INF1 (...) No meu tempo, pois eu, há-de haver... Pois (...) eu já tenho sessenta e seis anos – já vomecê pode ver –, tenho sessenta e seis anos. E quando eu tinha os meus, vá lá, os meus vinte ou vinte cinco, era quando...
INQ1 É que se lembra de trabalhar com isso? Que, que trabalhavam com isso?
INF1 Não!
INQ2 Já não trabalhavam?
INF1 Fuuuu!
INQ1 Já não trabalhavam?
INF1 Isso já há mais de cem anos que eles, calhando, não trabalham com isso. Pois. Nesse tempo. Eu nunca vi aquilo trabalhar!
INQ1 Ai, que giro! Pois.
INF1 Vi foi o arado, com que eles disseram (...) ...
INQ1 Os velhos, pois.
INF1 (...) Pessoas mais idosas é que diziam que estes arados que era para lavrar terras (...) para arrozes , aí nessas várzeas, nesses vales, nessas coisas assim, que aquilo (...) nunca pegava .
INQ1 Pois.
INF1 Porque aquilo ia cortando, ia sempre lavrando e aquilo...
INQ1 Pois.
INF1 Pois. Pois é. (...) Depois havia também umas com dois rabos. Mas essas com dois rabos (...) já tinham uma aiveca para se voltar. Já era essas de coiso. Já era (...) essas charruas número cinco. Mas agora há uns outros arados de pau, (...) que é o que indica isto que está aqui, é para... Aí nesses milhos.
INQ2 Ah!
INF1 Pois. O que me indica aqui é (...) esses arados de pau que há aí para...
INQ1 Mas que ainda usam? Ou já?... Ou?...
INF1 Ainda usam essas coisas.
INF2 (...) Além ao baixinho está um. Não é aquilo é que é as cavadeiras?
INF1 Pois. Essas cavadeiras. Chamam-lhe uma cavadeira.
INQ1 Ah!
INF1 Pois. (...) Também com duas (...) aivecas (...) e aquele bico assim ao meio em ferro... É um ferro e é comparado a um ferro que está aqui.
INF2 (...) Usa-o o meu filho para cavar batatas, para cavar milho, e essas coisas assim.
INQ1 Pois, pois, pois.
INF1 E vai. Aquilo que vai... (...) Vai por o coiso e vai abrindo a terrinha para o lado e é assim que cavam. Já aí nessas coisas, (...) nessas ervas daninhas , nesses campos e nessas charnecas é o que usam é esses arados de pau para cavar os milhos. Pois. Tudo. Tudo assim.
INQ1 Portanto, os cingeleiros eram os homens que andavam com esses que faziam?... E o carro era deles, os bois era deles e isso?
INF1 Pois. (...) Era tudo deles, sim senhor.
INQ1 Era tudo deles. E eles faziam esses fretes?
INF1 Pronto. Eram mesmo os cingeleiros.
INQ2 E esses eram só para a cortiça?
INF1 Só para...
INQ2 Só para transportar a cortiça?
INF1 Pois. Transportavam cortiça, quando havia – no Verão, quando havia sempre.
INQ1 Pois claro.
INQ2 Pois.
INF1 E quando não havia, faziam bocados de sementeira aí nesses terrenos.
INQ2 Pois.
INF1 Pois. Vomecê nem queira saber – vomecê não queira saber – que esta coisa de agricultura ainda teve aqui um tempo, que não havia aí nenhuma esteva.
INF2 (...)
INF1 (...) Isso aí foi terreno tudo que já deu trigo.
INQ2 Pois.
INQ1 Pois.
INF1 Isso que as senhoras estão a ver aí, por aí afora,
INQ1 Pois, pois.
INF1 aí assim, juntamente aí, tudo, foi tudo terreno que já deu trigo.
INQ1 Ainda se lembra disso?
INF1 Pois eu? Pois lembra-me!
INQ2 Pois.
INF1 Tudo, tudo limpinho! Hoje? (...) Hoje é que não há nada!
INF2 Eu lembra-me de (...) ver semear trigo (...) à enxada,
INQ2 Pois.
INF2 cavarem a terra, fazerem as belgas (...) e de semearem o trigo à enxada.
INF1 Pois. É verdade. Sim senhora. Sim senhora.
INQ2 É.
INF2 O pai da Clotilde.
INF1 Exactamente. Chegavam aí ao pé desses matos como a gente vê assim, esses matos, pegavam...
INF2 (...)
INQ1 Pois.
INF1 Havia fouces roçadouras – não sei se vomecês conhecem a roçadoura (...) .
INQ1 Sim. Umas compridas? Umas com um pau comprido?
INF1 Pois. (...) Assim. Com um cabo comprido, roçavam, faziam aquilo tudo uns 'cordanitos' mas não muito grandes, aí com cinco, seis metros, três, dois metros de comprido, essa coisa aí no mato , aquilo é bem feito ali, e depois deixavam umas ruas assim. Faziam assim (...) uma rua, aqui assim era mato, aqui assim também, e ali era outra rua e depois com uns alferces – ainda para ali está um, que ainda... (...) Aquilo não interessa , é uma ferramenta grande – e ali eram às parelhas, os homens eram às parelhas.
INF2 Tem aqui. (...)
INF1 Um dum lado, outro doutro.
INQ1 Mas como? Um dum lado, outro doutro como? Numa rua, um, outro doutra rua?
INF1 Pois, na rua, um...
INQ1 Ou den-, ou dentro da mesma rua havia dois homens?
INF1 Não. Um só.
INQ1 Não? Um só em cada rua?
INF1 Um só em cada rua.
INQ1 Ah!
INQ2 Pois!
INF1 Pois. E então voltavam-se a terrar as belgas. Iam terrando, por ali acima, cavando.
INQ2 Sim.
INF1 Chegavam a um canto de cima, (...) faziam aquela parte, voltavam-se ao outro lado; o outro passava para o outro. Voltavam esse terreno por aí acima, chegavam em cima, até que ele chegavam a fazer aí... E nesse tempo não era muito! Faziam, em calhando, aí vinte, vinte alqueires, a gente chamava-lhe um quarteiro. Nesse tempo era um quarteiro. Faziam essas partes assim: vinte, vinte alqueires, trinta alqueires de belgas. Chamavam belgas.
INQ1 Belgas.
INF1 Belgas.
INQ1 Portanto, belgas era ir limpan-... Era: fazer as belgas era fazer limpeza do terreno?
INF1 Pois, faziam limpeza do terreno. E depois terravam isso, quando viesse aí...
INQ1 Terravam com terra?
INF1 Com terra.
INQ1 Rhã-rhã.
INF1 Tudo ficava assim abafadinho! Era assim,
INQ2 Pois.
INF1 (...) a leiva ficava toda em cima, toda abafadinha, no mato. E depois ali eles largavam, punham-na ali um certo tempo ali no fim do Verão, se calhar aí no fim ... Tosse Mas seria já aí em Agosto, a tantos de Agosto.
INF2 Ou Outubro.
INF1 Pois era. Era em Outubro, essa parte assim. Chegavam, largavam-lhe fogo, à ponta de baixo. Aquilo ardia, ia ardendo, ia ardendo, ia ardendo, ia ardendo, fazia aquela cinza.
INF2 Eram adubos que lhe punham.
INF1 E a terra ficava queimada. Aquela terra que estava por cima, ficava queimada. E depois agarravam então numas enxadas e começavam à ponta de cima, estrambalhando aquilo para esse sítio donde o tiraram. Donde cavaram a terra para tapar a coisa,
INQ1 Pois.
INF1 tiravam para ali depois. O que é não faziam aquilo (...) em vários sítios.
INQ1 E depois o que é que eles?...
INF1 Depois semeavam o trigo.
INQ1 Trigo nessas terras.
INF1 Semeavam.
INQ1 E era bom para a terra, essa?...
INF1 Era bom com essa... Essa queima? Pois então há uma coisa melhor que a queima para a terra?
INQ2 Pois.
INF1 Pois.
INF2 O trigo nessa altura rendia a vinte e tal sementes. Agora há algum trigo que renda a vinte e tal sementes?!
INF1 É verdade. É mesmo verdade. Isso é uma...
INF2 Não há!
INF1 O trigo, havia searões ali de trigo, que aquilo por gosto se podia ver! Rendia ali... (...) Mas é que aquilo então era trigo nesse tempo! Pois.
INQ2 Pois.
INF2 Coitadinhas das pessoas que trabalhavam a terra nessa altura .
INF1 (...) Mas trabalhavam muitíssimo, muitíssimo.
INQ1 Claro.
INF1 Era coisa muito custosa mesmo!
INQ1 Claro.
INF1 Mas... Pois. É verdade.
INQ1 Mas olhe que isso é engraçado.
INQ1 Olhe, e que nome dão ao homem que anda a lavrar? Que nome é que ele tinha...
INQ2 Um homem que anda com os animais?
INF1 (...) Pode ser... Olhe, (...) nalgum sítio, chamam-lhe um ganhão. Pois.
INQ2 E aqui?
INF2 (...) Das bestas é almocreve.
INF1 Das bestas é almocreve, pois. Pois.
INQ1 Sim.
INQ2 Portanto, se andar a lavrar com bestas, é almocreve?
INQ1 É o almocreve?
INF1 (...) Quando sendo a lavrar com bestas, é o almocreve; e quando sendo lavrando com uma junta de bois, já é um ganhão. (...) Mas isto era nesse tempo, pois havia... Pois.
INQ2 Pois, pois. Claro. Não, mas a gente quer saber era nesse tempo.
INQ1 Mas era o nome era aqui?
INF1 Pois. Nesse tempo era o ganhão. Pois.
INF3 O que as senhoras estão perguntando é nesse tempo.
INQ2 Pois.
INQ1 Pois. Exactamente.
INF1 Pois. Nesse tempo. Era um ganhão. (...) E era o ganhão com os bois; e com as bestas, um almocreve.
INQ1 Rhum-rhum.
INF1 Pois. Sim senhor.
INQ1 A mulher nunca fazia esses trabalhos?
INF1 Não. Isso era raro fazer. Haviam pessoas que lavravam também algumas, mas isso muito poucochinho ou nada.
INQ1 Depois quando o trigo já está, já está bom, chega a, o momento de fazer a?...
INF1 Ceifar. Pois. Ceifava-se... Ceifava-se...
INQ1 Portanto, é a altura que chega?...
INF1 Era: chamava-se-lhe a tal ceifar manual.
INQ1 Pois.
INF1 Era manual.
INQ2 Com quê?
INF1 Com uma fouce. Uma fouce. Uma fouce feita (...) , pois, de ferro. Noutro tempo, faziam uma fouce...
INQ2 É uma que está ali em cima, não é?
INF1 É. E essa fouce, depois o fulano enfiava três canudos de cana nos dedos – havia muito quem usasse uma caleira de cabedal.
INQ2 Aonde?
INF1 (...) Na mão.
INQ2 E prendia aonde a caleira, no dedo grande?
INF1 (...) Prendia no dedo
INQ2 No polegar?
INF1 (...) polegar. Enfiavam uma coisa e punham-na aqui assim, (...) e outro buraco, dobravam o dedo e enfiavam-no aqui e a caleira passava aqui. E ainda em cima uma dedeira.
INQ2 Em cima da, da caleira ainda levava uma dedeira?
INQ1 Do dedo? Deste?
INF1 Não. Este.
INQ2 Ah! O indicador.
INF1 Tinha este (...) ... O indicador levava uma dedeira,
INQ1 Sim.
INF1 que era como isto. É a que estava sempre a trabalhar na palha – comando dos bicos, comando de coisas assim, era a dedeira. E era a caleira e era três canudos.
INQ1 Pois.
INF1 Pois. (...) E havia ainda quem prantasse – hum? –, uma pulseira no braço, para não abrir do braço. E havia quem prantasse um cabresto na fouce.
INF2 Pois.
INF1 Um cabresto na fouce para não...
INQ2 O que era o cabresto?
INF2 É uma correia (...) .
INF1 É uma correia. Uma correia feita de cabedal. Uma correia feita de cabedal, pregada ali na fouce, ali, às vezes até de... Era umas até que tinham uma fivela, atava a fivela , e passava ali, uma atava por baixo que (...) não fazia diferença nenhuma. Pois. E punham esse cabresto na fouce, atavam ao braço, pronto. O fulano, só mal sustendo a fouce, pois,
INQ2 Ela cortava logo.
INF1 ela cortava.
INQ1 Ela cortava.
INF1 Cortava. Tinha (...) mais firmeza, que às vezes,
INF2 A gente sua das mãos e...
INF1 pois, suava as mãos (...) ... Às vezes, a gente queria fazer uma coisa (...) com o coiso (...) e fazia outra.
INQ1 Pois.
INF1 E assim, com o cabresto, tinha mais força.
INQ1 Pois.
INF1 Tinha mais, sim, mais seguração, mais firme.
INQ2 Rhum-rhum.
INF1 Pois.
INQ1 E o mantulho era o quê?
INF1 O mantulho era aquela coisa que enrolavam à roda da palha para o trigo (...) ...
INF2 Para o trigo não cair tanto.
INF1 Para o trigo e para a palha não sairem dali.
INQ1 Rhum-rhum.
INF1 Porque a gente quando tendo a mão muito aberta, assim, há uma medida que já não está a abarcar demais.
INF2 Uma mancheia de aveia .
INQ1 Pois claro.
INF1 Pegava-se nisso, fazia-se o mantulho.
INQ1 Pois.
INF1 Pois. Passava-se assim pelo dedo. Em indo, passava-se pelo dedo. Chegava-se a ponto aquilo era já (...) um 'manchorrão' de trigo que...
INQ1 Portanto, e essa...
INF1 Já muito grande!
INQ1 E, portanto, essa parte toda que depois iam largar é que era a quê? A?...
INF1 (...) Era a paveia. Pois. E depois da paveia...
INQ2 Onde é que punham a paveia?
INF2 No chão.
INF1 (...) No chão. Punha-se no chão. E depois, quando chegasse (...) ... Depois de já ter aceifado três ou quatro horas, ou as que for – aquilo era quase sempre três horas a aceifar, que a gente tínhamos sempre umas ... Aí às onze horas até ao meio-dia era para atar. Pois. Era então fazer (...) o tal mantulho. Mantulho. Pois. O mantulho. Era o mantulho. Chamava-se o mantulho. É. Era o mantulho que a gente fazia. À paveia, à primeira mancheia que a gente fazia, aquilo era o mantulho.
INQ1 Rhum-rhum.
INF1 E depois do mantulho, era quando se fazia a paveia e que deitava-se no chão; e depois quando se fosse atar, tiravam-se... Chamava-se tirar o atilho. Tirava-se-lhe o atilho, fazia-se-lhe o atilho, punha-se no chão, pegava-se nessas paveias, punha-se em cima do atilho, apertávamos o atilho, fazíamos-lhe a murça.
INQ1 Que era o quê, a murça?
INF1 A murça? A murça é aquela parte (...) de enrolar o atilho (...) no atilho para se ele não (...) sair.
INQ1 Rhum-rhum.
INF1 Que aquilo (...) não se dá o nó. O fulano agarrava aí e faz ali uma murça.
INQ1 Ah, murça!
INQ2 A murça, portanto, é o...
INQ1 É a maneira de atar?
INF1 É a maneira de atar.
INQ1 É a maneira de atar.
INF1 É a maneira de atar na ponta do atilho.
INQ1 Pronto.
INQ2 Mas é a maneira de fazer o, de fazer o atilho ou é a maneira de atar o molho?
INF1 É mesmo à maneira (...) de atar o molho.
INQ2 De fazer o at-?...
INF1 De atar o molho e fazer o atilho.
INQ2 É as duas coisas.
INF1 Pois. Não é como uma murça. Há muita gente, se for aí desta malta aqui e ali , se for fazer uma murça num atilho, não dão feito.
INF2 Não sabem fazer.
INF1 Não sabem fazer.
INF2 Não.
INF1 Pois.
INF2 Não dão feito.
INF1 Não dão feito, que aquilo... E eu, pronto! A gente fazia a murça e...
INQ1 E depois o que ficava, era o quê? Depois de a murta já estar...
INQ2 A murça.
INQ1 Murça já estar feita, o que ficava na terra?...
INF1 Era o molho. Era o molho de trigo. Pronto, ficava o molho de trigo.
INQ1 Olhe, e há alguma coisa a que chamassem gavela?
INF1 A gavela?
INQ1 Gavela.
INF1 Então isso uma gavela era a gente fazer uma mancheia de trigo muito grande, muito grande, fazer com cinco ou seis mantulhos. Pois. "Eia pá! Tal não é a gavela que aquele fez"!
INQ1 Portanto, era uma paveia muito grande...
INF1 Era uma paveia muito grande.
INF2 Pois.
INF1 Pois. Até dizia assim: "Olha, aquele gajo (...) fez uma gavela tão grande ou fez três ou quatro gavelas que deu logo um molho". Pois.
INF2 Pois é isso.
INF1 (...) Já não ia à paveia.
INQ2 Pois, pois. É isso.
INF1 Já era (...) logo gavelas.
INQ1 Pois é.
INF1 Pois.
INQ1 Depois os molhos ainda juntavam num outro maior?
INF1 Pois, faziam um roleiro. Faziam uma esteira. Às vezes, aquilo era à ração: cada de dez, ou cada de sete, ou cada seis, tiravam um. Pois. Andava à ração.
INQ2 Eu não estou a perceber.
INQ1 Eu também não.
INQ2 Não, não estou a perceber.
INF1 É um supor: eu tenho além um bocado de terreno.
INQ1 Rhum.
INF1 Pois. E vem lá um, pede-mo; e eu dou-lhe à ração de seis ou de sete.
INQ2 Ah!
INF1 Pois. Quer dizer, "Vai além" – dou-lhe um bocado de terra para ele fazer, pois – "olha, lavra e faz e de sete molhos pagas-me um"! Já era assim.
INQ1 Ah!
INQ2 Portanto, isso é aquilo que se chama o seareiro, ou não?
INF1 Pois, isso é que era o... Não. Isso era... (...) Um seareiro. Um seareiro que é quase (...) comparado mas não era isso. (...) Não é bem isso. Um seareiro, (...) como é que é um seareiro, que a gente diz que é um seareiro? Um seareiro...
INQ2 Também paga em ração.
INF1 (...) É um supor: (...) como a Herdade do Geraldo Palhas , ou outra herdade assim, uma herdade grande, ou de Vale Chaim, e vinha ali um bocado, pedia-lhe ali um bocado de terreno. Ali dez, ou dez ou quinze, ou vinte alqueires de trigo. Dizia: "Olha, além está um bocadinho (...) que é (...) do meu seareiro".
INF2 É à ração.
INF1 "É à ração. É do meu seareiro".
INQ2 Também é à ração?
INF1 Pois, é à ração.
INQ1 Claro.
INF1 Pois, e era isso.
INQ2 Paga quanto? Pagava quanto?
INF2 Pagava conforme. (...)
INF1 (...) Eu pagava (...) a mesma ... (...) Era conforme pagava, que o coiso pagava ração. (...) Aquilo depois era ao molho (...) de quatro, ou de cinco, ou de seis... Conforme combinavam, dava um.
INQ2 Pois.
INF1 Pois.
INQ1 Mas era porquê? Mas o, o trigo não era todo do patrão?
INF1 Pois não. O trigo não era todo do patrão, que aquilo são combinações que fazem. Havia aquela contrata, havia aquela (...) lei.
INQ1 Sim.
INF1 Pois, vamos assim. Havia aquela lei: o trigo (...) ... Dar trigo à ração. Terras à ração. Pois, davam terras à ração. Portanto, ia fazer o bocadinho de terra: "Já sabes, olha, cada (...) de seis, de cinco molhos, (...) de seis molhos, dás-me um".
INQ1 "De seis molhos, dás-me um". Pois.
INF1 Pois. Chamavam trigo à ração. E depois quando fosse a reçoar, iam reçoar o trigo. Era reçoar.
INQ1 Portanto, o patrão já tirou um mo-, um molho de cada seis, não é?
INF1 Era.
INQ1 Pronto. E a seguir faziam o roleiro?
INF1 Depois faziam os roleiros.
INQ1 Pronto. E depois?
INF1 Pois. Então...
INQ1 Depois de os roleiros estarem feitos?...
INF1 Depois de os roleiros estarem feitos, vinha um com a carreta, a carreta e os bois, e vinha o tal dito criado,
INQ2 Pois.
INF1 quando vinham carregar, faziam as carradas e iam, levavam para a eira.
INQ2 Pois.
INF1 E depois de estar na eira, (...) descarregavam lá e faziam então a tal dita meda, que chamavam-lhe uma meda. Pois, essa meda de trigo. E depois de estar as medas feitas – hum? –, era quando havia os tais parelhas – havia parelhas –, debulhavam. Quem diz parelhas diz bois. Arranjavam umas cordas, uma corda muito comprida e passavam todas pelo pescoço dos animais.
INQ1 Isso era debulhar a quê?
INF1 Debulhar a gado. Pois. Debulhava-se a gado, fulano fazia as medas... Neste momento, fazia as medas; depois, tinham a 'selhedeira' feita, o selho, no chão, não é?
INQ1 E como é que lhe chamava o 'asselho'?
INF1 Era a eira. A eira. E depois de fazer, depois de (...) terem a eira feita – estava a eira –, depois iam apanhar bosta de rês, dentro duns cocharros. As bestas... Às vezes, durante a noite iam donde dormiam... Dormiam por fora, no campo, e depois iam lá, dentro dum cocharro apanhavam a bosta de rês toda. E depois tinham umas bilhas (...) de madeira, destas pipas, e essas pipas... Pegavam depois nessas pipas e punham em cima duma (...) dessas carretas e onde é que houvesse água, um tanque ou um poço, ou um depósito qualquer que tivesse água, enchiam essa bilha. A bilha levava cem, ou levava duzentos litros, ou levava trezentos, conforme. Pois. E traziam-na depois para a eira, em cima dessa carreta. (...) E depois aí (...) essa bilha que por baixo tinha um... Nem sequer havia torneiras!
INQ2 Pois.
INF1 Era um canudo de cana.
INF2 Pois.
INF1 E era um canudo de cana, uma rolha de cortiça, por cima tinha uma boca, para encher com... Tiravam a água ao pé dum pego de água, com um balde, um funil na boca (...) da coisa, enchiam. Assim que enchessem, levavam para a eira. Depois iam buscar essa bosta, punham essa bosta ali assim, e depois com água e umas vassouras de 'lantisca'... Chama-se a 'lantisca', um mato que há aí no mato, uma coisa, há aí no mato. Essa vassoura de 'lantisca', faziam essa vassoura, uma vassoura assim – pois, comparada a isto, não é? (...) –, e em grande, em ponto grande. E vá. Começavam a pôr ali água, em cima da bosta – aquilo era um moitão assim –, e com água começavam a bandear assim a bosta, e depois começavam com a vassoura... Aquilo (...) fazia nata.
INQ2 Pois.
INF1 (...) Ficava desnatado. Ficava uma espécie de caldo. E então começavam com aquilo varrendo pela eira afora. E então passavam a eira toda com aquilo. Toda. Depois punham o trigo, quando aquilo estava enxuto...
INQ2 E deixavam secar?
INF1 Depois, quando aquilo estivesse enxuto, (...) punham o trigo. (...) Punham uns molhos desatados, todos assim em volta com a eira, tudo. E depois punham uma camada de molhos assim, tudo empinadinho assim, punham um aqui, punham outro aqui, vinham prantar tudo com as espigas para cima (...) – chamavam-lhe um calcadouro – e depois punham lá o gado, nos bolsos.
INF2 Eram embolsados.
INF1 Rhã? Para não comerem, (...) assim os boiinhos embolsados e vamos embora, vá. Toca de andar com aquilo tudo à roda, ali sete, (...) oito cabeças ali tudo em cima. Toca de andar à roda. E a gente cantando e semeando. Pois.
INQ1 E iam... Os, os animais iam todos presos uns aos outros por uma corda?
INF1 Todos presos por uma corda.
INQ1 Chamava-se o quê? Esse conjunto todo dos animais? Tinha algum nome?
