INQ Como é que chamavam à ponta? Tinha algum nome, a ponta?
INF (...) Chamávamos-lhe fuso. O fuso de fiar o linho era o fuso de ferro; e o de fiar a lã era o fuso de pau.
INQ Hum, sim senhor.
INF Só que o de fiar o linho era: tinha um bocadinho de pau cá no fundo e outro bocadinho de ferro. E o da lã era todo de pau.
INQ Quem é que fazia as rocas, eram as mulheres ou eram os homens, os rapazes?
INF1 As mulheres, as mulheres.
INF2 E os homens. (...)
INQ E os rapazes não costumavam oferecer à rapariga umas rocas todas enramadas?
INF1 (...) Os rapazes também faziam.
INF2 E fusos? Diga-lhe quem os fazia.
INF1 Mas os fusos faziam-nos os homens. Isso faziam-nos os homens. (...)
INF2 Os fusos de pau.
INF1 Sim. E (...) o homem que era (.../ADJ) e o rapaz é que fazia (...) o fuso (...) para lhe dar.
INQ Pronto.
INF1 Mas as rocas, (...) nós fizemo-las sempre nós. Roquinhas que aquilo davam... Era uma maravilha!
INF1 A mais velha não estudou (...) e mais velha ca que é esta é o meu filho - que só temos um filho.
INF2 Temos quatro e estudaram todos. E a mais velha é que não estudou. A mais velha conhece a história ainda.
INF1 É o filho e é outra filha.
INQ Pois, pois.
INF1 Aqueles (...) ainda assistiram a isso.
INF2 E o filho igual. O filho (...) dá-lhe as respostas que (...) aos outros.
INF1 Sabe. Dá-lhe as respostas que lhe nós damos.
INF Isto vinha apoiar aqui no meio (...) , com um ferrinho.
INF2 Não. (...)
INF3 Era como o moinho de vento, vá.
INF2 Olha o que te eu digo. Olha: aqui no fundo, tinha uma cepa para não virar.
INF1 Exacto.
INQ E o urdir, a urdidura é de, é de...
INF Olha o que te eu digo. Eu (...) ainda tenho mantas das que fiz com o linho.
INF1 Nós, nalgum tempo, era com o linho. Ninguém falava no algodão. Agora já há os algodões.
INF2 E até ainda temos outra coisa mais interessante - vai ver -, que me aconteceu a mim, que isto também até calha-lhe bem. Havia quem fazia - mesmo para os homens e para os rapazes - fazia umas calças daquilo.
INF1 Era, era. Ai, sim, sim.
INF2 (...) Eu (...) era novo e ainda (...) ia com a rês e com o gado, e havia ali umas vizinhas (...) que ia com elas. E havia lá uma (...) que me sabia levar cá muito à maneira dela e eu dava dava-me bem com ela.
INF1 Você, se calhar, está-lhe mal essa coisa de por baixo. Ajeite. Esteja bem à sua vontade.
INQ Estou bem.
INF1 Está?
INQ Estou.
INF1 Tem os pés quentes? Se não está bem, ajeite-se.
INF1 Os pés, tem-nos quentes?
INF2 Chamava-lhe Maria.
INF1 Tem?
INF2 E havia outra, que está lá em baixo agora a mãe - até coitada não está muito bem -, chamam-lhe Ana. E aquela (...) mandava-me assim duma certa maneira; e eu começava logo a mandar vir com ela e não ia. Mas um dia fui então. E a minha mãe falecida preparou-me as tais calças. Mas o raio das calças, aquilo picava-me como tudo!
INF1 (...)
INF2 E eu agarrei e vim de lá... E que é que eu fiz? Dei-lhe umas facadas às calças; e atirei com elas trás do arcaz, como se dizia naquele tempo. Agora é uma caixa, mas era o arcaz. E minha mãe falecida descobriu as calças; ainda andou a dar umas pontadas; mas eu escondi as calças.
INF1 Transpô-las para as não vestir.
INF2 Transpus. Nunca mais. Mas havia homens que gastavam aquilo.
INF1 Gastavam.
INF1 Mas para os favos (...) tem-lhe, assim, duas fiadas de paus a fazer cruz.
INF2 Dois pauzinhos (...) a fazer cruz.
INF1 E elas, por cima daquele cruzamento, (...) e fazem os favos.
INF2 Trabalham ali e ali fazem favo.
INF1 E depois, (...) não se pode tirar as duas partes. Há que tirar só uma ou deixar algo daquela ainda.
INF2 Não. (...) Tem-lhe aqui duas fiadas de paus, não é?
INF1 (...) E não se pode descobrir (...) a (...) do cimo.
INF2 Aqui. Ora, (...) uma é aqui e outra é ali. E aqui, só se lhe tira aqui no cima, (...) aqui no cima...
INF1 De arredor. Não se pode descobrir esta cruz. (...)
INF2 Não, não. Tira-se-lhe só (...) rente (...) à tapadeira que tem-lhe assim no cimo.
INF1 Porque (...) senão morre o enxame.
INF1 Em volta, de lado.
INF2 (...) Tira-se-lhe o tapão e tira-se aqui um bocadinho sem ir aos paus.
INF1 O tampo. É o tampo; não é o tapão.
INF2 O tampo. É o tampo. É.
INQ E como é que se chama essa operação de ir lá tirar o mel?
INF1 Crestar.
INF2 Crestar.
INQ Como?
INF2 Crestar.
INF1 Crestar.
INF2 Crestar as colmeias. Crestar as colmeias.
INF1 Ora bem, era um rapaz...
INF2 Que namorava com uma espanhola.
INF3 Dos Cortos de Cima. Chama-se Lentemil.
INF1 (...) Namorava com uma espanhola. E depois... Vocês (...) ao irem aos Portos, vêem o cruzeiro - que já hoje ali falaram outros .
INQ Pois, pois.
INF1 Ao verem os cruzeiros, vêem os altos (...) - um alto grande que lá se vê à frente; (...) um alto sem penedos. Ali já não há penedos.
INF3 Claro. Já é divisão (...) daqui disto e da Espanha.
INF1 (...) Os penedos ficam cá abaixo baixo , onde lhe eu disse que era a Pena de Anamão. Depois, para cima é monte raso - monte; penedos há poucos - (...) e do outro lado de lá daquela serra, pois, é Espanha.
INF3 É Espanha.
INF1 E aquela serra lá num todo alto muito do alto , que viram, é onde há (...) os marcos. Nós enchemo-nos de estar lá. E então, esse tal rapaz ia à ronda a Espanha.
INF2 Gostava duma rapariga.
INF1 Gostava duma rapariga.
INF3 (...) Chamava-se a ronda. (...)
INF1 Chamava-se a ronda.
INF3 Ia lá...
INF1 À ronda, à ronda. Era o baile.
INF2 À ronda, à calada, namorar-lhe namorarem de noite, que de dia não podiam. Era preciso trabalhar.
INF1 Eram os bailes . (...) Eram (...) como agora irem para os cafés. Que agora vão para os cafés!
INF3 Mas, quer-se dizer, atravessava a serra.
INF1 Atravessava a serra.
INF2 Ele gostava muito dela.
INF1 E tinha um cão e o cão ia com ele. E depois a mãe (...) não queria que fosse porque tinha medo a (...) que o comesse o lobo (...) .
INF2 Não. (...) O cão castrejo é muito leal.
INF1 Mas espera. Escuta. Depois - agora estou eu a contar -, depois, a mãe pediu-lhe para que não fosse para onde à rapariga espanhola, que havia raparigas cá, e que o pessoal anda cá e que recusaram dar a cara .
INF2 Não é. Não é nada disso. É porque o pessoal cá é racista. Não queriam que um português se juntasse com um espanhol.
INF3 Claro. Naquele tempo.
INF1 Bom... Naquele tempo.
INF3 Pois.
INF1 O rapaz gostava da rapariga e ia. Ia todas as noites - quando podia, quando podia. E levava o cão com ele. Era o colega dele era o cão.
INF3 (...) O fiel dele era o cão.
INF1 O fiel dele era o cão. Mas, depois, como a mãe não queria que fosse, lá uma noite, ela viu que ele (...) que teimava e que ia para a Espanha para onde à rapariga, e ela prendeu o cão, para ver se ele tinha medo (...) que não ia sozinho.
INF2 Que não ia sozinho.
INF1 Porque o cão era (...) o colega dele, o companheiro.
INF3 Escondeu-lhe o cão.
INF1 Escondeu o cão.
INF2 Meteu à corte com o gado, vá.
