GRC01
INQ1 E era só mujos que apanhavam ou havia mais?... INF Mujos e às vezes carapau. Ele apanham aqui carapaus, muito, principalmente quando andam assim . INQ1 Rhum-rhum. INF Eles não se dão... Aqui apanham carapau e saleminha - não sei se conhece? -, saleminha daquela miúda também apanham, aqui também. INQ1 Rhum-rhum. Que mais peixes aqui, pequeninos, junto à pedra há? Portanto, há um que tem uma cor muito bonita. É verdinho claro... INF (...) Rainha. A gente trata-lhe de rainha. INQ1 Rainha? INF E depois tem o peixe-rei. INQ1 E que mais? INF É uma espécie de rainha na mesma. INQ1 Pois. INF O peixe que está a dizer (...) é a rainha. INQ1 É, é. INF É um peixe (...) de várias cores: azul, verde INQ1 Rhum-rhum. INF e (...) tem uma pintaduras também (...) como amarelas. Diz o senhor que é um peixe muito bonito; por acaso, é bonito. INQ1 É muito bonito! Há um peixe... INF (...) Com licença. Por acaso (...) esses senhores que estiveram aqui a construir esta casa (...) eram de Lisboa. INQ1 Esta aqui? INF Não senhor. (...) Aquela casa do peixe. INQ1 Lá à parte de cima? INF Sim senhor. Ultimamente veio uns (...) para montarem máquinas e coisas - isto de Inverno. Eu também andei aí a pescar de pedra e apanhei dessas coisas; encontrei rainhas, gradas. Chego ali com o cesto, vira-se ele: "Eh pá! (...) Que peixe é este? Como é que tratam aí este peixe"? Eu disse: "Homem, a gente aqui trata-lhe esse peixe é a rainha". "Isso lá fora não há disto"! Dizia ele. "Lá fora não há disto". E vira-se ele (...) para um outro rapaz. Disse: "Olha que peixe! Olha que peixe para (...) "... Para quê, que ele disse? (...) Creio que ele (...) cria que era um peixe bom para (...) ... INQ1 Para comer? INF Não senhor. (...) INQ2 Para isco? Não. INF Para botar (...) num aquário. INQ1 Ah, num aquário? INF Exactamente, num aquário. Exactamente isso. INQ1 É, é um peixe muito bonito! INF Também é um peixe muito bonito. É um peixe bonito, sim senhor. INQ1 É, é. Olhe, e assim que mais pequeninos há aqui para dentro, assim? Há o peixe-rainha... INF É. Há o peixe-rei. É o peixe-rei, (...) há a rainha que eu já lhe disse, há (...) o maragoto - que (...) a gente trata-lhe de (...) maragoto. O que trata de maragoto é um peixe assim (...) um pouco mais 'tache' que também se apanha. INQ1 E há uns de, da cor do, do charro mas que são mais estreitos? INF Boga. A gente trata-lhe é de boga. INQ1 A boga é parecido com o carapau, não é? INF Não senhor. (...) INQ1 Não? INF É uma espécie de charro. Agora tem é escamas. INQ1 Mas tem escamas. INF Escama. INQ1 Mas o... INF Escama. A escama é escama mais grada. INQ1 Pois. INF É. INQ1 Mas um que não tem escama? INF Que não tem escama é... INQ1 Que é assim uma cor tal e qual como a do chicharro. INF Do charro. INQ1 Mas é, é mais... Portanto é, é assim mais ou menos, é espalmadinho. INF Espalmado? INQ1 Chamam aqui cabra, ou prombeta, ou?... INF Prombeta, prombeta. Prombeta. INQ1 Chamam? INF Exactamente. Isso é a prombeta. INQ1 Rhum-rhum. INF É. (...) É um pouco (...) mais 'tache' (...) . INQ1 Pois. INF A escama dele também é muito miudinha. INQ1 É. INF É uma espécie de charro, da escama do charro. INQ1 Rhum-rhum. E à sardinha pequenina como é que chamava? INF A sardinha pequeninha, a gente aqui (...) trata-lhe é... A sardinha é a sardinha. INQ1 Rhum-rhum. INF É . Agora há a grada e há a mais miúda. INQ1 Pois. Não davam um nome especial à mais miúda? Não chamavam petinga, ou?... INF Não senhor. A gente trata-lhe é sardinha, a uma e a outra. A gente aqui trata-lhe é... Quer dizer, pode ter outro nome, mas a gente aqui (...) trata é esse. INQ1 Pois. E um que se apanha assim quando o mar está mais batido? Que se apanha mesmo da terra, que ele é, ele é assim prateado e depois tem umas riscas pretas ao alto? INF É sargo. Sargo. INQ1 Rhum-rhum. INF É.
GRC02
INQ1 Mas assim o, esse, esse peixe da qualidade do bonito e da albacora, diz que faz, que às vezes não se pode comer porque é mau para as pessoas. INF (...) É que antigamente havia muito bonito. A gente apanhava aqui muito bonito. Agora aí há anos é que não há. Aqui há dois anos e há três, houve bonitos bastantes aqui. Este ano é que não houve. Muitos diziam que: "Olha, o bonito, não se pode comer muito o bonito que o bonito faz sarda". (...) INQ1 Pois. INF É . "O bonito faz sarda, e coisa e tal". "Olha, eu tenho comido muito bonito e nunca me fez sarda". INQ1 Mas que?... Mas há outro peixe que se pode comer, que diz que é bom para as pessoas comerem. Nunca se chama peixe azul ou peixe branco? Ou peixe de pele e peixe de escama, não? Nunca dá assim um nome geral aos pei-, a esse tipo de peixe que faz mal? INQ2 Dizem. INF É o bonito, como eu já disse . (...) O bonito. INQ1 Pois.
GRC03
INQ1 E parecido com a toninha, não há um outro? O golfinho? INF Há o golfinho. Há, sim senhor. É assim mas (...) ele é maior do que a toninha. INQ1 É maior do que a toninha? INF É, sim senhor. INQ1 Mas é parecido com a toninha? INF É parecido. Ele, quer dizer, bufa também como a toninha, vem assim mesmo (...) como a toninha. Vem. INQ1 Rhum-rhum. INQ2 E também se pesca? INF Senhora? INQ2 Também se pesca ou?... INF Não senhor. (...) É trancado (...) com arpões. INQ1 Mas costuma-se trancar aqui? INF A toninha costumamos trancar. INQ1 E come-se? INF Alguém come. (...) Eu até por acaso nunca comi. Agora no Pico, eles (...) comem aquilo que é... INQ1 E, portanto, e agora dessas, dessas aves que andam para aí a voar, como é que chama? Portanto, quando chega ao peixe que elas vêm todas aqui?... INF Garças. A gente aqui tratam-lhe ou de garça ou de ganhoa. INQ1 Ganhoa? E há mais. Umas outras que só de noite é que andam? INF Cagarra.
GRC04
INQ Como é que é? O senhor traz o peixe para o, para o, para aqui para o, para o cais e, e vai vender, e é o senhor que o vende ou vem alguém comprar? INF Vem o vendedor. A gente (...) , às vezes, quando vem (...) um freguês, a gente vende ao freguês e depois vende ao vendedor. (...) Quase sempre é ao vendedor. INQ Rhum-rhum. INF Compra o peixe e depois vai... O peixe é pescado na terra de outro . INQ Portanto, não há, não há arrematação aqui? INF Há, sim senhor. Há lota. INQ Há lota? INF Há, sim senhor. INQ Quem, quem é que, quem é que arremata? INF Somos nós, que a gente vai apanhar o peixe na lota e (...) há um empregado da casa dos pescadores que é que (...) faz o serviço. Faz o serviço. INQ Rhum-rhum. INF Eles fazem a cobrança (...) ... INQ De lá. INF Pois, do peixe que a gente apanha. INQ E como era, mais ou menos, o cherne, a quanto é que estava este ano? INF O cherne, a gente costuma vender é assim à lota comum. A gente é porque ele é muito grosso . Se fosse (...) ao quilo, é que ele a gente podia levar... "Eu vou-lhe dizer uma coisa mais ou menos e coiso"... INQ Pois. INF A gente vende é à lota. A gente chega com o peixe, põe o peixe em cima (...) do cais, e vai... INQ Rhum-rhum. INF Abre a lota, um vai picando, vai picando... INQ Pois. O senhor sempre foi pescador toda a sua vida? INF Sim senhor. INQ E... INF (...) Não conheço outra arte!
GRC05
INQ Como é que chama a esses de popa cortada? INF A gente (...) trata-lhe bote ou lancha. INQ O bote. Ou lancha. INF Bote. INQ E aqueles assim de duas?... INF Um barco. INQ Um barco. INF Um barco. INQ Então aquele, o seu tem a popa cortada mas o barco não tem. Tem popa quê? INF A gente é: "Ele tem (...) popa feita", é como a gente lhe trata aí. INQ Popa feita. Costuma haver uns mais pequeninos, que até dois homens podem com ele bem à mão, que não tem, portanto, que não tem assim... São chatos por baixo. Que é para ir às lapas para fora. INF Pois. INQ Como é que chama? INF É um botezinho. A gente trata-lhe (...) um tal botezinho, e coisa, porque é mais leve (...) . INQ Não chamam uma chata? INF Uma chata! Chata. INQ Chamam chata? INF Chata. INQ Ah, portanto, à frente como é que chama àquela, à parte da frente desse?... INF Trata a gente proa. INQ Proa? INF Proa.
GRC06
INQ Olhe, e como é que chama àquilo que põe no buraco que é para não entrar água? INF A gente trata-lhe aqui (...) é de boeira. INQ Diga? INF Boeira. Boeira. "Vai-se tapar a boeira". INQ Rhum-rhum. INF Até por acaso (...) a gente trata-lhe a 'pojagem'. Mas ele - está claro - aqui há anos, estávamos aqui em baixo (...) a conversar, e chega-nos um comandante (...) que aqui tinha chegado de pouco. E não sei lá como, tínhamos chegado do mar, (...) e não sei se foi o arrais ou qualquer pessoa que disse: "Vamos tirar lá a 'pojagem' (...) do barco". E o senhor comandante: "A 'pojagem'? 'Pojagem' não. A gente trata-lhe é por boeira". INQ Ficou como boeira. INF Mas a gente aqui tratava-lhe era 'pojagem'. INQ Pois.