INF1 Como é que chamariam àquilo? Pois, sei lá. Aquilo poderia ser...
INF2 É a cobra?
INF1 Hã?
INF2 Era uma cobra.
INF1 Era uma cobra.
INQ2 Uma cobra?
INF1 É, chamavam-lhe uma cobra. A cobra, pois.
INQ1 E então agora a seguir?
INF2 Limpa-se.
INF1 Limpavam, (...) ajeitavam aquilo – hum? –, começavam a limpar com o vento.
INF2 Quando fizesse vento, jogava-se a palha .
INF1 (...) O vento, nesse tempo estava sempre da maré.
INQ1 Rhã-rhã.
INF1 Da maré era aqui do lado, aqui do lado, daqui deste lado. E então calhava (...) ...
INQ2 De que lado é? Do lado do, do poente?
INF1 Do lado daqui do poente.
INQ1 Pois.
INF1 Acarreava-se as tais forquilhas – hã? –, e a gente jogávamos sempre a palha, o triguinho pelo para o lado do vento.
INQ1 O que era fazer isso?
INF1 Era, era, era...
INQ1 Era fazer o quê ao trigo?
INF1 Era aventejar. Aventejar o trigo. Pois. Toca de aventejar. Depois de o trigo estar todo a palha tirada, pois, era padejado. Com uma pá, toca de dar à pá.
INQ2 Só com uma pá?
INF1 Pois. Só com uma pá. Uma pá e uma pessoa com uma vassoura, varrendo as palhas.
INQ2 Como é que se chamava essa vassoura?
INF1 (...) É uma vassoura.
INQ1 Não dizia?...
INQ2 E o que é que se dizia?...
INF1 Vassoura. Vassoura de 'lantisco'.
INQ2 E o que é que se dizia que essa pessoa estava a fazer com a vassoura?
INF1 Essa pessoa estava varrendo, limpando. Estava limpando o trigo das palhas. Pois. Ou estava limpando as palhas do trigo, vamos assim. Estava limpando as palhas do trigo.
INQ2 Pois.
INQ1 As palhas do trigo.
INF1 Pois.
INQ2 Não há nada que se dissesse que era conhar?
INQ1 Conhar, ou?...
INF1 Não. (...) Conhar não.
INQ2 Com a vassoura?
INQ1 Conha?
INF1 Não. Não. É varrer. Varrendo as palhas do trigo.
INQ2 Rhum-rhum.
INF1 Pois. E...
INQ2 E outra com uma pá?
INQ1 Depois...
INF1 Era padejar o trigo. Padejando. Toca de padejar. E depois de o trigo estar todo padejado...
INQ2 E quando padejava o que é que saía?
INF1 Saía munha. Saía munha e pó. Pois. Pois. E a gente depois de estar todo padejado – o trigo estava num cavalo; estava (...) num coiso, pois, num cavalo, chamamos-lhe um monte, um monte ou um cavalinho de trigo; chamava-se-lhe um cavalinho de trigo.
INQ2 Assim tudo de cogulo?
INQ1 Assim...
INF1 Pois. Assim, por aí afora.
INF2 Um moitão.
INQ2 Ai assim ao comprido?
INF1 (...) Assim uma tira, uma tira assim por aí afora.
INQ2 Ah!
INQ1 Sim.
INF1 Era. Porque a gente ia padejando...
INQ1 A meio da eira? É a meio da eira?
INF1 Pois, (...) a meio da eira. Pois. Era o cavalinho de trigo.
INQ1 Ah, já sei.
INF1 E depois de estar com esse cavalinho feito, tínhamos então o tal arneiro, que era um...
INQ1 Que era como?
INF1 Era duas pessoas. Um arneiro. Um arneiro todo tapado em buraquinhos por baixo. Um arneiro grande feito (...) numa folha de zinco, com uns arcos em ferro cruzados por baixo, (...) para a folha (...) não baixar, (...) ser mais resistente e por fora era a madeira.
INQ1 Rhum-rhum.
INQ2 E era como? Um rectângulo ou redondo?
INQ1 Devia ser muito grande, não?
INF1 Não, era redondo.
INQ2 Era redondo.
INF1 Era redondo. Não era rectângulo.
INQ2 E tinha alguns sítios onde se pegar, ou não?
INF2 Tinha. Umas asas.
INF1 (...) Pegar, pegava a gente por baixo. E havia uns que tinham asas.
INF2 (...)
INQ1 Mas devia ser muito grande, para ser duas pessoas a fazer!
INF1 Pois. (...) Tinha umas cordas.
INF2 Pois.
INF1 Tinha umas cordas. Era umas cordas. Aquilo era furado, aquilo era assim, e depois tinham assim um buraco, aqui tinha outro, e aqui assim levava uma corda, e o fulano agarrava aqui numa corda deste lado e agarrava outro daqui e punham ali. E a gente depois, vá... Duas pessoas iam a prantar trigo para dentro do joeiro, (...) pois, do arneiro, e a gente toca de arneirar.
INQ1 Do arneiro.
INF1 Toca. Hum? (...) Aquilo dava uma parte interessante. Arneirar o trigo!
INF2 Pois é.
INQ2 Pois é.
INF1 Arneirar. Toca de arneirar.
INF2 (...) Hoje, se for a fazer isso, ninguém sabe...
INF1 Não.
INF2 A malta que há aí, ninguém sabe (...) .
INQ2 Pois não.
INF1 Ninguém sabe arneirar. Pois.
INF2 Ninguém sabe já como isso é feito.
INF1 Depois de o trigo todo posto lá para dentro, aquilo ficava num monte de trigo.
INQ1 Pois.
INF1 Pois. E depois pegavam...
INQ2 Quando arneiravam o que é que saía?
INF2 Saía a pedra. Uma pedra (...) grada.
INF1 (...) Ficava... (...) Dentro do arneiro, ficava a pedra e ficava o casulo do trigo.
INF2 É isso. (...)
INQ1 Ah!
INF1 (...) Chamava-lhe a gente os cachos.
INF2 É isso.
INF1 Pois.
INQ2 Ficavam também alguns bocados de trigo que não estavam?...
INF2 Pois.
INF1 Pois. Ficavam...
INQ2 Que tinham ainda o grão agarrado, não?
INF1 Ficavam, ficavam.
INF2 Tinha.
INF1 Eram os tais cachos que ficavam assim bocados de espigas de trigo, ficavam os coisos. E depois aquilo ia lá (...) para um moitão...
INF2 E depois ia lá para a outra eirada, depois para debulhar-se...
INF1 (...) E depois deitava para a outra eirada. Mas depois...
INQ2 Hã, o que era uma eirada? É o mesmo que o calcadouro?
INQ1 Calcadouro?
INF1 É o mesmo que é o calcadouro.
INQ2 Rhum-rhum.
INQ1 Ah!
INF1 Pois. É uma eirada.
INF2 É isso.
INF1 Pois. E depois disso, a gente, de ter o trigo (...) todo a monte – era um monte de trigo; depois era um monte de trigo –, e sabe o que é que as pessoas faziam? Pegavam na pá, voltavam-lhe assim em roda, passando assim com a pá em volta, faziam-lhe um risquinho, faziam-lhe outro ao meio, e depois faziam com a pá assim por aí acima, pela parte de cima faziam-lhe uma cruz.
INF2 Faziam. Afeitavam...
INF1 Assim, afeitavam, faziam-no assim. E depois pegavam na pá e em cima do monte de trigo, atanchavam-no até ao fundo.
INQ1 Ente-...
INF1 Mesmo na ponta do biquinho de trigo, atanchavam-no até ao fundo. E depois dali iam medir aquilo a dedos, já sabiam quantos alqueires dava.
INQ2 Ah!
INQ1 Ah! Sei! Que giro!
INQ2 Era a medida para saber...
INF1 Era a medida para saber (...)
INQ1 Era a medida para saber.
INF1 se dava um... Chamavam-lhe um quarteiro, ou se dava (...) trinta alqueires, ou dois quarteiros, ou dava três quarteiros ou se dava um moio de trigo.
INQ1 Sim.
INF1 Um moio de trigo era sessenta alqueires.
INQ1 Sim.
INF1 Pois.
INQ2 E o quarteiro eram vinte?
INF1 Um quarteiro eram quinze.
INQ2 Quinze alqueires.
INQ1 Quinze, pois.
INF1 Pois. São quinze alqueires.
INQ2 Portanto, um qua-, quatro quarteiros davam um moio?
INQ1 Davam um moio?
INF1 Davam um moio, pois.
INQ1 Pois. Ai que engraçado!
INF1 E era isso. E depois, pronto. Depois de estar ali metido, (...) faziam em sacos, sacos de cinco alqueires.
INQ1 Então e no campo já não trabalha?
INF Não posso trabalhar no campo.
INQ1 Ai, não pode?! Ah!
INF Não sei os anos que há, mas – não sei, não me lembra –, mas há aí uns, pelo menos, uns nove – uns nove anos deve haver – que me deu um enfarte. Estava eu para cima de Vendas Novas.
INQ1 Ah!
INF Sabe onde é Vendas Novas?
INQ1 Sei, sei.
INQ2 Sim.
INF Para cima de Vendas Novas um bocado. Aí a uns seis ou sete quilómetros.
INQ1 Oh!
INF Andava lá empilhando uma cortiça.
INQ2 Ah pois, porque o senhor também andou a tirar cortiça, não é?
INQ1 Pois.
INF Pois.
INQ2 Pois, que o senhor também já nos tinha falado.
INF (...) E então não senti de nada. Não senti. Não senti cá coisíssima nenhuma.
INQ2 Não sentiu dores nem nada?
INF Não. Não senti nada. Mas isso já está gravando?
INQ2 Está.
INF Pois, não senti dores, não senti nada. Não senti coisíssima nenhuma.
INQ2 Então e como é que sabe que teve um enfarte?
INF Depois vim de lá e o médico é que me disse que tinha sido um enfarte.
INQ2 Ah!
INF Pois.
INQ1 Mas na altura não sentiu nada?
INF Não. Não senti nada. Pois.
INQ2 Mas depois notou alguma diferença em si?
INF Depois notei. Depois andava aqui na pedreira apanhando medronho (...) e ia vender para o pomar. Ia vender?! Apanhava e depois eles iam buscar e carregavam para lá.
INQ2 Pois, pois, pois.
INQ1 Pois.
INF Pois. Medronho para fazer aguardente.
INQ1 Rhum-rhum.
INF E depois eu, foi quando eu vim a sentir. Vim a sentir, mesmo assim, que não estava bom.
INQ1 Sim.
INF Pronto.
INQ2 Pois.
INF "Pois com certeza que não estou bom"! E fui então depois alá a um hospital. Até numa sexta-feira. Numa sexta-feira ou num sábado. Na véspera de... Parece-me que foi dia dezanove (...) de Outubro.
INQ2 Rhum-rhum.
INF De Outubro? Pois, de Outubro. Começava a caça, parece-me, num domingo que era (...) a 20, parece-me que era a 20, a 20 ou a 21. E parece-me que aquilo foi no dia 19. E eu depois vou-me além ao hospital, a caminho de Beja. E até pensei: "Mas será caso que eu esteja tenha mal com tudo isso"?
INQ2 Pois.
INF Estava assim – não é? –, coiso.
INQ2 Pois.
INF "Estou assim tão mal com tudo isso "? Fui para Beja. Fui a Beja, estive em Beja, estiveram inspeccionando, vá. Outra vez lá o médico escreveu uma cartinha, entregou lá aos urgentes, lá os da ambulância, outra vez a caminho do hospital (...) de Odemira. Vim além: "Olhe, está aqui para você ficar internado. Mas nem sequer tenho cama, tenho que ir ver se encontro para ali uma cama"! E digo: "Olhe, sim senhor. Eu ficava internado da melhor vontade". Pois. "Mas tenho que ir ao monte, que a minha patroa está aqui em Odemira, porque partiu uma perna já há quatro ou cinco meses, e ainda aqui está em tratamento porque não se pode mexer por ela".
INQ1 Ah!
INQ2 Ah! Pois, pois.
INF "Mexe-se por ela, mas não pode andar, não pode fazer as coisas e então tem que estar ali... Tem que estar ali em tratamento, (...) aqui perto (...) de Odemira, está aqui (...) na terra, está aqui em tratamento ". Bom: "Está bem. Olhe, então vá-se ali por a farmácia" – aviou-me uma receitazinha – " (...) e compre estes comprimidos e tome um todos os dias". "Está bem". "Escusa de cá vir". Pronto. E foi assim que se passou.
INQ2 E nunca chegou a estar internado então?
INQ1 Não?
INF Não. (...) Isto foi uma doença... Se desse para ficar, tinha ficado logo.
INQ1 Pois.
INQ2 Pois. Pois.
INF (...) E posso viver muitos anos disto e nunca morrer disto.
INQ1 Pois, pois, pois.
INQ2 Pois, isso é verdade.
INF Pois.
INQ2 Mas tem que ter cuidado.
INF Pois tenho.
INQ2 Para não se apoquentar e coisas assim, não é?
INQ1 Pois claro.
INF Pois. É mesmo. (...)
INQ2 Também desde que ninguém o apoquente...
INQ1 Pois é.
INQ2 O senhor não se apoquenta, não é?
INF Pois. E até é tanto que às vezes, conversar muito, muito, muito, muito, muito, faz mal.
INQ2 Pois. Claro.
INF Faz-me (...) esta coisa na garganta.
INQ2 Ah, esta falta de...
INF Sim, esta tosse, vê, como este pigarro, esta coisa.
INQ2 Pois, pois.
INQ1 Rhum-rhum.
INF Vê como ainda agora estava aqui a tossir?
INQ2 Pois, pois. Eu vi.
INF (...) É de falar muito.
INQ2 É de falar muito.
INQ1 Ah!
INF Sim. Pronto, as senhoras abalaram e eu fiquei descansando, pronto, (...) já me passou mais isto.
INQ1 Já está bom.
INQ2 Pois.
INF Passou, pronto! Fiquei normal.
INQ1 Pois é.
INF1 A malta aqui pegou-se a isto, isto tornou-se numa moda. Pois.
INQ1 Pois, agora... E foi o senhor que lançou a moda?
INF1 Pois. Tornou-se... Isto torna-se numa moda, barris de cortiça para o trabalho.
INQ1 Pois.
INQ2 Pois é.
INF1 Então a malta não quer outra coisa.
INQ1 Pois. É porque também deve ser leves para levar, não é?
INF1 Pois é.
INQ1 Pois.
INF1 Nem é tanto ser leve. É a boa água que faz.
INQ1 Pois.
INQ2 Pois.
INQ1 Fica fresca.
INF2 Há sempre água fresca.
INF1 Água fresca sempre.
INQ1 Pois.
INF Pois. (...)
INQ1 E deve saber bem!
INF1 Ali tenho eu um que já me fez a água bem ruim.
INQ1 Ah sim?
INF1 Fez-me a água bem ruim. Mas ensinaram-me uma mezinha que eu não sabia.
INQ1 Ah!
INF1 Porque um não sabe tudo, muitos é que sabem tudo!
INQ1 Exacto.
INF1 Pois. (...) E é verdade. Pois. O barril fazia-me a água ruim que eu parece-me que era só (...) ter um quarto de hora de ter água, cheio de água, a água já não se podia beber. E veio aqui um gajo com uns barris para eu arranjar e outros para eu amanhar, pois, e esse é que me disse (...) o que é que era bom para aquilo. E eu pensei: "Será caso?; deixa que hei-de experimentar". Um dia pego ali no barrilinho, como faço aquilo, olhe, não lhe conto nada!
INQ2 Mas afinal o que era? Era a coisa, a cortiça que era má? Que tinha mau sabor?
INF1 Pois, é a cortiça que tem mau sabor.
INQ1 Pois.
INF1 Mete-se-lhe água dentro, toma aquele sabor logo mau, aquele sabor, aquele gosto esquisito, não é? É como a podrum.
INQ2 Pois, pois.
INF1 Pois. Toma (...) aquele gosto. (...) E os barris, o mesmo produto que dou a uns, dou a todos,
INQ2 Claro.
INF1 e uns fazerem boa água e outros não fazem!
INF2 Pois.
INQ2 Ah, pois, pois. Não há-de ser do seu...
INQ1 Pois, claro.
INF1 Pois. (...) Aquilo deve de ser (...) da cortiça.
INQ2 Da cortiça, pois.
INQ1 Pois é.
INF1 Conforme a qualidade da cortiça. Há cortiça mais fina, há cortiça mais grosseira.
INQ1 Pois.
INF1 Pois. E aquilo... (...) E deve ser disso. E este aqui, se calhar, foi disso.
INQ1 Pois foi.
INF1 Pois. Começou-me a fazer... Se for logo no princípio, faz a água boa; daí começou-me a fazer uma água esquisita. Até que eu pensei: "Deixa, que eu já te digo"! Disseram-me aquilo, oh! É sal virgem... Tosse É sal virgem. Fulano arranja uma manchinha de sal virgem, mete ali dentro da bilha, pranta-lhe uma pinguinha de água, poucochinha, vai bandeando nele, muito bem bandeandinho, muito bem bandeandinho, para um lado e para outro, vai-lhe e põe-lhe mais uma pinguinha de água, vai bandeando, bandeando muito bem o barrilinho por dentro, com aquele sal, aquilo até se vão lascando lá dentro.
INQ1 Pois.
INQ2 Pois.
INF1 Vai bandeando, vai bandeando, torna a bandear e mete-lhe mais outra pinguinha de água, quando estando grosso, bandeia um belo pouco e deita a água fora.
INQ1 Pois.
INF1 Mete-lhe mais água nova, pois, água limpa, lava tudo bem lavadinho, enche-o de água. Deixe-o estar ali um dia ou dois, que ele gosta...
INQ1 Fica bom?
INF1 Que ele gosta.
INQ2 Ai, que engraçado!
INF1 Olha que até parece mentira!
INQ2 Pois é!
INQ1 Pois, deve ser o sal, acaba por tirar alguma porcaria, alguma coisa, que te-, que esteja, não é?
INQ2 Pois.
INF1 Aquilo o sal derrete e passa pela cortiça toda.
INF2 Pois, e é...
INF1 E passa para dar um produto qualquer de bom sabor.
INQ1 Pois. Pois, deve ser.
INF1 (...) Que é isto (...) que eu quero crer que seja, talvez.
INQ1 Pois.
INQ1 E outra que se põe nas azeitonas?
INF É o tomilho. Tomilho, oregos.
INQ1 Pois.
INF Pois. (...) E dentinho de alho. Nas azeitonas é: é dentinho de alho, tomilho e oregos. E sal.
INQ1 E sal.
INF Pois. O tomilho é para fazer a azeitona rija.
INQ1 Ah!
INF Pois. Pois. (...)
INQ1 Olhe, então e isto o que é?
INQ2 Diga?
INQ1 Ia dizer?...
INF Isso é vagem.
INQ1 Rhum-rhum.
INF Vagem. Vagem de quê? É ervilha?
INQ1 Não.
INF Isso é vagem.
INQ1 E este? Isto é o que sai daqui, quando está se-?
INF Mas isso é (...) o coiso, o feijão, o bagulho.
INQ2 Rhum-rhum. É o bagulho do quê?
INF Bagulho. Bagulho do feijão. Pode ser da vagem ou pode ser do feijão verde.
INQ1 Pois.
INF Feijão verde. Feijão verde, mas acho eu... O feijão verde... Isso é que acho uma coisa mal feita. Pois. Porque o feijão verde é uma coisa, a vagem é uma coisa e o feijão é outra. Então chamam feijão verde à vagem porquê?
INQ1 Porquê? Pois.
INF Pois. Porquê isso? Se é vagem, é vagem.
INQ1 Pronto. Aqui é a vagem?
INF Pois. Aí é a vagem.
INQ1 Pois.
INF Pois.
INQ1 E nesta terra também o que se diz é a vagem?
INF É a vagem.
INQ1 Feijão verde não?
INF Não.
INQ1 Pois.
INF É a vagem.
INQ1 Olhe e uns que há assim parecidos com estes, mas vermelhinhos e que se põe na comida para ficar assim a comida?...
INF1 (...) Ai, isso é (...) a tal malagueta.
INQ2 É isso mesmo.
INF1 É mesmo malagueta.
INQ2 Fica a comida muito quê?
INF1 Muito queimosa. Ai mãe santíssima! Se eu lhe fosse contar (...) duma parte que houve uma vez com uma caldeirada sobre essa coisada!
INQ2 Então?
INQ1 Então conte lá.
INF1 Ai mãe santíssima! Uma vez fui à Venda Nova. Fomos à pesca, à barragem – à barragem de Santa Clara.
INQ1 Rhum-rhum.
INQ2 Rhum-rhum.
INF1 Lá fomos. Dois indivíduos, fui eu aqui mais o meu vizinho, e apanhámos uma grande remessa de achigãs. E depois a gente tinha muito aquele costume: vínhamos pelo um caminho, chegámos aqui à Venda Nova, deixámos ali na volta talvez (...) duns três quilos de achigãs, arranjadinhas, de salinho. Fui: "Arranja aqui que é para a gente, daqui a nada, virmos aqui comer, fazer aqui a caldeirada".
INF2 Pois.
INQ2 Desculpe.
INF1 Pegámos nas outras, trouxemos para casa. Pegámos nas outras, trouxemos para casa. Pois. Chegámos aqui, estivemos aí comendo, digo: "Bom, vou-me até à Venda Nova, que tenho lá uma caldeirinha de achigãs que deixei lá a chocar". A minha patroa disse-me, disse logo... A minha patroa disse-me: "Sim, vai, que faz-te bem! Sim. Vai. Vai que isso é bom para ti"! Mas eu, a gente, naquele tempo, quando era novo...
INQ1 Pois.
INQ2 Pois.
INF1 A gente pega na gente, fomos até lá. Mandámos arranjar a caldeirinha de achigãs, estava o Clarêncio e este que trabalha aqui (...) lá no posto, lá no coiso, lá (...) no Banco Ultramarino.
INF2 No banco.
INF1 E a esse eu chamo-lhe o Clariano da Venda Nova. E estavam por ali mais uns quantos amigos, pois. Onde estava (...) o tio Clarimundo, estava o tio Claudemiro, que era das Murtinheiras e estava (...) ali o coiso, (...) ali (...) o Claudiano do Monte Novo, o Claudianinho...
INF2 Era pouco judeu!
INF1 "Ah, vai uma caldeirada de achigãs"! Com aquelas três caldeiradas, com aqueles três quilos de achigãs, vai uma caldeirada!
INF2 Está bom!
INF1 Bom, a tia Conceição foi fazer a caldeirada: "Tio Cirilo" – que era eu... "Ó tia Conceição". "Há-de provar aqui isto a ver se isto está bom". Digo: "Olhe, por acaso tem um bocadinho de queimo mas poucochinho, pode-lhe pôr mais um bocado". "Sim senhor. Então está bem". Ela para ele não se enganar, truz!, pôs um bocado; o tio Claudino safa-se, mete outro, o Clarêncio mete outro.
INF2 Ah pois! Pronto!
INF1 Ai mãe santíssima! Bom, está bem! "Tio Cirilo, prove lá agora, que eu já pus mais um bocadinho, prove a ver se isto agora está bom". Digo: "Ai mãe santíssima! Então o que é que vomecê fez? Porque é que vomecê fez isto? Então vomecê estragou isto tudo, homem! Então isto está tudo queimoso, então quem é que dá comido isto"? Bom, mas aquilo, a gente não fez assim muito caso com a queima, fui fazendo. Tirámos aquilo ali para cima da mesa, chegámos para ali todos para comer. Ó mãe santíssima! Eles então diziam: "Sim senhor. Uma caldeirazinha tão boa mas estragaram isto com o queimo"!
INQ2 Pois.
INF1 E o Clarêncio dizia assim: "Ai! Ai tia Conceição! Está tão boa, tão boa, tão boa, tão boa, mas isto não escapa aqui nada! Bebe-se uma pinguinha atrás da comida que isto vai tudo bem"! Olhe, não lhe conto nada! Foi umas bebedeiras, mas fomos daquelas... É daquelas bebedeiras que a malta... Era daquelas bebedeiras alegres!
INQ2 Pois.