INF1 Meteu-o. Escondeu o cão. Fechou o cão.
INF2 Meteu na corte com o gado que ele (...) ...
INF3 E ele julgou que o cão que ia atrás dele; mas o cão nunca apareceu.
INF1 E ao quando lhe ele julgou que levava o companheiro com ele, mas o cão não foi porque, claro, a mãe prendeu-o e o cão não foi.
INF2 É (...) a origem de ser a raça lobeira, entende, é que eles obrigavam o próprio cão castrejo a dormir no curral. Ele era obrigado a dedicar-se aos animais. Daí, (...) eles usaram mais o cão para de se defender dos lobos. A origem é essa, vá.
INQ1 Pois, pois. Pois, pois.
INF1 Pois, a origem é essa.
INF2 A origem é essa.
INF3 Ora bem.
INF1 É. (...) Depois o rapaz foi e chegou lá (...) perto já da Espanha - perto da Espanha ainda não, que ainda era na serra.
INF2 Mas próximo dela morava a (...) ...
INF1 (...) Mas havia uma árvore que era um carvalho, muito grande.
INF3 Não.
INF2 Não. Depois era assim: próximo da mãe morava a madrinha, não é? (...) À beira (...) deles, morava a madrinha. E vai daí que durante a noite... O rapaz saíu, e durante a noite seguiu para a porta da espanhola, não é?
INF3 Claro, mas tu falas-lhe à maneira da outra.
INF1 Pois claro, pois claro. (...)
INF2 Uma vez que você não lhe sabe contar. Está esquecida.
INF1 Mas, (...) assim querem vir gravar. Foi ao descer, lá naquela serra; faz a serra assim, e (...) depois desce-se para ali e desce-se para este lado.
INF3 Não, não (...) .
INF2 Não. Oh!
INF3 Não é assim.
INF2 Depois, olhe, sabe o que passou? Ele chegou (...) à porta da espanhola - ela está esquecida -, chegou à porta da espanhola... E ele adorava a espanhola! Simplesmente, naquela noite, ela que fez? Ela (...) era supersticiosa, a rapariga. Mas ele só descobriu naquela noite. Espreitou por o buraco da fechadura. E ela que tinha na borralheira? Como ali Como há ali no (.../N) - chamava-lhe eles a borralheira - tinha um sapo. Então estava a picar o sapo com um garavato - um garavato que é daquilo; chamam-lhe eles garavato um pau daqueles. Picava o sapo e dizia assim: "Sapo, sapão, ele o castrejo virá ou não"? E estava (...) naquilo - naquela festa - com o sapo.
INF3 Naquela festa.
INF2 E o rapaz a espreitar. Assim que viu aquilo disse:
INF3 "Acabou".
INF1 "Acabou".
INF3 Deu a volta.
INF1 "Ela é uma bruxa! Eu não a quero para nada".
INF3 Agora segue tua mãe que sabe melhor.
INF2 (...) Maldita espanhola!
INF3 Deu a volta.
INF1 Ah, ele foi lá. (...)
INF3 Deu a volta.
INF1 Chegou lá e deu a volta. Ora foi onde à rapariga e deu a volta.
INF3 Deu a volta a caminho de (.../N) .
INF2 Não. Mas, entretanto, cá em casa, a madrinha...
INF3 Soltou o cão.
INF2 Não. A madrinha (...) começou-se a sentir mal.
INF3 E soltou o cão.
INF2 Pois. (...)
INF1 Ó mulher, mas (...) o cão é um, e a história do rapaz é outra. O rapaz chegou à porta da rapariga e passou aquilo e ele voltou para trás.
INF3 E deu a volta.
INF1 Voltou para trás. E ele chegou, ao subir na serra...
INF3 (...) A serra faz isto.
INF1 Pois faz isso. (...) .
INF3 E vinha um bocado cansado; e pôs-se a descansar à beira do carvalho.
INF1 À beira dum carvalho... Havia uma árvore grande, um carvalho grande.
INF3 (...)
INF2 Um castanheiro. Um castanheiro montanhês.
INF3 Era carvalho, filha, que eu ainda me lembro (...) dos bocados dele.
INF1 Era carvalho, (...) Jesus. Ai Jesus!
INF3 Era um carvalho. E depois, (...) veio o lobo e tapou-o com folha.
INF2 Não, pai. (...) Era na estação do Outono. A árvore estava sem folha.
INF3 Tapou. Tapou-o com folha. Tapou-o com folha.
INF2 Muito obrigada, porque era no Outono, a folha estava seca.
INF1 Pois estava.
INF2 E foi quando o lobo...
INF3 Tapou-o e chamou por os outros.
INF2 (...) O lobo (...) sentiu (...) rugir as folhas - não o chegou a tapar. (...) Ao calcar as folhas, as folhas deram-se e ele (...) com com o medo, chegou por cima do rapaz, fez chichi no rapaz. Não tapou nada. Apertou-se-lhe (...) e fez chichi no rapaz.
INF3 Mas e chamou por os outros.
INF2 Mas é que depois é que foi chamar por outros (...) .
INF3 Chamou por os outros. E ele ao sentir o chamar - a uivar: uuuuu, a chamar por os outros -, enfiou-se pelo carvalho acima e vê o cão. Vê o cão (...) .
INF1 Mas vê o cão, (...) aí já pára. (...) Ele enfiou-se pelo carvalho acima. E depois havia um barulho lá (...) na casa (...) da mãe. Porque a madrinha sentia ganir o cão (...) na corte. E o cão enderençava-se por as portas arriba e gania. (...)
INF3 (...) O cão parece que lhe dava o (.../N) . E soltou-o.
INF2 Foi a madrinha que soltou.
INF1 Pois. E a madrinha deu-se de conta (...) e foi junto à comadre. Disse-lhe: "Comadre, você tem o cão cerrado e o cão ladra muito. O cão está a ganir (...) ".
INF3 "Solte o cão".
INF1 "Solte o cão (...) ".
INF2 Não. E disse-lhe: "Você onde tem o meu afilhado? Onde está o meu afilhado"? "O seu afilhado está na cama". "Pois então abra-me a porta do quarto, que eu tenho que ir (...) vê-lo eu mesma". Ele pusera um molho de palha na cama a parecer que era ele.
INF3 Sim, sim, sim. Ele ajeitara a roupa a parecer que era ele.
INF1 A enganar a mãe.
INF2 Mas a madrinha disse: "Não, não. Eu vou lá ver eu mesma". (...) Tirou as mantas para trás e viu que era um molho de palha. E foi quando lhe disse: "Pronto, aí está o cão a dar sinal que algo lhe está a acontecer ao dono".
INF1 " (...) O meu afilhado (...) comeu-o o lobo ou o come que está o cão a... O cão matava-se hoje"!
INF2 Aí está (...) a inteligência do cão castrejo.
INF3 (...) "Solte-se o cão"! Soltaram o cão. Chegou lá, os lobos 'estranficinharam-no' todo. (...) Eram seis ou sete. Mataram o cão.
INF1 Pois. (...) O rapaz safou-se que estava lá no alto do carvalho.
INF3 Mas o cão não.
INF1 E o cão, (...) comeram-no os lobos.
INF3 Morreu. E depois deixou vir o dia, por o alto sol, quando se eles retiraram que começaram (...) aqueles gados - só sair espanhóis e coisa -, e ele (...) foi...
INF2 Não. Entretanto chegou a mãe e a madrinha à beira dele.
INF1 Pois foi, mulher . Mas foram saber dele (...) .
INF3 (...) Mas depois (...) foram saber dele e ele dali foi para Lobeira - chama-se-lhe Lobeira que era um ajuntamento ou como aqui a freguesia.
INF1 (...) Ajuntamento. Ajuntamento como aqui a freguesia.
INF3 Chegou alá e disse-lhe que pagava o carvalho por aquilo valor que fosse, que queria que o carvalho caísse de velho. E caiu de velho. Que ainda me lembro de ver lá os bocados.
INF2 E caiu de velho.
INF1 (...) Pagou o carvalho - como é ir aqui (...) à Câmara, ou onde à Junta da Freguesia - , pagou o carvalho, e ficou o carvalho. Caiu de velhinho.
INQ E não se diz nada? Nem se canta nada?
INF1 Não, não. (...) Diz, diz.
INF2 Não. Diz, diz. (...) Nós costumamos lhe dizer...
INF1 Diz, diz, diz.
INF2 Costumamos lhe dizer: "Casa nova, casa nova, casa nova, casa nova, casa nova, casa nova, casa nova, casa nova".