GRC07
INQ1 Portanto, há os arcos. Os arcos estão seguros aqui. INF Os arcos são amarrados (...) ao mastro. INQ1 Ao mastro e... INF Ao mastro. INQ1 Por um lado. E para o outro lado? INF Para o outro, ao pano. INQ1 Ao pano? INF Ao pano. Preso ao pano e mastro. INQ1 Pois. O pano... Tens uma esferográfica, assinavas... INF Porque até (...) os arcos são amarrados é ao pano. INQ1 Rhum-rhum. INF E depois (...) o mastro é que enfia (...) nos arcos. INQ1 Pois. E o... INQ2 Havia, havia panos de muitas espécies ou era de uma só? INF Uma só, sim senhora. INQ2 Como é que se chamava o pano? INF Bem aqui (...) , ele havia... Conheci (...) uma lanchinha que usava (...) uma outra espécie (...) de pano. (...) Ele é o pano de espicha. Depois, então, a gente desatava-lhe um bocado . Não tinha retranca. INQ2 Mas aqui o que é que usavam? INF Não tinha retranca. INQ1 Só tinha um... INF (...) Era só o pano. INQ1 Pois. INF Só o pano. INQ2 Mas aqui aquele pano que se usava como é que chamava, não sabe? INF Assim para lhe dizer, não sei, não senhora. INQ1 Mas o... INQ2 Olhe, e há quanto tempo é que desapareceram esses barcos? INF Oh, já são... Foi desde que começaram (...) a vir esses motores para aqui, nunca mais se usou pano. INQ2 Há quantos anos para aí? INF Salvo erro, talvez aí... INQ1 O senhor ainda andou a pano? INF Oh, andei muitos anos, muitos anos a pano! Aí há uns quinze anos talvez.
GRC08
INQ1 Olhe e, e nunca se guiaram de noite pelas estrelas? INF Não senhora. INQ1 Já não é do seu tempo? INF Não senhora. INQ1 Mas o senhor conhece as estrelas?... INF Tenho ouvido. Eu tenho ouvido. Eu conheço algumas estrelas aí por cima, conheço. Eu tenho ouvido que ele que navegavam antigamente (...) era pelas estrelas. (...) Agora, ultimamente, já se sabe, desde que veio esses aparelhos, agulhas e coisas dessas , está claro que vai-se navegando é por aquilo . INQ1 Mas o senhor que estrelas conhece? INF Até, por acaso, ele a gente , às vezes, estamos no mar de noite e a gente diz aí ... Há uma estrela (...) que aparece, a estrela-da-manhã, que a gente trata-lhe por a estrela-da-manhã. INQ2 Rhum-rhum. INF Muitas vezes: "Olha, lá vem a estrela-da-manhã "! Que é uma estrela muito clarinha! Ele (...) é a estrela mais clara que a gente vê. INQ2 E há uma outra que indica sempre o norte? INF (...) É, sim senhor. (...) Tem a estrela-da-manhã, (...) tem uma outra que aparece antes da manhã - também não sei o nome . Assim pelo nome, eu não sei. Sei que vem ali duas estrelas (...) , quando é para amanhecer, vem ali duas estrelas. (...) Nasce uma, a tal clarinha que eu estou a dizer aos senhores; e depois vem uma outra... E ainda antes dessa vem uma outra, essa é que a gente (...) trata-lhe por a estrela... Eu agora esquece-me o nome que a gente trata. Bem, assim de estrelas eu (...) desconheço, não é? INQ2 Pois. Pronto, deixe lá. INQ1 Olhe e como é conhece o, o, o tempo? Se ele vai ser bom ou vai ser mau? INF Pois a gente (...) duns anos para os outros, a gente já tem, às vezes, prática da coisa. Conhece-se, às vezes... A gente, às vezes - principalmente aqui pelo Pico -, a gente regula-se ali pelo Pico. O Pico logo que está com um chapéu, a gente: "Olha, (...) vai vir chuva". (...) E na verdade é. INQ2 Ainda vai vir chuva hoje? INF Hoje não vem talvez, não senhor. (...) Muita vez regulamos é ali pelo Pico. Outras vezes é aqui pelas barrocas. (...) . Não há barómetro (...) mais certo. (...) (...) um salão - quer dizer, principalmente aqui nas barrocas, o salão -, aquele salão quando se torna branco, (...) é chuva certa. É (...) no mesmo dia (...) quase que chove. INQ2 Rhum-rhum.
GRC09
INQ1 Nunca ouviu contar nada acerca dos remoinhos? INF Não senhora. (...) INQ1 Nem com feiticeiras, e com bruxas, e?... INF Não senhora. Antigamente é que havia muita feiticeira mas já hoje não há. INQ1 Tu ris-te. INQ2 Havia muita feiticeira? INF Oh! Diz que havia muita feiticeira mas (...) já hoje como que não se ouve falar nisso.
GRC10
INQ1 Quando é que vem o padre benzer os barcos? INF É antes (...) de o barco arrear. Antes de o barco arrear (...) é que o padre vem benzê-lo; depois - está claro - é que vai para a água. INQ1 Mas como é que se faz? É o pescador que chama o padre? INF É, sim senhora. É, sim senhora. INQ2 E costumam pôr alguma coisa no barco que é para dar boa sorte, sorte? INF Não senhor. Ele vem, (...) benze (...) a embarcação, e coisa e tal... INQ2 E toca a andar. INF Toca a andar. INQ2 Olhe, os barcos são feitos aqui ou são feitos no Pico? INF É no Pico. É quase todos no Pico. A maior parte deles (...) são feitos no Pico. INQ1 E quem é que dá o nome ao barco? É o dono? INF É o dono, sim senhora. Ele vai à delegação e - está claro - é que põe o nome que quer. INQ1 Olhe, e que f-, e que festas costumam fazer quando fazem promessas para salvar?... INF É a Santo António. Ele, às vezes, faz-se promessas até ao Santo António. (...) É esta ermidazinha que tem aqui em cima, (...) há festa todo o ano. (...) Todos os anos há festa aqui, uma festazinha. INQ2 Que é dos pescadores? INF Aqui a Santo António, sim senhor. INQ1 E só vão os pescadores? INF É, sim senhora. INQ1 Ou há pessoas também de fora? INF É pessoas de fora também. Dão alguma coisa (...) para a ajuda da festa. INQ2 E os pescadores donde é que tiram o, esse dinheiro para a festa? INF Tiram (...) - está claro - (...) da pesca. INQ2 Quer dizer, vão tirando pouco a pouco ou vão só um dia à pesca?... INF Vão tirando (...) pouco a pouco - pouco a pouco. Hoje tiram-lhe dez, amanhã tiram-lhe vinte, outro dia, trinta, conforme a pesca. INQ1 E entregam, e entregam a quem? INF (...) Guardam o dinheiro e (...) quando se chega à festa, o senhor padre faz a festa e (...) , quer dizer, faz lá conta às suas despesas e (...) o arrais da embarcação (...) paga a sua parte porque tem de pagar. O dinheiro é dividido (...) pelas embarcações, a despesa, e o arrais depois, cada qual (...) paga a sua parte (...) porque tem de a pagar. INQ2 Mas como é que era feita a, a fe-, a festa? Portanto, os barcos estavam aqui e enfeitavam-se? INF (...) Enfeitavam-se e enfeitam-se. Ainda alguns se enfeitam. (...) Outras vezes íamos aqui para cima. Mas (...) agora já ele há anos, ele ficam lá em baixo. O padre vem na procissão, dá a volta... A procissão vai lá acima ao largo da Cana da Folga , lá em cima. INQ2 Rhum-rhum. INF E vem para baixo, (...) dá a volta aqui ao cais, e depois vai para cima, (...) o senhor padre diz o sermão (...) cá em baixo no portão da igreja. (...) O santo vai recolher. INQ2 Pois. INF E é assim. INQ1 E não fazem uma comida grande, uma boda, uma espécie de boda? INF Não senhora. Não senhora. INQ1 Depois vai cada um para suas casas? INF É, sim senhora. INQ2 Não fazem arraial? INF Houve aqui um ano que fizemos aqui. Fez-se (...) , quer dizer, (...) para ajudar mais à festa. INQ2 Pois. INF (...) INQ1 Mas enfeitam aqui a, o porto e a, ou não? INF A gente costuma enfeitar aqui, sim senhora. E então aí para cima há festas que se enfeita (...) e iluminações (...) ... INQ1 E quem é que toca? Ou não há ninguém que toque? Viola ou assim? INF A gente não costumamos aí. INQ1 Não se costuma fazer?... INF Isso até, por acaso, agora já é muito raro é aparecer uma viola. INQ1 Nem na matança? INF Em matanças, costumava-se a cantar os reis. E - está claro - e a cantar, e coisa. INQ1 Mas já não se faz? INF Mas já, ultimamente, já não. É muito raro. É muito raro.
GRC11
INQ O senhor fazia a medida em quê? Portanto, era só mesmo nos seus palmos? INF Nos palmos. Eu até tenho a medida de tudo, aqui. Olhe. INQ Deixe estar. Depois a gente vê a medida, que eu agora vou-lhe perguntar... INF É uma régua, dali, de dois metros. E o leito do carro, (...) daí para trás, é outros dois - dois metros e pouco. INQ Rhum-rhum. E a altura do, dos chedeiros, mais ou menos, quanto é que era? INF É quatro polegadas. INQ Quatro polegadas? E em largura? Era como o quê? INF A largura tem aí talvez... É conforme. Há chedeiros que dá para ficarem oito; outros dá é para ficarem sete polegadas (...) e coisa; outros em sete. INQ Rhum-rhum. INF Antigamente, eles faziam ele (...) leitos de carro com os chedeiros a terem até doze polegadas de largura! Mas aquilo era um disparate! Aquilo prestava lá para andar! Já tem vindo aqui alguns que eu tiro-lhe uma talhada, desta forma, para ficar mais estreitos. INQ Rhum-rhum. INF Porque aquilo não presta. INQ Pois. INF Aquilo não fica nada valente e estraga-se a madeira num instante. Vai-se deteriorando . INQ Pois.
GRC12
INQ1 E é, é de quê? INQ2 Estas são relhas, é? INF É. As relhas é esta parte. INQ1 E como é?... São de quê, feitas de quê? É madeira também? INF É madeira de giesta. INQ1 Portanto, o senhor... INF Não é em ferro. INQ1 Pois. O senhor pega no, no meão e fura?... INF Fura-se e limpa-se com uma trincha. INQ1 Rhum-rhum. INF Mas a gente já não usa isso. Agora a gente usa é com estes estrados. Mas tem aí um mais grosso, uma cadilha mais grossa, em giesta, mete-se... Isto, faz de contas que isto é o meão. INQ1 Rhum-rhum. INF Mete-se aqui uma cadilha, aqui outra, e aqui deste lado, outra, a vir aqui assim para meia madeira, mais ou menos isto assim. INQ1 Pois. INF (...) E a camba, faz-se o mesmo. Isto encaixa assim aqui naquele coiso . Que, antigamente, estes ferros não eram inteiriços. Era cortado em duas partes. Não sei se apanhou isso nalgum lado . Pois. E faziam duas partes e faziam uma boca em ferro. A gente fazia-lhe uma cavidade aqui na madeira para a boca encaixar e era tudo pregado era com cravetes, o qual desta forma é mais fácil, com menos despesa. É (...) tudo inteiriço.