INF1 Pois. Não, a malta não dava para guerrearem uns com os outros...
INF2 Pois, essas é que é boas. Isso é tudo malta alegre .
INQ2 Pois.
INF1 Não se dava para... Dava para se divertir, a cantar os seus fados, os seus fadinhos!
INQ1 Ai, que bom!
INF1 A dizer as suas (...) ... O Claudemiro das Murtinheiras dizia as suas boas quadras (...) .
INF2 Ai isso é uma lenda!
INQ2 Que engraçado!
INF1 Aquilo foi uma noite, uma noite bem passada!
INQ2 Pois.
INF1 Ali às tantas da (...) noite, entrámos lá para dentro dum casão que lá havia, com umas mantas, com uma coisa qualquer, olhe, passámos lá o resto da noite. Risos No outro dia de manhã, levantámos, viemos embora para baixo; depois aí em baixo, vínhamos aí frescos!
INQ2 Tudo à custa da malagueta!
INQ1 Da malagueta!
INF1 Eu não tinha visto! Nunca mais comi obra daquela!
INF2 (...)
INF1 (...) Uma coisa bastante boa!
INF2 (...)
INF1 É verdade.
INF2 Oh pá, judiaram com aquilo !...
INF1 (...) Tinham 'cachamorros' (...) aqueles moços, quando pensassem que... Quando pensassem em pôr qualquer coisinha (...) assim de judiar (...) com qualquer comida, vá de malagueta. Mas no fim, naquele tempo, a gente, pronto, éramos novos e nada fazia mal à gente.
INQ2 Claro.
INF1 E aquilo até comi e no fim aquilo esteve tudo certo.
INQ1 Pois.
INQ2 Claro.
INQ1 Olhe, e estas, o senhor também disse que também havia ou que houve cá?
INF1 Isto não é... Não é a castanha?
INQ1 É.
INF1 É a castanha, é. É.
INQ1 Que vem dentro de quê?
INF1 Vem dentro do ouriço. Pois.
INQ1 Então e a árvore que dá?
INF1 É o castanheiro.
INQ1 E uma terra onde há muitos castanheiros?
INF1 É um castanhal. Pois.
INQ1 Olhe, e aqui faz-se um... Não sei se é hábito fazer uma, uma, uma festa, onde se comem muitas castanhas?
INF1 Ah! Fazem uns magustos.
INQ2 Como se chama?
INF1 Magusto.
INQ2 E em que, é...
INF1 Toda a vida tenho chamado um magusto de castanhas; outros chamam uma assada de castanhas. "Vai fazer uma assada"!
INQ1 E em que altura do ano é que fazem isso?
INF1 É pelos Santos. Pois. Dia de Todos os Santos de manhã, uma grande braseira no fogo...
INF2 É. Uma grande braseira .
INF1 Havia, nesse tempo, quando a gente estávamos na Pereira, tínhamos lá castanheiros. (...) Aqui o lavrador Cláudio que estava no pomar em Tomar era a mesma coisa. Às vezes, íamos ao bolinho, que a gente (...) ainda fomos moços de bolinho. Não sabe o que era andar ao bolinho?
INQ2 Pois.
INQ1 Não sei, não sei.
INQ2 Andar ao... Pão por Deus.
INQ1 Ai é o pão por Deus. Será?
INF1 Pois. É andar ao pão, bolinhos (...) ... A malta fazia bolinhos, faziam brindeirinhos e faziam bolinhos mesmo,
INQ1 Sim.
INF1 biscoitas.
INQ Como é que era quando, como, quando, quando vão apanhar as uvas, quando vão... E o que é que fazem depois com elas?
INF1 Então, (...) levam uma 'podadeira'. Para apanhar os cachos de uvas, levam uma tesoura. Pois.
INQ Rhum-rhum. E vão pondo esses cachos?...
INF1 E depois vão pondo os cachos (...) dentro das canastras.
INQ Não dão outro nome a essas canastras?
INF1 Não.
INQ É só canastras?
INF1 Umas canastras. É mesmo canastras.
INQ E, e depois?
INF1 Pois. Depois prantam-nas às costas e carregam (...) para dentro (...) do coiso, (...) dos baldes, (...) dos potes. Vai uns potes, vão (...) aqui os tractores. Quem diz os... Pois é os tractores que vão com umas caixas lá em cima, uns depósitos lá dentro, e despejam lá para dentro. Pois.
INQ E antigamente quando não havia tractores?
INF1 Quando não havia tractores?
INQ Sim.
INF1 Quando não havia tractores, era nas carretas e às costas. Pois.
INQ E depois levavam essas uvas para onde?
INF1 Levavam (...) para a lagariça, para o lagar. Pois, era para a lagariça mesmo. Para a lagariça.
INQ E quando chegavam lá onde é que deitavam as uvas?
INF1 (...) Deitavam dentro da lagariça; e depois de deitarem para dentro da lagariça, iam para lá uma mancheia deles. Pois.
INQ Fazer o quê?
INF1 Agarravam-se a umas cordas e toca de dançar alá dentro, partindo aquilo tudo, arregaçados até o joelho. Arregaçados até o joelho e toca a patearem. Pois. Por vezes... Pois. Era isso.
INQ Pois.
INF1 E depois aquilo...
INQ E depois?
INF1 Depois aquilo ia-se espremendo lá dentro. Aquilo estava tudo fechado lá dentro. Aquilo a lagariça estava tapada. Aquilo ia-se enchendo-se, enchia-se.
INQ Pois.
INF1 E depois deixavam-na estar. Pois. Deixavam estar, aquilo apurava tudo acima e depois começavam a tirar as 'gingalhas', os cachos, (...) aquelas impurezas, aquelas das peles, ali tudo, apurava tudo em cima.
INQ Rhum-rhum.
INF1 Três dias. Parece-me que aquilo que eram três dias. E depois de apurar três dias, abriam por baixo, e era coadinho, vá, lá para dentro das bilhas. Para dentro (...) das pipas.
INQ E estava pronto?
INF1 E estava pronto. Não estava pronto!
INQ Então?
INF2 (...)
INF1 Pois. Depois ia para dentro (...) das pipas,
INQ Pois.
INF1 e depois estava lá a cozer.
INQ Pois.
INF1 Depois (...) até pegavam num pero, punham na boca (...) do barril, na boca por cima: a pipa estava cheia, assim deitada – tinha uma boca por cima donde tinha o coiso – e pegavam num pero sadio e punham-no ali. Quem diz um pero, diz um marmelo.
INQ Rhum-rhum.
INF1 Sucessivamente uma peça qualquer.
INF2 (...) Uma fruta qualquer.
INQ Sim.
INF1 Quanto (...) mais bem cheirosa fosse, melhor. O vinho depois recebia (...) aquele gosto.
INQ Ah! Pois.
INF1 E quando o pero fosse estando podre, o vinho ia estando cozido.
INQ Ah!
INF1 Pois. Isto era (...) mais parte era um pero.
INQ Pois.
INF1 (...) A coisa mais principal. Um pero ou uma pera.
INF2 Pois.
INQ Pois.
INF1 Pois. Punham ali. Quando o pero fosse estando podre... Deixa (...) que o pero estivesse já quase podre na boca (...) da bilha, podiam ir provar o vinho, que estava bom.
INQ Rhum-rhum.
INQ1 Então e lá no lagar como é que se fazia, o que é que havia para se, para se moer a azeitona?
INF1 (...) Havia os maços (...) do coiso do...
INQ2 Há umas pedras grandes, não é, que andam a moer, ou não?
INF1 Isso, nesse tempo, não era isso!
INF2 (...)
INF1 Nesse tempo, não era isso.
INQ1 Então era como?
INF1 Era um maçarico.
INF2 Era, era.
INQ1 Ah! O que era um maçarico?
INF1 Eram maçaricos.
INF2 É.
INF1 Pois . Um balde, chamavam-lhe um maçarico.
INF2 Pois.
INQ2 Um quê?
INF1 Um maçarico.
INQ2 Mas o que é que chamavam um maçarico?
INF1 Um maçarico era uma coisa assim deste tamanho feita em madeira.
INQ1 Rhum-rhum.
INQ2 Sim. Ah!
INF1 Pois. E depois punham azeitona ali para dentro, e com uns madeiros, (...) com uns maços de pau, tal e qual como quem está batendo como batia taipa noutros tempos.
INF2 E depois pisavam.
INF1 E vá, pisando aquilo tudo, muito bem pisadinho.
INF2 Pisava-se.
INQ1 Rhum-rhum.
INF1 Pois. E depois de aquilo estar pisado, tiravam para fora e metiam dentro duma saca. Aquilo ia para dentro da saca, iam pondo para ali,
INQ1 Rhum-rhum.
INF1 para dentro da saca, (...) iam para ali, punham dentro da saca, punham um pano e punham, punham...
INF3 Não se cansam de tanto falarem, hoje?!
INF1 E depois de estar dentro duma saca – hã? –, ia para dentro (...) da lagariça.
INQ1 Rhum-rhum.
INF1 Iam para dentro da lagariça, depois tinham água quente, punham em riba da saca e o fulano lá em cima toca de patear aquilo.
INQ2 Patear com quê?
INF1 Com os pés.
INQ2 Com os pés?
INF1 Pois.
INQ1 E com água quente?
INF1 Com água quente. Água morna.
INQ1 Ah! Sim, pois.
INF1 Pois, aguentava-se bem.
INQ1 Pois.
INF1 Toca de patear aquilo. Iam pateando aquilo, aquilo ia deitando (...) água morna (...) ... Aquilo havia depois ali um grande fogo, uma grande fogueira, ali... Montavam um alguidar numa bilha e (...) essa coisa de lá ia correndo ali para dentro (...) . E com o calor, a água do alguidar começava a ferver e o azeite depois começava a sair.
INQ1 Rhum-rhum. E saía para onde?
INF1 Pois. Saía para dentro de... Como é que lhe chamam àquilo? Uma medida, era uma medida de cinco litros, ali para dentro dum balde, aquilo era um balde, uma medida de cinco litros que havia nesse tempo. Pois.
INQ1 Não davam nome nenhum a esse balde?
INF1 Não. (...) Era a medida de cinco litros. Pois. Era, pois .
INQ1 E era assim que se fazia antigamente?
INQ2 E a água, e essa água que, que vinha misturada com o azeite, para onde é que ia?
INF1 A água? (...)
INQ2 Aquela água quente?
INF1 Corria. Corria para fora.
INQ2 E chamavam-lhe o quê, essa água? Tinha algum nome?
INF1 (...) Aquilo era... Como é que chamavam ao nome da água?
INF2 Água-ruça.
INF1 Era. Era justamente água-ruça.
INQ1 Rhum-rhum.
INF1 Era água-ruça.
INQ2 Água-ruça.
INF1 Pois.
INQ2 Que giro!
INF1 Era água-ruça que corria para fora.
INQ2 Pois, essa maneira nem nunca tinha ouvido contar.
INQ1 Pois.
INF1 É. Era assim que faziam azeite noutro tempo.
INF2 Pois era.
INQ1 Pois.
INF1 E dava . O meu pai, que Deus tem, fez tanto azeite desse nas sarnadas!
INQ1 Ai sim?
INF2 Era .
INF1 Pois. Tinha lá umas oliveiras. Fazia aí cem litros, duzentos litros, trezentos litros de azeite.
INQ1 Rhum-rhum.
INF1 Nesse tempo! (...) Era no tempo... Hã, txi, pois!
INF2 (...)
INF1 (...) E ali era todo pisado a maço.
INQ2 Pois, pois.
INQ1 Pois.
INF1 Ora agora hoje é que usam umas mós,
INQ2 É.
INF1 nesses lagares, usam umas mós e as mós
INQ1 Sim.
INF1 vão correndo ali em cima da azeitona, vão correndo, vão correndo, vão correndo, e aquilo depois tem uma coisa para abrir, aquilo a azeitona vai saindo – a azeitona pisada vai saindo para fora.
INF2 Pois, agora (...) ...
INQ1 Pois.
INF1 Pois. E depois vai (...) ser 'encapachada'.
INF2 Agora fazem tudo à mó.
INQ1 Pois.
INF1 E depois é 'encapachada' e depois vai para a prensa.
INQ1 Pois.
INF1 E depois da prensa é que dali cai e passa então por essas bilhas que estão a ferver,
INQ1 Pois.
INF1 essas bilhas quentes e por lá depois é que passa e depois é que começa a correr para dentro (...) dum alguidar grande,
INQ1 Pois.
INF1 dum alguidar que há ali de cobre (...) ou de zinco. Alguidares fortes!
INQ1 Como é que tira a cortiça?
INF1 A gente racha a cortiça.
INQ2 Rhum-rhum.
INF1 Pois. A gente chegamos ao pé duma sobreira... Primeiramente, (...) as cortiças, ainda hoje (...) se vierem pessoas fazer, calhando, a maior parte delas não sabem.
INQ1 Rhum.
INF1 Tira-se um trinco à cortiça. E é ali que a gente vê: a cortiça tem que ter nove anos. Ter nove ou ter dez, não é?
INQ2 Pois.
INF1 Se a gente tira com dez, pois... A cortiça está ali, como é que a gente sabe se ela tem nove, se tem dez?
INQ2 Pois.
INF1 Ou se tem onze? Pois não. Tiramos um trinquinho à cortiça (...) ... Temos uma faquinha afiadinha, vamos ali e cortamos na cortiça. Pois. E depois de cortar na cortiça... Aquilo a cortiça tem... Se tem dez anos, tem dez linhas; se tem onze anos, tem onze linhas. Pois.
INQ2 É assim que conhecem.
INF1 Pois. E a gente vai ali e às vezes aquilo não descobre bem, está a compreender? Se a gente não se descobre bem, a gente molha assim o dedo e esfregamos assim na cortiça. Hum?
INQ2 Rhum-rhum.
INF1 Pronto. Depois ali olhamos-lhe. Depois ali já contamos: uma, duas, três, quatro, cinco, seis, sete, oito, nove. Já contamos dez linhas, ou nove linhas.
INQ2 Pois.
INF1 Pois. Já tem nove linhas. Já se tira.
INQ1 Pois.
INF1 Pois. Agora não. Agora prantam aí um cinco, ou prantam um quatro, ou prantam um três, conforme é, conforme a era, pronto. "Olha, é duma era de mil novecentas e tantas"!
INF2 Mas é só os que andam por aí (...) .
INQ2 Pois.
INF1 E eu: "Olha, (...) tem tantos anos"! Pronto, é só chegar ao pé e tirar.
INQ2 Tirar, pois.
INF1 Não tem ciência nenhuma, aquilo! De agora não tem ciência!
INQ2 Claro.
INF1 Quando chegarem ao pé duma sobreira...
INF2 Pois.
INF1 Pronto, um vai ali! O que tinha ciência era às vezes ter que contar as linhas.
INQ2 Pois.
INF1 Que a gente às vezes malhávamos-se ali um belo pouco a contar as linhas.
INF2 Pois.
INF1 E eles então fazem o seguinte agora: marcam logo as sobreiras (...) que é para não (...) ter esse empate, não ter...
INF2 Hoje (...) . Pois.
INQ2 Pois.
INF1 Ser uma coisa... Gastam o dinheiro logo, o que haviam de... O tempo que os homens estavam ali à espera (...) contando aquilo... Agora não. Agora enfiam-lhe a coisa e pronto.
INQ2 Põem a data, pronto. Põem a era.
INF1 Põem a data e tiram. Pois.
INQ2 Pois.
INF1 (...) Naquele tempo era assim tudo.
INQ1 Então...
INQ1 E depois como é que tirava?
INF1 Depois tirava-se. Depois a gente rachava. (...) Ao meio da sobreira, fazíamos um redondo em roda da sobreira.
INQ1 Rhum-rhum.
INF1 Com o machado, íamos ali cortando, fazíamos em roda. Depois de ter, cortávamos para baixo em três ou quatro pranchas, não é?
INQ2 Rhum-rhum.
INF1 Arredávamo-las. Depois deixávamos uma da parte da frente – na parte da frente não se tirava – e rachávamos por aí acima outra vez. Pois. Rachávamos por aí acima e abríamo-la. E essa que ficava da parte da frente ficava ali. Pois. Abríamos aquela (...) para os lados, metíamos ali uns bocadinhos de cortiça dum lado, outros bocadinhos de cortiça do outro. Quando a gente éramos sozinhos, íamos lá para cima depois, fazíamos o corte lá por cima nas pernadas, cortávamos as pernadas, fazíamos os cortes como havia de ser, empurrávamos (...) as pernadas para o chão, outras também do outro lado, e depois chegávamos ali ao pé do pé... Às vezes estava uma pessoa cá por baixo. Quase sempre. E depois logo o resto aquilo saía tudo que era uma beleza! E essa folha que ficava ali na frente, que era para a gente subir para cima.
INQ2 Ah!
INQ1 Era para ajudar à?...
INF1 Pois, era para a gente subir. (...) E hoje não. E hoje vão aí ao pé duma sobreira e levam uma escada.
INQ2 Pois, pois, pois.
INF2 Pois, hoje já não.
INQ2 Então e essa, essa da parte da frente era a última a tirar?
INF1 Era a última a tirar.
INQ2 Pois.
INF1 Era a última a sair.
INQ2 Pois. Exactamente.
INF1 Pois.
INQ1 E depois o que é que faziam à cortiça que, que saía cá para fora?
INF1 Depois a cortiça, andavam lá os ajuntadores.
INQ2 Rhum-rhum.
INF1 (...) A gente era só marchar de sobreira em sobreira.
INQ1 Ah!
INQ2 Pois.
INF1 Ver onde é que ela estava.
INQ2 Pois, pois.
INQ1 E os ajuntadores, que é que faziam?
INQ1 Que é que faziam?
INF1 Os ajuntadores iam lá, ajuntavam-no com uma corda. Traziam uma saca assim por cima da cabeça, ao feitio de barrete.
INQ2 Rhum-rhum.
INF1 Pois, ao fim duma saca – feitio de barrete –, enfiavam uma saca na...
INQ1 Sim, sim.
INF1 Pegavam numa saca na cabeça e tinham uma corda com um 'cãimbro', um pau, assim uma coisa.
INF3 Um garrocho.
INQ1 Um pau de bico.
INF1 Um garrocho, pois. Tinha uma ponta cá por cima, depois estendiam a corda no chão, punham ali as folhas ali em cima, ali (...) conforme às vezes podiam... Levavam um feixe de quatro, cinco arrobas, conforme, às vezes. Outras vezes levavam duas. Aquilo era conforme a cortiça que lá estivesse. Levavam as cordas, levavam para o roleiro.
INQ1 Para o 'rodeleiro'?
INF1 (...) Para os roleiros.
INQ2 Para o roleiro.
INQ1 Ah, para o roleiro!
INF1 Faziam roleiros.
INQ2 Rhum-rhum.
INF1 Faziam roleiros de cortiça, quer dizer, juntavam um moitão na barraquinha, era um roleiro de cortiça. Pois.
INQ2 Rhum-rhum.
INQ1 Não havia nada a que chamassem uma burra?
INF1 Então isso uma burra era para a limpeza.
INQ1 Para a limpeza?
INF1 Para a limpeza (...)
INQ1 Era o quê?
INF1 é que usavam uma burra.
INQ2 E que era o quê?
INF1 Uma burra chamavam eles um pau com umas forcas que encostavam assim à sobreira (...) com umas caleiras. Sim.
INQ1 Pois.
INF1 Pois. Era uma burra.
INQ1 E para que é que servia?
INF1 Era para subirem.
INQ1 Ah!
INF1 Para subir para cima das sobreiras. Certas sobreiras levavam uma burra.
INF2 Pois.
INF1 Pois.
INQ2 Pois.
INQ1 Está bem.
INF1 Pois. Iam às sobreiras, quando faziam a limpeza às sobreiras, (...) cortavam... Faziam a limpeza das sobreiras, caíam as pernadas para o chão. Depois iam homens atrás. Pois. Isto era para (...) ter sido a explicação ainda agora quando foi a limpeza.
INQ1 Pois.
INQ2 Pois.
INF1 Pois. (...) Iam uns homens atrás, cortando aquilo a tudo traços pequenos, assim grandes, assim deste tamanho, pois, (...) desses restos de sobreiras que ficavam das árvores, que a limpeza caía para o chão.
INQ2 Pois.
INF1 E depois esses paus que aproveitavam, iam lá homens às cargas. Faziam cargas aqui em cima dos ombros, aí com quatro, cinco arrobas, aqui em cima dos ombros, aqui assim, paus cruzados aqui assim em cima .
INF3 Com paus cruzados assim carregou o meu pai tantos .
INF1 Ali, levavam ali uma quantidade grande em riba dos ombros! Iam, iam, depois chegavam a um certo sítio, chamavam-lhe para fazer um forno.
INQ2 Rhum!
INF1 Punham assim tudo em lenha, tudo aqui assim tudo em volta: eu levava um moitão, punha aqui;
INF2 Pois.
INF1 aquele vinha buscar outro moitão, punha além. E depois a gente tínhamos as machadas bem afiadinhas e então arranjávamos ali uns cavaletes – também chamava-lhe também uma burra;
INQ2 Rhum-rhum.
INF1 pois, também era uma burra –, ali assim para restolhar os paus em cima para a gente cortar e tirar à falca. Tirávamos à falca.
INQ2 Ah!
INF1 Púnhamos a lenha descascada para um lado, (...) e a falca ia seguindo, ia seguindo para o meio do monte, (...) para o meio (...) do forno. Indo ali em volta, púnhamos a lenha em forma, à volta, e (...) os paus iam todos (...) para a lenha... A de falca ia toda para ali. Depois vinha, era enredada, depois vendia-se...
INQ1 Enredada era metida dentro de redes?
INQ2 Metida dentro de redes?
INF1 De redes. Pois.
INF3 Parecia até um novelo.
INF1 E depois fazia-se aqueles novelos grandões de redes.
INQ2 E essas coisas o que, chamavam alguma coisa a esses?...
INF1 Era redes de corda.
INQ2 Não. Esses, essas boca-, essas partes?...
INF3 Chamavam-lhe novelo.
INQ1 Novelo?
INQ2 Novelo? Essas partes atadas com essa corda?
INF1 Não. (...) Era redes, mesmo redes. Não tinha cá novelos. Não era novelos, não.
INQ2 Pois.
INF1 Era redes. Pois. E depois das redes, ali aquilo ali vinham os compradores, levavam. E essa depois, a gente... Essa dita madeira que ficava ao lado, que a gente ficava descascada – hã? –, com a cortiça tirada e com uma parte da casca (...) e pois coiso .
INQ1 Pois.
INF1 E depois isso era tudo enfornado. Pois. Era enfornado. Depois íamos apanhar mato, outras vezes, fetos – fetos (...) que há aí assim (...) no campo, fetos – e fazíamos uma camada e tapávamos aquilo tudo. E depois cavávamos a terra à roda dos fornos – hum? –, e com pás. Pás. Cavávamos com sachos – como esse que está aí – e as enxadas de puxar a terra, e aquilo depois... (...) Depois eram terrados. Fazíamos-lhe quatro ouvidos cada forno, acarreávamos umas pedras, arrimávamos assim, aqui pedras compridas, assim ainda deste tamanho, conforme, três ou quatro pedras, ou duas, assim deste tamanho e depois abalávamos dali, abalava dali aterrado o forno. Sempre. Por aí afora, ia indo, ia indo, ia indo, e aquilo ficava... E depois deixávamos-lhe uma porta, ao forno. Assim a uma distância alta do chão, assim, vá lá, mais coisa assim, deixávamos ali a porta do forno. Depois levava até ali uns torrões.
INQ2 Rhum-rhum.
INF1 Pois. E depois aquele forno, dali terrava-se tudo até acima, ficava tudo tapado, até se fazia assim um carrapito para cima, de terra. Aquilo ficava ali com uma grossura aí de meio metro.
INQ2 Rhum-rhum.
INF1 Tudo. E ficava lá dentro. E depois largava-lhe fogo.
INQ2 Pois.
INQ1 Por onde é que largava fogo?
INF1 Largava fogo por essa porta.
INQ2 Pela porta.
