INQ Rabear? INF1 O trilho, o trilho. INQ Rhum-rhum. INF2 Pois, quer dizer... INF1 De rabear, parece-me que é. A gente quando eles estavam distraídos e a corda era boa, que a gente não tinha medo de a arrebentar... Se arrebentasse era perigoso! Que a gente podia se matar, bater na parede! Se a corda era segura, a gente dava-lhe uma rabeadela depressa, e pás! Os rapazes estendiam-se todos lá. INF2 Toca os rapazes para o chão!
CLH41
INQ O senhor Heraclides ia sempre atrás do trilho? INF1 Ia sempre atrás e iam também uns poucos no trilho. Mas quando era duas juntas, eu tinha pouca chance de ir no trilho. INQ Rhum-rhum. INF1 Porque eu tinha que depois puxar o trilho quando ia a chegar ao pé dos outros bois, para eles não botarem os pés em cima do trilho. Podiam-no partir (...) . INQ Porque os bois andavam assim sempre à volta? INF1 Andavam. Mas aquilo, ali, primeiro, enquanto a palha estava (...) muito grada, eles iam atrás uns dos outros INQ Rhum-rhum. INF1 aí calhava bem. INQ Rhum-rhum. Quando ia ... tudo assim. INF1 (...) Mas depois começavam a encruzar, aí é que eu não gostava! INF2 (...) INF1 (...) Logo que eles não obedeciam, às vezes, o que vinha atender aos outros... Eu enquanto era rapaz, eles convidavam-me sempre... Logo que eu estava lá também! INQ Rhum-rhum. INF1 Convidavam-me para ir atender a uma junta deles. INF2 Pois é, porque este ajeitava-se muito! INF1 Quando era bois cá do meu pai, que eu já tinha trabalhado com eles, que eles sempre me obedeciam alguma coisa! Mas se era bois lá vontadeiros que não tinham educação, (...) e eu falava com eles era o mesmo que falar com uma pedra, que eles não obedeciam nada! E, às vezes, um outro rapaz que vinha atender à outra junta deles, não botava sentido! Homem, aquilo era uma chatice! E depois a gente para puxar também o trilho (...) conforme dissemos agora, ele para fazer aquela gracinha aos que iam assentados, era preciso não ser na altura que íamos a passar por ao pé dos homens que estavam a mexer com os forcados. INQ Rhum-rhum. INF1 Que aí podia, sem eles quererem, ele pisarem algum forcado. Tinha que ser naqueles intervalos. INQ Sim senhor.