GRC13
INQ Ah, e que nome é que dão a essas coisas onde tem o, o milho pendurado? INF Aquilo é uma burra. A gente trata aquilo é uma burra. INQ E, mas não havia umas que, que terminavam em bico? INF Ah, havia muitas, em tempo! Mas deixaram de usar. Antigamente, no tempo que me eu criei, que eu ainda me lembra de não haver nada disto fora. Conhecia era tudo dentro nas casas. Mas os ratos, isso estragavam os milhos que era uma coisa de disparate. Aqui este Florindo - que já morreu há anos, aqui em cima, o Florindo José, que morava aqui adiante -, mandou vir para cá parece-me que dois mestres de São Miguel. Vieram-lhe ali fazer... Para fazer as tais pedras, até mandou vir os mestres de São Miguel, que aqui não havia quem fizesse. Que eu lhe fazia igual àquilo ou ainda melhor! Mas veio aqueles dois mestres de São Miguel para ali fazer essa burra. E eles começaram a ver aquilo... E eu, quero eu dizer que nunca lá ia a lado nenhum acima. Aquilo é tudo cimentado, bem lisinho, ficava ali que nunca mais ia... Quando foi estes daqui, começo a ver aquele teatro aí fora, amanhando para si. Estas pedras mesmo, que estão ali naquela burra, eu é que as fiz com a minha mão. INQ Pois. INF Aquilo não é letra embrulhada , que aquilo é para guarnecer. Qualquer uma falta que tenha, endireita-se com o cimento e pronto.
GRC14
INQ E há... E um outro para ver das paredes? INF Ah, isso é o nível. INQ E antes do nível, antes de aparecerem níveis, não havia uma outra coisa que era, que tinha um peso na ponta e um fio? INF Ai! Isso é nos moinhos é que eles usavam isso, para ver o prumo (...) daquele veio que vai de baixo acima, que trabalha com as pedras. Isso (...) é que se trata um prumo. INQ Rhum-rhum. INF A gente amarrava... Faz de contas que isto que é este prego: vem preso numa linha por aqui abaixo (...) e aquilo não há nível nenhum mais certo que aquilo. Aquilo é muito certinho. Depois devido a ter peso bastante... É assim como este parafuso. INQ Pois, pois. INF Isto vem sempre por aí abaixo e vem pousar no lugar onde o nível... Se marcar com uma régua de baixo a cima, não há prumo mais certo de que este. INQ Rhum-rhum. INF Mas níveis então eu tenho aí quantos quero. INQ Pois. INF Tenho lá em cima e tenho aqui parece-me que dois. INQ E o senhor quanto tempo é que esteve então na América? INF Estive para aí quinze meses. Foi pouco tempo. INQ E, e esteve a trabalhar assim em?... INF Estive lá num hotel a trabalhar, que já não tinha idade de trabalhar (...) em fábrica. INQ Ah! Quer dizer, então não esteve a trabalhar assim em c-, em?... INF Não estive, não. Estive foi lá num hotel que só hóspedes lá dentro era para cima (...) de cinco mil. INQ Eh! INF Só hóspedes! INQ Em que sítio é que foi? INF Foi em Boston. INQ Em Boston? INF Em Boston. Isso é uma casa que... Ela chega daqui lá abaixo, àquela canada do campo. INQ Rhum-rhum. INF (...) Esta casa que está a aparecer ali. INQ Pois, pois, pois. INF Em quadrado. E tinha dezanove andares do chão para cima e tinha três do chão para baixo. Eu trabalhava era em limpeza, debaixo, no andar de baixo então. INQ Rhum-rhum. INF Mas (...) era um lugar até limpo de verdade! Era só limpar aquilo da manhã com uma vassoura e passar um 'machine' a polir o chão e (...) não fazia mais nada. INQ O senhor não se deu lá? INF Eu dei-me mas a minha patroa quis-se vir embora para aqui, que eu tenho para aí oitenta, ou perto de noventa, alqueires de prédios , sem ter quem faça uma maquia. Está tudo de renda! Tenho para aí, parece-me que sete alqueires aqui (...) , ali ao pé daquela adega, no Chão lá da Cruz; e tenho este bocado aqui à porta - tem três alqueires aqui no jardim -; e tenho dois alqueires de vinha que faço por minha conta. INQ Rhum-rhum. INF Não tenho quem as faça, tenho que as fazer! INQ Pois.
GRC15
INF Maquia é dizer que não tenho ninguém que me faça nada. Isto está aí quase tudo de renda. Por minha conta, não tinha ninguém que me fizesse nada. INQ Pois. INF Eu se não fosse ter aqui esta oficina... Que hoje isto o meu filho é que está aí a olhar por isto, que eu (...) não tenho já pachorra para nada disto. Ajudo-lhe para aí o que posso. Até mesmo, por acaso, não ganho nada que não há necessidade disso. Ele mandou vir para aí um tractor. Foi seiscentos contos. Com a trela e o tractor foi seiscentos contos. Já tinha para aí uma camioneta que mandou vir por quatrocentos e tal contos. E ele só está a dever trezentos contos dessa trapalhada. INQ Rhum-rhum. INF Mas... INQ O, quer dizer, o tractor é só para ele ou ele aluga?... INF É só para si. INQ É só para as terras? INF É.
GRC16
INQ E aquela é que é dorna também, é? Chama-se dorna? INF Uma dorna, também. (...) Eu botei estas dornas a perder quando fiz aqui a casa. INQ Rhum-rhum. INF Que eu morava era nas Fontes mas depois, como tinha aí a oficina, tinha aqui uma casa. Isto era (...) daqui para diante só. INQ Rhum-rhum. INF Para fora, eu acrescentei. Dei em fazer para aí esse serviço, tudo feito pela minha mão, fui andando, fui andando, até que a gente largou-se. Foi ir para fora para a América, estivemos para lá aqueles quinze meses. A mulher começa a dizer que queria ir ver os netos. Digo: "Olha, vamos embora"! E eu tinha a minha reforma agora no ano que vem para nós. INQ Pois. Portanto, o senhor... INF E era (...) duzentas e sessenta dólares por mês. INQ Já ajudava aqui. INF Ora, se ajudava! INQ Era bom! INF Duzentas e sessenta dólares, pelo nosso dinheiro daqui... INQ São quinze contos. INF Pois. Dava para eu viver em qualquer parte do mundo.
GRC17
INF Para enxertar a vinha, tem que se fazer um viveiro. Se é plantio novo, se é lugar que não é muito deserto, a gente tem que fazer um viveiro. Agora se é lugar deserto (...) é difícil ela pegar. INQ Rhum-rhum. INF Tem que se fazer um viveiro aqui perto de casa. Faço aqui um bocado neste cerrado, (...) de enxertia, e depois então é que se planta lá a vinha. INQ E como é que é enxertada? INF (...) Isto faz de contas (...) que é o cavalo, debaixo, que é (...) a vara que a gente plantou na terra, que é a vinha resistente . A gente faz uma fendazita pelo meio dessa coisa abaixo, e encaixa ali a pua, (...) ou vinha verdelha, (...) ou de cheiro, ou de tinto... É de qualquer classe de vinha que a gente queira enxertar! (...) INQ Pois. INF E às vezes tem a sorte de aquilo quase tudo pega. E tem anos... INQ ... INF É assim . É conforme os anos. INQ Pois. E quando não era de enxerto, não se, não se costumava pôr assim uma metida na terra e onde?... INF Isso (...) é umas varas que a gente corta assim por este tamanho, mete-se três olhos na terra e ficam dois fora da terra. E ali rebenta e nasce dali um pé de vinha bem bonito! INQ Pois. Mas... INF Eu tenho vinha também nessas condições. INQ Pois. Mas do, do próprio pé da, da vinha... INF Pode-se mergulhar também. INQ Pode? INF Pode-se mergulhar. INQ E como é que chama àquele que?... INF É o mergulhão. A gente faz de contas (...) que isto que é uma vara. Vai aqui detrás deste pé - mas é uma vara que tem comprimento bastante -, a gente faz uma poça na terra, e mete-lhe esta ponta debaixo da terra, mergulhou dali e ali está um pé de vinha que nasce num instante. INQ Rhum-rhum. INF Eu ainda uso. INQ E é para a vinha de quê? De cheiro ou é só para?... INF É para a vinha (...) de cheiro... INQ Não? INF Em tempo usavam mas como que se deixaram disso. Agora essa marinha que a gente tem aqui (...) ... INQ Que tipo de uva é que tem aqui? Portanto, é a uva de cheiro... INF Tenho uva de cheiro, e tenho verdelho, e tenho arinto (...) . Há de várias classes. INQ Jacquez? Jacquez? INF Jacquez também há muita. Tinto, há de três classes para aí. INQ Rhum-rhum.
GRC18
INF A forma de enxertar a vinha? Eu vou explicar ao senhor como é. Isto faz de contas que é o cavalo, que é a parte que está metida na terra. Enraizou aqui por baixo e faz-se uma fendazinha aqui. Isto é a pua. Isto (...) é metido assim aqui. E há uma ráfia que é daquela ráfia (...) de embrulhar isto em toda a volta. E fica aqui só um olhinho assim desta forma. É só um olhinho que fica nesta pua. INQ Sim? INF Se ela pegar, isto rebenta; agora se, claro, se não pegar, secou, fica inutilizado. (...) Aquilo tem que se arrancar dali para fora. Às vezes, há muitos que conseguem levar mais abaixo. INQ Pois. INF (...) Quer dizer, nesse ano não, no outro ano a seguir. INQ Rhum-rhum. INF Porque aquele cavalo de baixo rebenta. Se a gente não andar com ele gemado, aquilo começa a rebentar (...) ainda abaixo da pua, começa a rebentar (...) e forma outra vez o mesmo pé de vinha, o mesmo cavalo que tem. INQ Pois, pois.
GRC19
INQ Ia-se vindimando as terras e depois voltava-se outra vez atrás para, para ver se tinha ficado algum cacho atrás ou coisa? INF Isso (...) é moderno. (...) INQ Põe uma daquelas coisas que isto... INF Isso é moderno, dar uma corrida... Porque aquilo fica pouco. Aquilo vai um monte de gente - vai indo tudo neste curral -, que vão olhando: "Olha ali ficou um cacho atrás de ti"! Lá vai ele, bota-lhe a mão. Não é costume. Mas sempre fica às vezes muito cachito para trás. INQ Pois. Olhe, então, o que... INF Isso (...) é rabiscar as uvas mas isso (...) já não se usa nada disso. INQ Pois. Agora o senhor vai-me contar tudo: portanto, estavam apanhando as uvas e depois o que é que acontecia? Para onde é que se levava?... Para onde é que se acartava primeiro e depois para levar para onde e isso tudo? INF Pois é aqui para o lagar. INQ Mas o senhor, portanto, elas apanhavam-se para dentro de quê? INF Ah! Para dentro dum tinote, ou um cesto. (...) Eu uso tinotes e uso cestos. INQ E o tinote, o que é que é? INF É feito em madeira. É feito do jeito duma dorna, mas (...) é coisa aí (...) de uns três potes. Até ainda tenho... Parece-me que tenho um tinote aqui por trás desta faixa . INQ Pois. Deve ter. E depois o tinote leva-se para onde? INF Para a dorna. Despeja-se lá dentro. INQ Que está em cima de quê? INF Está em cima dum carro. INQ Rhum-rhum. INF (...) Ou se, como agora o meu filho (...) tem o tractor, a gente às vezes enche a três e a quatro dornas fora, ele vai tomar uvas para outra banda e à tarde vai lá buscar a gente. Vai tudo ali no carro para baixo. INQ Pois.