INF1 (...)
INF2 "Entra, entra. Casa nova, casa nova". Com um raminho.
INF1 (...)
INF2 Nós costumamos lhe fazer assim.
INQ Aqui há bom mel?
INF1 É bom o mel, porque aqui é natural.
INQ E onde é que se compra?
INF1 Olhe, agora, já há quem venda. Agora, já há quem venda. Mas antigamente só havia aqui um senhor que é que tinha muitas abelhas. Mas agora já vende...
INQ Qualquer pessoa.
INF1 Vende qualquer pessoa.
INF2 Ele hoje é pouco para ...
INF1 O enxame é que sai.
INQ Sim.
INF1 E, depois, ainda se pode crestar. Chama-se aquilo mel de enxame novo. A minha mulher, quando é que pode (...) adquirir o litro daquele - (...) que lhe tira um bocadinho àquele -, então, diz ela: "É para os netos".
INF2 É melhor.
INF1 (...) Que diz que lhe é bom, que não sei quê, que é para os pequenos.
INF2 Porque por qualquer coisa diz-se: "Ah, é mel de enxame novo! É melhor"!
INF A senhora é que ainda lhe não fiz perguntas.
INQ Pois não.
INQ1 O senhor costuma ir à caça?
INF1 Não.
INF2 Não, não.
INQ Mas conhece esses animais que há no monte?
INF1 Conheço. Conheço. Que ele aparece, às vezes, tal como o lobo.
INQ1 O que é que há? O que é que há aí nos montes?
INF2 Olhe... Quer ver? O lobo, ainda há para aí há dois dias que ele ia com as ovelhinhas e apareceu. Ali, ali. Aqui já pertinho ali do lado de lá (...) donde estiveram comigo.
INQ2 Sim. Apareceu aqui, perto da vila?
INF1 Quer ver? Olhe...
INF2 Apareceu-lhe a ele.
INF1 Foi o seguinte... Até foi uma sorte! Que a minha mulher... Fomos a Temos uma propriedade lá em cima; e costumamos ir levá-las lá, (...) quase todos os dias. E já até há quem lhe diga às vezes: "Ah, que tanta sorte e tal! Agora tu, ele qualquer dia o lobo vem e"... Porque ele, enquanto tiver que matar, mata. E se não podem sair os animais para fora, ele (...) não é: chega e agarra um e foge. Mata sempre, o lobo. E de maneira que nunca aconteceu nada. O Ao outro dia, na sexta-feira, era para ir à feira, mas eu estava um bocado aborrecido. Eu digo assim: "Hoje não vou". (...) E digo assim: "Agora, (...) vou eu soltar as ovelhas um bocadinho (...) e trago-as para baixo, para a casa". E mudei-as. Não foi ali (...) na tal propriedade; mas mudei-as para outra propriedade que temos ali à beira. Ora, eu nunca o vira ali. Cheguei lá, estava um bocado frio. (...) E havia ali lenha. Eu trago sempre fósforos. Trago sempre... Não fumo, mas trago sempre fósforos. Acendi o lume e tinha um pauzinho, ali, comigo. Com a samarra que está acolá, às costas, e pus-me à beira do lume. Havia um cepo - um carvalho que cortara - e fazia como uma mesinha. E depois, sentei-me. Mas eu não estava bem e pus-me a pé. Pus-me a pé. E nisto, eu encostado assim ao pau - e é como daqui ali, ali ao cabo da cozinha, pertinho -, eu do caminho de fora, vvvuu quase em cima duma ovelha - da mais grande que temos. Eu digo-lhe: "Ai, ai, é, é?! Espera lá". Imediatamente, para fora, outra vez.
INF2 Tornou (...) .
INF1 Atravessou... Ele vinha assim dum caminho, de lá; e depois, nem foi para o caminho donde vinha, nem seguiu para a frente. E há em cima uma estradinha que fizeram, que é (...) para onde veio a água, agora aqui (...) para a povoação. E atravessou os dois sítios. E eu puxei assim para fora; havia um cancelo, abri-o; e saí para fora e agarrei uma pedra na mão... Não tinha mais nada. Eu não tinha mais nada ali. Se tivesse, (...) ele levava.
INF2 Olhe, e se tivesse, claro, era (...) uma grande sorte. Mas não tinha.
INF1 Mas não tinha. E de maneira que, quando eu fui, já ia lá em cima no cimo .
INQ1 Portanto, ele fugiu quando viu o senhor?
INF2 Fugiu, pois fugiu.
INF1 (...) Grande e magro. Pois fugiu.
INF1 Mas, quer-se dizer, ao ele aparecer, o ar dele (...) dá choque.
INQ Faz impressão.
INF3 Faz impressão. Ah, pois faz.
INF2 Pois.
INF1 A um homem! Quanto mais às senhoras! Ah, pois faz.
INF3 Quando nós éramos pequenas, que íamos com o gado, falava-se (...) que há pessoas que perdem a fala com o medo dele. Sim... Eu, a mim, nunca me aconteceu. Mas falava-se que há pessoas que ficam sem fala. Querem falar e não podem.
INF1 Havia um médico em (.../NPR) . Quando eu criei os meus filhos - claro, isto há muitos anos, não é -, pois, nós íamos a um médico espanhol. (...) Era um médico (...) que a gente tinha (...) muito agrado por ele. Chamavam-lhe Dom Albano. Ele conhecia-nos e já nos atendia muito bem.
INF2 A nós e aos filhos.
INF1 Nós e filhos. Que na criação dos nossos filhos, íamos sempre lá. E depois passávamos aquele alto, que lhe é o sineiro, do lado de lá, que é a fronteira, não é? - a raia.
INF2 Fronteira.
INF1 E nós tínhamos, então, uma mula, como está (...) a dizer o meu homem.
INF2 Tínhamos a tal mula que era uma mula que tanto me levava a mim e à mulher, como lhe podíamos levar ainda uma criança na frente que...
INF1 Forte, boa!
INF2 Forte, boa. Levava o que fosse. E depois, havia mais outra vantagem: (...) A gente que fosse ao médico, onde ao tal Dom Albano, tanto daqui como de lá, ele era muito conhecido - mesmo (...) das autoridades, daqui e das de lá. E dizia-se-lhe Era dizer-se-lhe : "Eu vou para o médico para onde a Dom Albano". "Passe. Passe 'usted', passe 'usted'" - os de lá.
INF1 As autoridades não se metiam. Não faziam mal (...) .
INF2 E ela, então, quer-lhe dizer que viu uma corça... Vamos lá ao final.
INF1 Pois! Eu mais que uma vez! Quando eu ia ao médico, eu sempre via as corças. (...) Vão pelo monte fora (...) assim com as perninhas adiante, assim a pinchar. Mui bonito!
INF2 Elas, quer-se dizer, não vão assim tapo-tapo com os pés.
INF1 Não, não.
INF2 Mudam-nas...
INQ1 As duas ao mesmo tempo.
INF1 As duas ao mesmo tempo.
INQ2 Vão aos saltos?
INF1 (...) E eu vi. (...) Chegámos a ver, olha, (...) na região do marco... Chegámos a ver... Ia eu (...) e os rapazinhos, os filhos pequenos. Levava um ou dois comigo. Chegámos a ver. Iam quatro juntas. Todas assim em fileirinha, assim. Assim com os pezinhos juntinhos.
INQ1 E essas também se caçam ou não? Ou é...
INF1 Olhe... Caçam. Caçam. Os caçadores caçam aqui .
INF2 (...) Caçam, caçam, os caçadores. Mas aqui é proibido.
INF1 (...) Eles, é proibido; mas eles caçam.
INF1 Isto é outra história. Que aqui havia uma história, que diziam os antigos, aqui, na nossa zona... (...) Sim, lá onde a senhora nasceu ou onde estão a viver não será assim. Mas diziam que as crianças que nascessem de oito meses, naquele tempo, que (...) não viviam, que morriam.
INF2 Nós dizíamos...
INF1 A criança com oito meses... Com sete, sim, mas oito, não. Diziam os antigos. E, quer ver, os nossos netos, é ao contrário. Os nossos netos, os primeiros dois rapazes que lhe nasceram era para aí com oito meses e meio e uns rapazões fortes. Mas, até uma certa parte, a nora... Que não se sabe de que é! Daqui Aquilo o que é certo é que descobriram que, ao chegar àquele ponto, iam abaixo.
INF2 Morriam.