INF1 Lá punha-se lá fogo, aquilo depois ele começava a arder; estando ardido, estando bem, bem, bem alado lá dentro, fechava-se aquela porta com terra outra vez, metia-se-lhe mato, tapava-se com terra e depois dali é que começava a tomar fôlego (...) por os ouvidos – que era os ouvidos que estavam pela parte da rés do chão.
INQ2 Rhum-rhum.
INF1 Ia indo, ia indo, ia indo, ia ardendo, ia ardendo, ia ardendo, ia ardendo, ia ardendo, ia ardendo, ia ardendo, quando deixasse de fazer fumo, que estivesse abatido, ficava cozido.
INF2 Estava tudo ...
INQ2 Ficava pronto.
INF2 Pois.
INF1 Ficava cozido, depois (...) tirávamos-lhe os ouvidos, tapava-se-lhe o fogo aos os fornos e estavam ali dois ou três dias. Depois tirávamos-lhe uma camada de terra de cima do forno, uma camada de terra para fora, espalhada – até havia essa tal, a tal encinho que estava aí que era em madeira, que era para puxar isso para fora.
INQ2 Sim.
INF1 Depois disso tudo feito, agarrava-se numas enxadas, pois, e umas pás, com aquele pó que tinha (...) do forno, ia-se abrindo. O carvão, o forno todo em roda, ali em fogo vivo, ali como é que aquilo estava. Pois. E vá. E depois (...) chamava-se (...) o tal empoar. Primeiramente era alagar: tirando-lhe tudo de cima era alagar. Pois.
INQ1 Portanto, tiravam tudo de cima e aquilo caía?
INQ2 Pois.
INF1 Pois. Não. (...) Ficava aquele moitão ali
INQ1 O moitãozito?
INF1 cozido. Ficava ali cozido.
INQ1 Ah, pois.
INF1 Ficava ali cozido debaixo da terra.
INQ1 E alagar era tirar o, tirar a terra?...
INF1 Pois. (...) Tiravam-lhe a terra de cima.
INQ2 Pois.
INF1 Pois. E depois com a enxada, fulano agarrava aqui assim, com a enxada, e vinha abrindo, abrindo tudo em volta, tudo em volta e espalhando o carvão para cá. Tudo.
INQ2 Rhum-rhum.
INF1 E depois com terra, tapava-se com terra outra vez. Isso então era empoar.
INQ1 Rhum-rhum.
INF1 Pois. Acabava-se de empoar o forno, pegava-se num ramo (...) , numa vassoura de mato, esfregava-se todo muito bem por cima, muito bem esfregadinho, tapava-se os fôlegos todos àquilo, quando vinham ao fim de três ou quatro dias (...) não tinha lume nenhum.
INQ1 Lume nenhum.
INF1 Depois ali era (...) então com a enxada tirar e era com (...)
INQ2 Ancinho.
INF1 o tal encinho a puxar o carvão para fora.
INF2 Pois.
INQ2 Pois.
INF1 Pois. É assim. (...) O carvão que aparece aí feito às vezes, que aparece aí a vender, é tudo feito assim.
INQ1 Pois.
INQ2 Pois.
INQ Como é que se faz a taipa?
INF Então, a taipa. Ora, como é que se faz a taipa? A taipa faz-se com terra.
INQ Com qualquer terra?
INF Não. Isso sendo com qualquer terra, mas assim próprio, próprio propriamente não é com qualquer terra.
INQ Rhum.
INF Com aquela terra barrenta, terra barrenta, mesmo terra barrenta, que essa é que é a terra de taipa. Como essa que está aí nessa terra aí, essa é terra de taipa.
INQ Esta, por exemplo, aqui?
INF Sim. Essa é terra de taipa. Há uma terra (...) mais negra, essa já não é terra de taipa.
INQ E depois como é que construíam com aquilo?
INF Como é que construíam? Então faziam: chegavam (...) num bocado de terreno. Diziam assim : "Vamos aqui fazer umas casas"! Pois. Abriam uns caboucos aí na volta de meio metro e depois enchiam de pedra e barro. (...) Cavavam uns bocados de barro, um bocado de terra, ali assim num moitão, escolhiam-lhe as pedras, e depois faziam uma cova ali ao meio, deitavam-lhe uma gota de água ali para dentro e começavam a amassar com uma enxada. Pois, amassavam aquilo muito bem, tal e qual como quem amassa aí cal ou areia, pois, como quem amassa aí areia para o cimento. É a mesma coisa. E depois de aquilo estar amassado, carregavam então para o pé donde esses (...) tinham os caboucos abertos, para o pé (...) do pedreiro, pois. E tinham lá pedras. Carregavam pedras nas carroças, nas carretas de bois .
INQ1 Mas pedras grandes?
INF Pois, pedras grandes e metiam ali em volta, grandes e pequenas, aquilo era tudo em volta. Metiam ali tudo. E depois começavam (...) a encher os caboucos, a encher, a encher, a encher; aquilo era tudo alinhado com uns fios, com uns prumos, aquilo era tudo alinhado. Pois. E depois até havia umas réguas também. E depois aprumavam aquilo ali assim, que aquilo estando aprumado, aquilo quando tendo (...) talvez uns cinco ou dez centímetros de fora da terra, assim (...) do limite do chão,
INQ1 Sim, sim.
INF afirmavam então depois a taipa. Mas a taipa, depois a terra era cavada e passada toda aos cavaletes. Ficava toda passada aos cavaletes. E depois regavam, iam regando. Iam regando nela com um regador, regando, regando, e depois iam passar nela outra vez com uma enxada – quando a terra estivesse passada, não estivesse mole; estivesse passada, sim, que estivesse passada.
INQ2 Rhum-rhum.
INF Depois armavam então, acareavam dois taipais, um, dois taipais. Acareavam... Cada taipal tinha uma agulha. Pois. Essas agulhas tinham uma tarraxa. Pois.
INQ1 Uma agulha, quer dizer, um género dum parafuso, é?
INF Pois. Chamam-lhe (...) uma agulha.
INQ1 Pois, pois.
INF Quer dizer, uma agulha...
INQ1 Está bem, está bem.
INF Chamam-lhe uma agulha mas (...) é um pau comprido.
INQ1 Ah!
INQ2 Rhum-rhum.
INF1 Pois.
INQ1 Mas de madeira então?
INF1 Era de madeira.
INQ1 Rhã-rhã.
INF Pois. Nesse tempo era de madeira. De madeira... E aqui assim tinha um buraco e aqui tinha outro. Pronto. Se a parede era com meio metro, (...) tinha aqui um buraco e aqui tinha outro. E depois havia uma – chamava-lhe a gente uma tarraxa.
INQ1 Rhum-rhum.
INF Metia ali assim e havia depois (...) as mestres das tarraxas que metia aqui assim... Metiam?! Armavam, punham os taipais aqui em cima.
INQ1 Rhum.
INF Pois. Dois taipais: um dum lado, outro doutro. Punham aqui um, punham aqui outro. Armavam em cima dos caboucos. E depois de estar armado em cima dos caboucos – hã? –, tinham aqui as agulhas, estavam aqui as agulhas, estavam assim, metiam um taipal aqui.
INQ1 Pois.
INF1 Aquilo (...) era de metro a metro, os taipais. Era só de metro a metro.
INQ1 Rhum-rhum.
INQ2 Rhum-rhum.
INF1 Pois. Conforme armavam aquilo ali, tinham umas cordas depois por cima para atar as mestras, (...) o coiso, chamavam-lhe as mestras, metiam ali assim, faziam força àquilo, apertavam aquilo e pronto! E depois tinham também um frontal para meter dum lado. Dum lado não tinha frontal nenhum, mas doutro lado tinha um frontal, que era do lado que ficava sempre do lado de fora.
INQ1 Pois.
INF Pois. E depois como tinha o frontal, metiam o frontal assim (...) da parte de... Se seguiam para o lado direito, punham o frontal do lado direito; se saíam para o lado esquerdo, punham o frontal do lado esquerdo.
INQ1 Rhum-rhum.
INF1 Pois. E depois punham ali assim e depois havia uns malhos. Uns malhos. Uns malhos de pau, assim 'lajos',
INQ1 Rhum-rhum. Sim.
INF grandes. Pois. Assim um ponto, assim como este livro.
INQ1 Assim como este livro?
INF Pois, assim como este livro. E os malhos eram assim.
INQ1 Rhum-rhum.
INF Pois. Assim. Um bocado assim bicudinhos, assim o coiso, e vá, punham-se lá dois, dois homens lá dentro.
INQ1 Dentro mesmo desses taipais?
INF (...) Dentro desses taipais. E outro a carregar terra com umas alcofa. Com uma alcofa. Um... Quem diz um, diz dois, conforme. Conforme a lonjura que era: se fosse perto, um sozinho dava a conta; e (...) se fosse mais longe, dois, carregavam dois. Já eram quatro: dois a bater lá dentro e os outros dois coiso. E vá. Batendo ali dentro nos taipais. (...) Era como essas paredes que estão aí; ou é como àquela que está além.
INQ2 Pois, pois, pois.
INF Pois. Batendo além, toca de bater. Hã? Quando aquilo estando batido, então armavam os taipais, tiravam as agulhas... Tiravam uma só.
INF Antigamente semeava-se o linho, a linhaça. A linhaça. Semeava-se a linhaça, depois dava o linho e depois era apanhado aos molhinhos e depois de estar aos molhinhos, nós levávamos para um lago, que era um... Água. Um lago de água, não é? Depois estava...
INQ1 No quê? Numa ribeira?
INF Sim, numa ribeira. Estava lá – parece-me que eram oito dias ou mais –, depois ia-se lá, tirava-se o linho aos molhinhos e punha-se a enxugar. Depois de estar enxuto – não é? –, havia (...) uma coisa (...) um serreiro , uma coisa para a gente gramar – chamava-se gramar o linho: fazia-se assim (...) ...
INQ2 E essa, e essa coisa como é que se chamava?
INF Era um... Ai, como é que se chamava? Não me lembra o nome disso. Não me lembra agora .
INQ1 Não era uma coisa com que se batia primeiro?
INF Não. (...) Pois, o linho era (...) malhado. Malhado. Aquilo era malhado com um malho e depois é que ia para esse sedeiro – é um sedeiro, parece que é um sedeiro, que fazem assim –, depois daí é que se fazia a estopa e o linho para se fiar.
INQ1 Rhum-rhum.
INF Para se fiar. (...) Para fiarem.
INQ1 Pois, pois.
INF E depois é que ia (...) para as tecelagens, para a família tecer, que era para fazer o pano, (...) para colchões, para lençóis, para camisas, para essas coisas todas.
INQ2 Pois.
INF Pois é.
INQ1 Pois.
INF Era fiado. Isso era fiado.
INQ1 Pois, pois.
INF Tinha que se fiar. Fiava-se o linho. Fiava-se o linho e depois... Minha avó...
INQ1 Mas a senhora nunca fiou?
INF Eu não. Mas ela, aqui a vizinha, sabe fiar.
INQ2 Pois é.
INQ1 Claro.
INF A vizinha sabe.
INQ2 Pois é.
INF E tem uma roca.
INQ1 Pois.
INQ2 Pois.
INF Tanto que quando fizeram este ano aqui uma exposição, (...) aqui nas Amoreiras, ela levou ali as coisas dela.
INQ1 Pois, pois.
INF Ela tem uma dobadoira, que aquilo depois era feito em meadas, e essas coisas todas.
INQ1 Exactamente.
INF Então as senhoras são 'daonde'?
INQ1 De Lisboa.
INQ2 De Lisboa.
INF Ah, de Lisboa! Ah!
INQ1 Mas fazemos este trabalho em todo o país.
INF Olhe...
INQ1 E agora calhou aqui assim neste sítio.
INF Sim. (...) Eu sou uma pessoa que sou analfabeta. E já publiquei dois livrinhos.
INQ1 Pois, já sei. Já nos... E também já nos disseram.
INF (...) Tenho este prazer. E há uma coisa que tenho um grande desgosto e gostava de não morrer sem (...) ir realizar este sonho: era ir à televisão dizer poesia.
INQ1 Ah, pois! Isso era muito...
INF Mas é assim.
INQ1 Nunca...
INF E eu como não sei ler, não...
INQ1 Não, mas isso não tem nada. Isso...
INF Não tenho comunicações nenhumas com pessoa nenhuma, estou sozinha.
INQ1 Pois.
INQ2 Pois.
INF Assim não... E então não sei se (...) ...
INQ1 Pois.
INF Eu mandei um livrinho lá para o senhor Marco Paulo, mas não sei se ele o recebeu, se não. Não sei.
INQ1 Ah, pois.
INF Gostava de ir ao programa dele.
INQ2 Pois.
INQ1 Pois.
INF Que ele também é um rapaz do campo e isso.
INQ1 Claro.
INF Mas não tenho direcção, não tenho nada.
INQ1 Mas escreveu para a televisão, para?...
INF Não, não. Não escrevi.
INQ1 Então?
INF Mandei por mãos porque não sabia a...
INQ1 Porque havia... Mas havia alguém conhecido dele ou não?
INF Havia um senhor que fornece o armazém do meu filho,
INQ1 Rhum-rhum.
INF e que tem uma irmã que 'veve' lá perto dele.
INQ1 Ah!
INF Mas não me soube dar a direcção nem nada.
INQ1 Pois.
INQ2 Rhã-rhã. Pois é.
INF Pois é assim.
INQ1 Pois, mas mandando para a televisão para o programa dele...
INQ2 Mande para a televisão.
INF Sim.
INQ2 Pois.
INQ1 Directamente para a televisão e para o programa dele, eu acho que era capaz de conseguir lá ir.
INQ2 Pois. Pois.
INF Pois.
INQ1 E isso eu acho que era muito interessante!
INQ2 Pois.
INF Pois, eu gostava de ir. Gostava, pois, eu...
INQ1 Olhe, e como é que escreve o?... Como é que então?... Quem é que escreve os seus livros?
INF Quer dizer, eu (...) faço a poesia. E depois há uma menina, que eu vou...
INQ1 E, e mete na cabeça?
INF Sim. Vou ditando e a menina vai escrevendo.
INQ1 Ah!
INF E vou ajuntando. E quando assim que já tinha que desse, e eu mandava para o rádio. Para o rádio: o rádio (.../NPR) , o rádio Lagoa. E depois houve um poeta do Algoz,
INQ1 Sim, sim.
INF que é o Manel Américo dos Santos, ouviu a minha poesia e depois (...) eu fui lá fazer entrevistas – duas entrevistas lá ao rádio – (...) e depois o senhor disse que eu que era bonito fazer um livrinho,
INQ1 Pois.
INF para deixar para memória, porque era uma pessoa analfabeta, e era uma pessoa da terra, nascida da terra,
INQ1 Claro.
INF e que, enfim, e que era bonito. E então eu, nessa altura, pus assim ideias de fazer o livro. Mas pensei: "Não posso porque não tenho ajudas, nem tenho posses para isso"! E depois houve... O senhor disse-me: "Olhe, vá, peça ajudas às juntas de freguesia, que eles ajudam! Que eles ajudam"!
INQ1 Pois, e à câmara.
INF Mas ajudaram poucachinho. E eu ali naquela altura, pensei assim: "Eu, calhando, dou feito ". Mas fui pedir mas não aceitavam. Diziam que me davam... Aquilo a edição era aí (...) uns trezentos contos. E então eu não podia. E depois eu fiquei com pena – davam-me pouco – fiquei com pena de não publicar o livro.
INQ1 Rhum-rhum.
INF E então nessa altura, esse poeta ouvia a minha poesia e gostava (...) e ofereceu-se a passar à máquina para ir para o editor.
INQ1 Pois, pois, pois.
INF E então arranjava a poesia aqui no Algarve, em Algoz e – ali em Lagoa –, e eu ele depois mandava para Lisboa. Em Lisboa é que era arranjado.
INQ1 Ah!
INF Pois. E então foi assim. E eu,
INQ1 Sim senhora.
INF naquela altura que eu...
INQ1 Mas depois vendeu os seus livros?
INF Sim. Olhe, desses tenho só para aí dezasseis livros. Mil livros que eu fiz! Tenho dezasseis.
INQ1 Ah, está a ver!
INF O mais vendi tudo. E agora fiz outros mil.
INQ1 Pois.
INF Foi a publicação agora dia 18, minha senhora. Mas eu naquela fase que eu pensava que havia de fazer o livro... Tinha ideias. Pus ideias (...)
INQ1 Claro.
INF que dava, assim como o senhor dizia que dava feito; e depois vi. Aquilo voltou-se, o dinheiro era pouco, (...)
INQ1 Pois.
INF não conseguia, estava triste, sentia-me triste.
INQ1 Claro.
INF Mas depois o meu marido disse assim: "Olha, tu já que tens tanta pena, e eu já agora, também tenho pena já de não fazeres... Olha, a gente põe um... Eu pranto um tanto da minha algibeira, que é a mesma que a tua, mas já faz falta
INQ1 Pois.
INF cá para o nosso governo da vida, pronto, e dá-se de entrada"... E o senhor depois deu-me três meses para a gente vender o livro para pagar o livrinho. Foi.
INQ1 Ah, pois.
INQ2 Ah, pronto!
INF Mas nessa altura que eu estava assim triste, que não dava feito o livro, que eu supus que não dava, tinha posto ideias que o fazia, e depois já tinha posto ideias que não fazia, senti-me triste.
INQ1 Claro.
INF Eu fiz assim... Vocês é que não têm vagar também, não é?
INQ1 Não, não. A gente ouve.
INF Eu fiz assim: "Todas as árvores do campo eu gostava de pintar para prantar o meu livro quando eu o publicar. Porque as árvores, coitadinhas, choram a sua solidão, e eu também ando a chorar a dor do meu coração. Que a poesia anda esquecida, não há dinheiro nesta nação, e é por isso que ando a chorar a dor do meu coração. Foi poesia que eu ditei, escrita por outra mão, e é por isso que ando a chorar a dor do meu coração. Peço a Deus que me dê sorte para ver o livro na mão que é para nunca mais chorar as penas do coração".
INQ1 Ai tão bonito! É lindo!
INF E eu fiz assim. Gostei muito.
INQ1 É muito bonito!
INF Pois.
INQ2 Pois.
INF E é assim.
INQ1 Sim senhor.
INF E então olha, agora fiz este livrinho, tenho ido vendendo, mas também não...
INQ1 Pois. E a senhora vende aqui? Tem aqui para vender?
INF Tenho, tenho.
INQ1 Ah, depois gostava de levar um.
INF Pois. Pois, então eu vendo.
INQ1 Está bem. Sim senhor.
INF Eu (...) vendo assim um aqui, outro além, outro aqui, outro além, e eu mandei vender (...) .
INQ1 Claro. Olhe e nunca pôs nas câmaras para venderem? Eles não compraram uma quantidade deles ou assim, não?
INF Não, não compraram. Agora...
INQ1 Porque às vezes as câmaras compram.
INF Pois, às vezes compram, mas não.
INQ1 Quer dizer, às vezes as câmaras também não têm falta de dinheiro, mas...
INF Pois. Eles disseram que talvez me dessem uma ajudazinha, que eu tenho, para pagar o livro, tenho este tempo até ao fim do mês. Se eu pagar até ao fim do mês, fazem-me um descontozinho no livro (...) e não entra o IVA.
INQ1 Pois, pois, pois.
INF Pois. E então eu estou a ver se dou cabo ...
INQ1 Claro.
INQ2 Se consegue. Pois.
INF Mesmo se eu não conseguir o meu filho ajuda-me.
INQ1 Pois.
INF Tenho um filho lá em Almada, em coiso, (...) na Quinta do Conde e tenho outro aqui comigo.
INQ1 Pois.
INF Eles ajudam-me.
INF A gente escolhe sempre um bocadinho de terra mais quente, mais quente, mais direita para semear o linho. E deixa-se assim junto e o linho ali nasce (...) e vai-se criando, faz-se forte – porque a terra é logo boa para isso –, e depois quando vindo aí, que ele dando em estar assim amarelinho, amarelo, apanha-se. Apanha-se, faz-se logo aos molhinhos, logo aos molhinhos. E depois dos molhinhos, (...) leva-se para o lago, que é para a água. Põe-se na água, deixa-se estar nove dias de água; e depois quando vindo findo os nove dias de água, está assim podre. A gente tira-o, (...) espalha-o assim na terra para ele enxugar; e depois quando estando enxuto, vai ser (...) gramado, assim com uma grama, que é uma coisa assim, ao jeito do martelo, vai-se assim, pisando assim que é para se gramar, e vai-se tirando aquelas coisas, aquelas paus que tem. Só fica (...) assim a estopa. (...) O linho. Só fica o linho. Aqueles paus saem e fica o linho, que é mesmo...
INQ Esses paus têm algum nome, ou não?
INF (...) É os paus do linho. Não têm, não têm. Não, não têm.
INQ Rhum-rhum.
INF É os paus que vão dali; só se aproveita o linho, pronto! Esses paus jogam-se, pronto!
INQ Chama-se a fibra a isso que se aproveita?
INF Sim, a isso que aproveita é a fibra, é o linho. Pois. E depois daí, a gente, aquilo fica assim comprido, a gente tem um sedeiro – que é uma tábua com muitos bicos assim, que é pregos – e a gente passa com o linho ali por cima e vai deixando a estopa atrás, que é... E fica só o linho que é assim uma coisa, só uns fiozinhos, só uns fios, só quase que fios. E então, a gente ali depois fia aquilo que é o linho, faz umas linhas muito fininhas, muito fininhas, (...) e a estopa já é mais grosso, que é para os sacos. O linho (...) é para fazer o pano de linho, e a estopa (...) que sai dali, que é mais grossa, é para fazer os sacos, o pano dos sacos. (...) E depois dali, a gente fia, consoante a gente pode, não é, vai-se fiando.
INQ Em quê?
INF Numa roca.
INQ Rhum-rhum.
INF Eu tenho ali roca, tenho fuso, tenho tudo. Até tenho já ido a muitos sítios fiar, a muitas festas. (...) E então fia-se, e depois aquilo de estar fiado, fica numa maçaroca ali assim (...) no fuso, depois tira-se, vai ao sarilho, é sarilhado, muito bem sarilhado, e depois fica em meada, põe-se... Vai a cozer: coze-se com cinza (...) e água, tudo...
INQ Aonde?
INF Ao lume. Num tacho grande ou num caldeiro grande.
INQ Rhum-rhum.
INF Coze-se ali as meadas que a gente quiser, cozem-se ali com cinza e água. E depois de estarem cozidas, deixa-se para no outro dia, ficam ali naquela água com cinza, ali assim a cozer, cinza, lenha de azinho, que é (...) lenha boa. Depois no outro dia (...) vai-se à ribeira, lava-se muito bem, muito bem, muito bem, põem-se a corar, vai-se no outro dia, dá-se outra voltinha, e vai-se corando assim, vão-se corando e vão-se molhando e vão-se corando, ficam branquinhas. Depois dali, vai, torna-se a meter na dobadoira outra vez. Torna-se a ir (...) para a dobadoira (...) e vai-se fazendo em novelos que é para ir para a tecedeira.
INF Nesse tempo, tinha tinham um machado de meia tora – eram uns machadões. Pesavam, sei cá, talvez aí uns três ou quatro quilos cada um.
INQ Tchii!
INF Pois eram. Uns machadões grandes! Um machado de meia tora eram machadões assim, que aquilo, meu belo amigo, ali a gente dando ali quatro ou cinco ripadas numa sobreira por baixo, ou mais – mais, eram mais –, mas aquilo (...) era menos de nada que uma árvore caía.
INQ Rhum-rhum.
INF E depois era tudo caído. E depois de cair essa árvore, havia uns serrotes.
INQ Como é que eram os serrotes?
INF Os serrotes, eram uns serrotes grandes aí de metro e meio, metro e meio, um metro e vinte cinco, dessa comprimenta.
INQ Para duas pessoas ou para uma pessoa só?
INF Para duas pessoas. Pois.
INQ Pois.
INF E como era para duas pessoas, depois uma parte tinha o cabo assim para cima, e doutra parte tinha o cabo atravessado. Pois. Até ali detrás está um. Não sei se vomecê já viu...
INQ Portanto, e era assim?
INF Não. Era assim.