GRC20
INQ Ao fim de quanto tempo é que se abre o barril, depois? INF Aquilo é conforme. (...) Depois de o vinho estar na pipa, à fim de uns quatro dias, ou cinco, ele já começa a picar. Já eles começam a galgar nele. Aquilo vai-se embora da mesma forma. E faz efeito! INQ Pois. Olhe, e do bagaço... INF Agora para (...) ficar bom, bom (...) é à fim de umas três semanas é que está puro. INQ Rhum-rhum. E do, e do bagaço, que é, que é que fazia depois? INF O bagaço é para deitar fora a empoçar . INQ Ah, nunca se fazia uma bebida? INF Agora! Mas agora já fazem! INQ Rhum-rhum. E os... INF (...) Aquele bagaço, fulano se tem onde o conserve, (...) dá aguardente que é uma prenda! INQ Mas, e o senhor como é que fazia a aguardente sem ser com o bagaço? INF É da borra do vinho. INQ É da?... INF Da borra. Aquilo apura no fundo das pipas, deste vinho feito no lagar. Apura às vezes a dois potes de borra e a três. INQ E depois como é que o senhor fazia o, a aguardente? INF Aquilo vai ao alambique. INQ Rhum-rhum. INF O alambique depois é que faz a aguardente. INQ E o senhor é que fazia cá em casa ou tinha que?... Havia alguém que?... INF Não, não tenho. Tinha que pagar a quem a fizesse, porque eu não tenho (...) alambique. INQ Não tem alambique? INF Não, não tenho. INQ Pois.
GRC21
INQ Ah! Enquanto o vinho estava doce, no princípio, não costumam guardar um, alguma coisa para fazer o quê? INF Angélica. Faz-se angélica bem boa. INQ E como... E como é que é? Como é que se faz a angélica?... INF (...) Para ela ser boa, é metade de aguardente e metade de vinho mostro. Mas é tirado aquilo não é bem, bem do primeiro, mas antes de ele começar a ferver. Se ele começar a ferver, arrebenta com tudo. INQ Rhum-rhum. INF A gente até, por acaso, quando faz angélica, eu deixo sempre ficar o barril da angélica dentro duma dorna. Se arrebentar (...) fica aproveitada. Agora (...) se se solta, aquilo vai-se tudo embora. INQ ... vai tudo... Portanto, quer dizer, põe-se, punha-se metade de mosto?... INF Metade de mostro e metade de aguardente. INQ Agora é já antiga? Portanto... INF Pois. (...) Isso é que é angélica de primeira! INQ E depois fica assim algum tempo?... INF Pode ficar dois ou três meses sem lhe mexer mais. INQ Rhum-rhum. INF Se passar aí um mês ou um mês e tal sem a abrir, aquilo está ali sãzinha que consola (...) já bebê-la . INQ Pois. Mas o, a angélica é a mesma coisa que o vinho abafado? INF É a mesma coisa. INQ É a mesma coisa. INF Aquilo é doce que consola!
GRC22
INF É o principal é no mês de Setembro. INQ Pois. Portanto, quer dizer, todo o mês de Setembro há?... INF Há vindima sempre. E ele às vezes ainda (...) em Agosto e ali na derradeira semana... Eu lembra-me um ano, no dia 15 de Agosto, já não havia vindima, nem de cheiro, nem verdelha, nem de classe nenhuma. INQ Isso, isso depende de quê? INF (...) Aquilo foi do clima (...) do ano. INQ Pois. É porque fez muito calor?... INF Adiantou-lhe ... (...) Foi no ano que se fez aquele barco Espírito Santo. INQ Rhum-rhum. INF Eu andei lá a trabalhar nesse barco e esses rapazes que eram do Pico - (...) ele foi quatro mestres que vieram do Pico; mas um é que era o mestre só; mas os outros eram ajudantes - pediram-me: "Homem, você há-de-me arranjar uns cachos de uva verdelha cá da ilha". Eu assim: "O senhor havia de ter falado mais cedo". Mas ainda consegui arranjar-lhe mas talvez já no dia 20 (...) de Agosto. INQ De Agosto. Rhum-rhum. INF É que eu levei (...) esses cachos de uvas e foi uvas que eu tinha lá em casa que era para passar e levei-lhas. E eles calcaram-nas no coiso. Diz que nunca comeram coisa tão doce! INQ Tão boa! Portanto, aqui, o que acontece geralmente é: as pessoas trazem as uvas para casa ou no sítio onde elas estão há um sítio para poder fazer o vinho? INF É. Quase tudo é. É tudo é nas suas casas. Hoje tudo tem os seus lagares. Tudo tem. INQ Pois. INF É uma coisa parecida com este meu. INQ Pois. Mas os lagares nunca costumam estar assim numa casa sozinha lá perto de, das uvas? INF Sim. Antigamente havia muito lagar nessas vinhas aí para baixo. Já hoje está tudo perdido. Já não se pisa nem se vindima (...) nada para esses lagares. INQ Pois. As pessoas passavam aqueles dias lá sempre? INF Pois. (...) Porque isto era de meia dúzia deles. Hoje (...) de quantos centos estará para aí empregados (...) , tudo nessas vinhas?! INQ Rhum-rhum. INF De donos!
GRC23
INF Quando o meu pai foi para as Flores, fiquei (...) a tomar conta (...) deste negociozinho. INQ1 O que é que ele foi fazer para as Flores? INF Foi ver (...) ele a sua irmã. (...) Foi ver sua irmã e foi ver (...) o seu cunhado às Flores. INQ1 Rhum-rhum. INQ2 E ainda estão vivos? Ainda lá vivem? INF Já todas não viam o pai... (...) Pai e tios já todos se foram embora, só quem existe cá é o Florival. INQ1 O Florival.
GRC24
INQ1 E depois é o senhor que arranja o forno? INF Depois sou eu quem cozo a louça. INQ1 E como é que faz? INF Pois, mete-se (...) a louça no forno (...) empancada. INQ1 Primeiro acende-se o forno, não é? INF Encho ele o forno. Enche-se o forno primeiro. (...) INQ1 Ai, enche-se o forno primeiro? INF E depois de o forno cheio e tapado, então é que se vai aquecer. INQ2 E põe... A lenha vem por baixo? INF O forno (...) é dividido em duas partes. (...) INQ2 Como é que chama àquela parte que o divide? INF Tem (...) o crivo, que é onde divide o forno debaixo. E a parte de cima é cheia. INQ2 O, portanto, o, como é que empanca a louça lá no forno? É lá em cima, uma por cima da outra, ou põe umas coisas que é para, para separar as peças umas das outras? INF Põe-se (...) umas telhas, INQ2 Umas telhas. INF (...) para retirar o peso das de baixo, para não arrebentar as de baixo. INQ2 E, mais ou menos, o forno, quantas peças consegue meter? Portanto, assim se fosse desses vasos, quantos metia? INF (...) Ele quase sempre faço uma mistura. Um pouco disto, outro pouco daquilo, outro pouco daquilo. Não é dizer que se fez-se uma fornada de vasos, ou uma fornada de alguidares, da mesma qualidade. Se é alguidares (...) é pequenos, é grados, de maneira que é uma coisa que eu não tenho assim uma conta certa.
GRC25
INQ1 Mas havia muitos oleiros? INF Aqui só houve eu. INQ1 Só... Nunca se lembra de haver outros? INF (...) Não houve mais oleiro nenhum. INQ1 E o senhor já... O seu pai já era oleiro? INF Veio aqui um oleiro que estava na Terceira, que era de São Miguel, é que veio aqui. Ia trabalhar por conta de meu pai e depois calhou a ele me ensinar e fiquei a fazer alguma coisa. INQ1 Mas o seu pai já era oleiro? INF Não senhora. O meu pai (...) era o dono aqui da... INQ2 E as pessoas que cá trabalhavam eram empregadas dele? INF (...) Era de quinhão. Ele vinha trabalhar pela metade.
GRC26
INQ1 Como é que fazia? Deitava o coalho, não é? INF Deitava o coalho. INQ1 Directamente no leite? INF No leite. Dissolvia-se no lume, com um bocadinho fora, o coalho - numa chávena ou numa coisinha qualquer, ou em copo -, deitava-se um bocadinho, conforme o leite era. Deitava-se um bocadinho, e mexia-se, e depois deitava-se na porçãozinha de leite que a gente tinha. INQ1 E depois? INF E depois coalhava. Quando estava feito, fazia-se. INQ2 Como é que fazia? INF Eu fazia em trinchozinhos que fazia, de piteira, a modo umas rodinhas, e ali é que se coalhava em cima duns pratos, ou dumas travessas, ou conforme a gente fazia, conforme a porção, em pratos. INQ1 Olhe... INQ2 Onde é que ele ficava a coalhar? Dentro do prato? INF Dentro no trincho, dentro no prato. INQ1 Dentro do próprio trincho já? INF Dentro, no próprio trincho. Deitava-se a escorrer... INQ1 Mas não esperava que o leite coalhasse na, na, na lata? INF (...) Tinha que coalhar na lata, tinha. INQ1 Portanto, coalhava na lata, não é? INF Sim senhora. E depois tirava-se da lata (...) INQ1 E depois deitava fora o quê? INF para os trinchinhos que se fazia de piteira. INQ1 E aquele líquido que ficava? INF Ele ficava ia-se escorrendo. INQ2 Como é que chama? INF É o soro do leite - o soro. INQ1 E deitava fora, o soro? INF Deitava fora o soro. INQ1 Nunca se aproveitava? INF Não. Se aproveitava para os animais! INQ2 Mas o trincho era feito de quê, desculpe lá? INF De piteira. Há pessoas que fazem... INQ2 É assim uma coisa redonda? INF É. Eu posso até ir buscar para mostrar. INQ1 Com uma folha de piteira. INF É uma folha de piteira. (...) Quanto mais curtinha fosse, assim estreitinha, melhor era para o soro escorrer fora. INQ1 Olhe... INQ2 E ele ficava a escorrer em cima de quê? INF A escorrer num prato, nos pratos que se faz. INQ1 Já disse. INF Depois tirava-se para fora com uma colher e ia-se tirando aquilo para os lados, senão, sai fora. Ia-se tirando para fora com uma colherinha (...) para eles depois ficarem ali (...) a fazer-se. E deitava-se então um paninho por cima com o seu salinho. INQ1 Está bem. Olhe, e, mas já não faz porquê? Já não lhe dá rendimento? INF Pois não. O leite não estava a dar rendimento. O meu marido tentou que este ano vieram ele os bezerrinhos, e não quis fazer, não quis (...) que eu usasse. E eu também, era um bocado de trabalho para eu fazer, que eu não fazia não era um nem dois. INQ1 E, mas vendia-os todos ou também ficava com eles para casa? INF Também fico para casa, fico. INQ1 Mas então deve-lhe fazer falta. INF Também faz. Então eu já tenho feito! (...) Aí, às vezes, a pequena diz que tem o desconsolo dum queijinho, eu lá faço um bocadinho de queijo em casa, e faço-lhe faço . Faço dois, três, conforme me parece.