INF1 E que é que descobriram? Depois, disseram: "Não, não pode ser assim ". Claro, o filho, pois, queria filhos. Ele queria filhos. (...) Que é que lhe disse, então, a médica e lá (...) a gente - os especialistas (...) que andaram onde eles? Diz Dizem : "As suas crianças, temos que as tirar
INQ1 Antes.
INF1 antes delas"... Portanto, foi três que tem, todos com oito meses. Está a ver? (...) E depois, pararam-lhe de ...
INQ Com cesariana, não foi?
INF1 Pois claro.
INF2 Foi, foi, foi.
INF1 Até este último. Que nós já tínhamos dois, um rapaz e uma rapariga, e nós e as irmãs, ao meu filho, disseram-lhe: "Fizeste asneira. 'Fizestes' asneira, que ela agora já não devia ter mais filhos". "Eh"!, diz ele - claro, já estava!
INF2 De ser aberta... A ser aberta... Porque já fora duas vezes .
INF1 Diz ele assim: " (...) Há-de correr bem". E então, dizia-lhe a nossa filha, a mais velha, dizia-lhe assim: "Olha, vai correr bem". Que claro, como sabe, pois ele é lá (...) no fundo é que lhe... E depois é que (.../VB) cá para cima o menino ou a menina, a criança, e a senhora vem depois. Diz Diz-lhe : "Olha, sabes o que acontece"? Então, diziam-lhe elas, as irmãs: "Acontece que nos vem para cima o bébé, seja menino ou menina, e ela fica em baixo, com certeza a dormir já", desta última vez. E foi a vez que melhor lhe correu! Ficou completa. Tranquila, veio logo para cima. (...)
INQ1 Ainda bem.
INF1 E tudo correu bem.
INF2 Ainda bem. Ainda bem.
INF1 E de maneira que era uma ideia errada dos antigos.
INF Eu já vi o ouriço-cacheiro e já vi algo desses bichos... Não sei se conhece o Melgaço...
INQ1 Sim, já lá passámos.
INQ2 Sim, passámos lá.
INF Pois. O Melgaço. Mas aqui não. Porque fora a uma vindima e andávamos a apanhar uvas... Quando se apanham as uvas, não é?, em Setembro ou Outubro; em Outubro, que é quando se apanham - (...) e foi onde eu conheci o ouriço-cacheiro. Mas aqui nunca vi.
INF1 Ora bem, a raposa é um caso (...) interessante. Olhe, isto eu tinha... Nos meus tempos, claro... Eu, meus pais, em aquele tempo... Eu só comecei a aprender a ler algo quando tinha dezoito anos - que fui eu que paguei. Já eu ganhava o dinheiro e paguei eu. E fiz depois a quarta classe. Não foi muito bem feita. Os filhos escrevem bem porque ensinei-os. Gastei dinheiro com eles.
INF1 Mas (...) eu, depois, (...) para tirar a carta de condução, pois, tive que fazer a quarta classe.
INF2 (...) A mim ensinou-me ele.
INF1 Naquele tempo, não davam a carta sem... Agora dão. Mas, no meu tempo, não davam a carta sem a quarta classe. Não sei se tem conhecimento disso.
INQ Pois, pois.
INF1 Tem conhecimento disso?
INQ Sim, sim.
INF1 Muito bem. De maneira que eu sabia ler pouco. É claro, aprendi com dezoito anos. E depois, havia aqui um livro, havia um livro que lhe chamavam: "A Censura do Minho e Verdades". Era assim um volume grande. (...) Quer-se dizer, era como estas listas telefónicas que temos. Sim, aqui (...) e em todo o país! Assim, amarelas. Mas, quer-se dizer, tinha o dobro da...
INF2 Mas (...) eram pequeninas (...) . Não eram assim grandes (...) como esses.
INF1 (...) Era grande. Era mais alto ca a que a que à lista telefónica.
INF2 Mas não era assim comprida.
INF1 Mas não era assim comprida, mas era mais alto.
INF2 Pois.
INF1 Era mais alto.
INF2 Era mais alto, era.
INF1 (...) Era um livro porque tinha para aí esta altura. Então, tinha muitas coisas. (...) Isto que está a fazer a senhora, esta interrogação e tudo, tinha lá. A raposa. A raposa. A fotografia da raposa. E depois, então, por baixo (...) dali, tinha assim. Ora muito bem... Então, dizia assim: ora, isto é muito interessante na vida, a história da raposa. (...) Dizia o livro. Que o meu filho, o doutor, foi o que o agarrou e não sei que caminho lhe deu ao raio do livro. Aquilo tinha coisas muito boas. E então, dizia assim... Porque a senhora fez-me uma pergunta: "Onde é que se ela esconde"? E eu lá vou. Que, é claro, ficou-me aquilo na cabeça: que dá na vida por muitas coisas, porque a raposa é muito inteligente.
INF2 Fina, muito fina.
INF1 Porque, em qualquer parte do nosso país ou noutro lado, diz-se assim: " Aquele, aquele aquela é uma raposa"! Claro, o que é que é? Manhosa. Não é? E de maneira que, é claro, ela é muito inteligente, a raposa. O que tem é uma coisa... É que então dizia por baixo... Ora bem, (...) isto serve para, na vida, muitas coisas. A raposa é muito inteligente. Tem uma toca - é onde se ela esconde - ou um buraco. Ela se for a fugir, (...) esconde-se na toca dela ou num buraco. Mas o que tem é uma coisa: é que, com licença, falando como é, tem um rabo muito comprido, a raposa. E tem uma coisa com ela para o caçador. Então, depois, lá tinha (...) o avô e o filho e o neto. E o neto, então, dizia-lhe assim: " (...) Ó avô, mas como é que ela é inteligente e eu vou fazer para a caçar"? E o pai disse-lhe (...) para o filho, diz: "Olha, fala com teu avô que ainda tem mais prática do ca que a tenho eu". "Oh, isso é a coisa mais fácil que há, filho". Disse-lhe para o neto: "Olha, filho" - ele era neto mas... - "isso é a coisa mais fácil que há, mas tens que ter muito cuidado, que ela é muito inteligente. Ela esconde-se, mas deixa sempre um bocadinho do rabo de fora". Não consegue porque a toca não dá para mais. Porque geralmente faz a toca quando é na criação, aquando é pequena. Depois, quando vai com a pressa, como já ela é grande e é crescida, não dá para se meter dentro tudo.
INF2 Fica o rabo de fora.
INF1 E ela esconde-se, mas fica o rabo de fora sempre. Que é estas coisas que há com muita manha, às vezes, mas fica sempre uma ponta (...) . É como os advogados têm sempre uma ponta. Até um que faça uma morte, pois tem sempre uma maneira de... Eles lá (...)
INQ De o defender.
INF1 procuram uma a maneira. E então, (...) dizia-lhe o avô para o neto, dizia: é a coisa mais fácil que há. Que ela, claro, com aquela pressa que vai e já é crescida, fica sempre um bocadinho de rabo de fora.
INF1 Havia. Havia como há, em todo o lado... Isso é: tanto faz aqui como em qualquer serra, há umas pedrinhas, umas pedrinhas delgadas, não é? E depois, (...) com uns pauzinhos, fazia-se uma engenhoca. Não é? E punha-se lá uma isquinha qualquer, lá dentro, não é? E eles iam e tocavam no pauzinho, como o tipo da ratoeira, não é? (...) Eu ainda cacei (...) com aquela engenhoca que eu fazia; pois ensinaram-me, e como a mim mais, que se caçavam, então, assim certos pássaros.
INQ E como é que se chamava essa engenhoca?
INF1 Uma ratoeira. Naquele tempo, era uma ratoeira, nossa.
INQ Não havia nada que se chamava...
INF2 Nesses sítios Nuns sítios chamavam a uma lousa, homem .
INF1 Hã?
INF2 A gente chamava-lhe a lousa.
INF1 Não, não.
INQ A lousa. Tenho impressão que sim.
INF2 Não? Eu, parece que lhe davam esse nome.
INF1 Não. (...)
INF2 Eu disso fiz pouco. Eu disso já não fiz.
INF1 Nós fazíamos aquela engenhoca (...) com uns pauzinhos. E ao tocar no pau, aquilo fechava. Fazia-se-lhe um buraquinho na terra.
INQ E essa lousa de que a senhora fala, era assim também, como esta?
INF2 Pois era. Nós dávamos-lhe... Dizíamos assim: "Armade-lhe (...) a lousa aos pássaros para os apanhar". Por isso é que te eu digo que... Mas eu (...) nunca fiz. (...) Mas falávamos assim uns com (...) os outros. Mas eu nunca fiz.