INQ Ah!
INF Pois. Serrava-se... Duas pessoas. Era à parelha, pois. E aquilo tinha que ser em passo certo. Aquilo não era para toda a gente serrar.
INQ Pois.
INF Se não fosse uma pessoa que... Se não soubesse serrar, dava cabo dos braços do outro.
INQ Pois.
INF Pois, que aquilo fazia cansar. Pois. E sendo pessoa...
INQ Devia ser...
INF E sendo uma pessoa que soubesse – hã? –, sabia serrar e serrava aquilo. Oh! Ainda serrei muito com aquilo.
INQ Rhum-rhum.
INF E sobreiras que às vezes... Então no ano do ciclone, quando veio o ciclone, então eu sei cá as sobreiras que eu cortei mais outros! Para fazerem carvão.
INQ Pois.
INF Pois. Azinheiras, sobreiras. Isso foi um destroço de sobreiras que houve (...) nesse ano!
INQ Rhum!
INF Pois.
INQ1 O senhor também andou com gado?
INF Também. Também andei com gado, andei. Andei com bois, andei com vacas, andei com bezerrinhos pequenos. Andei (...) com esses animaizinhos todos. Pois.
INQ1 Pois.
INF Mas aquilo tem (...) ... Sim, quer dizer que (...) durante o Inverno, eles iam para a arramada, tratavam-se deles à mão, pois, retraçava-se-lhe de cevada, caldeava-se com palha num 'retraçadouro', pois, e a gente chamava-se uma arramada. Fazia-se lá o...
INQ1 Esse é ao pé de casa, não é?
INF Pois, era mesmo ao pé de casa. Ao pé de casa?! Era dentro de casa, vamos assim.
INQ1 Rhum-rhum.
INF Pois. As arramadas são (...) ao pé de casa e outras até são pegadas às casas, portanto, uma casinha à parte, que é as arramadas.
INQ1 Rhum-rhum.
INQ2 Para que gado?
INF Pois. Era para bois (...) , bois e vacas. Pois. E então a gente, quer dizer que quando viesse aí era... Elas iam para o trabalho, e do trabalho... Das arramadas iam para o bebedoiro, (...) iam beber; e (...) depois de beber, iam (...) para a lavoura. Iam fazer alqueive, fazer sementeira, essas coisas todas. Pois, como fosse... Conforme fosse o tempo. E depois cevava-se e vinham para a arramada. Dava-se-lhe água e vinham para a arramada. Fulano depois durante a noite, (...) à noite, pois (...) chegavam aí (...) já sol posto de todo quando chegavam às arramadas, nesse tempo, pois, depois a gente pegávamos, tínhamos lá já comida retraçada dentro (...) das tais gorpelhas, caldeadas com palha, hã?
INQ1 E onde é que punham para elas comerem?
INF Pois. Dentro das manjedoiras. Por exemplo, começávamos-lhe a prantar dentro das manjedoiras, começávamos a tratá-las às posturas. Não enchíamos a manjedoira. Deitávamos agora uma postura a uma, outra postura a outra, outra postura a outra, e assim fazíamos isso tudo. Pois. E elas iam comendo, iam comendo, iam comendo, iam comendo, iam comendo, iam comendo... Deixavam de comer, a gente deixava de lhe dar. Pois. Deitavam-se, descansavam, pronto! A gente estávamos mais um pouco ao pé do fogo, íamos para a tarimba que tínhamos lá na arramada.
INQ1 Pois.
INF No outro dia levantávamos, fazíamos... Era (...) com o mesmo estilo, com a mesma coisa. Pois.
INQ1 Pois.
INF Toca a retraçar cevada e caldear com palha e dar-lhe para eles comerem. Pois. E ainda tinha mais outra: quando a gente íamos para a lavoura, hum? Isto era na sementeira – na sementeira e no alqueive, mas principalmente mais na (...) sementeira –, lá ia (...) umas cevadeiras, feitas em saca,
INQ1 Ah!
INF com palha dentro e cevada em rama, e cevada debulhada e às vezes até um punhado de farelos, que havia que a gente tirava-lhe das cozeduras. Misturava-se isso tudo, e depois ao meio-dia davam-se-lhe aquilo. (...) Quando a gente ia ao jantar,
INQ1 Rhum-rhum.
INF comer ao meio-dia, pusémos o gado a descansar e vá, enfiámos aquilo (...) ali no focinho (...) dos animais e...
INQ2 Mas é como se fosse uma alcofa?
INF Pois. Era uma cevadeira, mesmo era como se fosse mesmo uma saca. Uma saca, meia saca só, cheia de palha e cevada, e o gado comia aquilo tudo, comia, comia, comia, comia, porque o gado não havia de ir para lá de manhã e estar a comer até à noite sem nada.
INQ2 Claro.
INQ1 Pois claro.
INF Pois. E assim comiam aquilo, ficavam tratados.
INQ1 Pois.
INQ2 Pois.
INQ1 Olhe e na arramada onde é que punham a água para ela beber?
INF Não. Eles não bebiam na arramada.
INQ1 Não?
INF Não.
INQ1 Ah!
INF Não. Só bebiam à noite quando iam para a arramada e saltavam de manhã e iam beber quando saltavam da arramada. (...) Iam beber (...) aos poços – o coiso de beber eram os masseirões. Havia uns masseirões, umas pias feitas em madeira.
INQ1 Rhum-rhum.
INF Pois. Que eles faziam (...) umas pias muito compridas, não é? Pois. E outros bebiam nuns tanques – havia tanques. Faziam um tanque, e mesmo um tanque no chão.
INQ1 Rhum-rhum.
INF Pois. Faziam tanques e então o gado ia beber nesses tanques.
INQ2 Então e esse masseirão onde é que estava?
INF O masseirão estava (...) ao pé de poços.
INQ1 Ah pois.
INF Onde havia poços que tinham água...
INQ2 Portanto, tirava-se a água do poço, deitava-se...
INF Tirava-se-lhe a água do poço com o caldeirão. Pois. Era mesmo um caldeirão. Nesse tempo era um caldeirão, não era um balde. Era um caldeirão. Tirava-se do caldeirão para dentro dos baldes, os bois iam bebendo, iam bebendo, iam bebendo...
INQ2 Do masseirão?
INF Pois, do masseirão...
INQ2 Punha-se dentro...
INF (...) Quando eles deixassem de beber, a gente deixava de tirar água. Pronto.
INQ2 Pois.
INF Pegávamos neles e íamos embora.
INQ1 Pronto. Sim senhor.
INF Pois.
INQ1 Olhe, já agora tratava de tudo deste gado. Olhe, elas comem, comem, comem e depois...
INF Remoem. Pois. Começam a remoer, a remoer, a remoer. Isso é durante a noite.
INQ2 Pois.
INF Depois de comerem, remoem durante a noite. E durante o dia, (...) da parte da manhã, remoem... Até mesmo, andam trabalhando, também, às vezes, andam trabalhando e andam remoendo. Pois.
INQ1 Elas comem, a comida vai para aonde?
INF Vai para o bucho. Pois. E do bucho...
INQ1 Ficam com aquela grande?...
INF Pois. E do bucho volta outra vez à boca. Olhe que aquilo (...) está uma coisa! É um destino mas dos tais, hã?! Pois, e depois engolem outra vez!
INQ1 Outra vez!
INF Pois. Vai para o bucho e depois vem outra vez (...) à boca.
INQ1 Pois. Olhe, e a porcaria delas, que nome é que se dá? Aquela que se leva depois para as eiras para?...
INF Então é a bosta. É a bosta de rês.
INQ1 E aquele sítio onde vão juntando a bosta e que depois, depois tiram, d-, das arramadas, tiram a bosta para fora para um sítio onde vão juntando?...
INF Então isso chama-se (...) o moitão de estrume. Pois. É o monte de estrume.
INQ1 ...
INF É o monte de estrume.
INQ2 Estrume ou esterco? Como é que se chamava antigamente?
INF Era um moitão.
INQ2 De esterco ou de estrume?
INF De estrume. Esterco não. Isso esterco (...) é coisa mais... (...) Isso a coisa do esterco (...) já vai para a parte do porco.
INQ2 Ah! Está!
INF Pois. Isso já é esterco.
INQ2 Rhum-rhum.
INF E para a parte (...) do animal que é o boi e a vaca, (...) já é estrume.
INQ1 Pois. E portanto dizia: "vai-se tirar daqui a, a bosta para levar para o moitão"?
INF Pois. (...) Pois, para levar para o moitão. Pois.
INQ1 Então tem que o senhor explicar como é que se, como é que se fazem as 'feses'.
INF Então, as peles... Depois, as 'feles' é assim: a gente vai buscar, e trazemos as peles dentro duma tigela – aquilo vem dentro duma tigela –, depois acarreia-se um bocadinho de farinha de trigo, mistura-se com essas peles, (...) dentro duma bilha e mexe-se muito bem mexidinho – é mesmo assim, é ou não é? É –, muito bem mexidinho, aquilo vai-se mexendo, vai-se mexendo... Quando vendo que aquilo que está bom, está assim um bocadinho macio, está macio ou que esteja um bocadinho já mais duro,
INQ1 Pois.
INF tiram-se para fora.
INQ1 Ai, deve ser bom!
INF Pois. Tira-se para fora... Aquilo também apura depois (...) um bocadinho (...) de manteiga.
INQ1 Pois.
INF Puseram manteiga de cabra. Também apura um bocadinho, também se tira esse bocadinho de manteiga (...) para as 'feses' (...) não ficarem tão gordas...
INQ1 Tão gordas!
INF E é assim que se faz as 'feses'.
INQ1 Rhum!
INF Pois. Aquilo leva farinha de trigo, e leva (...) dentro duma bilha ao fogo.
INQ2 Pois. Deve ser bom!
INF Pois. Põe-se ali aquilo tudo, e vai... É bom!
INQ2 Depois come-se quê? À colher?
INF Pois.
INQ2 Põe-se nalguma coisa?
INF (...) Põe-se em cima dum bocadinho de pão.
INQ2 Ah!
INF Pois. Aquilo serve de conduto para o pão. Mas são muito boas!
INQ2 Deve ser óptimo!
INF Há quem faça muito bem! A minha patroa sabe fazer aquilo muito bem!
INQ1 Como é que se fazia a manteiga?
INF Então a manteiga, tirava-se da parte de... Quando fosse juntamente às 'feses'. Pois. Outras vezes, logo derretia-se aquilo primeiro e depois (...) punha-se a farinha, e tirava-se-lhe ali um bocadinho da gordura – que aquilo depois ficava muito engordurada – para não ficar tão engordurada engordurado .
INQ1 Pois. Pronto. E, portanto, a outra coisa que se faz, que o senhor já disse, é o queijo.
INF É o queijo. Pois.
INQ2 Como é que se faz o queijo?
INQ1 E sabe como é que se faz?
INF Então o queijo... Há quem coza o queijo, ou coiso, quem coza o leite.
INQ2 O leite.
INF Pois. E depois de o leite cozido, prantam-lhe um bocadinho (...) de cardo. Pois. Depois de cardo, o queijo coalha. O leite coalha, digamos assim, o leite coalha. E depois (...) metemos os cinchos. Os cinchos.
INQ2 Os quê?
INF Os cinchos.
INQ1 Os cinchos.
INF Para fazer os queijos. Depois o fulano pega num acinchozinho e vai lá onde é que o leite está coalhado e vai metendo dentro do cincho.
INQ1 Rhum-rhum.
INF Vai metendo, vai apertando – que aquilo o cincho é uma coisa redondinha, hã?!
INQ2 Rhum-rhum.
INQ1 Pois.
INF Uma coisa comparada a isto que está aqui, à boquinha só deste coisinho preto.
INQ2 Pois, pois.
INF E depois vão enchendo aquilo. Está a compreender?
INQ2 Com quê?
INF Com a mão.
INQ2 Não. Mas o que é que põem dentro do cincho?
INF Que é que põem dentro? Põem aquela massa do queijo, do leite.
INQ2 Como é que se chama essa massa? Tem algum nome?
INF Então é a massa do (...) ... É a massa do leite, pronto. É mesmo massa do leite que fazem. Põem aquela massa adentro (...) do cincho e vão apertando, vão apertando, vão apertando, vão apertando, vão...
INQ2 E o que é que vai saindo? Quando vão apertando?
INF (...) Salta dali o almece. Pois é daí que depois que é o almece.
INQ1 Rhum-rhum.
INF Pois até...
INQ2 Mas aquilo que sai chamam-lhe logo o almece?
INF É logo o almece. Pois.
INQ2 Rhum.
INF Sai dali, vão apertando, vão apertando, vão apertando aquilo, depois quando aquilo estando apertado, prantam ali. Está ali um dia ou dois, depois agarram nesse cinchinho, tiram para fora, e pronto, fica o queijo completo. (...)
INQ1 E onde é que põem?...
INF E até lhe põem também umas pedrinhas de sal depois por cima (...) para ele ficar mais saboroso, para ele não ficar, não se estragar, não é?
INQ1 Pois, pois.
INF Pois.
INQ2 Olhe, e o, o coiso, o cardo serve de quê?
INF O cardo? O cardo é para coalhar o leite.
INQ2 Nunca lhe chamam coalho?
INF Não. Coalho, não. É para coalhar.
INQ1 Para coalhar.
INF Pronto. É para coalhar. E já está coalhado.
INQ2 E nunca chamam àquela... Diga.
INF Já está coalhado. Mesmo ele coalha.
INQ2 Nunca chamam àquela massa do, que tem o cardo, numca lhe chamam a coalhada?
INF (...) Então isso (...) a coalhada é (...) essa coisa que fica ao fim. É quando fazem o requeijão. É a coalhada (...) do coiso, do leite.
INQ2 Ah!
INF Coalhada. Pois é a coalhada.
INQ1 Portanto, a, aquela coisa que se põe no cincho, isso não é a coalhada?
INF Não. (...) É a coalhada porque é o leite coalhado. Pois. Não lhe chamam coalhada; é coalhado. Pois.
INQ2 Rhum-rhum.
INF Pois.
INQ1 E, portanto, onde é que punham o, o cincho para, para ficarem a escorrer?
INQ2 Para irem escorrer.
INF Punham em cima (...) dum caniço.
INQ2 Havia assim uma coisa...
INQ1 Uma coisa assim...
INF Um caniço. Um caniço.
INQ2 Não, um caniço era depois para, para secar um bocadinho mais.
INF Pois. (...) Então põem em cima (...) duma mesa, ou (...) dum plástico, uma coisa qualquer que está há ali.
INQ2 Pois.
INQ1 Não usavam uma coisa assim inclinada?
INQ2 Que depois ia escorrer lá...
INQ1 Para ir escorrendo o almece?
INF Não.
INQ1 Não?
INF Não tem. Não tem. Não tem...
INQ1 Aqui não há?
INF Não, aquilo era ali em cima duma coisa qualquer, duma mesa, ou às vezes até duma cortiça, vamos assim. Havia cortiças direitas . Punham aquilo ali, pronto! Ali estava em qualquer sítio. Aquilo nesse tempo... Havia pouco nesse tempo. Pois.
INQ2 Pois.
INF Hoje é que há muito mais.
INQ1 Pois.
INF Pois. Mas nesse tempo havia pouco. Mas era deste género assim.
INQ1 E, portanto... E com o almece faziam alguma coisa?
INF Com o almece não.
INQ1 Não faziam nada?
INF Não. O almece... O que se fazia? Bebia-se às vezes. Migava-se umas sopas e quem gostava daquilo ainda comia, e quem não comia dava aos animais. Dava aos cães.
INQ1 E de... Chamavam alguma coisa a essa coisa com as sopas, ou não?
INF Não.
INQ1 Com o pão?
INF Não. (...) Pois era dali que depois (...) aproveitavam no fim (...) do almece... Pois, que ficava aquela água do almece, dali do queijo,
INQ1 Sim.
INF depois aproveitavam ali assim – hã? –, (...) coavam aquilo, e depois destilavam e faziam então o que chamavam então o requeijão.
INQ1 Ah! Faziam, portanto.
INF Pois. Faziam um requeijão, uma coisa, uma bolinha assim do tamanho de um punho, que podia dar aí uma coisinha assim. Era o resto que sobejava e chamavam-lhe então o requeijão.
INQ1 Quando se vai buscar o porco para matar, é o dia de quê?
INF O ró vai-se buscar ao chiqueiro. É o dia da matação. Pois. Vamos lá matar o porco. "Olha, hoje é dia de matação"! Pois.
INQ1 E chamam uma pessoa especial para matar o porco?
INF Pois chamam.
INQ1 Que é o quê?
INF É o matador.
INQ1 Então, e depois o que é que lhe fazem ao porco?
INF O que é que fazem ao porco? Então depois fazem...
INQ1 Como é que se mata o porco? O que é que se faz a seguir?
INF Então matam o porco, (...) tiram-lhe o sangue, aparam para dentro dum... Naquele tempo, era (...) com um colherão. Arranjavam um colherão de pau (...) de urze, faziam um colherão grande, iam mexendo o sangue. Mexiam, mexiam, mexiam, mexiam, mexiam, mexiam, mexiam...
INQ1 E punham lá dentro alguma coisa?
INF Não. Não punham nada.
INQ1 Nada.
INF Nada.
INQ1 Só mexer.
INF Só mexer. Não punham nada. Pois. Hoje é que põem umas 'confecções': põem um sal, põem um pingo de vinagre e mexem. (...) E até nem sequer é preciso mexer, só bandeando duma banda para a outra, aquilo deixem aquilo naquilo, (...) não coalha.
INQ1 Não coalha.
INF Não coalha. E agora é... E naquele tempo era: mexiam, iam mexendo, mexendo
INQ2 Com pau de urze?
INF (...) , mexendo dentro da panela. Mexiam, mexiam o sangue dentro da panela. Mexiam, mexiam dentro dum coiso . Pois. Mexiam, mexiam, mexiam, mexiam, mexiam, era até o sangue arrefecer.
INQ1 Rhum-rhum.
INF Ainda agora uma pessoa para ali bailava com aquilo. Pois. Era assim que usavam. E depois (...) foram descobrindo, foram descobrindo coisas, foram descobrindo coisas... Agora hoje já é: matam aí um porco, aparam-lhe o sangue, prantam-lhe para ali uma mancheia de sal ali para dentro,
INQ1 Pronto.
INF pronto! Vão bandeando nele, bandeando no sangue... (...) Acabou-se de bandear o sangue ali um pouco, podem-no deixar que já não coalha.
INQ1 Não coalha?
INF Pois.
INQ1 Então e depois o que é que se fazia ao porco?
INF Que é que se fazia ao porco? Então depois cortavam-no.
INQ1 Não, mas antes.
INF Antes? (...) Então antes desmanchavam-no.
INQ2 Não, aquilo para limpar.
INQ1 Para limpar o porco, por fora?
INF Ah, por fora?
INQ1 Sim.
INF Então era raspado. Chamava-se raspar.
INQ1 Com quê?
INF Primeiramente apanhavam-se carqueijas. Ia-se aí ao mato, apanhava-se um feixe de carqueijas ou dois e trazia-se. E depois era chamuscar. "Vamos lá chamuscar o porco"!
INQ1 Pois.
INF Pois. Eles até nem sequer diziam chamuscar, diziam afoguear. "Vamos lá afoguear aqui o porco"!
INF Depois raspavam aquilo tudo.
INQ E depois?
INF (...) Depois de aquilo estar tudo raspadinho, era muito bem lavado, depois era debuchado.
INQ Mas não o deixavam um bocado? Não o penduravam?
INF Não. Não penduravam.
INQ Nunca? Aqui não era hábito?
INF (...) Não se pendurava nada! Aquilo ali (...) era acabar de matar, raspá-lo, afogueá-lo, (...) buchá-lo. Buchavam as tripas ali para dentro, tiravam as tripas para dentro dum alguidar , logo ali uma mulher ou duas a desmanchar as tripas... Acabavam de desmanchar as tripas, pegavam no porco... Umas vezes partiam-no à metade do meio, punham lá em cima das bancas... E deixavam-no estar. Pois. Depois no outro dia – aquilo já tenro, já a carne já estava toda fresquinha, bem fresquinha – é que pulava lá um homenzinho ou dois, começavam, chamava-se desmanchar. Desmanchavam o porco. Depois de o porco estar todo desmanchado, as banhas eram para fritar. E estavam ali as mulheres que picavam a carne que era para as linguiças, a carne que era para as chouriças. Pois. (...) Nesse dia que se desmanchava o porco, (...) à noite faziam as chouriças. Picavam as carnes das linguiças, nesse dia também faziam a conserva. Ficavam ali três dias na conserva. Depois desse dia, (...) desses três dias na conserva, faziam então as chouriças, as linguiças. Penduravam depois: arranjavam uns varais, penduravam ao fumeiro e vá fogo por baixo, assim um bocadinho longe. Aquilo iam corando, iam corando, iam corando, que essas é que eram saborosas!
INQ Ui! Essas é que eram!
INF Essas é que eram saborosas!
INQ Pois.
INF Pois.
INQ1 Como é o zango?
INF O zango?
INQ1 Sim.
INF Então o zango é filho da colmeia na mesma. Mas, portanto, é um bichinho maior. Pois. E então só durante o...
INQ1 Mas anda misturado com as abelhas?
INF Anda misturado, anda.
INQ1 Então é capaz de ser esse o macho?
INF O zango?
INQ1 Sim.
INF Pois, com certeza.
INQ1 Anda misturado com as abelhas?
INF Anda misturado com as abelhas, anda.
INQ1 Pronto.
INF E só num certo tempo.
INQ1 Sim.
INF Só no Verão. Depois aquilo quer dizer que elas deitam, elas sacodem-nos todos.
INQ1 Pois. Então...
INF (...) Durante a criação, (...) nasce o zango. Nasce a abelha (...) e nasce o zango. Em mais que vem aí um certo tempo aí no Verão, desaparece tudo.
INQ1 Pois.
INF E depois agora, se forem ver aí a uma colmeia, não tem lá zango nenhum.
INQ1 Pois, pois.
INF Só tem lá abelhas.
INQ1 Pois. Não, mas eu estava a falar numa outra que tem umas risquinhas no corpo. É parecida, muito parecida com a abelha mas não faz mel. E que dá também uma, uma picada, que dói imenso?
INF Isso é a vespa. É verdade. Eu, as abelhas, não as ver!
INQ1 Pois.
INF Que sofro... Tenho sofrido poucachinho!
INQ1 Ai é?
INQ2 Ai é?
INF Faz-me uma alergia muito grande no corpo.
INQ1 Ah!
INF Fazem-me uma alergia que... Mesmo à morte.
INQ1 Rhum-rhum.
INF Eu até me evito às vezes, no Verão, de andar aí por fora
INQ1 Para não ser muito...
INF (...) para não ser apoquentado por aqueles bichos. Pois.
INQ1 Pois. Olhe e muitas abelhas juntas é um quê?
INF Um enxame.
INQ1 E onde é que elas vivem?
INF Elas vivem (...) no cortiço. Num cortiço, feito de cortiça. Pois.
INQ1 Pois.
INF (...) Chamam... Pois, chama-se-lhe um cortiço. Que ainda fiz alguns!
INQ1 Pois. Também...
INF Ainda fiz alguns cortiços.
INQ1 Claro.
INF Mas não foram para mim.
INQ1 Não?
INF Pois.
INQ1 Nunca criou abelhas?
INF Nunca criei abelhas. Mas gostava daquilo.
INQ1 Ah sim?
INF Mas desde o momento que me deram a fazer mal,
INQ1 Pois claro.
INF larguei-as da mão.
INQ1 Onde é que elas põem o mel?
INF (...) Nos casulos, nas setas. Põem nas setas. Depois em essas setas é nos casulos. Pois. E é ali que elas (...) põem o mel. Põem. Primeiramente, aquilo fazem o seguinte: acarreiam o tarro, acarreiam o mel. O mel vão para um lado e o tarro vai para outro.
INQ1 O que é o tarro?
INF O tarro... Quer dizer, o tarro é uma coisa amarela, que ele é um produto que elas acarreiam, que elas trazem também.
INQ1 Sim.
INF E nesse tarro depois prantam uma ova. Não sei se é a mestra que faz isso.