GRC27
INF Eu quando jogava ao futebol, estive no Faial duas vezes. Não, três vezes, fui lá jogar (...) ao Faial. Eu gostei. Foi no campo da Meia Lomba. INQ1 Da Doca? INF Quer dizer, tem a lomba em cima, onde têm lá uns moinhos e tudo. INQ1 Rhum-rhum. INF Cá em baixo é que é o campo. O campo do Faial Sport. INQ1 Faial Sport. INF Gostei muito de estar lá. Isso foi... INQ1 Isso há quantos anos foi? Já foi há uns quantos? INF Não senhor. Não é há muitos anos. Foi há dezasseis que eu estive lá. Fui resolver um desafio, quer dizer, foi lá. Eu não queria ir lá mais. INQ1 Qual era a equipa daqui? INF É a de Graciosa. E os Amarelos. Eu estive no Pico quatro vezes a jogar e estive (...) duas vezes, acho eu, no Pico. INQ1 São Jorge? INF Em São Jorge. Também gostei. Um campozinho pequeno. INQ1 Só lhe falta o Corvo e as Flores. INF É o Corvo e as Flores só que me falta. Já corri essa marmelada toda aí para baixo. Só me falta é aquilo. Para aqui então já corri. Madeira e!... Agora não fiz... INQ2 Já foi à Madeira? INF Já, sim senhora. E gostei muito da Madeira também. INQ2 É muito bonita! INF É bonita, é sim senhora! Isto foi... Quer dizer, não foi um jogo. Foi a fugir daqui (...) para ir para o Canadá, e lá fui apanhado, vim para trás. Eu quando fugi, ia era para lá, depois para vir para o campozinho para cá que é no campo que é o campo do... O que é que se chama? (...) Os aviões, homem! INQ1 A base? INF Não. É na... INQ1 Das Lages? INF Não senhor. Homem! Ele tem a Madeira, mas antes de chegar à Madeira não tem uma outra terra?! INQ1 Santa Maria? INF É Santa Maria. Aí é que eu fui apanhado. Senão ele tinha andado, que eu quando fui para lá tinha lá um cunhado meu. Puxou-me para lá que era para ele vir para cá mas fui apanhado lá. Voltei depois para aqui. INQ1 Mas como é que foi? Foi de barco...? Ou era de avião? INF Fui de barco! Pois eu quando fui, fui de barco. Ainda fugi para cima mas quais quê, eles apanharam-me. (...) INQ1 Mas como é que ia, como é que ia para... Como é que estava a pen-?... INF Pois eu ia era fugir. INQ1 Como é que estava a pensar chegar lá à América? INF À América? Era comprar as passagens e andar! Não tinha mais nada! (...) Ele as minhas passagens já vieram para cá, mas o avião na altura que cheguei lá, ele já tinha voado. E aí depois é que eu fui caçado. Não sabia bem também donde é que estava e fui como um rato. Senão, eu tinha andado, e eu nem sequer estava aqui. INQ1 E o senhor tinha, ia, tinha ido sozinho ou tinha ido com a família? INF (...) Agora?! Que eu estava solteiro! Tinha dezanove anos. Não queria andar a fugir. Mas não, eu fui caçado. INQ1 Mas naquela altura não, não costumava a passar aí uns barcos que metiam as pessoas para dentro? INF Ah, não, não, não, não! Isso já não foi do meu tempo. Não senhor! INQ1 Mas também acontecia aqui? Acontecia aqui?... INF E depois fui levantar esta rapariga. Esta com quem eu estou casado, fui levantá-la ao asilo, no orfanato. Que (...) há um asilo - não é? - (...) das raparigas. Fui a São Miguel, levantei esta rapariga e toca a andar. INQ1 Ela é de São Miguel? INF É de São Miguel, a minha é de São Miguel. E eu disse: "Bem, agora é que vou seguir". Qual segui, qual nada! INQ2 Mas como é que se fazia então quando as raparigas?... O senhor chegou ao asilo e falou com ela? INF Se eu falei com ela? INQ2 Como é que foi? INQ1 O senhor já a conhecia? INQ2 Já a conhecia? INF Não a conhecia cá nada! Tinha lá um director que era um... Eu até eu é que estou aí a tomar conta dos prédios dele e ele disse que eu que fosse lá mais ele. Engracei com a rapariga. Quer dizer, a gente namorar-se, não é? "E eu agora tenho que seguir". "Seguir para onde"? Eu casei lá que era para seguir para o Canadá, ala para aqui outra vez! Depois tive a sorte, ela teve para aí uns miúdos, os miúdos foram para o Canadá, que eu tenho lá um casal, e agora estou aqui mais um miúdo. Está a ver como é? INQ1 Então e não vão lá visitá-los? INF Ora, eu hei-de ir. Mas o rapazinho agora vai para a tropa, como é? Ele está aí com vinte anos. Ah, vai para a tropa e quando vier vindo, depois então há-de seguir. Deixo isto para aí. Interessa-me lá saber com isto. INQ2 Então e vai deixar o moinho e vai deixar tudo? INF Pois. Eu deixo isto tudo da mão e safo-me! Vou com a família! A senhora não tem família? INQ2 Tenho. INF Então pois. Esse que tem família tem que andar é com a família. Esse que quer! E o que não quer... Mas eu então tenho os meus miúdos, quero ir é para lá. INQ1 Então está a pensar ir trabalhar lá no que houver? INF Oh! Trabalhar?! Não, eu vou lá de visita. Se gostar, fico lá; e se não gostar, meia volta; venho para cá. Pois então como é?! INQ1 Rhum.
GRC28
INQ Ainda faz as matanças à moda antiga?... INF (...) Então a gente faz sempre da forma do costume (...) dos nossos antigos. Fazia sempre . INQ Então como é que é? É uma festa muito grande, não é? INF Ele a gente fazia em tempo era em três dias. Agora habituaram-se a fazer em dois, a maioria . INQ Como é que era no tempo em que se fazia em três dias? O que é que se fazia antigamente? INF Em três dias era a mesma coisa, mas levava o fim-de-semana aquela festa. Mas depois mudaram para dois dias, a gente faz em dois dias. A gente mata o porco da manhã. Quando chegam, a gente oferece biscoitos (...) ... INQ Quando chega quem? INF Quando chegam os convidados, as nossas famílias e alguma pessoa amiga. INQ Quantas pessoas é que a senhora reúne quando é na matança? INF Ele eu não sei. Ele eu em tempo, tínhamos muitas, mas agora morreu as minhas famílias, só tenho agora o meu filho e a minha nora, e os meus três netos, e é o sogro e a sogra (...) do meu filho e é a sua avó. Essas pessoas que a gente tinha... INQ E, e os vizinhos? INF E a gente cá de casa, os dois. INQ E os vizinhos não vêm, normalmente? INF Os vizinhos vêm, às vezes, à noite, ver o porco. Outras vezes, não querem vir à noite passear, vêm noutro dia da manhã ver o porco. E da manhã, quando a gente mata, a gente oferece biscoitos e aguardente. Em tempo, era assim. Agora desde que o meu filho se mandou e casou, a gente faz tudo é à moda da Ribeirinha. Eles chegam, vão é... INQ É a moda da Ribeirinha, é? INF É. Vão é almoçar. E depois do almoço põem em cima (...) da mesa, em duas mesas, duas bandejas com biscoitos, e aguardente para aqueles que querem. Depois vão apanhar o porco e vão matá-lo. Depois vão chamuscá-lo. E depois daí, na altura que está chamuscado de um lado, vão com biscoitos... Ele é cavacas que é assim uma coisa mais leve - para não ter mais demora - e uns rebuçados para eles comerem. Depois ficam a acabar de chamuscar, ele viram o porco, tornam a chamuscar. E ao cabo de chamuscar, vêm para dentro, vão almoçar. INQ E o que é que almoçam? INF (...) Almoça-lhe é o que a gente tem. É o queijo e o pão, queijo de peso e pão de trigo, e café. E depois vão para fora lavar o porco. INQ E são os homens ou as mulheres? INF Os homens e há mulheres que vão. Mas eu nunca vou porque também em casa do meu pai eu não ia. Porque nós ali apanhamos-lhe o vinho (...) . Fui dois dias mas disse-lhe que não ia mais. Vindimavam quinze dias e estive quatro dias de vindima, também não me convinha. Depois, daí, (...) antes de lavar as tripas eles vêm para dentro, oferecem-lhe pão e daquele sangue cozido (...) que vai para a morcela (...) . INQ Isso no primeiro dia? INF No primeiro dia. INQ É logo no primeiro dia que se come? INF É, sim senhora. Então pegam no sangue, depois cozem umas postas que é para o sarapatel e dessas postas, se tem bastante - que às vezes ele fica com ele dentro em si -, depois botam-lhe o alho, malagueta, e comem com pão. E bebem vinho os que gostam e os que não gostam comem biscoitos. Depois ele desmancha-se as tripas, vão lavá-las. INQ Também os homens? INF Os homens vão lavar. INQ Vão lavá-las ao mar? INF Toca a lavar! Não senhora. O meu filho fica, à direita, na Ribeirinha, quem vai para a Esperança. E vê-se mais gente que é ali talvez como ali ao pé daquele tonel. É os poços da Ribeirinha. Tem ali água ao pé. E tem uma cisterna de água. Depois, daí, eles ficam a lavar as tripas. E o jantar está a andar . Toca a ir tirar o jantar, para comerem. Depois um vai tratar do seu gado, um vai para aqui, outro vai para ali, outros ficam a jogar às cartas. Depois os outros desembaraçam-se e vêm, estão todos juntos. Quando é à noite, estão para ali a fazer serão, a jogar às cartas, outros a tocar, cantarem, outros é a ver televisão, outros a ouvir gira-discos. É assim. E passa - às vezes ele a jogar - a ceia às vezes para as duas, três horas. Mas ele já há uns anos o meu homem anda muito doente. Chega-se à noite - e depois também tenho os meus bichos: "Quero-me ir embora". Ai, meu Deus! (...) E no outro dia então, da manhã, desmancham o porco para salgar. E tiram-lhe o que é dado, pois ele o que é (...) para os torresmos. Bota-se-lhe água e sal, e depois daí - daí a uma hora, ou hora e meia - tiro-os da água e sal, fazem o molho de vinha-de-alhos com (...) alho e malagueta e canela. Botam aquilo por cima, botam-lhe uns canados de vinho e mexem muito bem, aquilo fica como o molho de vinha-de-alhos. Ainda quando é ali (...) à tardinha, bota-se a derreter, aquilo ficam loirinhos, muito lindos, e a cheirar que consolam! E ali fica uma 'esborradeira' cheia com torresmos de vinha-de-alho. Quando aí era, às vezes, daí a dois dias ou três, que é para ficar tenrinho, derretem os torresmos de vinha-de-alhos e dão a ceia. (...) E salgam o bucho. Depois o bucho é picado todo aos bocadinhos e a cabeça do porco. E depois cozem-na com feijão branco ou com macarrão, outros é com arroz. É conforme as pessoas gostam. É assim.