INF1 Até aconteceu melhor.
INF2 É verdade. Agora (...) ri-me (...) porque nos aconteceu...
INF1 (...) Para gravar até dá melhor, assim. Eu tenho o um meu neto, um futuro advogado, que está na universidade. E resulta que, duma vez. Ele era (...) como as crianças vivas ...
INF2 Deu-me o riso porque nos fez isso, o neto (...) .
INF1 (...) Aquele que não for assim um bocado tal (...) , não é?
INF2 São marotos.
INF1 Aquele que não for, pois, claro que não é muito esperto, não é?
INQ2 Sim.
INF1 E é em todo o lado. Tanto faz aqui como (...) na... Sim, (...) aqui na serra (...) ... Aqui, por ser na serra, estudam muito bem, hem!
INQ1 Hum, hum.
INQ2 Sim, sim.
INF1 Aqui há de tudo, nesta freguesia.
INQ1 Pois.
INQ2 Pois, pois. Eu sei.
INF2 Ai, há, há.
INF1 Não sei se já tiveram conhecimento disso.
INQ1 Sim.
INQ2. Diz que há cinquenta pessoas formadas.
INF1 Aqui, (...) há de tudo.
INF2 Haverá, haverá.
INF1 A senhora se perguntar o que há aqui, há de tudo.
INQ2 Ah, pois.
INF2 Pessoas muito espertas.
INQ2 Sim, sim.
INF1 (...) E, então, o meu neto, claro, era daquela marca (...) que são as crianças que são espertas e são daquela marca. (...) Só está bem ao fazer mal, não é? É em todo o lado. E aquele que não fizer - principalmente (...) os rapazes, não é? - (...) , o rapaz que não fizer assim umas certas coisas, é meio palerminha. Sim, isso é aqui, e é além no Porto, é em Lisboa, e é em qualquer lado. Aquele que for muito morto não dá nada. E de maneira que ele era esperto. Mas, um dia, que é que me aconteceu? Eu tinha uns sapatos no quarto.
INF2 Mudaste de sapatos. Mudaste de sapatos.
INF1 (...) Tinha uns sapatos por baixo da cama. E resulta que faltou-me um sapato. Faltou-me um sapato. À procura do sapato, para um lado e para o outro, e não aparecia o sapato. Não aparecia o sapato, eu digo assim: "Mas que é que me aconteceu que não aparece o sapato"? Um sapato mais ou menos a meio romper. Estavam bons ainda. Serviam para ir para qualquer lado, para a cidade ou para a vila ou para onde fosse. Fui aqui por cima...
INF2 Mas olha estás-lhe a chamar sapato e era uma bota.
INF1 Era um sapato. Era um sapato baixo.
INF2 Era baixo ou bota?
INF1 Baixo. Um sapato baixo. (...) O baixo é sapato.
INF2 (...) Mas tinha na ideia que era bota.
INF1 O baixo é sapato. E de maneira que (...) vou procurar o sapato... E sabe o que acontecera com o sapato? Agarrou Agarrou-o , atirou atirou-o , tirou assim um cabedal, vinha mais a direito ca que que a isto. Assim e assim, cortou cortou-o para fazer a fisga.
INF2 Para fazer a fisga.
INQ1 Ficou sem sapato.
INF1 (...) Digo-lhe eu assim: "Olha lá... E tu sabes-me dizer, um sapato que está lá por cima, aquilo que seria? Os ratos ou o que é que foi"?
INF2 E Ele depois foi guardar lá por cima (...) nos ferrinhos .
INF1 " (...) O que é que foi"?
INF1 "Avô, não bate"? "Não. Não te bato. Mas diz-me lá como foi. Seriam os ratos? Tu viste se foram os ratos"? "Não. Fui eu". "Então, como é que foi"? "Pois, todos têm uma fisga" - que é o caso que a senhora perguntou -; "todos têm uma fisga e eu não tenho. E eu não tinha o cabedal" - não tinha aquele couro (...) para a fisga - "e arranjei". "Como é que fizeste"? Porque depois (...) aquilo é feito com uns elásticos, com umas borrachas, que é para a borracha estica e aquilo vai lá a fisga.
INF2 Mas, tem lá a fisga. Depois fica aquele bocadinho (...) de cabedal, (...) no fundo, que é para pôr ali a pedrinha.
INF1 Agarra-lhe no cabedal.
INF2 E depois, cá para cima, é que não é pedra. Ah, eu (...) fazia bá-bá. Muitas.
INF1 Agarra-lhe no cabedal. (...)
INQ Elas costumam dizer alguma coisa, umas, para, para os outros não irem ao ninho que elas acharam?
INF1 (...) Nós, quando éramos pequenos, íamos. Sabíamos dos ninhos uns dos outros. E dávamos-lhe o nome: andorinhas, 'verdoguinhas' e... Que é: as andorinhas eram aquelas que tinham um rabinho muito comprido e as 'verdoguinhas' eram 'averdogadinhas'. E como lhe dávamos mais os nomes? Como era mais?
INF2 (...) Andava-se aos ninhos.
INF1 (...) E os gaios, que esses era no alto dos vidos. (...) O gaio (...) faz o ninho... Onde houver vidos, faz o ninho sempre no alto do vido.
INF2 E é com aquele material do vido é que ele faz o ninho.
INF1 E é com material do vido.
INF2 Com aquelas folhas.
INF1 E as andorinhas, as andorinhas e as 'verdoguinhas' e os outros passarinhos que lhe não sei o nome, não é? - que há vários passarinhos -, esses é nos fetos, é em tojos, é nas urzes.
INF2 Isso é com ervas.
INF2 Mas tudo com ervas.
INF1 É tudo com ervas.
INF1 E é amarelinho. Esse passarinho, nós tratamo-lo sempre por passarinho-da-neve. Quando é (...) que vem a neve, esse passarinho, antes dois ou três dias, anda. Já se vê andar.
INQ E andava aí ontem ou não?
INF1 Anda, sim senhor. Esse anda.
INF2 Anuncia a neve.
INF1 Anuncia a neve. Esse aí. (...) Desde sempre. Ainda nós éramos pequeninas, diziam: "Olhai... Vai nevar, meus filhinhos"! Diziam nossas avós: "Ali anda o passarinho-da-neve". Mas é muito pequerruchinha; não se apanha. Eu, esse, nunca o apanhei.
INF2 (...) Agora é a televisão que anuncia.
INF1 Isso aí é o canhoto. Isso chama-se um canhoto. O canhoto da urzeira é que dá para fazer o carvão.
INF2 (...) É que dá para isso.
INF1 É que arrancava-se (...) o canhoto da urzeira, por baixo, e deitava-se... Não se tapava com terra.
INF2 Não. Fazia-se uma buraca.
INF1 Fazia-se uma buraca em terra, assim, de arredor. Uma buraca.
INF2 (...) Acendia-se, então, lá (...) com umas...
INF1 Com umas fronças.
INF2 Chamavam-se fronças, assim com um bocadinho de restolho daquele da urze - que se chama agora. Era urzeira. E depois faziam o carvão.
INF1 Depois, ali, (...) começava-se (...) a fazer ali (...) assim uma...
INF2 Chamava-se a buraca.
INF1 Chamava-se a buraca do carvão. E depois botava-se ali (...) muitas raízes (...) das urzeiras - canhotos, vá lá. E depois, ao fim, começava-se a mexer assim com um gravatinho e fica o carvão.
INQ Mas isso qualquer pessoa fazia ou era só para certas pessoas?
INF1 Nem todas as pessoas faziam.
INQ1 Então e... E aquilo por cima como é que ficava? Ficava ao...ao ar livre?
INF1 Ao ar livre. Era assim uma coisa redonda.
INF2 Ar livre. (...) Depois, quando era para o apagar, aterrava-se. Chamava-se aterrar. Deitava-se-lhe um bocado de terra.
INF1 Para que não ardesse assim... Para que não ficasse assim...
INF2 Para que não ardesse mais. Para que não estragasse. E depois, aquilo parava o lume e é que ficava o carvão bom.
INF1 Começava-se a apartar assim aquela...
INF2 Mas, claro, (...) queria uma certa prática.
INF1 Tu, no teu tempo não, filha; mas no nosso, qualquer fazia o saco de carvão (...) para matarmos a fome. Claro, tu tens razão de que (...) no teu tempo, já só iam certa gente (...) que não sabia fazer outra coisa. Mas, no nosso tempo, eu enchi-me de fazer sacos de carvão.