INQ1 Sim.
INF Se calhar (...) é a mestra que vai lá pôr a ova.
INQ1 Sim.
INF Pois. Aquilo fazem setas grandes. Setas grandes, tudo tapado em tarro. E até (...) cada uma coisinha dessas leva lá uma varejazinha. Pois. Leva lá uma varejazinha e depois tapam. E depois (...) com a continuação do tempo , aquilo vai estando ali, vai estando, vai estando, vai estando ali... Está ali muito tempo, e depois de estar ali, pelo menos, – não sei o tempo que é, que aquilo depois já é no Verão, no Verão, em Maio... Pois, quando elas depois já começam a enxamear, aquilo sai antes. Aquilo depois gera-se dali as abelhas nesse tarro. E no mel não.
INQ1 Pois.
INF O mel é só para elas comerem depois... Comerem... Sim, que é para elas comerem, para se elas ministrarem.
INQ1 E o mel está nessas setas que o senhor disse?
INF Está nas setas, pois. (...) Está dentro dos casulos. Pois. Está nas setas.
INQ2 Aquela... Casulos é aquelas coisinhas assim, aqueles buraquinhos todos?
INF Pois, aquelas coisas, aqueles buraquinhos pequeninos. Tudo aquilo são casulos.
INQ1 Pois. Rhum-rhum.
INQ Olhe, e depois para tirar o mel, é preciso, quê?...
INF Espremer.
INQ E esse trabalho de tirar o mel, como é que se chama?
INF Como é que se chama? (...) Chama-se crestar uma colmeia.
INQ E com que é que se crestava?
INF Crestava-se aquilo... Olhe, aquilo naquele tempo, fulano ia lá onde é que ela estava, fazia ali um fogo com uma mancheia de ramas de esteva e dava-lhe fumo ali por baixo – hã? –, e elas apanhavam ali uma mancheia de fumo. Depois voltávamos assim a soprar pelo buraco, pusemos assim um cortiço – hã? –, um (...) sem nada por cima e outro por baixo, toca a bater: truz, truz, truz, truz, truz, truz, truz, truz, truz, truz, truz, truz, truz! Batíamos ali um pouco assim, elas começavam a sair, hã?
INQ Pois.
INF Começavam a sair, entravam para dentro do cortiço, não tinha nada... E sempre ficavam depois umas abelhinhas ali, mas, (...) com o fumo, já ficavam bêbedas (...) já não picavam.
INQ Já não faziam mal.
INF Pronto! E depois pegávamos naquilo, (...) levávamos aquilo às costas para o monte, lá da malhada.
INQ Ah!
INF Depois de malhar a colmeia, pois levávamos para o monte. Chegávamos lá ao monte, tirávamos-lhe o tampo, desconchávamos de lado, levávamos para ali um alguidar, com um ramo (...) de mato, para sacudir as setas, para não levar abelhas. E pondo ali aquilo um bocadinho, depois é que levávamos para lá e depois era espremido à mão.
INQ Pois.
INF Nesse tempo era espremido à mão. A gente agarrava na mão, espremíamos ali aquilo assim, tudo muito bem, com uma seta, enrolávamo-la ali com força e íamos espremendo, espremendo, espremendo, espremendo. Esprememos o mel ali para dentro duma bilha – até era para cima dum joeiro; e desse joeiro é que era para baixo, para dentro do coiso. Depois, desse joeiro depois, quando aquilo estando espremido com mais tempo, punha-se dentro duma peneira. A peneira era muito mais fininha,
INQ Rhum-rhum.
INF e então era dali que o mel que (...) ia para baixo.
INQ Rhum-rhum.
INF Pois. E depois de aquilo tudo feito, tudo espremido, a cera era escaldada, faziam-se rebolos de cera... Pois. E essa cera até servia para (...) , depois, ir para os sapateiros.
INQ Ah!
INF (...) Depois punham aquilo, essa cera, em cima dum (...) fogo, numa telha, e aquilo corria para baixo. E aquilo depois fazia aquela cera amarelinha que era para os sapateiros pisgarem as linhas para coserem o o cabedal.
INQ Rhum-rhum.
INF Pois. (...) E depois essa água que ficava dessa cera escaldada que fazia-se os rebolos, com água escaldada...
INQ Rhum-rhum.
INF Nessa cera, a gente punha água lá dentro, desmanchávamos os rebolos da cera, pois, dessa que a gente tínhamos espremido, tudo a bocadinhos. E depois dessa água que ficava punha-se ao fogo dentro dum tacho – dessa água que ficava depois punha-se ao fogo dentro dum tacho –, era donde se (...) fabricava então a tal dita água mel.
INQ Ah, pois!
INF Pois. E depois essa água mel comia-se com pão e até servia para mezinha – e serve ainda para mezinha: fulano quando estando muito constipado,
INQ Sim.
INF às vezes dá constipações, em lugar de beber um chá de ferrugem, não bebe um chá de ferrugem. Vai ali pega numa gotinha daquela água mel, despeja ali dentro duma caneca, ou com uma gota de água além ao fogo fervendo, bota-lhe ali uma pinguinha ali para dentro, mexe aquilo bem, que aquilo fica ali bem preto, mete-se debaixo das mantas, bebe aquilo assim quentinho...
INQ No dia seguinte está, está bom!
INF (...) No outro dia já está mais diferente!
INQ1 Olhe, mas disse: em vez de fazer um chá de quê?
INF De água mel.
INQ1 Não.
INQ2 Não.
INF Chá de ferrugem.
INQ2 E o que é ferrugem?
INQ1 Ai, o chá de ferrugem!
INF Ferrugem (...) é do fumo
INQ2 Da chaminé?
INF da chaminé ou do fogo – esse fumo do fogo, das ramas de esteva, (...)
INQ2 Sim, sim.
INF de lenha que a gente queima. E então vai ficando aquilo no telhado.
INQ2 Sim.
INQ1 Rhum-rhum.
INF Pois, noutro tempo, não. Eu, nesse tempo, não sei onde é que usavam uma chaminé?!
INQ2 Pois.
INF Nem sequer um chupão!
INQ1 Pois.
INF Não era nada! E então o fumo saltava dali e ia ficar assim no telhado, nessas coisas aí assim;
INQ2 Pois, pois, pois.
INF ficava aí assim por cima, e depois a gente ia lá, com uma coisinha raspávamos aquilo para dentro duma bilhazinha qualquer e depois enrolávamos aquilo assim num trapo; fazíamos uma bola de um trapo, metíamos ali dentro (...) duma tigelinha, com água quente que despejávamos ali para dentro, aquilo a água ficava preta. Era isso é que era o chazinho de ferrugem. (...)
INQ1 E fazia bem?
INF E bebíamos isso (...) que era para livrar (...) das constipações – pois, pois –,
INQ2 Ah!
INF das pneumonias, coisas assim!
INQ1 Pois.
INF Pois. E o chá de ferrugem cortava, atalhava isso tudo, esses males. E evitava isso. E era o que se fazia. Aí no campo, era isso:
INQ2 Pois, pois.
INF chás de ferrugem. E então (...) bebia os chás de ferrugem. Mas dei-me em sentir melhor com o chá de água mel!
INQ1 Isso é porque devia ser mais docinho!
INF Quando estando constipadinho, a minha patroa arreda logo comigo. Diz-me logo assim: "Ah, já tu vais fazer o chá, depois vais apanhar aí frio"! Eu digo: "Não, deixa lá fazer que eu faço à minha vontade"!
INQ1 Pois.
INQ2 Mas é, mas...
INF Faço um chazinho, faço dois, faço três e paro. Pronto.
INQ1 Pois.
INF Aquilo (...) começa a limpar, começa a limpar, começa a limpar...
INQ1 E esse chá de ferrugem não deve saber bem, pois não?
INF Não, aquilo amarga. Amarga.
INQ1 Sempre é melhor fazer do de água mel!
INF Pois é! Pois. Risos Pois, o de água mel é doce!
INQ1 É doce!
INF O de água mel é doce!
INQ2 Pois é.
INQ Era costume, a pessoa que vendia e a pessoa que comprava, irem beber um copo, ou beber qualquer coisa para?...
INF Era. Era, sim senhor. Era.
INQ E chamavam alguma coisa a isso? "Olha, vamos"...
INF "Então vamos beber um copo", pois.
INQ Não, não era "Vamos beber um alborgue"?...
INF Não, não, não, não, não, não.
INQ Aqui esse não...
INF "Vamos lá aqui beber um copo".
INQ Pois.
INF Pois.
INQ E quem é que pagava normalmente?
INF Quem pagava era (...) quem vendia o gado.
INQ Quem vendia.
INF Pois. Quem comprava não. Pois. "Anda lá, vou-te pagar um copo".
INQ Pois.
INF "'Comprastes-me' o meu gado".
INQ Pois.
INF Pois. E marchavam, bebiam o copo e...
INQ Pronto.
INF Pois. Ou um copo de vinho ou um copo de... Era quase sempre era vinho. Nesse tempo era... Não havia cerveja. Pois. Havia já a tal dita aguardente. Isso, a aguardente é mesmo muito velha! Havia aguardente (...) e havia o vinho. Pois.
INQ Pois.
INF Quanto ao resto, (...) era a bebida principal era o vinho.
INQ Pois.
INQ1 Para cortar, depois quando acaba de meter aí e precisa cortar é c-, é com o quê?
INF É (...) com a tesoura.
INQ1 Com a tesoura.
INF É uma tesoura. Pois. Chama-se uma tesoura. Chama-se uma 'podadeira'.
INQ1 Ah!
INF Pois. Mas a gente emprega-lhe o nome tesoura. Pois, agora, agora é que puxam (...) uma 'podadeira', uma 'podadeira', uma 'podadeira'. Isso uma 'podadeira' é uma tesoura.
INQ2 Mas é aquelas tesouras como se usa para podar?
INF É, é mesmo...
INQ2 Para podar as...
INF É. É isto.
INQ2 As parreiras e isso.
INF Está aqui tudo. Eu tenho essas ferramentas. Só não tenho... É isto.
INQ2 Ah, pois, pois.
INQ1 Pois.
INF Isto é esta tesoura.
INQ2 Está bem, uma tesoura de podar.
INQ1 Uma tesoura.
INF Pois, é de podar. Indo ali, corta isto tudo, limpa a verga e limpa tudo, e com a faca afusela pronto, faz aquilo. É uma coisa...
INQ1 E tem algum sítio onde põe as peças para as ir trabalhando, ou não? Ou trabalha assim sentado em qualquer lado, assim com elas na frente?
INF Não. (...) Propriamente, tenho a verga para pôr. Primeiramente embico-a toda muito bem embicadinha. E depois...
INQ1 O que é embicar?
INF Embicar é embicar a verga. Embicar é...
INQ2 Ah, fazer em bico, pôr em bico, a ponta em bico.
INF Fazer em bico. Pega-se nisto, hã? A gente corta-lhe uma pontinha, faz um bico.
INQ1 Está bem.
INF Que é para depois poder meter (...) no coiso.
INQ1 Sim.
INF A gente faz o fundo. (...) Apanha as vergas, metemos entre meio dos dedos... Com a verga macia, faz-se o fundo. E depois de fazer o fundo, pegamos então nessa (.../N) e metemos. Mas a verga para estar de molho mete-se dentro de água. Ali (...) num alguidar grande. Num alguidar, numa bilha grande, mete-se lá a verga, está ali um pouco. Depois de estar maciazinha é quando a gente começa a fabricar nela. Vai-se fabricando, vai-se molhando. E depois de estar enxuta, pranta-se ao sol. Quando enxugando, pronto!
INQ1 Está capaz?
INF Está capaz (...) de vender a um freguês qualquer.
INQ1 Rhum-rhum.
INQ2 Sim senhor.
INF Pois.
INQ1 Falou numa loisa. O que é uma loisa?
INF1 O que é uma loisa? Então uma loisa pode ser uma loisa de apanhar pássaros. É uma loisa, pronto!
INQ2 Que é o quê?
INQ1 Ah, que é o quê?
INF1 Uma loisa? Então, olhe, era aquilo que eu tenho... (...) Eu vou-lhe mostrar o que é uma loisa. É isto.
INQ2 Ah, é isso!
INQ1 Isso é uma loisa?
INF1 Isto é que é uma loisa.
INQ1 Rhum-rhum.
INF1 É. Isto chama-se mesmo uma loisa.
INQ1 Sim senhor. Portanto, é dessa forma que é o cepo, mais ou menos, parecido com isso, mas maior, em grande?
INF1 Não. O cepo é assim. Portanto, o cepo é assim.
INQ1 Rhum-rhum.
INF1 É assim deste género.
INQ1 Pois.
INF1 Daqui assim por aí fora para cá aqui.
INQ1 Rhum-rhum.
INF1 Pois.
INQ1 Pois. Sim senhor.
INF1 E aqui tem um rabicho e vai aqui... Pois. E isto depois abre assim e depois vem daqui, tem aqui... Há aqui um braço qualquer aqui que vai e fica aqui.
INQ1 Pois.
INF1 Aquilo vem dalém, aquela palhetazinha, e aquilo fica aqui.
INQ1 Rhum-rhum.
INF1 Pois.
INQ1 Sim senhor.
INF1 E depois isto quando dispara, dispara assim. Isto tem aqui um prato.
INQ1 Pois.
INF1 Hum? Tem aqui um prato grande aqui.
INQ1 Pois.
INF1 Aqui, isto aqui de baixo tem uma coisa pegada ao prato, levanta-se o prato para cima, e aqui tem a coisa e fica aqui.
INQ1 Rhum-rhum.
INF1 Pois. E conforme vem depois (...) o bicho, põe a pata aqui em cima, meu belo amigo!, isto dispara.
INQ2 Pronto!
INF1 Pois.
INQ2 Fica lá.
INF1 Isto é que é a loisa.
INQ2 Está bem.
INF1 Mas...
INQ2 Olhe...
INF1 A loisa...
INQ2 Diga.
INF1 Vou-lhe explicar Vou 'dexplicar' o que era a loisa.
INQ2 Diga, diga.
INF1 Pois. A loisa (...) é uma coisa feita em pau.
INQ2 Em pau?
INF1 Pois. Chama-se-lhe uma loisa de pedra. Isso é que é uma loisa.
INF2 Não chama-se uma armadilha?
INF1 Não. É uma loisa. Isso é que é uma loisa. Isso é que é... (...) Isso é que é mesmo uma loisa.
INF2 (...) E isso aí chama-se uma armadilha.
INQ2 Rhum-rhum.
INF1 Pois. Portanto, são três pauzinhos. Pois, três pauzinhos. Isso é que é a loisa. Se verem aquilo – (...) é pena não ter vagar, senão eu fazia-lhe uma para vomecês levarem, que era para ganharem lá um prémio com ela. A loisa, aquilo é feito assim: aquilo é feito aqui assim uma barbela, aqui assim outra, (...) aqui assim a barbela de trás, aqui, aqui assim é outra, aqui, e por baixo é em cunha. Pois. E depois aqui, é um (.../N) assim grande, que é feito também em cunha assim, assim, que é para enfiar além na coisa. E depois tem então uma vareta, (...) uma vareta grande, assim deste tamanho assim, com umas forquinhazinhas assim.
INQ1 Rhum-rhum.
INF Tem assim umas forquinhazinhas assim e é aqui a direito. Tem aqui assim umas forquinhas, que é para pôr assim no tanchão e depois aqui assim tem (...) umas barbelazinhas. E depois aqui dentro (...) depois aquilo é assim (...) rachado, que é para pôr ali o engodo. E depois a criação tem uma pedra, uma pedra dessas, uma pedra aí do campo, não é?
INQ1 Pois.
INF Quem diz uma pedra, diz uma tábua para pôr qualquer coisa. E então é aquilo (...) que se chama uma loisa. Depois a gente pranta ali assim o loiseiro, o tanchão e a vareta. Pois, aquilo é que é a loisa.
INQ1 E depois?
INF Então depois aquilo fica armado.
INQ1 Sim.
INF E depois aquilo pranta-se lá uma coisa qualquer e o bicho entra ali por debaixo, puxa por aquilo, aquilo cai...
INQ2 Pronto!
INQ1 Cai-lhe a pedra em cima?
INF Cai a pedra em cima, fica caçado. Isso é que é a loisa.
INQ2 Pois.
INQ1 Está bem.
INF Pois.
INQ2 Isso é, é para que bichos?
INF É para qualquer (...) bicho.
INQ1 Coelhos?
INQ2 Coelhos?
INF Pode ser para coelhos, pode ser para perdizes, pode ser para...
INQ2 Para lebres?
INF (...) Para lebres. Aquilo (...) é o que lá prantarem, é conforme o engodo que lá prantarem...
INQ1 Pois, mas para zorras, por exemplo, já não dá?
INQ2 Já não dá.
INF Não, para zorras...
INQ1 Que as zorras fogem.
INF Fogem, fogem porque a pedra é fraca.
INQ1 Pois.
INQ2 Pois.
INF Pois. Mas se prantarem lá um bocado duma galinha lá dentro, aí, aí num sítio qualquer, vai lá um bicho qualquer para comer aquilo e cai-lhe a pedra em cima.
INQ2 Pois, pois, pois é.
INF É a loisa. Isso é que é uma loisa.
INQ1 Está bem.
INQ2 Pois.
INF Pois.
INQ1 Sim senhor.
INF Agora isto (...) já se chama uma ratoeira.
INQ1 Rhum-rhum.
INQ2 Pois.
INF Pois, isto já é uma ratoeira.
INQ1 Mas é uma ratoeira para pássaros?
INF Isto é para pássaros, mas já é uma ratoeira. Uma ratoeira para apanhar ratos.
INQ2 Pois.
INQ1 Para ratos também serve isso?
INF Pois é, para apanhar ratos.
INQ2 Ah!
INQ1 Ah!
INF Pois. Para apanhar ratos. A gente pranta-lhe ali um bocadinho de pão, armamos aquilo que (...) até ainda um dia destes deu uma parte engraçada ali na minha casa. Eu estava ali ao pé do lar mais a minha patroa – hum? –, e ouvia lá... Isso então está gravando, não fale eu demais!
INQ1 Não, não faz mal.
INF E ouvia lá (...) para dentro do fogão: trr-trr-trr-trr-trr, trr-trr-trr-trr-trr-trr. E eu pensei assim: "Olha"... Disse assim: "Cloé, olha que está um rato dentro do fogão"! "Ai, valha-me Deus"! Disse-me ela. "Ai, valha-me Deus! Então o bicho estraga-me aí (...) o 'chauffage' do fogão"! Bom, eu fui, abri aquilo: "Vê lá, que há-de estar lambido numa cestanita que está aí dentro". Uma cestinha com uns restinhos de gordura,
INQ1 Pois, pois, pois.
INF estava ali lambido. Onde digo eu: "Olha, está aqui lambido". "Então espera aí que já te digo".
INF1 Disse: "Vou-me armar aqui uma loisa"! Fui buscar a loisa, pus-lhe um bocadinho de pão, um bocadinho de pãozinho , prantei a loisa ali dentro do fogão e fechei o fogão. Estive lá um belo pouco, um bocadinho não muito, foi logo : traz! A loisa desarmando-se. Disse assim: "Ai"! Não ouvi chiar, não ficou. Fui ver, não estava. Tirei o pão e pus outro bocado, um pão mais compridinho. A gente, se calhar, só apanhando um buraquinho dele um arquinho da loisa. Prantei lá. Esteve lá mais um pouco, esteve, esteve, esteve, esteve, esteve, esteve... Estávamos ao pé do fogo, mal logo ouvimos outra vez: traz! Depois ouvimos a chiar, digo: "Olha, já lá está"! Pois.
INQ1 Mas foi tudo resolvido ali, naquele instante!
INF1 Pois, foi naquele instante. Apanhámos o rato! Mas dentro do fogão!
INQ2 Dentro do fogão!
INF1 (...) Donde aquilo se foi meter, dentro do fogão!
INQ2 Estúpido do rato! Do rato!
INQ1 Mas durante o dia, é? E durante o dia ou à noite já? Já era à noite?
INF1 Foi de noite. À noite, quando a gente estava à roda da brasa. Estávamos ali na cozinha...
INQ1 Pois, pois.
INF2 Então eu não tinha uma roupa dentro do porta-bebés, uma roupa do meu Clemente quando ele era pequenino, os ratos não foram lá, não fizeram o ninho e não foram parir lá ratinhos pequeninos, lá?!
INQ2 Tchii!
INF1 Pois.
INF2 Deram-me cabo da roupa toda da criança.
INQ1 Pois, pois.
INQ2 Ah!
INF1 É, é. Isto está... Isto é...
INQ1 São terríveis!
INF1 São terríveis, são.
INF2 E eu a guardar aquilo, com pena, para não deixar estragar porque...
INQ1 Pois.
INF Era a caça ao gambozino. Não se esqueça. O meu pai que Deus tem – Deus lhe perdoe, Deus lhe perdoe, pois... Houve uma coisa dessas dos gambozinos, uma parte... Sempre há marotos!
INQ Pois.
INF Pois. Sempre há marotos! E então combinaram para ir à caça do gambozino. Pois. Onde o meu pai, que Deus tem – o meu pai (...) , que Deus tem, é que contou que fez aquela parte. E então quem é que vai bater? Havia a porta daquelas (...) vinhas – não é? –, havia vinhas, e então havia aquelas grandes. (...) E na porta das vinhas havia um biqueirão por onde a água corria. Vinha de dentro das vinhas, ia andando, a água vinha nas cheias, havia aquela porta daquele biqueirão. "Olha, vais-te lá prantar. Vamos ao gambozino, que é lá que vai o gambozino, e a gente daqui damos aqui (...) uns arrulhos e tal, e tu vais-te lá prantar com a saca". Bom, o meu pai, que Deus tem, pega nele: "Sim senhor, ó minha vida", pega na dita saca e foi-se prantar lá em baixo à porta (...) dessa azenha . E eles cá dentro deram um arrulho (...) e partiram e vieram-se embora para casa, para as arramadas. Iam-se deitar. Meu pai, que Deus tem, esperou, esperou, esperou, esperou, esperou, esperou, esperou, não viu mais nada. Pensou : "Ah ladrões, então isto não aparece aqui nada"! Deixou, foi-se embora. Chegou lá, estavam eles todos a dormir! Depois ele : "Deixa estar, filhas da puta, que eu já te digo. Deixa estar que já te digo". E neste tempo usavam sapatos. Pois. Usavam sapatos... Vai ao pé dos sapatos dum, puxa-o para fora, arreia a calça: tã-tãi, uma cagadela lá dentro! Uma cagadela lá dentro. Pegou nos sapatinhos – eles estavam dormindo – e pôs no mesmo sítio. Pronto. Bom, no outro dia de manhã, o gajo alevanta-se para calçar os sapatos, vai (...) enfiar o pé e ah! (...) Tudo tapado (...) Risos em cocó, broas, diz ele assim: "Ah ladrões! Quem seria o ladrão"? Diz o meu pai que (...) Deus lhe perdoe assim nesse tempo : "Olha, então não sabes quem foi"? "Eu não". "Então, isso foi os gambozinos, pá! Foi os gambozinos. Vocês vieram aqui, afincaram-se a dormir, vê lá que os gambozinos até 'merdaram' para dentro da saca. Pois. Deixa lá que os gambozinos até 'merdaram' para dentro da saca". "Qual gambozinos nem gambozinos! 'Fostes' tu"! Depois (...) quiseram dar porrada no meu pai, que Deus tem, mas os outros não deixaram.
INQ2 Claro.
INF "Tu é que foste o culpado, e tu é que foste o culpado, portanto agora não lhe tocas. (...) Isso foi os gambozinos"!
INQ2 Foi uma vingança!
INQ1 Foi uma bela vingança!
INF Foi uma história do gambozino!
INF O mantrasto também ainda aqui não apareceu.
INQ1 Não senhora.
INQ2 Não.
INF Pois. E o mantrasto... E depois apanhávamos aquilo tudo e uns bocadinhos de rosmano branco, que é parecido com este que está aí. (...) Este é (...) rosmano vermelho e o outro era o que dá... Este dá as cabecinhas vermelhas, e o rosmano branco dá as cabecinhas brancas.