GRC29
INQ Olhe, e como é que se pendura o porco? INF O porco é pendurado (...) é por cima, pela cabeça. E um tio do meu marido, morava (...) no Pinheiro. Eu então nunca tinha visto! Mas já vi lá não sei onde foi, noutro lugar. O porco era pendurado era pelas pernas com a cabeça virada para baixo. E é assim. E a gente enfeitava com ramos. Ah, mas era quando eu era solteira. Ah, eu já estou velha, já não tenho pachorra. Risos INQ E não costumava enfeitar também a casa? Pôr os mosquiteiros? INF Ai, em tempo, a gente punha atrás dos nossos quadros era palmitos. Agora já a gente se deixou-se disso. Já há rosas do Japão, a gente bota assim nos ouvidos, e o véu assim nas mãos do porco. (...) E é assim. E eu metia-lhe uns junquilhinhos e umas coisas por lá abaixo, no véu. É bonito! E há pessoas que tiram retratos para mandar para a América. E é assim. INQ E já não faz nada disso? Esses enfeitos, não faz nada? INF É só isto. Eu já não tenho pachorra. Já estou velha. A gente aí nos meus anos já não tem pachorra! Risos A senhora esteve aí ... (...) INQ Mas quem é que costumava fazer esses enfeites? INF (...) Era a gente. INQ Não eram... Eram as raparigas da terra? INF Era a gente. E eu morava... Eu não morava aqui. Eu moro aqui há nove anos. Morava era nas Fontes. E depois eu era rapariga solteira e tinha minha cunhada e aleijadinha - não era muito 'parladeira' . E eu tinha minha madrinha, que era uma irmã de meu pai. (...) Tinha assim pessoas amigas que vinham nos dias de matança. Mas já isso vai-se acabando e já as minhas famílias morreram, já não tenho ninguém. Só tenho o meu homem e o meu filho e a minha nora e os meus netos. E é o meu irmão que lá há a morar na Terceira e que tem estado já há dezoito anos na América. Veio agora para a Terceira há um ano. Veio até (...) aqui para minha casa. (...) E é um afilhado que é filho do meu irmão. Não tenho mais ninguém.
GRC30
INF1 A senhora não sabe que a maioria da pessoa tem inveja do trabalho do pobre? INF2 Não se ouve é nada . INF1 No tempo do fascismo... (...) INF2 É uma tristeza, senhor, a gente está a falar com as pessoas, as pessoas atingem o coração e com aquele mau ódio! Gentes invejosas do nosso trabalho, senhor, que é uma coisa muito má! INF1 (...) Eu sou um homem... (...) INF2 (...) INF1 Eu sou pai de nove filhos - nove filhos -, morreu um filho e tenho oito. E tenho uma filha casada e tenho sete em casa: três pequenas e quatro rapazes. Tenho um rapazinho (...) com quinze anos e tenho um outro (...) a pegar em catorze, que até é surdo e mudo, não fala. INF2 Coitadinho! INF1 E tenho um outro, abaixo daí (...) a pegar em doze. Tenho uma menina ... Que ainda ontem de manhã fui trabalhar para bordo dum navio; a minha vida é a estiva dos navios (...) ... INF2 O senhor está é aqui ou é na Terceira? INF1 Não, trabalho aqui na terra (...) já há muito ano. INF2 Eu conheço o senhor assim de vista. INF1 E quando... INF2 O senhor é da Feiteira? INF1 Eu sou do sul, homem! Sou dos Paga-Negras do sul, (...) de uma Paga-Negra do sul, (...) da Luz. Eu sou de lá. Quando a gente por uma pouca miséria que ganha... Olha agora, só esta pequena, ou este rapazinho mais velho que eu tenho, é que me dói até. Quinze com cinco? Bem digo eu: vinte e um... (...) Quinze com cinco são vinte. Vinte dias de trabalho - que entrou agora há poucos dias para a Câmara para trabalhar - ainda dá qualquer coisinha. Não sei porquê, que nem que fosse o diabo que entrasse em casa, pois ninguém come nada, uma coisinha que preste. E a gente temos o feijão... Temos o feijão comprado, que eu sou pobre! Não tenho nada, coisa nenhuma! Não tenho nada meu. Estou pagando a renda da casa. INF2 Oh, coitadinho! INF1 Nada meu, coisa nenhuma! Só tenho a mulher e os meus filhos. Nada, coisa nenhuma eu tenho! INF2 É mesmo o seu dia de trabalho! INF1 Não tenho. É eu esse só. E dinheiro, por enquanto, é só estes dois braços. (...) INF2 (...) INF1 E já casado já (...) há vinte, já há vinte e três anos, (...) há vinte e quatro anos, é só estes dois braços a trabalharem trabalhar para aguentar com a família toda. E não devo um tostão que seja! E só com o estupor do esforço do meu trabalho! E estou à espera de saber dessa gente do diabo, o que é que querem saber da gente que ainda metem ali inveja que me enjoa?! INF2 Estão aí tantos . INF1 Então, eu disse: "Oh, mas porquê, diabo, homem"? Tenho dia (...) que tenho navio, que dá aí dois, três contos, numa comparação, em dois, três dias de trabalho, ou em quatro dias. Dá aí dois, três contos em quatro dias de trabalho, que me dá esse ordenado assim. INF2 Mas trabalha! INF1 Mas estamos aqui, muitas vezes, a quinze dias e a um mês e mais e sem apanhar mais nada. Se não for trabalhar para outro serviço, não recebo mais nada. E agora se os meus filhos estão pequeninos que não podem trabalhar... INF2 Olhe, e o senhor sabe, a gente na boca não pode deitar remendo! INF1 Eu tenho que me botar nem que seja ao mar, a pé, e ganhar o pão para ele comer. Interessa é que eu tenho mesmo que o arrancar, hã?! Que não há filha da mãe nenhum neste mundo que tenha mais... (...) Quer dizer, não sou melhor de que os outros, mas ninguém tem cara mais limpa do que eu neste mundo todo. Eu justifico. INF2 (...) Este ano foi bom. INF1 Pode saber a senhora. E eu vou-lhe dizer uma coisa à senhora: eu sou respeitado por toda a gente do mundo. (...) INF2 (...) INF1 (...) Eu tenho tanta gravação no Brasil! Um rapaz da minha freguesia... INF2 O senhor então era parente da senhora Gorete? INF1 Pois é minha tia legítima, irmã de meu pai. É, sim senhora. INF2 Eu conheci-a, ela ia a casa do meu compadre Fredegundo. INF1 É isso mesmo. INF2 É! INF1 Eu tenho tanta gravação no Brasil, tenho tanta gravação no Canadá! Tenho aí parece-me que milhares delas na América. (...) Eu tenho uns poucos de irmãos... Tenho quatro irmãos na América. E também não estou na América por não querer ir. Achei-me fraco para ir para lá - e já velho, e carregado de família. INF2 (...) INF1 Eu para ir para lá, de repente podia haver uma dificuldade qualquer, e eu disse: "Não"! INF2 Eu tenho a minha casa e tenho as minhas coisas comigo, que o meu sogro me deixou. INF1 "Não vou! Não quero ir"! Eu tenho carta em casa a modo de ir para a América. INF2 Eu já lá vivi tantos anos. Também lá estava o meu pai. INF1 Mas não quero ir.