INF3 Era um desprezo ir para o carvão.
INF1 Era um desprezo... No vosso tempo, claro, já se desprezava. Como agora, nenhuma pessoa se (...) ...
INQ2 Mas, antigamente, cada, em cada localidade, cada pessoa sabia fazer tudo, não era?
INF1 Pois sabia, ca que que a obrigava a miséria.
INQ2 Desde o carvão até aos lençóis e até...
INF1 Sim senhor, sim senhor. Obrigava a miséria. No teu tempo, tu tens razão, que não; mas no nosso, fazíamos tudo.
INQ Olhe, e aqui costuma-se semear alguma erva pa-, para o gado ir para lá pascer, ou não?
INF Não.
INQ Nunca se semeia nada?
INF Não, não.
INQ É aquela que nasce...
INF É a que nasce. Aqui, já se não semeia. Estes campos já não são (...) de semear.
INF1 A nossa gente queria, nesses montes altos, queimar muito terreno, formar aí uma floresta, uma coisa grande. E afinal, não deu nada aquilo. E depois, houve ali (...) um certo tempo - mas muitos anos! - que afinal havia (...) que andar o pegureiro a tornar daquilo de nada! (...)
INF2 (...) E foi quando se desfez a gente de muita rês .
INF1 E depois, se deixavam ir lá, andavam então aqueles guardas da floresta - que agora já há poucos - a multar.
INF2 A multar. Era, era, era.
INQ1 Pois. Foi uma coisa terrível.
INF2 Foi uma coisa terrível.
INF1 Foi. Não sei se, (...) para os seus lados, se chegou a ser assim.
INQ1 Sim, sim. Isto foi por todo o lado.
INF2 (...) Aqui, foi uma coisa horrível, horrível. Mas esta noite como faz algo de fumo!
INF1 (...)
INQ2 É por causa do vento. É o vento.
INF2 Ele vai-lhe calor? Vai-lhe calor aí ?
INQ2 Vai muito.
INF2 Então passe outra vez o pote aí.
INQ2 Acho melhor. Antes que me queime as pernas.
INF Mas, (...) sim, para desempatar número um, a minha senhora desempatou o número quatro, quando é que tinha a filha dezoito anos, (...) a mais velha.
INQ Ou era só cada pessoa...?
INF1 Não. Havia quem rapava duas vezes.
INF2 Havia quem rapava duas vezes. Mas rapávamos toda a gente no Maio. Toda a gente no Maio. Era a rapa do Maio.
INF1 E depois, se chovia, diziam diziam-lhe assim: "Rapadas ficam (...) com os cabritos e com os anhos". E se chovia muito, vinha tudo para a corte.
INQ Pois.
INF2 E, quer-se dizer de que rapávamos no Maio. E depois havia quem rapava em Outubro.
INF1 No São Miguel, que era como se chamava naquele tempo.
INF2 São Miguel que era como se chamava naquele tempo.
INQ São Miguel é o Outubro?
INF1 É.
INF2 É Outubro.
INQ Sim senhor.
INQ Rapavam quando?
INF1 Rapávamos no minguante da lua.
INQ Mas era porquê?
INF1 Porque dizíamos que se se rapava no crescente, que a lã, depois, que se nos cortava (...) nas teias - (...) na teia que fazíamos.
INF2 (...) E na obra.
INF1 E (...) na obra. Na teia, na teia. Na teia.
INQ Pois. E enquanto se fosse no minguante...
INF1 E no minguante, já se não picava. Rapávamos no minguante. E (...) ao rapar no minguante, (...) já: "Olhai. (...) ... Encheu a lua. Está no minguante. Há que rapar as ovelhas".
INF2 Chegue isto mais à frente que a mim dá mais jeito.
INQ Sim senhor.
INF1 Rapávamos no minguante.
INF2 Ponha ali.
INF1 O primeiro leite da vaca, quando é (...) que tem um dia, ou isso, de parida - que tinha naquele tempo, de parida -, (...) dizia assim...
INF2 Se vai lá, dizei que a mandou: "Mandou-me o teu primo, Alarico, da vila". Pergunta por ela, e dizei-lhe: "Chega-me a camboeira, que tu diz que tens uma camboeira".
INF1 "A camboeira do pão, que nós somos umas pessoas de Lisboa, e queremos tirar uma fotografia".
INF2 "Somos amigas dele e ele mandou-nos onde a ti". É, pergunta pelo (.../NPR) , pelo homem... O homem dela não tem uma perna.
INQ Eu pergunto pela Alda Alarico e já está.
INF2 Mas haverá mais Aldas Alaricos?
INF1 Não há lá, não. Ali foi onde me eu criei.
INF2 Não haverá mais Aldas Alaricos?
INF1 E foi onde eu comecei a minha vida.
INF1 Estou-lhe a dizer...
INF2 Estávamos.
INF1 Estou-lhe a dizer que a senhora se vê hoje uma sua filha, ou uma minha, estimada, quando tiver o bébé... Não é? Como dizemos agora... Naquele tempo, dizia-se daquela maneira que já está gravado. Se a vê ver bem estimada, ao fim... Naquele tempo, havia muitas senhoras que no fim das sete semanas - era sete semanas -, aquilo (...) estavam melhores que quando se casaram.
INF2 Era, era.
INQ1 E o que é que se fazia das galinhas? Era caldo, era...?
INF1 (...) Olhe, (...) acabante se (...) paria, já estava a galinha a cozer. Já a mulher estava (...) para parir, (...) já estava a galinha a cozer no pote.
INF2 Mas boa, das melhores.
INF1 (...) Das melhores. Daquelas que tivessem mais gordura, mais gordura. "Olha, esta galinha o que está pesada! Vai-me (...) ao galinheiro e apanha-me a galinha... Escolhe-me a galinha que mais pesar".
INF2 "Escolhe-me a melhor".
INF1 E a que estivesse melhor era a que vinha; e já estava ali a cozer. E depois beber aquelas malgas (...) de água; e deitar-lhe ali pão e fazer as sopas (...) da galinha; e comer a carne.
INF2 (...) Ainda houve algumas solteiras (...) , claro, de cair naquela rede que ainda se hoje cai - hoje evitam mais, mas de qualquer maneira ainda há quem caia - e de chegarem à beira dela, já nós casados, a chorar com a fome.
INF1 Ai, com a fome, sim, sim.
INF2 Também não se contam só os...
INF1 (...) Ai, isso creio que houve . Por desgraça houve uma .
INF2 "Ó Albertina, a ver se me arranjas algo, que eu caio redonda".
INF1 É verdade. (...) Provocaram (...) um desmancho (...) e, por desgraça, eram duas - por desgraça, eu não sei se são desgraças, se são sortes -, duas crianças.
INF2 Disse ela. Disse ela.
INF1 E ela não tinha nada - disse-mo ela. E ela não tinha nadinha! Coitadinha! Não tinha nada. E ela chegou onde a mim, ela disse-me assim... Nós matáramos um porco e tínhamos duas chaves da loja , como já se falou.
INF2 Eu tinha a loja e já não se conseguiam outras coisas. Na vez dum, matava três ou quatro. Queria fartura.
INF1 Claro. Comprava os porcos e nós depois vendíamos assim aos pedaços de carne.
INF2 (...) Ou se cedia na loja um bocado ou eu tinha sempre fartura para a mulher e para os filhos.
INF1 Era só: "Tu arranja-me uns bocadinhos de febra, ca que me apetece muito comer e eu não tenho nadinha que comer".
INF2 "E tens que me arranjar", a chorar.
INF1 Já arranjei-lhe umas febrinhas.
INF2 Disse-me ela, à noite, quando eu ia... Digo-lhe: "Ó mulher"...
INF1 Disse-lhe: "Ó filha, mas tu o que havias de fazer, que te desgraçaste; ca que tu arruínas-te assim, mulher". "Olhe, eu com que os criava"?
INF2 (...) Mas aquilo tinham tinha pouco... Tinham tinha um tempinho.
INF1 Ela não tinha nadinha. Não tinha nada com que os criar. Também, fez bem. Olhe!
INF2 E a outra vizinha dali era igual.
INF1 Era igual, mas aquela não se queixou como a outra. A outra, coitada, veio desenganada. Veio ao direito. Queixou-se-me que não tinha... (...) Que provocara aquela... o desmancho! Naquele tempo, era muito milagre ainda aquilo. E eu arranjei-lhe, então, umas febras, e disse-lhe: "Pronto, filhinha, vai. E olha, enquanto eu tiver, vem, que eu te arranjo. E come do que puderes".