INQ1 Ah!
INQ2 Ah, nunca vi!
INF Pois. E depois apanhávamos isso e pulávamos aqui as fogueiras. A gente apanhávamos a arrúdia também, e depois pulávamos ali as fogueiras...
INQ1 Apanhavam o quê?
INF Apanhávamos a perpétua (...) e apanhávamos o rosmano branco, apanhávamos a arrúdia, e apanhávamos (...) o mantrasto. Era isso tudo que a gente apanhava.
INQ2 E depois que é que faziam?
INF E depois trazíamos aqui nas vésperas de dia de Santo António, ou nas vésperas de dia de São João, ou nas vésperas de dia de São Pedro. E depois vínhamos pular a fogueira à porta. Fazíamos aquelas grandes fumaças, pulávamos por aquilo, dizíamos (...) os nossos versos. Pois. "Pular a fogueira de São João para não me doer pé nem mão". "Pular a fogueira de São João (...) para nunca (...) ter tremeliques no meu coração".
INQ1 Que giro!
INF E era assim que eram as nossas cantigas.
INQ2 Então, mas se a arrúdia cheirava mal, era um...
INF E depois a gente na arrúdia, púnhamos também... Fazíamos umas cruzinhas à arrúdia em cima do fogo.
INQ2 Ah!
INF E depois disso sobravam uns bocadinhos e depois metíamos na limieira da porta.
INQ2 Ah!
INF Aquilo que era para mor dos ares maus. Pois. E metíamos, estava lá. Aquilo durava lá dois ou três anos. Até dum ano até outro, (...) aquelas arrúdias lá, e metíamos aquelas arrúdias lá. Isso era tudo coisas da minha mãe, que Deus tem!
INQ1 Pois, pois.
INQ2 Que era para afugentar as bruxas?
INF Pois, era por mor das bruxas.
INQ1 As coisas más!
INF Das coisas más, daqueles às vezes...
INQ2 Das coisas más.
INF E depois ia lá: "Lá fumo lá para casa que é para desinfectar a casa"!
INQ1 Pois, pois.
INF E desinfectava com aquilo, com a arrúdia, com o rosmano branco, (...) com a perpétua, desinfectava aquilo tudo. Pois.
INQ2 Pois.
INF Isso...
INQ2 Pois.
INF Hoje também ainda pulam nas fogueiras em certos sítios.
INQ2 Sim?
INF Mas...
INQ2 Já não é a mesma coisa?
INQ1 Já não é a mesma coisa como era antigamente?
INF Pois, já não é. Já não é.
INQ1 E aqueles cogumelos que, que aparecem debaixo da terra e fazem assim uma bola e depois?...
INF (...) Isso chamam-lhe a bufa de velha.
INQ2 Pois.
INQ1 Rhum-rhum.
INF Pois. Uma bufa de velha. Isso é muito bom para o suor dos pés.
INQ2 Ai é?
INF É.
INQ1 Para quê?
INF Para o suor dos pés.
INQ1 Ah!
INF Fulano que sua muito dos pés, não é?
INQ1 Sim.
INF Que há pessoas que suam muito, que é uma desgraça!
INQ1 Pois.
INQ2 Pois.
INF E então vão onde é que está aquilo, 'emborneiam' aquilo ali com aquele pó, aquilo é em pó...
INQ1 Rhum-rhum.
INF Pois tem vezes que está (...) em massa e depois vai indo, faz-se em pó.
INQ1 Rhum.
INF E quando se fazendo em pó, o fulano vai, tira aquele pó e mete para dentro das botas.
INQ2 Ah!
INF Anda ali um dia ou dois com aquilo e depois lava os pés, lava as botas, lava aquilo tudo, para aquilo se ir desinfectando, depois pronto! Anda já ali uma remessa de tempo sem suar dos pés.
INQ1 Ah!
INF Pois.
INQ1 Que giro! É um pó castanho?
INF É um pó castanho. Isso é um pó que não faz mal.
INQ1 Pois, pois.
INF Mas é que este... Há pós que a gente compra aí nessas farmácias, que é mesmo próprio por mor do suor, esse (...) faz mal à... Faz...
INQ1 Pois, pois.
INF Faz depois dor nas pernas, faz isso tudo. E aquele não.
INF1 Eu sei o nome destas flores, mas eu (...) não sei o nome (...) da coisa, da planta. É.
INQ Rhum-rhum.
INF1 Pois não. (...) Isto é uma coisa que alastra muito no chão,
INQ2 É, sim senhora.
INQ1 Pois.
INF1 (...) esta erva. Alastra muito. Como é que chamam a isso ? (...) Eu sabia o nome disto. Hoje, agora de repente, não me lembra o nome disto, mas quando vier, calhando para amanhã ou depois,
INQ2 Já se lembra.
INQ1 Já se lembra.
INF1 (...) deito-me e fico pensando naquilo e lembro-me: a flor é, a flor é (...) ...
INQ2 Agarra e telefona para Lisboa a dizer.
INF1 A erva é esta. Pois. É daquelas ervas – pois é –, aquelas que aparecem ali (...) no coiso (...) . E tu vês também, vê lá se te lembras lá do nome dela.
INQ2 Deixe-me lá mostrar.
INF1 Não te lembras?
INF2 Olha, não.
INQ2 Veja lá se se lembra do nome dessa. Nasce aí nos matos também.
INF1 Pois, nasce nos matos, nasce aí (...) no terreno limpo, aí assim, está ali, que eu não me lembra o nome disso. Eu sempre sei o nome dela mas (...) não sei bem o nome dela.
INQ1 Pois.
INF1 Pois.
INQ2 É da flor...
INF2 (...) Isto é também pampoila, não é?
INQ2 É a pampoila?
INF1 Pois, é. (...) É daquelas ervas largas, grandes, que há no chão, que alastram muito.
INF2 É também pampoila mas é também do mato.
INQ2 Pois é.
INF1 Então ...
INQ2 É. Mas esse mato tem um nome.
INF1 Tem um nome, tem. Ele Eu é que não me lembra o nome, pronto.
INF2 É sargacinha 'sargocina' ? Não é...
INF1 Não.
INQ2 Talvez, não?
INF1 Não é sargacinha 'sargocina' , não é.
INQ2 'Sargocina'?
INF1 Ah! Deixe lá ver.
INQ2 Vem aqui outra vez ao especialista. Veja lá se é 'sargocina'. Eu, por acaso, acho que já ouvi chamar 'sargocina' a isso.
INF2 Isso não parece bem , parece... O mato parece, agora a flor.
INF1 (...) Olhe, (...) isto é a 'sargocina'.
INQ2 Pronto.
INF1 É a 'sargocina'.
INQ1 Não tem número? Não.
INF1 É.
INQ2 É a cor-de-rosa.
INF2 O mato, o mato parece, (...) agora a flor é que é um bocadinho diferente!
INF1 (...) Isto é a 'sargocina'.
INF2 Vou-me lá calar.
INF1 Pois, é que (...) a 'sargocina' dá uma florinha, dá...
INQ2 Pode falar.
INF1 Dá esta florinha assim. É 'sargocina', é. Cria (...) aquelas coisas. (...) A gente até (...) quando a gente éramos mais novos, sabe o que é que a gente fazia? Fazíamos disto?
INQ1 Diga.
INF1 Fazíamos tabaco para fumar.
INQ1 Ah!
INQ2 De quê? Da, da folha?
INF1 (...) Da 'sargocina'. Pois.
INQ2 Que engraçado!
INF1 Sim senhora. Isto cria estas folhas, (...) esta rama por baixo, a rama estava seca, a gente pegava ali, fazíamos assim, esmigalhávamo-la muito bem, enrolávamos numa folha de papel e toca a fumar aquilo.
INQ2 E era bom? Sabia bem?
INF1 Era bom!
INQ1 Sabia?
INF1 Pronto, era 'sargocina'.
INF A 'mongoriça' é rasteirinha também
INQ1 Sim.
INF e cria também assim umas pernadas e dá umas bagas. Esta não dará bagas?
INQ2 Não. Acho que não.
INF Então não é. Pois. Não.
INQ1 Rhum-rhum.
INQ2 Deve ser a urze.
INF (...) Só esta aqui é a urze.
INQ1 Pronto.
INF (...) A urze vermelha.
INQ2 Olhe e veja lá esta. Esta tem uns bicos, assim umas coisas que picam muito, que se usava para chamuscar os porcos.
INF Isto é que é a carqueija?
INQ1 Não.
INF É o tojo-moleirinho?
INQ1 É.
INQ2 É. Deve ser.
INF Este é que é o tojo-moleirinho que se apanhava noutro tempo para fazer 'asilho' para as sacas de empreita.
INQ1 Exactamente.
INQ2 Rhum-rhum.
INF Pois, é este mesmo.
INQ1 Tojo-moleirinho?
INF Tojo-moleirinho.
INQ1 Que é aquele mais macio?
INF É.
INQ1 E o outro?
INF O outro é o tal tojo-pargo.
INQ1 Tojo?
INF Tojo-gatuno. Não é tojo-pargo, é tojo-gatuno. Tojo-pargo é outro.
INQ1 Então como é que é o tojo-pargo?
INQ2 São três qualidades?
INF Pois. (...) Há tojo-moleirinho e há o (...) tojo-gatuno e...
INQ1 O tojo-gatuno é aquele que arranha mais?
INF É um (...) que se parece (...) com uns (.../N) , aí, (...) umas manchas de mato, aí, como umas moitas de mato (...) .
INQ1 É. Estava ali assim agora aqui assim, em baixo, ao fim, ali onde eu arrumei o carro...
INF Pois.
INQ1 Estava ali tojo que eu acho que é desse.
INF Pois. E há...
INQ1 E há o outro que é o tojo-pargo.
INF É o tojo-pargo. O tojo-pargo até tem uns espigos muito bons, que até fazem salada daquilo.
INQ2 Rhum!
INQ1 Ah!
INF O tojo-pargo.
INQ1 Ah, pois estou a ver.
INQ2 Ah!
INF Tojo-pargo.
INQ2 Que é amargo?
INF Hum?
INQ2 É amargo?
INF Não. É doce.
INQ2 Ah!
INF E apanham espigos daquilo e comem. E come-se. (...) O tojo-pargo. Pois.
INQ2 Rhum!
INF Há três qualidades de tojo.
INQ2 Estou a ver.
INF Olhe, e ainda está também o tojo-coelheiro.
INQ1 Também?
INF É que o tojo-coelheiro é um tojo rasteirinho – hum? –, rasteirinho. É rasteirinho e com muitos bicos.
INQ1 Rhum.
INF Pois. O tojo-coelheiro.
INQ2 Piga... Pica muito, é?
INF Oh! Pica muito?! Pica muito!
INQ1 Portanto, o tojo-gatuno é maior?
INF O tojo-gatuno é grande.
INQ2 É.
INF Pois. É muito grande. O tojo-gatuno é muito grande. (...) Então isso dá mesmo varas grossas, mesmo da grossura daquela. Aquela que está além para o lado da minha patroa,
INQ2 Pois, pois.
INF dá varas como aquilo e dá varas mais grossas. Aquilo torna-se (...) uma moita grande.
INQ2 Pois.
INF Pois. Esse tojo-gatuno. Pois.
INQ1 Olhe, isto é uma, é uma coisa que até costumam usar para, para enxertar pereira?
INF Para isto ...
INQ1 Usam em bravo, ela assim está brava. Também usam para os jardins e isso. Mas depois com e-, com esta planta podem enxertar uma pereira em cima disso.
INF Mas isto é o pereiro bravo. Não é o 'carrapiteiro'.
INQ1 Não?
INF Não é o 'piroliteiro'.
INQ1 Como?
INF O 'piroliteiro'.
INQ1 Sim?
INF Será o 'piroliteiro'?
INQ1 Mas o 'carrapiteiro' é o mesmo que o 'piroliteiro'?
INF Não. O 'piroliteiro' é um e o 'carrapiteiro' é outro. Isto é que serve para enxertar.
INQ1 Exactamente.
INF O 'carrapiteiro'. Será isto o 'carrapiteiro'... (...) Mas as florinhas...
INQ1 Não são bem assim?
INQ2 Não.
INF Não. As florinhas do 'carrapiteiro' não são bem assim. Mas ele deve ser o 'carrapiteiro', já como é para enxertar...
INQ1 Sim.
INF É o 'carrapiteiro'. Não é o 'carrapiteiro'! É o pereiro bravo! Pois.
INQ1 Olhe, e...
INF Pois. Isto é (...) ...
INQ1 E o 'piroliteiro'?
INF O 'piroliteiro', isso...
INQ1 Para que é que serve?
INF Às vezes também os enxertam. Enxertam-nos para dar romaneiras. Pois.
INQ1 Olha, escreve aí.
INF Pois. (...) A romaneira serve para enxertar o 'piroliteiro'.
INQ2 Ai é?
INF Pois. Conforme é a semente (...) da planta, (...) assim (...) é a árvore que tem que se lhe aplicar .
INQ1 Ah!
INF Pois . Porque o (...) 'piroliteiro' tem aquele carocinho pequenino, aquilo é uma espécie de baga, e a romã também tem baga.
INQ1 Pois.
INF Pois.
INQ1 E portanto é bom enxertar a romã naquele?
INF Pois, em 'piroliteiro'.
INQ2 Rhum-rhum.
INF Pois, é isso.
INQ1 E o 'piroliteiro' tem bicos?
INF Tem. Tem bicos, tem.
INQ1 E o 'carrapiteiro'?
INF O 'carrapiteiro' tem também. Pois.
INQ2 Pois.
INQ1 Há o vimeiro e há uma outra com que também é parecida. O salgueiro, não há para aqui?
INF Pois... O salgueiro? Então é o ceiceiro.
INQ1 É o?...
INF Ceiceiro.
INQ1 Acha que é o ceiceiro, é o salgueiro?
INF Pois. Pois. (...) Há aqui três qualidades de (...) coiso.
INQ1 Então não é o vimeiro que é o ceiceiro?
INF Não. O vimeiro é uma coisa, o ceiceiro é outra e está o salgueiro que é outra.
INQ1 Rhum-rhum. E o chorão que é outra ainda?
INF E o chorão é outra.
INQ1 Portanto, há quatro?
INF Pois. Há quatro. Mas Mais o chorão... Isso o chorão é uma coisa que... Parece-me que isso que não dá nada.
INQ1 Não?
INF Não. É o chorão. Cria aquelas grandes...
INQ1 Coisas. Aqueles grandes...
INF Para baixo. É uma árvore linda!
INQ1 É!
INQ2 É!
INF É uma árvore linda, é! Mas não dá nada.
INQ2 Não.
INF Não. Pois.
INQ1 Então e o ceiceiro?
INF O ceiceiro só dá verga. Pois. O vimeiro só dá verga e o salgueiro também só dá verga.
INQ1 Mas acha que o ceiceiro é o mesmo que o salgueiro ou não?
INF Não. (...) Não é o mesmo porque é outra qualidade.
INQ1 Mas é muito parecido?
INF É... Não, ainda é diferentezinho um bocadinho. Pois. Ainda é diferentezinho um bocadinho.
INQ2 Rhum-rhum.
INF Mesmo (...) na rama. A rama é quase parecida, pois, mas nota-se um bocadinho bom de diferença (...) .
INQ1 Mas são os dois grandes?
INF São os dois grandes, muito grandes, tudo! (...) Talvez o salgueiro seja maior (...) que o ceiceiro, assim mais forte. (...) Fazem-se mais fortes.
INQ1 Pois.
INQ2 Rhum-rhum.
INF É um cão.
INQ1 E a fêmea?
INF A fêmea é uma cadela.
INQ1 E os pequeninos?
INF (...) São canitas.
INQ1 Se forem fêmeas.
INF Se for uma fêmea, são canitas.
INQ2 Se for um macho?
INQ1 E se for um macho, é um?...
INF Se for um macho, é um canito.
INQ1 Pois.
INF E quando sendo grandes, são cadelas.
INQ1 Pois. E quando eles fazem ão-ão-ão, estão a?...
INF A ladrar.
INQ1 E quando lhes morre o dono, que eles?...
INF Uivam. Uivam por ele.
INQ1 Pois.
INQ2 "Olha, aquele cão está a"?...
INF A uivar pelo dono. Acha falta do dono. Pois.
INQ1 Pois.
INQ2 Pois.
INF Pois. É.
INQ1 E quando se lhe dá...
INF (...) É o mesmo que o meu aqui faz.
INQ1 Sim.
INF Esta manhã viu-me sair com a espingarda,
INQ2 Rhum!
INF o que ele se esganiçou e o que ele uivou ali e o que ele ladrou!
INQ1 Ah!
INQ2 Por causa de se ir embora.
INF Pois. Porque eu saí ali à 'socacha' dele para me ele não me ver, mas ele viu-me sempre.
INQ2 Olhe, e quando dão um pontapé num cão, ele começa a quê?...
INF Começa a ganir. Pois.
INQ1 Isso ataca. Atacava os rebanhos das ovelhas.
INQ2 Isso é mesmo. Antigamente, aqui não devia haver.
INF1 Ah, este era o lobo.
INQ2 Não havia?
INF1 Havia. Oh, havia?! O lobo?! Oh! Sei uma história do lobo, mas...
INQ1 Então diga.
INF1 Mas ele ainda é grande! Pois, é grande?! É pequena. É pequena, que isto são coisas... (...) E foram coisas que aconteceram.
INQ2 Pois.
INF1 Pois. Foi coisas que aconteceram.
INQ2 E então conte lá.
INF1 Pois. Havia um lavrador que tinha um criado. Pois.
INF2 É melhor desligar isso.
INF1 E então o criado (...) todas as noites ia deitar (...) o gado (...) para a malhada. E então, haviam lá (...) muitas galinhas lá em casa, lá (...) no monte, e onde havia um galo que todos os dias, aquando ele ia pôr o gado para a malhada, o galo cantava. Pois. Cantava, cantava, cantava ali um belo pouco. Pois. Ele ia pôr o gado para a malhada, e ele vinha-se embora para o monte. Pois. Outra noite ia pôr o gado para a malhada, o galo cantava. Até que o lavrador diz assim: "Ah! O galo faz senão cantar! Havemos de matar o filho da puta e comemo-lo aí todos.
INQ2 Estás a ver?
INF1 Pois. Matar (...) o galo. Comemo-lo aí e fazemos uma caldeirada com ele para a noite, à ceia". Bom, chegou à noite, diz ele: "Olha, criado, vai pôr as reses para a malhada e anda que é para a gente comer o galo que temos aí para a nossa ceia". Ele foi pôr as reses para a malhada... Esperaram, esperaram, esperaram, esperaram, esperaram, esperaram, esse dito boeiro nunca mais apareceu. Pois. Não apareceu. "Mas assim que é que seria feito do nosso boieiro que ele não apareceu"? Pois. Pois. Ficaram todos em cuidados. No outro dia de manhã vão à cata dele, foram-lhe encontrar (...) os pés dentro das botas. Mas o resto, não encontraram mais nada. E a roupa toda esfrangalhada. Pois. Um lobo! Comeu-o!
INQ2 Tchii!
INF1 Pois. Esse lobo (...) comeu (...) o criado.
INQ2 O boieiro.
INQ1 O criado.
INF1 O boeiro, pois. Sim senhora. Que dizem: "Galo que canta, bicho que espanta"!
INQ1 Rhum-rhum.
INF1 Pois. E pronto.
INQ1 Pois.
INF1 E ficou assim...
INQ2 E bicho que espanta como?
INF1 Naturalmente, (...) o bicho espantava-se (...) por mor da cantiga do galo!
INQ1 Pois.
INF1 Pois tinha que ser por mor da cantiga. Quando o galo cantava, o bicho que se espantava. Espantava-se. É que aquilo durou muitas noites, o galo a cantar! Muitas noites, muitas noites! E na noite que mataram o galo e ele foi levado, pois foi nessa noite (...)
INQ1 Que o homem...
INF1 (...) que o bicho comeu o homem!
INQ1 Pois.
INF1 Pois.
INQ2 Rhã-rhã.
INF1 É isso aí.
INQ2 Portanto, é bom ter um galo que cante à noite ou não? Ou é mau?
INF1 Pois. Não. Aquilo às vezes quando eles cantando à noite, aquilo quase sempre é (...) 'sinales' ruins.
INQ1 Pois.
INF1 É. Quando um galo cantando de noite, aquilo é 'sinales' ruins.
INQ2 Rhum-rhum.
INQ1 Rhum-rhum.
INF1 Pois.
INQ2 Lá ao pé da nossa pensão, ali no do senhor Cleóbulo, todas estas noites cantava um galo, lembras-te que eu até te disse?
INQ1 Sim.
INF2 Ah!
INQ1 Sim, sim.
INQ2 "Lá está o galo a cantar"!
INF1 (...) Às vezes, os bichos (...) levantam... Às vezes até adivinham o tempo – que é sinal de esterilidades, dizem que é sinal de esterilidades – e coisas assim.
INQ2 Ah!
INQ1 Pois.
INF1 Pois. Sim senhora. Pronto!
INQ Olhe, e onde é que os coelhos se escondem?
INF Onde é que os coelhos se escondem?
INQ Sim.
INF Escondem-se nos buracos. Pois.
INQ Dá algum nome a esse buraco?
INF Não. (...) É uma 'covilada'. Uma 'covilada'.
INQ E onde é que eles fazem a criação?
INF Fazem nas coelheiras. (...)
INQ Mesmo esses aí do, do monte? Daí do, do mato?
INF Pois. Do mato, fazem nas coelheiras. Vão aí nos matos ou quem diz no mato, ou vão em terreno limpo, fazem lá um buracote – não muito grande, um buraquito –, e lá vão 'deslanar' e lá criam os coelhinhos. Pois.
INQ Rhum-rhum.
INF Pois. E depois, quando vão, abrem a porta, e quando saltam, tapam.
INQ Pois.
INF Fazem aquilo duma maneira que mal se conhece.
INQ Rhum-rhum.
INF Puxam umas 'folharascas', uns pastos, uma coisa qualquer, tapam aquilo tudo ali assim. Mas deixam sempre um buraquinho por cima para resfolgar,
INQ Para respirar.
INF para os filhinhos resfolgarem quando que estão lá dentro.
INQ Pois.
INF Pois.
INQ Que espertos!
INQ1 Qual é a diferença?
INF Pois.
INQ1 Qual é a diferença entre o veado e a corça?
INF O veado? O veado... (...) Isto é o veado. O veado é este que cria os pauzinhos na cabeça, muitos galhos, é o veado.
INQ1 Olhe, aquele ainda tem mais galhos.
INQ2 Mas este ainda tem mais.
INF Agora 'desenfracear' aqui o veado da corça?!
INQ1 Mas qual é a diferença? É porque é macho e fêmea, ou não? Ou são dois bichos diferentes?
INF Não, são dois bichos diferentes. Pois.
INQ2 Mas só agora é que aparece ou?...
INF Não.
INQ2 Desde sempre havia aqui?
INF Não, não, não, não, não. Há coisa de... Pois... (...) Já há aí uns anos, aparece.
INQ2 Rhum.
INF Pois. (...) É uma cabra brava. Pois. É uma cabra brava e então chamam (...) ... Ou um veado. Isto é o veado. Veado. Isto é o veado. Não é a corça. Isto é o veado. Pois. (...) Esta aqui não é a mesma que é esta!
INQ2 Não.
INQ1 Não, não. Não é o mesmo não.
INF Pois. Então é esta que é a corça.
INQ2 Pois.
INF Pois. Esta é a corça e este é o veado.
INQ2 Pois.
INF Porque quando... (...) Cada ano que tem, cada esgalho que toma.
INQ2 Ai é?
INF Pois.
INQ2 Ah!
INF Está a ver que esse que já é velho?
INQ2 Pois, este é velho!
INF E esta aqui, (...) isto é uma corça.
INQ2 Pois.
INF Pois.
INQ2 Olhe, e estes?
INF Ai, isto é o javali. Ai que lindo javali!
INF Então e este é o pisco.
INQ1 Talvez.
INQ2 É. É o pisco, é.
INF É o pisco.
INQ2 A, D, duzentos e quarenta e dois.