GRC31
INF1 A senhora sabe uma coisa? INF2 Já a gente não pode mais. INF1 Eu quando me casei, casei-me com a idade de vinte e três anos e a minha mulher tinha dezassete anos e meio de idade. A gente casámos-se novos. E a gente carregámos de família. Arranjámos nove filhos! E a sorte que eu tive foi andar sempre na pesca da alvacora e na pesca do atum. Nunca tive sorte nenhuma eu. Andei para aí tanto ano, nunca arranjei dinheirinho que comprasse sequer uma casa para viver. Tenho um irmão na América que é o Francílio... INF2 Com toda essa família , até podia mesmo alugar um nada de chão. INF1 Eu tenho um irmão na América, que é o Francílio, que é o mais velho de todos... INF2 Eu não sei se a senhora se quer... INF1 Tenho... INQ Não, deixe estar. Eu ainda tenho tempo. Escusa de estar com isso. INF1 Tenho... INF2 Ah, não faz mal nenhum. (...) INF1 Tenho o meu irmão Francílio - que é o mais velho de todos - na América já há vinte e seis anos, feitos no dia 24 de Agosto, passados já vinte e seis anos, nunca fez bem nenhum a irmão nenhum, nem a pai nem mãe. Que meu pai, que Deus tem, já morreu há oito anos! INF2 Ah, isto é gente sua, deixe lá! Cresce-lhe as orelhas! INF1 O meu pai, que Deus tem, morreu já há oito anos. Morreu com sessenta e cinco anos. Eu tenho minha mãe viva e os meus irmãos todos pobres. Que a gente não temos propriedade nem casa. Não temos coisa nenhuma! INF2 (...) Eu só tenho uma coisinha e já não olho para os outros. INF1 Não tenho nada de meu. Não tenho. (...) Eu era de família pobre. A gente não tem... A gente não tem... Nada tem dinheiro.! INF2 Rhum! INF1 Quando foi agora então ultimamente, a minha irmã, coitadinha, carregada de filhos, e conseguiu ir tirar os papéis americanos, foi três vezes ao exame... INF2 Coitada! Por isso, Nosso Senhor nunca lhe há-de faltar! INF1 E ela foi carregada de filhos! Levou sete filhos consigo. INF2 É a vontade. INF1 E ela (...) foi por três vezes ao exame (...) para jurar a bandeira americana, para tirar os papéis para chamar a gente e sempre ao fim de três vezes que lá foi não tirou. INF2 Nosso Senhor nunca lhe há-de faltar! INF1 Ora, uma irmã minha, o marido sempre tinha uma casinha sua, e tinha mais uns arbustos, fazia aí setenta ou oitenta contos, ou cem. Sempre pensou em ir e foi. E já fez dois anos agora no tempo das vindimas. INF2 Quem vai sempre se amanha. INF1 Foi. E veio carta para ela, como veio para mim, e para o meu irmão. "Francisco, mas tu estás aqui a vender peixe, Francisco"? Um que anda em negócio, que é com vinho , que anda aí sempre em cabelo... A senhora está a ver, (...) já está a saber quem é? INF2 É um rapaz baixo. INF1 É isso mesmo. INF2 Também dizem que ele é sobrinho da Goreti. INF1 Pois é isso mesmo. INF2 Ai, conheço muito bem esse rapaz! INF1 (...) É isso mesmo. É o meu irmão Francisco! INF2 Outro dia é que eu conheci a mulher dele. É perfeita! E os seus pequeninos! INF1 (...) O louro, é um rapazinho forte. É isso mesmo. É o meu irmão. INF2 Pois, e foi no dia da Senhora do Livramento que eu perguntei: "Este senhor é seu marido"? E aí é que a rapariga disse que era. INF1 Quando a gente tivemos a carta todos juntos, o meu irmão nega-se, não quis ir. O meu cunhado sempre tinha uns pataquinhos... INF2 O senhor há quantos anos é que está casado? INF1 Eu? Há vinte e quatro. (...) Há vinte e três (...) , e a pegar em vinte e quatro. (...) Não. Vinte e três anos feitos no dia 4 de Maio. INF2 (...) Eu no tempo que eu me casei ganhava-se era a quatro escudos. INF1 Sim. INQ Quanto? INF2 Quatro escudos. INQ Por dia? INF2 Cada dia. Sim senhora. E ainda comprámos... INF1 Isto aqui era uma miséria! Isto aqui era uma miséria completa, homem! INF2 E ainda comprámos... E ainda comprei um bocadinho (...) de pasto e terra. INF1 Rhum-rhum. INF2 E na outra banda comprei um bocadinho de mato. Mas também era a apertar bem, bem, bem para dentro. Os ovinhos das galinhas eram poucos, queria mandar para a loja para sabão e petróleo e fósforos. E o meu homem trabalhou para o senhor meu sogro, um ano, só por um alqueirinho de milho. Um alqueirinho de milho era abondo ... INF1 Isso era um tempo desgraçado! Isso era o tempo mais triste que pode haver. INF2 Oh! E o meu homem trabalhou lá vinte e três anos e ele tinha sete reses, nem sequer lhe deu-lhe uma juntinha de gado, e o meu homem ainda trabalhou para isso. INF2 Ninguém lhe agradece. INF1 Não passávamos fome mas também não tínhamos grandezas. INF1 Está claro! (...) INF2 Até eu, era uma coisa que eu era habituada em casa de minha mãe, ter o meu café e leite, e ele comprou gado, comprou carro, comprou arados, e grade, estas coisas todas e nunca mais cheguei a beber uma pinguinha de café, senão daí a um ano, pelas matanças.
GRC32
INF1 E a senhora sabe uma coisa? INF2 Mas agora não. Agora ganha-se bons dinheiros (...) ... INF1 Eu tive um tio - um tio da minha mulher - em bem que soube que a gente tivemos a carta de minha irmã para chamar a gente para a América... Como a minha irmã foi, eu também podia ter ido mais o meu irmão. Eu disse: "Olha-me isto , eu com nove filhos para a América"?! Eu sem ter o valor dum tostão, sem casa, sem propriedade, sem nada, coisa nenhuma de valor, eu para me pôr com esta família na América - que o filho que eu tenho mais novinho vai fazer agora cinco anos (...) para Fevereiro, o resto é tudo já (...) rapaziada grada -, eu nunca mais me ponho na América com nada menos duns cento e cinquenta contos. INF2 Agora vai-se mais fácil para lá (...) . INF1 E agora vamos lá que eu apanho uma infelicidade que eu morro?! (...) Ou que me falta um trabalho qualquer... Quer dizer, falta de trabalho para mim, não faltava, porque eu botava-me ao primeiro que fosse, nem que fosse a limpar desse 'arrebouço' que aí está. Tudo quanto fosse preciso limpar, eu limpava. INF2 (...) INF1 Mas, numa comparação, Deus dá uma doença, numa comparação, a mim, porque eu é que era o banqueiro, eu é que era o chefe da navegação, é que era o cabeça, isso eu disse: "Eh pá"! INF2 O cabeça, era, pois. INF1 Eu é que vou trabalhar sozinho. INF2 Nunca mais. INF1 A mulher, se for trabalhar, têm que ficar os miúdos em casa. INF2 Tem de pagar a quem... INF1 Se calha a apanhar aqui um estupor duma doença para pagar cento e cinquenta contos... INQ Nunca mais se livra. INF1 Eu nunca mais me livro daqui para fora. Vou-me embora mas é (...) para as Vergas , que eu nunca mais me safo. Não tenho com que pague. E numa nação alheia a quem é que vou mostrar cara? Pensei e fiquei assim. Agora já (...) me favoreceram um dinheiro, se eu quisesse ir. Ia sem pagar rendimento, essa coisa, eu disse: "Não senhor". Se eu tivesse que ver a América... Porque eu tenho um irmão na América. O meu irmão mais velho (...) tem cinquenta e um ano. Eu estava na tropa quando ele foi para a América. Se ele quisesse que eu estivesse bem, ele tinha-me posto na América, lembra-me perfeitamente, já há uns vinte anos. INF2 Meu irmão fez a chamada... Quem fez a chamada foi a minha sobrinha do lado dele, que ele não sabia falar... INF1 Não quero saber daquela nação para nada. Não deixo de dizer: hoje vive-se aqui... INF2 (...) INQ Mas os irmãos podem chamar os irmãos? INF1 Podem, sim senhora. INF2 Ele podem. Hoje ainda podem. INQ Ainda se pode? INF2 Diz que vai ser proibido. INQ Tenho impressão que já não. INF1 Podem. INQ São só os pais que podem chamar... INF1 Agora pode, como dizia o outro, estar em condição de estar proibida. INF2 (...) INF1 Mas eu a qualquer uma hora que queira ir para a América, estou a modo de seguir. Tenho a carta em casa a modo de seguir. Tenho a carta já feita já há mais de dois anos. Tenho a carta em casa, estou a modo de navegar. É só chegar-me, numa comparação, a um banco, ele arranjar... Mas quem é que vai sair agora? Homem, não quero saber disso para nada, vez nenhuma. Mesmo a minha não tem vontade nenhuma.
GRC33
INQ Quando se está a tirar isto da folha, diz-se que está a quê? INF1 A gente estamos a desfolhar o milho. É apanhar o milho e é virem para casa, e a gente depois assenta-se a desfolhar o milho. E é assim. INQ Costuma-se cantar alguma coisa ou costuma-se?... INF2 Ora, se canta-se! INF1 Ora! INF2 Milho cozido! Tremoços! E tremoços franceses ! INF1 Risos Era! Agora já tudo se acabou, credo! Ainda no tempo de meu pai iam buscar... INF2 E garrafões de vinho para a gente bebermos! INF1 Era. INF2 De noite, a fazer serão até às dez, onze horas, meia-noite! INF1 A tocarem viola e a cantarem! INQ A senhora lembra-se de alguma cantiga que cantasse nessa, nessa altura da de-, da desfolhada? INF2 Na desfolhada? Quantas sei eu? Sei mais de um milhão delas.
GRC34
INF1 A senhora sabe porque é que eu estou esquecido? INF2 Uns teimosos, que havia . Era. INF1 Porque eu tive uns grandes aborrecimentos de vida derivado de me ter carregado muito de família, e aborrecimentos da vida de andar muito ano na pesca da alvacora e sem ganhar nada. E agora, ultimamente, depois de já velho é que já sempre vou levando mais um vintém e ainda por enquanto sozinho a trabalhar. Já agora já vem mais um vintém, a minha mulher já se quer puxar por quinhentos ou mil escudos, para ir comprar uma coisa qualquer e vai. INF2 Ai! É outra coisa! (...) E agora daqui para lá os rapazes também vão a estudar; já não ajudam quase nada aos pais. Vão para a tropa, vêm para trás, querem-se é casar. INF1 (...) INQ Quer um cigarrinho? INF1 Olhe, a senhora, não. Muitíssimo obrigado. INQ Não quer? INF1 Eu não fumo ao tempo. Para lhe dizer a verdade, eu já não fumo perfeitamente há quatro meses, ou mais. Agora para não lhe fazer a desfeita é que sou capaz... INF2 (...) O meu homem quando era pequeno foi vigiar o gado... INQ Eu não tenho é lume. O senhor não tem lume? INF1 Nem eu. Eu não fumo já há mais de quatro meses. Que eu sou doente para fumar! INF2 (...) Eu tenho os fósforos lá. INF1 (...) Eu sou um estupor para fumar!
GRC35
INQ Então diga lá porque é que o seu avô se chamava Paga-Negra? INF1 O meu avô era Frederico Fulgêncio e era marinheiro (...) das embarcações. Trabalhava nos navios. Era mestre dum bote de levar o pessoal para bordo do navio. Tinha vindo da América aí pouco tempo. E agora, em terra, (...) quer dizer, havia um bocadinho de mar (...) e disse: "Ó mestre Frederico, queremos a carga para bordo"! E ele disse: "Não. Carga para bordo não vai. Só se for no Cais da Negra". É no Cais da Negra que a gente faz o serviço agora, por causa que nesse tempo era no Cais da Areia. INF2 Eu sei. INF1 E ele: "Só se for no Cais da Negra; aqui não tomo carga nenhuma"! E pronto. E largaram-lhe o Frederico Paga-Negra. Isso já de quantos anos é? Antes de meu pai nascer. E o meu pai já leva aí já sessenta e cinco anos. Com sessenta e cinco anos, isto já há uns, aí perfeitamente, há uns sessenta anos, ou mais. Ficou por Frederico Paga-Negra e ficaram a gente todos por família de Paga-Negra. E o meu pai, Froilão Fulgêncio, mas ele para ser conhecido em qualquer uma parte é por Froilão Paga-Negra. Eu para ser conhecido em qualquer (...) um lugar, a minha naturalidade é Fradesso Fulgêncio. Mas eu se estiver juntamente com a senhora, ou com este ou aquele, num lugar qualquer ou num serviço: "Ó tio Paga-Negra"! Se chamar Fradesso, Fradessos há muitos. Se chamar Fradesso Fulgêncio ou Fradesso Ginestal, ou Fradesso isto ou Fradesso aquilo, (...) a pessoa que é naturalizada por aquele nome, vai. Também se me chamassem Fradesso Fulgêncio só, eu ia: "Ah, paciência! A gente já vai beber aí um copo, madrinha"! Risos "Ah, padrinho, ah"! "Eu ainda vou dar-te um beijo como por alma dos meus netos"! Eu tive uma lembrança boa. Isto é uma gente dada e ligada e amiga de dar, não sei se sabes. É assim. INF2 Eu sei. INF1 Isto são amigos de dar, mas amigos de dar. INF2 E tu amigo de aceitar. Risos INF1 Oh! Pois. E depois eu fiquei, como dizia o outro por Fradesso Paga-Negra. Pedinchão! Que eu gosto muito de pedir! E aquele que me quiser dar, eu aceito logo. Roubar não quero! Em bem que me quiserem dar, eu aceito logo! Risos Seja o que for, eu agarro-me logo de qualquer maneira.