INF2 "Vai". Mas nem tinha nem...
INF1 Não tinha, não.
INQ1 Como é que elas provocavam o desmancho?
INF1 Eu não sei lá como fez.
INF2 Eu não sei. Elas lá (...) ...
INQ1 Mas iam a umas pessoas curiosas ou...?
INF1 Pois, decerto foram pessoas (...) curiosas.
INF2 Mas aquilo era de poucos meses.
INF1 Ela disse que eram duas. Já conhecia-se que eram duas crianças. Mas eu, o tempo que tinha... Pouco, para aí! Não seria de meio tempo.
INF2 Não.
INQ1 Pois, pois. Claro.
INF1 Não seria. Não seria. Mas ela, ela estava assim... Aquela estava assim como o Alarico. E era uma mulher como o... Jesus! Mas não tinha pai, nem tinha mãe; não tinha irmãos; não tinha ninguém. Estava ela só.
INF2 E chegou depois a casar bem. Chegou a casar com um guarda-fiscal.
INF1 É. Chegou-lhe a correr bem depois. Casou com um guarda-fiscal. Correu.
INQ2 Olha, que bem!
INF1 (...) Depois de fazer aquele desmancho, ainda teve sorte.
INF (...) Eu, agora, nunca mais lhe fiz isso. Mas (...) a minha mãe e a minha sogra e todos diziam, quando aparecia. Agora, varremos a casa com uma vassoura de piaçá, vá lá. Mas, algum tempo, nós varríamo-la (...) com uma vassourinha (...) de urzeira - da urze, mas da urzeira, vá. E então, (...) ao aparecer a cadela nas couves, dizia, no então , assim minha mãe falecida: "Olhai, (...) anda a cadela nas couves. Há que levar a vassoura (...) e corrê-la". E então, (...) dizia-lhe: "Cadela vai-te daqui, que a vassoura da casa anda por aqui". Ia com a vassoura às couves, à horta! Então, levava a vassoura na mão, e andava assim por cima das couves. " (...) Cadela vai-te daqui, que a vassoura de varrer a casa andou aqui".
INQ Que engraçado! E a cadela ia!
INF E depois, ela decerto ia, pois. Elas faziam-lhe (...) aquela... Elas faziam-lhe aquilo é porque se ia embora.
INQ Olhe, e umas que picam os bois? E que são grandes?
INF Nós chamávamos-lhe a mosca das vacas.
INQ Mas essa é pequenina ou é grande?
INF É grande.
INQ É grande?
INF É. (...)
INQ Também nos pica a nós?
INF Ah! (...) À gente, aquela não pica.
INQ Não?
INF Não. Nós chamávamos-lhe a mosca das vacas. Mas aquela aqui às casas não vem. Aquelas só anda onde ao gado.
INF Quando me eu criei, era os piolhos e as lêndeas e as pulgas. Agora não se vê essa gente.
INQ Agora, já não há.
INF O escaravelho veio... Poucos anos já não haverá. (...) Mas olhe que (...) não sei se haverá mais de trinta anos. Não sei. Nos nossos princípios não havia tal escaravelho.
INQ2 Pois.
INF E agora há. Agora come comem as batatas todas se lhe não botar os venenos. Anda-se sempre a pôr com os venenos neles.
INQ1 E não há mais nenhum bicho que se chame escaravelho, sem ser o da batata?
INF Não, sem ser o da batata.
INQ1 É só o da batata, esse nome?
INF Só o da batata. Por qualquer coisa, até se chama a uma pessoa que seja muito, (...) quer-se dizer, muito aborrecida, diz-se-lhe: "Pareces o escaravelho da batata". Porque ele, a gente está sempre a deitar o deitar-lhe o veneno e ele sempre a aparecer!
INF (...) Até quando éramos pequenos, tínhamos-lhe medo. Dizíamos que era uma candeia, que era uma pessoa na estantiga.
INQ1 Que era uma quê?
INF (...) Que eram as estantigas; era uma pessoa na estantiga.
INQ1 Ah!
INF Falava-se nisso.
INQ2 Uma pessoa...?
INQ1 Na estantiga.
INF (...) E eram o tal bichinho; era o tal bichinho.
INQ1 O que era a estantiga?
INF Pois, dizia-se que... Algum tempo, nós falávamos que havia estantigas. Que havia estantigas. (...) Até se falava (...) que andava de noite uma procissão - que saía uma procissão - e é que eram as almas. Quando morria (...) uma pessoa, dizia-se assim: "Ah! Ontem à noite andou a procissão". (...) Os nossos velhos, quando nós éramos novinhos, diziam que, (...) de facto, que havia aquilo. Mas eu nunca vi. Mas ainda se falava nisso.
INQ1 E isso é que era a estantiga, essa procissão?
INF (...) E essa procissão (...) é que era eram então as pessoas que andavam na estantiga. Pois, eram os mortos. Que eram os mortos.
INQ1 Claro...
INF Haver, havia assim essas conversas. Eu nunca vi.
INF Valha-me Deus! (...) Ora, eu arrecadei as ovelhas às quatro, por via de ver se via o homem. Não o vi.
INF1 E sabe qual era o relógio dos antigos? Hoje, foram lá para cima (...) para o lugar donde me eu criei... Sabe qual era o relógio mais prático deles? Relógios havia poucos. E quando era para irem comer, que andavam (...) até nos trabalhos... Não viram um grande penedo acolá, que se chama a Pena de Anamão?
INF2 A Pena de Anamão. Que é um rochedo e outro Aquele rochedo é outro .
INQ Aquilo é a Pena de Anamão?
INF2 É.
INF1 É, é.
INQ Aquele muito grande?
INF2 É, é. A Pena de Anamão.
INF1 É, é. E então, ao estar ali (...) o sol (...) mais ou menos a prumo daquilo, diziam: "Ah! Há que ir comer. Deve ser meio-dia".
INF Nevoeiro.Quando é (...) questão de estar Quando é o que estando, está fechado, que está tudo escuro, que se não vê daqui (...) para ali para a estrada, chamamos-lhe nevoeiro.
INF1 Quer-se dizer, ele tinha muitas propriedades, mas deixaram-lhas as tais que se diziam avós. Que, naquele tempo, (...) era raro as senhoras saber ler... E tinha então lá (...) uma velha, que lhe chamavam Alcinda, (...) e já sabia ler.
INF2 Sabia ler!
INF1 Sabia ler.
INF2 E fazia à mão (...) os fatos das noivas. À mão!
INF1 (...) Os fatos das noivas, fazia-os ela.
INF2 Era ela é que fazia os fatos das noivas daquele tempo.
INF1 (...) E depois, então, (...) essa, eu lembra-me quando é que eu queria ir lá para os meus cunhados... Os tais que se foram embora... (...) Não quiseram saber de mais nada. Apareceram depois de vinte e cinco anos. (...) E eu ia à procura deles para a brincadeira, não é? E então, eu chegava e, na vez de ir-lhe perguntar por eles, já assim com um bocado de tal para que me ela não corresse, perguntava-lhe pela minha sogra falecida. Chamava-se Aldina. E então, saía-me ela à porta, com o livro na mão, como tem a senhora, às vezes, a ler com aquela idade! (...) Ela morreu para aí de noventa anos, não Albertina?
INF2 Noventa e seis.
INF1 Noventa e seis. E quer-se dizer, e lia! Aparecia com o livro à porta: "Que queres? Aqui não há tia Aldina nem tio Aldino. Vai-te embora". Ela bem percebia que eu que ia à procura deles.
INF1 Olhe, e depois, há (...) lá um couto que tem o lagarto e a cobra e tem onde a Senhora apareceu. Que diziam os antigos que aparecera a Senhora lá, (...) no meio do penedo, numa gruta.
INF2 Há um buraco.
INF1 E as meninas que passam lá, em qualquer altura do ano - ou seja no dia da festa ou no dia da ladaínha ou que vão com o gado ou que vão com a rês ou que vão com isto - que passam passem lá, atiram com a pedra. (...)
INF2 No Maio, faz-se-lhe uma ladaínha.
INF1 E as que lhe ficar a pedra lá dentro do buraco vão casar. E as que não consigam meter a pedra ficam já um bocado desgostadas porque...
INF2 Desgostadas porque se não casam.
INF1 Às vezes, até ainda casarão; mas julgam que não casam.
INF2 Por causa de brincadeiras nossas. (...) Mas há essa brincadeira.
INQ1 Pois, pois, claro.
INF1 Mas está tudo cheio de pedras. Pedras pequenas!