INQ1 É o quê? Isto não é um, não é um animal destes. É um destes que voa. É o?... Portanto, um quê?
INF É um pisco.
INQ1 Mas estes animais que voam, como é que se chamam?
INF Que voam?
INQ1 Sim.
INF Este?
INQ2 Todos os animais que voam...
INQ1 Todos os animais.
INQ2 Pequeninos...
INF São aves. São aves de pena. Pois.
INQ1 Rhum-rhum.
INF Os que voam, isso é tudo aves de pena.
INQ1 Rhum.
INF Mas contanto todos tem o seu nome.
INQ1 Pois.
INF Pois. Todos tem o seu nome, diferente uns dos outros.
INQ1 Olhe, e onde é que esses, esses fazem o, põem os ovos?
INF Estes? Põem no ninho. Fazem um ninho (...) sobre o terreno, um terreno,
INQ1 Rhum-rhum.
INF onde é que há umas barrocas, onde é que há uns pastozinhos, um magote de pastos e é lá que eles vão fazer o ninho.
INQ1 E os pequeninos, como é que chamam, os pequeninos desse, desses?
INF (...) Os pequeninos (...) são piscos.
INQ1 Dos outros todos? Quando a gente não sabe, vê ali ao longe um a voar, a gente não sabe bem o que é que é...
INF Ah! "Olha, além vem um pássaro"! Pois.
INQ1 E, portanto, os pequeninos dos pássaros são o quê?
INF Piscos. São passarinhos.
INQ1 É aqueles que vão pôr os, os ninhos, os, os ovos nos, nos sítios dos outros.
INQ2 Dos outros.
INF Ah! Não, não, não, não, não, não.
INQ1 Não é?
INF Aquilo não é uma folosa!
INQ1 Aquilo é uma folosa?
INF Pois tem que ser uma folosa.
INQ1 Este? Ou este?
INF Este.
INQ1 Este é uma folosa?
INF Vão pôr ao ninho dos outros, é o cuco.
INQ2 Pois.
INF O cuco é que vai pôr os ovos nos ninhos da folosa. E vai lá,
INQ1 Exactamente.
INF mama-lhe os ovos da folosa e põe dos dele.
INQ1 Pronto.
INQ2 Ah!
INF É um pássaro tão desgraçado que nem sequer um ninho sabe fazer!
INQ1 Pois, exactamente. Exactamente.
INF Pois. Que é (...) o que está aqui.
INQ2 Pois.
INF Mas, a folosa não é destas. As folosas são (...) pretas.
INQ2 Ah!
INF São de gorro preto.
INQ2 Pois.
INQ1 É de gorro preto.
INF É de gorro preto. As folosas são de gorro preto.
INQ2 Pois.
INF Assim de cabecinha de preta!
INQ1 Pois.
INQ2 Pois, pois.
INF Pois. Que eu (...) já tenho encontrado aí... (...) Até uma vez, até encontrei um cuco... Mas já há muitos anos. Era pequenito! Tinha os meus, talvez os meus quê?, os meus oito ou nove anos.
INQ1 Rhum-rhum.
INF Andava guardando um rebanhito de porcos e uma vez fui ao Vale da Serva – que é na parte do Vale de Feixe – e havia lá uma grande 'jardeira'. 'Jardeira' que é: chama a gente uma 'jardeira' é onde lá dá muita carqueija.
INQ2 Rhum-rhum.
INQ1 Ai, 'jardeira' é um sítio com muita carqueija?
INF Com muita carqueija. Isso era uma 'jardeira'. Pois. Assim, uma chapada muito grande, toda tapada em carqueija, era uma 'jardeira'. E eu passei por lá, (...) – não sei que é que eu fui para lá fazer, passei – e onde encontrei um ninho de folosa com um cuco dentro.
INQ2 Rhum.
INQ1 Rhã!
INF E eu pego nesse dito cuco – o cuco estava já assim grandote –, pego no desse dito cuco e trouxe-o. E tratava dele: dava-lhe gafanhotos e tratava do bichinho. Mas nunca lhe fiz foi uma gaiola, se lhe tenho feito uma gaiola, ele em calhando,
INQ2 Ele ficava.
INF não sei se eu não o possuiria ainda hoje, (...) só se ele tivesse morrido de velho.
INQ2 Pois.
INF Pois. Mas eu depois tinha um casaco de cotim – que era o que se usava, aqueles casacos de cotim –, e guardava o cuco na algibeira do casaco. Pois. Guardava o cuco na algibeira do casaco. E depois vinha com os porcos à frente, um sítio que lhe chamam a Eira do Machado, por aí afora, e aquilo havia muito seixo. E eu pegava nos seixos e jogava aquilo, ia faiscando muito fogo.
INQ1 Rhum-rhum.
INF Os seixos batiam uns nos outros e faiscavam fogo. E eu gostava de ver aquilo, não é? Pois. Os porcos à frente e eu atrás, faiscando os seixos, onde me salta o cuco da algibeira para o chão, e ponho-lhe o pé em cima, matei o cuco.
INQ2 Eh! Que tristeza!
INF Ai, que fiquei tanto... Fiquei tão (...) aborrecido, tão descontente, com aquilo que ninguém queira saber!
INQ2 Pois.
INQ1 Claro.
INF Pois. E matei o bichinho, pronto! Acabou-se o cuco!
INQ1 Que pena!
INQ2 Que pena!
INF É verdade.
INF Pois. Isto é a 'aventoinha'.
INQ1 Qual era a outra?...
INF (...) É isto. Mas a gente este aqui é o carriço.
INQ1 Ai esse aí é o carriço?
INF É. Então, (...)
INQ2 Dois.
INF este não é o mesmo que é aquele, pois não?
INQ1 É.
INF É?
INQ2 É.
INQ1 Mas é desenhado por dois diferentes.
INF Espere aí. Espere aí, deixe lá estar. Pois, se ele faz o ninho no meio das ervazinhas, isso (...) é a 'aventoinha'.
INQ1 Mas o q-... Qual é a diferença do carriço?
INF O carriço faz o ninho na barroca.
INQ1 Rhã!
INF Faz um ninho assim – hum? –, para baixo, só com uma boquinha assim e é por ali que ele entra.
INQ1 Mas na barroca?
INF Na barroca.
INQ1 Portanto, aqui, podia fazer aqui?
INF Pois podia fazer aí, debaixo dessas coisas aí, fazia aí ou naquele buraco além.
INQ2 Pois.
INQ Como é que o senhor distingue um carriço duma 'aventoinha'? Isso aí é a?... Como é que diz?
INF Vê? Como é que se?... O carriço? Então o carriço é...
INQ Como é que eu distingo o carriço da 'aventoinha'?
INF É na cor.
INQ A cor qual é? A cor do carriço?
INF A cor do carriço...
INQ É mais escura ou mais clara?
INF (...) A cor do carriço é escura.
INQ Ah!
INF É castanhito.
INQ Sim.
INF Pois. E a 'aventoinha' é (...) mais clara.
INQ E os ninhos é diferente o sítio onde?...
INF (...) Os ninhos são diferentes. Os ninhos são diferentes porque...
INQ Um faz no meio das palhinhas, não é?
INF Pois, (...) a 'aventoinha'. A 'aventoinha' (...) faz o ninho nas palhinhas. Pois.
INQ Enquanto o carriço faz nas...
INF Assim. Faz aquilo, faz ali assim um grande teaço e faz ali o ninho, até junto às pezeiras de trigo, junto àquelas, umas ervas – não me lembro o nome das ervas como é que é, e é umas ervas que dão um espigo grande –, e então vai ali, junto àquilo ali, faz ali aquilo assim e faz lá o ninho. Que a gente às vezes (.../VB) nós as ervas e, quando ceifámos, encontrámos aquilo e até cortámos assim mais alto um bocadinho, para ele ficar por baixo.
INQ2 Para deixar, pois.
INF Pois. E o carriço é nas barrocas. Faz o ninho nas barrocas. Que é também castanhito, tem um bico comprido...
INQ2 Rhum!
INQ1 Tens que escrever aí que faz o ninho nas barrocas.
INF Pois. O carriço tem um bico comprido.
INQ1 Rhum-rhum.
INF Compridinho. À vista destes pássaros, tem muito mais... É um bico muito mais comprido que isto. Pois.
INQ1 Ontem estávamos a ouvir um e o senhor disse: "Ai, deve ser um"...
INF Ai, isto é o gaio. Isto é o gaio.
INQ1 Rhum-rhum.
INF Este é o (...) 'peto-cavalo'.
INQ1 É o que?...
INQ2 'Peto-cavalo'?
INF 'Peto-cavalo'.
INQ1 Anda sempre a furar as árvores?
INF Sim senhor. É muito atrepadeiro.
INQ2 É sim senhor. E o que come as abelhas?
INF Come as abelhas? Abelharuca. A 'bilharó'.
INQ2 'Abelharó'?
INQ1 É esse?
INF 'Bilharó'.
INQ2 Como?
INF 'Bilharó'.
INQ2 É o nome mais antigo?
INF Pois é. 'Bilharó'.
INQ2 E é uma? Uma 'bilharó'?
INF É uma 'bilharó'. Sendem duas, são duas 'bilharoses'.
INQ1 Sim senhor.
INF 'Bilharoses'. Sendem três, são três 'bilharoses'. E agora aqui temos a poupa.
INQ1 Olhe, e uns que acendem uma luzinha, à noite, vê-se aquela?...
INF Chama-se um luz-em-cu.
INQ2 Um?...
INF Um luz-em-cu.
INQ2 Olhe, e voa ou está parado?
INF Chamam-lhe um luz-em-cu e outros chamam-lhe um pirilampo, mas o nome é um luz-em-cu.
INQ1 Pois.
INF Pois.
INQ2 E voa ou está parado?
INF Voa. Pois. Avoa. O luz-em-cu voa e o pirilampo (...) não avoa.
INQ1 Rhum. Está parado.
INQ2 Pois é.
INF Está parado. Pois.
INQ1 Este já disse que era o tal?...
INF (...) O 'zeiteiro'.
INQ2 Olhe, estas que vão ao açúcar aqui?
INF Estas são formigas e...
INQ2 E aquelas que têm asas?
INF São formigas-de-asa.
INQ2 Nunca lhe chamam outra coisa?
INF Não. Formigas-de-asa e formiga-de-asa. E isto é a tal...
INQ1 É uma que põe assim as mãos?
INF Uma 'lobinha'... São as 'lobinhas-a-deus'.
INQ1 Sim senhor.
INF É uma 'lobinha-a-deus' e sendem duas são duas 'lobinhas-a-deus'.
INF Vá lá ver.
INQ O... Para o pão? Tem a farinha?
INF Pois.
INQ E o que é que lhe faz?
INF Peneira-se a farinha para dentro dum alguidar de barro... E depois, de vésperas, faz-se o fermento...
INQ Com quê?
INF (...) Antigamente fazia-se assim... Faz-se o fermento com a lêveda que a gente deixa do outro fermento (...) logo do outro pão... A gente faz o fermentinho, põe ali no meio da farinha, tapa com o panal e com uma mantinha por cima. De manhã, está todo arrochinadinho, crescido, azedo. A gente vai, aquece a água, amassamos, vamos amassando, amassando, amassando (...) logo com o sal temperado ali na água, com água morna... Vamos amassando, amassando, até fazer aquelas empolinhas, aquelas empolinhas, aquelas pastas, até a gente ver que está bom. Quando a gente vendo que está bom, a gente deixa, fazemos (...) as pastas assim... Fazemos uma pasta para aqui, outra para além, assim. Ficamos , fazemos-lhe a cruzinha e pusemos-lhe uma farinhita por cima. Metemos-lhe um sinalinho, (...) e tapamos ali, esperamos (...) até tapar, até chegar àquele sinal. Quando chegando àquele sinal, a gente vai acender o forno, mete lenha dentro do forno, acende o forno. Quando o forno estando mais ou menos capaz, a gente vai tender esse panito. Tendemos ali na pá de tender, tiramos ali uns bocados de massa, tendemos (...) ali na pá, ali na pá de tender. Tendemos, pusemos no tabuleiro, nas casinhas que a gente faz ali assim, e depois, quando acabando de tender, pusemos uma farinhita por cima – que chama-se a finta, que a gente vai pôr por cima do pão, aquela farinhita. Que, depois, essa farinha que a gente põe por cima do pão, (...) quando a gente sabe que o pão que está capaz de ir para o forno, é quando é que o pão abriu umas rachadelinhas por cima, nessa farinha. Abre umas rachedelinhas, está capaz de ir para o forno. Depois quando a gente vendo que o pão que está capaz, vamos ver se o forno está capaz. Se o forno estiver ainda escuro, metemos mais uma lenhita no... Se o pão (...) não estiver ainda bem capaz, metemos mais uma lenhita no forno para empatar.
INQ Rhum.
INF Se o forno estiver já capaz, a gente põe o panito no forno. Pomos o panito no forno, (...) à porta do forno, (...) barramos o forno, prantamos o panito, e depois é tirar e levar para casa. Pronto! Ficamos com uma cozedurinha para oito dias.
INQ Pois.
INF1 Mas vamos à parte do moinho.
INQ1 Sim.
INQ2 Conte lá.
INF1 Pois.
INQ1 Portanto, depois o rod-, o rodízio tinha assim umas coisinhas, assim todas à volta, que chamava o quê?
INF1 Tem. Tem, tem. (...) Tinham o rodízio.
INQ1 O rodízio era...
INF1 Era o rodízio mesmo. Aquilo era...
INQ1 Chamava-se tudo o rodízio?
INF1 Era tudo o rodízio do moinho. E depois (...) o rodízio tinha (...) um veio. Pois, tinha o veio (...) do moinho que vinha a dar por cima (...) nas 'moses'.
INQ1 Pois.
INF1 Pois. (...) Nas 'moses'. E nas 'moses', depois, tinha então os taipais. Tinha os tais taipais à frente da roda (...) das 'moses' e então tinha a alavanca. Pois.
INQ1 Que era para subir mais ou descer mais.
INF1 (...) Tinha a alavanca que era para subir mais ou descer mais. Pois.
INQ1 Para moer mais grosso ou moer mais fino, não é?
INF1 Pois. Era isso. (...) Sim, para fazer farinha mais miúda ou mais grossa, conforme quiser quiserem . Às vezes, aquilo, também baixavam mais e levantavam mais e era assim.
INQ1 Pois.
INF1 E depois o moinho tinha... (...)
INQ2 Onde punha o grão?
INF1 Pois, (...) tinha a tolda para correr para dentro do coiso, (...) para dentro das 'moses'. Pois.
INQ1 A tolda era onde se punha o grão, não era?
INF1 Era onde se punha o grão e depois corria para dentro das 'moses'.
INQ1 E depois tinha assim uma coisinha assim inclinada que, que deixava escorrer o, o, o trigo, não é?
INF1 Depois tinha...
INQ1 Da tolda saía assim uma coisinha, um...
INF1 (...) Como é que chama?
INQ1 Um caninho que saía dali.
INF1 Ai, como é que chamavam àquilo?
INQ1 A calha ou?... Não?
INF1 Muletas. Muleta. Era a muleta. Chamava-se a muleta que era aquela coisa torta
INQ1 Que ia batendo na mó?
INF1 que ia batendo na mó. Era a muleta. Pois.
INQ1 Já sei.
INF1 Era (...) para o trigo correr.
INQ2 Rhum-rhum.
INQ1 Pois.
INF1 Pois. E depois a outra parte é que tinha... Ruído de motor Aí vão mais!
INQ1 E depois... Tchii! Mais?
INF1 Porra! Andam para aí carregados de zorras, com certeza. Risos Tinha a muleta.
INF2 Era o Clódio?
INF1 Hã? Era. Tinha a muleta – essa coisa chamavam-lhe a muleta (...) daquela coisa –, e o que é... E tinha (...) depois (...) para picar as mós tinha então as cunhas – havia umas cunhas, chamavam-lhe cunhas mesmo, cunhas – (...)
INQ1 Pois.
INF1 levantavam a mó, para picar a mó, tinha uma picadeira, pois. Pois. (...)
INQ1 Olhe lá, e a farinha corria para onde?
INF1 A farinha corria à beirada das 'moses'. Da mó de baixo.
INQ1 E caía para onde?
INF1 Caía para cima (...) do 'trado', do 'trado' do moinho.
INQ1 O que é o 'trado'?
INF1 O 'trado'... Oh, o 'trado'?! O estrado, vamos, o estrado.
INQ1 Ah, o estrado do moinho.
INF1 Pois, vamos ao estrado do moinho. É o estrado do moinho.
INQ1 Sim, sim, sim.
INF1 Corria para o estrado do moinho.
INQ1 Rhum-rhum.
INF1 E depois, como corria para o estrado do moinho, aquilo ia ali ajuntando e depois vinham ali com a palheta e apanhavam e metiam para dentro dum saco.
INQ1 E ag-... Olhe e o...
INF1 E o trigo, hum?
INQ1 Diga, diga.
INF1 Tinha uma alcofa muito grande, pois, uma alcofa grande, e punham-se então... Ali ao pé dessa alcofa, tinham um joeiro e joeiravam o trigo. Pois. Joeiravam o trigo para dentro (...) duma coisa que tinham ali, o feitio de... Pronto! Vamos ver, aquilo era o feitio de...
INQ1 Uma travessa ou assim. Uma...
INF1 (...) Uma espécie duma caixa.
INQ1 Ah!
INF1 (...) Espécie dum joeiro, mas (...) sem nada.
INQ1 Sem buracos?
INF1 Pois, sem buracos. (...) Que era para outar o trigo. Era outado.
INQ1 Para?
INF1 Outado.
INQ1 Outar?
INF1 Pois, outar o trigo. Pois.
INQ1 O que é outar?
INF1 Outar era...
INQ1 Limpar?
INF1 Pois.
INQ1 Faziam assim?...
INF1 Faziam assim.
INQ1 Que era para tirar as impurezas, era?
INF1 Para tirar as impurezas, os seixos e as pedras e as ervilhacas... As pedras (...) e aqueles casulos e as ervilhacas
INQ1 ...
INF1 vinham ficando tudo atrás, e com o joeiro era para joeirar.
INQ1 Pois.
INF1 Pois. E aquilo era para outar. Chamava-se outar.
INQ1 E era com uma bandeja? Com uma espécie duma bandeja?
INF1 Era espécie duma bandeja mesmo, (...) espécie duma bandeja, uma coisa assim redonda assim...
INQ1 Redonda e larga?
INF1 Assim.
INQ1 Pois.
INF Assim. Esta parte aqui não tinha nada.
INQ2 Exacto.
INF Pronto, aqui para trás é que tinha e tinha assim um rebolozinho,
INQ1 Pois.
INF em volta, para o trigo não sair dali. E era que isso era outar. Outavam-no... Depois de o trigo (...) estar outado, portanto, numa alcofa, iam depois buscar água (...) num regador (...) . Pois, aquilo era quase sempre tinham era um regadorzinho, um regadorzinho muito fininho, a cabeça muito fininha, da cabeça do regador. Pegavam no trigo, davam-lhe uns borrifozinhos de água por cima. Pois. Davam-lhe esse borrifozinho de água (...) e mexiam-no todo muito bem. Estava ali um bocadito, estava ali um bocado, pegavam nele e metiam debaixo das 'moses', que era assim que ele (...) fazia as boas farinhas. Quando o trigo fosse muito molhado, a farinha era mais ruim; e quando fosse a farinha menos molhada, que a farinha não estivesse muito molhada, isso fazia um pão que era uma beleza!
INF Aqui está (...) o moinho de vento que (...) já é outra coisa.
INQ Pois.
INF Tem a roda volante, tem o sarilho
INQ Para fazer andar de volta.
INF para puxar, para puxar o moinho (...) para onde é que faz vento, para (...) onde é (...) para fora do vento, para o vento. Já tem isso tudo. Já tem o sarilho, já tem as cordas, já tem as rodas lá por cima.
INQ Pois.
INF E (...) já tem a roda de entrosga. Já tem o carreto.
INQ2 Sabe tudo.
INQ1 Mas a roda de en-...
INF Já tem o veio. Pois.
INQ1 Mas o de, o de água também tinha a entrosga, não tinha? A roda de entrosga?
INF Não.
INQ1 Ai não?
INF Não. O de água não tem roda de entrosga.
INQ1 É logo directamente à mó? Vai logo o veio à mó?
INF Pois, (...) vai logo de baixo acima à mó.
INQ1 Sabe como é que se chamava aquela coisa que estava na mó, onde, onde enfiava o veio? Que era assim uma coisa de metal, de ferro?
INF Eu sabia o nome, mas não me lembra, o nome disso.
INQ1 Será a segurelha?
INF Hã? Segurelha?
INQ2 Segurelha? Sobrelha?
INF Não. É um nome assim parecido, mas não me lembra o nome.
INQ2 Não sabe?
INQ1 Pronto.
INF Tenho estado a pensar nisso, mas não me lembra o nome.
INQ2 Pois, pois, pois, pois.
INF Pois, mas era assim. Depois aquilo (...) essa tal coisa...
INQ1 Pois, a roda de entrosga e o, o carreto.
INF E até tinha a alavanca.
INQ1 A alavanca.
INF Tinha a alavanca (...) para baixar (...) a mó e levantar.
INQ1 Pois.
INF Pois, aquilo que ele tinha ali a alavanca, tinha a cunha, (...) punham um pé em cima, metiam mais, metiam menos, punham mais e era assim. Pois.
INQ2 Sabe se se dava algum nome diferente a cada uma das mós? À de baixo e à de cima?
INF Não. Era a mó de baixo, mó de cima. Pois.
INQ1 Pois.
INF Esta é a mó de baixo e aquela é mó de cima. Era só a diferença que havia era isso.
INQ1 Rhum-rhum.
INF Pois, quanto ao resto mais nada. Pois. Era o que havia.
INF1 Onde aprendi era capaz de não dar... (...) Não davam os mesmos nomes que davam aqui. Aprendi na serra de Santo António. Não sei se as senhoras sabem onde é...
INQ1 Serra de... Ao pé de Mira de Aire?
INQ2 Que é aonde?
INF1 Sim senhor.
INF2 Ao pé de Mira de Aire.
INF1 Aí é que aprendi.
INQ1 Aí é que aprendeu a tecer?
INF1 Sim senhor.
INQ1 Mas o senhor não é de lá, ou é?
INF1 Não, não.
INF2 Não, é daqui.
INF1 Fui aí por aí acima correndo mundo, fui (...) para a vindima (...) e fui para o varejo. Lá havia muita azeitona. E depois lá o patrão mesmo onde é que eu trabalhava – ele até fazia teares – e o genro dele tinha lá uns poucos de empregados.
INQ1 Pois.
INF1 Depois deu-me ele em dizer: "Se quiser, a gente ensina-o"! E depois até ele, (...) num sentido, ainda me enganou, porque não valia a pena. Disse-me assim: "Ah, eu, o trabalho que você fazer, pago-lhe. E ensino-lhe". "Não lhe quero levar nada"! De resto, o trabalho que lá fiz, não me pagou nada"!
INQ2 Não pagou nada. Ai que horror!
INF1 Andei eu lá dois meses só a fazer aquilo.
INQ1 Pois.
INF1 E o que me ele ensinou, eu também... Mas ele lá depois disse assim: "Se não aprenderes mais que o que te eu ensino"! Ele então disse a verdade logo! Mas a sogra também sabia. A sogra é que me dava... Uma vez prantou-me ele lá uma teia para mim urdir, e nem sequer era (...) para mim tecer, era lá para umas outras empregadas. E foi-se embora, quando ele voltou, eu tinha-a urdida, mas (...) a senhora – que era a velhota, era a sogra dele, andava por ali, tinha ali um aviário, tratando das galinhas – lá me ia dizendo, quando ele lá chegou, eu tinha aquilo (...)
INQ2 Já tudo feito?
INF1 já tudo urdido.
INQ1 Pois, pois, pois.
INF1 Pois. Sim senhora. Pois.
INQ1 Sim senhor. Pois é.
INQ2 Então e a sua profissão era?... Era, portanto, o quê, quando fazia isso com, com o?...
INF1 Era tecelão.