GRC36
INF1 E cantigas boas que se cantava antigamente! Boas, mas boas deveras! INF2 Não. INF1 Não é nada disso, homem! INQ Então, essa do Espírito Santo, veja lá se se lembra. Já não se lembra. INF1 Ó meu Deus! Isso é um pouco longe. INF2 (...) Não é aquele - o que é que se chamava - o Fulmínio, aquele Fulmínio, o velhote?... Também a gente não foi (...) folião? - aquele lá (...) ao pé da Canada das Chichas, ou mais acima. INF1 Não. Isso (...) é um homem que cantava era as Velhas antigamente. INF2 Ah, era Velhas, hã? INF1 Rhum-rhum. INF3 Eu conheci o homem , um homem que cantava as Velhas do senhor padre Jocelino. INF1 Ai Jesus! Cantar as Velhas? Nem o diabo se me aguenta! Mas é preciso ser com violas. Não sendo com violas, já esquece. INF3 É. INF1 É. INF1 (...) Que eu já tenho quarenta e seis anos! Mas já esqueço. Agora, sendo com violas, ali a tocar certinho, nem o demónio se me aguenta a cantar as Velhas! INQ Como é que era As Velhas? Meu avô e minha avó... É isso assim? INF1 Nem o demónio se me aguenta! Nem o demónio se me aguenta! INQ Isto foi um dia só... INF1 Eh pá! (...) Deus te livre!
GRC37
INF1 E o ano passado, uma senhora mesmo lá da freguesia da Luz ia tomar os seus banhos mesmo. Muito limpa! Toda deformada do reumatismo! Essa senhora custava-se (...) a se sentar na água, que era na parte das crianças - (...) quando lá for, vai ver. Tem uma piscina para as crianças. Eu ajudava, e outros, por baixo do braço, a segurar, a descer a senhora. Ela sentava-se, mas ao fim talvez aí duns quatro ou cinco meses, a senhora já estava a mover-se sozinha, sem precisar ajuda. INQ Hum-hum. INF1 São formidáveis, aquelas águas são formidáveis! INF2 (...) Eu lá já estive com um sobrinho. Que veio a minha irmã, que estava na América a minha irmã - outra veio com o seu . Teve uma criança que teve lá uma febre, e a criança, com certeza que enfraqueceu e deixou de andar. Tinha seis anos. Deixou de andar. E ela fez toda a diligência lá (...) naquelas cidades com juntas médicas, mas não lhe deram cura. Depois resolveu... Por causa dessas águas do Carapacho, resolveu a vir e trazer a criança consigo. Mas aqui os médicos... Ele nessa altura tínhamos três: (...) o mais idoso, o doutor Joel Jóice, esse era da opinião (...) de a criança tomar banhos só, na poça, mais nada ; o outro, o Jonas, era da opinião de ele tomar banhos quentes, dentro. Mas depois ele tinha lá uma enfermeira durante o Verão... Porque os três meses de Verão estava sempre lá um médico, que pertencia ao Carapacho, que era da Praia, o Doutor Jordão. Esse também era bom! Costuma ser : fazia primeiro a consulta antes (...) de a criança, de a pessoa, usar os banhos. Ele ia sempre à consulta médica. (...) INF1 Eu sei quem é. INF2 (...) Mas depois como um doutor de cá, o Joel Jóice, que era já muito idoso e tinha muitos conhecimentos das águas de lá, tinha dito que seria melhor no de fora, concordou que a criança que fosse tomar banhos fora, na poça. A minha irmã falou a um rapazote de lá por causa de poder meter a criança no mar e lhe dar o banho, (...) e ao fim (...) dos oito banhos, a criança começou a andar. Seis anos. E foi lá. INF1 (...) INQ Mas há quantos anos, mais ou menos, que, que se descobriu aquilo, portanto, que as pessoas começavam a ir para lá?... Já é muito antigo? Mesmo das outras ilhas? INF2 Muitos anos! INF1 Ah, há muitos anos! Muitos anos! INF2 Há muitos anos. Até tinha lá - eu não sei se ainda continua a ter - ainda muletas, dependuradas, que pessoas deixaram. INF1 Talvez. Mas achas que tem lá muletas ? Eu já não vejo isso por lá. INF2 Ah, mas tinha. INF1 Mas tinha, mas tinha. Mas presentemente já não vejo nada disso. INF2 É isso.
GRC38
INF1 Olhe, eu então sou-lhe franca, ainda esta tarde eu disse à mãe. Eu hoje apeteceu-me beber vinho. Deu-me na cabeça, estava a comer peixe e apeteceu-me beber vinho. (...) Fui ali a casa duma vizinha, comprei-lhe meio litro de vinho. Ela até nem sabia o preço, como eu também desconhecia ainda o preço do vinho. Que ainda este ano lá comprei... Deste vinho é que não, este ano! O velho, eu comprei-lhe algum, mas agora o novo ainda não comprei vinho. E desconheço o preço. E ela assim: "Não, não, ó vizinha. Leve, vizinha, mesmo sem preço, porque a gente arredonda isso. Então quando eu souber depois dou-lhe". Pronto! Eu estava aqui à janela e passou uma mulher que perguntou a um rapaz, o litro a como era. Eu percebi a trinta e cinco. Eu percebi trinta e cinco o litro! Trinta e cinco escudos o litro. INF2 Não deve ser. Deve ser menos. INF1 Não é. INQ1 Não é mais? INQ2 É mais. INF2 É mais ainda?! Só se é o da adega, filha. INQ2 Não sei. Sei que a gente paga por uma garrafa de vinho na... INF2 No café? INQ2 No café, quanto é? Uma garrafa custou setenta e tal. INF2 Mas é do branco? INQ1 Ah, mas isso é o verdelho. INQ2 E o outro? O, o vinho de cheiro? INQ1 Não, não sei o preço dele. INQ2 Mas deve ser cinquenta. No café deve ser cinquenta... INQ1 Parece que eles... pagaram a quarenta escudos o vinho. INQ2 Em São Miguel pagávamos sessenta escudos. INF1 Não sei. (...) Mas de qualquer das maneiras, mesmo que sejam trinta e cinco o litro, é caríssimo, atendendo ao leite. Eu ainda disse à mãe: "Olha, eu comprei aquele meio litro, que eu só bebi um copinho, de resto está ali, pus-lhe uma rolhinha e ficou. (...) INF2 E que às vezes se estraga! Eu não tomo. INF1 Chega a se estragar-se. É porque a minha mãe então não toma. Às vezes chega-se (...) a estragar. (...) E eu disse: "Mas que bebida santa, boa, que não faz mal, só faz bem, o leite! Dez escudos um litro"! INQ2 É muito barato INF1 Vou lá com um garrafãozinho, trago dois litros de leite, vinte escudos. E veja lá, (...) se aquele meio litro foi dezassete e meio! Meio litro! Pode-se dizer, uma pinga de vinho, não é? E o outro dois litros de leite, vinte escudos. (...) INF2 Só é mais dois e meio. INF1 Antes beber sempre leite! INQ2 Ah sim. INF1 Oh, oh! Não, é verdade? INQ2 E não faz mal! INF1 Pois. INQ1 Faz bem à saúde. INF1 Rhum.
GRC39
INF1 Antigamente quando eram os serões do Senhor Espírito Santo, ninguém tinha o Senhor Espírito Santo sem rezar o terço. Mas era o terço cantado! Homem, em voz alta! E depois rezavam o terço ao Senhor Espírito Santo. E depois havia então jogos. Pessoal que estava ali, organizavam jogos. Havia vários jogos: (...) um jogo que era o sapato, o jogo das plantas, (...) o jogo da farmácia, que é muito interessante.
INF2 (...) INQ O da farmácia era o que davam bolos? INF2 E aquele da farmácia era muito interessante, também. INF1 É o jogo da farmácia que davam depois os bolos. INQ Ah! INF1 (...) E esse (...) da farmácia, já vê, a pessoa toda é que diziam as drogas, o nome das drogas. (...) Era bem engraçado! E tinha um outro que era (...) dos cereais: milho... INF2 Milho, e era milho, feijão, trigo, centeio... Estas coisas também iam dizendo. INF1 Era. Feijão. Era "o que rói o gado": "Onde rói o gado"? INF2 "Onde rói o gado"? INF1 Era assim, era isso. Um dizia: "Rói o trigo", o trigo dizia: "Não rói, não". "Onde rói"? "Rói no milho". O milho respondia logo: "Não rói, não". INF2 Mas tinha que ser muito rápido, senão apanhava com um sapato. INF1 (...) E o outro, o que andava a jogar, para mim: "Onde rói"? Eu lá dizia: "Ele rói" - enfim, ou no feijão (...) ... Íamos dizendo, mudando sempre uns para os outros. Também era engraçado! Isso era "o que rói o gado". INF2 "O que rói o gado". INF1 (...) E vários dizeres que então já assim (...) não me recordo muito. Mas passava-se então um serão muito engraçado! Risos INF2 E o que tinha o anel. INF1 Ah, sim. Também tinham o do anel. (...) E depois então também em casas particulares, antigamente, usava-se muito nestas noites de Inverno bocadinhos de serão que se fazia eram uns a jogar às cartas, e outras pessoas mais antigas a dizer às que eram mais novas adivinhas. Adivinhas, contar contos... INQ E a senhora ainda se lembra de alguma adivinha? INF1 Ele alguma adivinha eu ainda me lembro.
GRC40
INQ Mas esses contos que contavam? INF1 Os contos eram: o da Carochinha, o (...) da menina de sapatinho dourado (...) ... E havia então um muito bonito, que era o conto (...) dos quatro pontos cardeais. INQ Eu esse não conheço. INF1 Esse era muito bonito! Porque explicava depois (...) num conto, contavam ele os estragos que o vento fazia demudado (...) quando o vento (...) fazia mais estragos. Hoje já não me recordo, mas eu parece-me que falavam muito do vento sul. INQ ... INF1 Pois . O vento sul fazia muitos estragos, de arrancar árvores... Esse conto era muito bonito! É muito bonito! Que era o dos quatro pontos cardeais. E era ele dizendo depois os estragos que costumava a fazer, o vento - os ventos. INQ O vento... conforme os pontos onde se cruza. INF2 Pois é. E (...) aquele da menina - eu já não me lembro - que tinha não sei o que era debaixo da cama? INF1 Isso era o... INF2 Branca Flor.