INF2 (...) O tal buraco está cheio de pedras.
INF1 O tal buraco, que é o buraco que diz que era onde estava a santa, diziam os antigos. E diziam que era, então... Está a cobra; está o lagarto... E diziam que era a cobra e o lagarto que queriam chegar lá, mas que não conseguiam. Por milagre da santa, que não conseguira conseguiram .
INF1 O tal Almerindo, quando foi (...) da república e da monarquia, tinha duas bandeiras. Tinha a da monarquia (...) e tinha a da república. E então, depois então, claro, o tio era assim bom de levar, mas o meu tio era duro. Não se calava. E (...) dizia, então, ele assim... Pararam, (...) vinham os médicos, vinha aquela gente toda, com quatro ou cinco...
INF2 Enterravam a toda a hora, andavam (...) ... Era uma epidemia.
INF1 A toda a hora! Não havia horas para enterrar. Não havia horas para enterrar.
INF2 Morria em cada casa duas ou três pessoas. Tinham que as tirar. Não dava feito.
INF1 Não davam feito. E depois, então, claro, pôs-se a contar-lhe àqueles homens. E tanto contou, tanto contou, que o meu tio ouviu - depois aquilo ficou gravado na história. E depois, o meu tio tanto ouviu, tanto ouviu (...) ... Diz ele diz-lhe ele assim: "Já acabou, Senhor Professor"? "Já". (...) Ele tinha um cavalo. Claro, naquele tempo um cavalo era uma coisa...
INF2 Porque não havia carros.
INF1 É, não havia carros. Era uma coisa de luxo. "Já acabou, Senhor Professor"? "Já". (...) Estava a contar mentiras. Estava a vender o peixe dele, mas não...
INQ Pois.
INF2 Dizia que andava há não sei quantos dias sem se deitar, e sem ir dormir à cama .
INF1 Sem se deitar, e que levava muito trabalho, e que ele e o cavalo dele que havia um mês (...) que não parara, que tal (...) ... E então, (...) virou-se para ele, e diz-lhe ele assim, o meu tio, diz: "Ó Senhor Professor, já acabou"?
INF2 Mas aquilo foi num enterro que estava a gente assim.
INF1 "Senhor Professor, agora vou falar eu. Olhe, Senhor Professor, eu nem vou dizer ao contrário ao que disse. Mas só vou dizer uma coisa. O senhor podia ter dormido as noites todas, sabe? Podia ter (...) dormido as noites todas; (...) e mandava o cavalo (...) e ficava tudo arrumado, Senhor Professor". "Que diz, senhor Alfredo, tal... " Ó Senhor Professor, ó filho , isso não vai a lado nenhum, Senhor Professor. Isso não vai a lado nenhum, Senhor Professor. O senhor anda-se a armar em enfermeiro, anda-se a armar em doutor, mas não é. Os doutores são estes senhores e é quem tem que frequentar aqui isto". Que ele era regedor, naquele tempo, e (...) era... "E mais nada, Senhor Professor". E o professor calou diante deles. Estava-lhe a vender o peixe, mas, claro, estava ele ali, que (...) ele aparecia sempre. É claro...
INF (...) Eu já lhe contei essa história de que eu, claro... Deu-me liberdade. Que eu não sou contra... Eu detesto aquelas pessoas que trabalham e não se lhe paga (...) o valor delas. Detesto aquela pessoa (...) que lhe fuja com o valor a quem o tem. Aquele que trabalha tem que ganhar. Mas o caso que é: é que aquele que não trabalha, aí é que está o diabo! Comigo (...) já a raça era assim toda. E então, a minha mãe falecida, quando me viu lá de certa maneira, que eu estava preparado para ir para a França, diz: " (...) Nosso filho, a única coisa que se lhe dá é liberdade. Ele que determine os negócios dele como entender". Nunca me arrependi.
INQ Usa-se as giestas ou tudo, todas as árvores têm fronças?
INF Todas as árvores (...) que se lhe não corta, têm-na.
INQ Então, agora não põe barro no p-, no for-, na porta?
INF1 Não.
INQ Porquê?
INF1 Isso era antigamente.
INF2 Ai Jesus! Que excomungado o rapaz! Meu Deus!
INF1 (...) Já somos mais modernas; já não queremos barro.
INF3 Mas (...) ali, aquela porta, devia-lhe devia de chegar mais arriba - a porta do meio.
INF1 Sabe porque se lhe não põe o barro? Porque, antigamente, em vez de ser a portinha como é agora, (...) era uma pedra.
INQ Ah!
INF1 Depois, à volta, é que se lhe punha o barro.
INQ Mas assim entra frio por aquela frincha.
INF1 (...) Desde que tive esta, nunca mais se lhe pôs barro.
INF1 Há que tapar para que não saia calor, (...) para que coza o pão.
INF2 A isso sabe como se lhe chama? A ucheira.
INQ Mas taparam com quê?
INF2 Se se não tapa, sai o calor.
INF1 Com torrões.
INF1 Mas não está a chover? Está a chover, está .
INQ1 Está, está.
INF1 Ai Jesus!
INF2 Deixe chover para aí.
INF1 Nós deixamos, deixamos, ca que não podemos removê-la.
INF2 Sim. Mas a gente dizia que...
INF3 Ai , faz falta.
INF2 Pois, a gente dizia que não chovia (...) ...
INF1 Ele ainda não viera o Inverno!
INF2 Mas agora é que vai vir.
INF1 (...) Vem quando faz mais mal.
INF2 É.
INF3 Agora ainda não faz mal.
INQ2 Começa a fazer mal a quê?
INF1 A água?
INQ2 Sim.
INF1 (...) Aqui, costuma a chover muito no Janeiro, é Fevereiro, é Março, é... E este ano, não choveu nem nevou. E agora é que veio.
INQ1 Mas agora ainda está bom para as batatas, ou não?
INF1 Está, está.
INQ1 Ou é muito tarde?
INF1 Não, não é tarde. Mas (...) veio agora quando não havia de vir. Havia de vir já antes, repartida.
INF2 Não, agora (...) ainda havia de vir muita água . Agora faz bem .
INF3 Mas olha que (...) não há muitas águas. (...)
INF1 Eh! Como ele vai haver? Ele não tem chovido nada. Mas diziam-nos os antigos, diziam assim: (...) ainda se que não chova em todo o ano, se chover em Abril e Maio, que chegava bem.
INF1 Sabes, estavas boa para... Como eu uma vez disse... Um que viera, uns (...) de lá, desses outros lugares de lá, que lhe disseram aos moços daqui que lhe arranjassem uma cantadeira, em condições, que queriam cantar ao desafio. Antes, cantavam ao desafio. Então, assim disse.
INF2 (...) Nas rondas, nos bailes.
INF1 (...) Disseram-lhe que sim, (...) que podia vir, (...) que tinha aqui uma grande cantadeira. E vieram. Então, quem era a cantadeira? Chegaram aqui, disseram: "Vá lá ver, então, que apareça a cantadeira". Foram, agarraram numa cestinha com milho. Havia um meiguinho aqui no lugar - um burrinho meigo -, (...) aqui no fundo. Era até ali mesmo no fundo. E agarraram uma cestinha com milho e lá iam todos para ouvir a cantadeira, então. Chegaram à porta do burrinho (...) com a cestinha, começou o burro a cantar lá de dentro.
INF2 Já atrapalhou o homem.
INF1 Até que, afinal de contas, a cantadeira era aquele... Foi fodido ao bicho, coitado! (...) Outra vez, veio uma, também... Veio um rapaz... Eu vou-lhe ensinando (...) à vida .
INF2 O que tu vais lhe dizer?
INF1 Também, (...) um moço de lá - um rapaz de lá - namorava-lhe a uma rapariga daqui, (...) deste lugar. (...) É claro, queria-se fazer de grande; mas levou outras atrás pelo focinho. (...) Assim que chegou, cantaram. Então, diz-lhe ele assim: "Esta noite eu vim aqui por mandado dum amigo; não penses tu, rapariga, que foi para estar contigo". Então, ela disse-lhe: "Não te peço esse favor, nem te dou os meus carinhos; se me quiser divertir, tenho aqui os meus vizinhos".
INF2 Muito bem.
INF1 Lá vai (...)
INF3 (...)
INF1 Eu ouvi-as dizer assim.
INQ Pois. Pois.
INF1 Lá vai ao milho. (...) Ele queria-se fazer de grande. Pensava que a rapariga que estava à espera dele, mas ela disse-lhe como era.