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INQ1 Que idade é que o senhor tem? INF1 Eu até tenho vergonha de dizer a minha idade, veja lá a senhora. INQ1 Já me disseram mais ou menos. INF1 Vá lá a ver. INQ1 Que o senhor tinha setenta e tal. INF1 Quê? INQ1 Setenta e tal. INF1 Ah, setenta! Tenho cinquenta e nove. INQ1 Tem cinquenta e nove? INF2 Não. INF1 Pois. Oh! Oh! Oh! INF2 Tem setenta. INQ1 Já me tinham dito. Está bem. Pronto, então tem cinquenta e nove. Pronto, cá para os amigos, fica cinquenta e nove. INF1 Fiz setenta agora no dia primeiro de Dezembro. INQ2 Não parece. INF1 Já foi. INQ1 Setenta? INF1 Eu estou despachado qualquer uma hora para fazer uma viagem à lua. INQ1 Ora! INQ2 Está nada! INF1 Oh! INQ2 Mas é que não parece! INF1 Não parece?! INQ1 Sim, uma viagem à lua não é mau! INF2 Ah bem! INQ1 Se fosse à lua mesmo! INF1 Qualquer dia hei-de fazer uma viagem é para baixo. INQ1 Olhe, e o seu pai também já era carpinteiro ou não? INF1 Não, não. Ele não era, não. Não era ninguém cá da minha família. INQ1 Cá da sua família não era ninguém. INF1 Não. INQ1 Então como é que o senhor se lembrou de ser carpinteiro? INF1 Foi por causa da música. INQ1 Da música? INF1 Pois. Já vê você?! Já vê o que gosto da música! INQ2 Diga lá. INF1 Eu tocava música em gaiato pequeno. Tinha doze anos. Depois um homem além daquela casa redonda - aquela casa que está além diante? INQ1 Sim. INF1 (...) INF2 Lembro-me. Esse homem já morreu. INF1 Esse homem depois estava (...) a banhos lá num barracão lá em cima numa praia. E depois eu fui lá. A minha mãe depois quis-me mandar embora lá de casa. (...) Mas eu, eu gostei de lá estar mais ele. No dia vim para cá, vim para cá, a minha mãe deu-me um tempero de porrada, fiquei em casa. E estavam lá homens então no barracão mais ele, e eu vim cá buscar a comida para eles. E foram-lhe dizer a ele. Ele, no outro dia, mandou-me cá buscar. E pronto. Fui para lá servir para a casa dele. Ele tinha lá a oficina e depois fui aprender lá o ofício. Por causa da música. INQ2 Portanto, era... INQ1 Pois. INF1 Porque eu tocava música. Ele é que me ensinou a música também. (...) INQ1 Mas o senhor gostava mais da música? INF1 Eu gostava e gosto. INQ2 O que é que tocava? INF1 Requinta. Conhece? INQ1 Não. INF1 Um instrumento pequenino. Parece um clarinete. INQ1 Ah! Como é que lhe chama? Esse instrumento, como é que se chama? INF1 Requinta. INQ1 Requinta? INF1 Afinal de contas, foi mesmo por causa disso mesmo. E depois ele... Enfim, coisas . Arranjei aqui estas casitas, tenho estado aqui (...) sempre. INQ1 Pois, pois. Portanto... INF1 Fui lá para casa dele tinha doze anos. Eu tenho setenta, veja lá quantos anos há? Cinquenta e oito. INQ1 Cinquenta e oito anos. INF1 É. Há cinquenta e oito anos. E já está morto . INQ1 Já tem direito a descansar. INF1 Já, já. E está isto preso já por pouco tempo! Qualquer dia, carta de chamada, andor! INQ1 Não! Tem direito é a descansar antes disso. INQ2 Não. Pode é descansar. INF1 Pois. INQ1 Não é? Já trabalhou tanto tempo.
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INF1 Ah, eu cá lhe digo, pois é a verdade, se também não fosse a música, (...) eu não sei como... INQ1 Pois, acredito. INF1 Poderia então ele traçar o que é que seria certo. (...) Mas que foi mesmo por causa da música foi. Portanto, gosto muito da música, sim senhor. INQ2 Mas só tocava? INF1 Tocava. INQ2 Não cantava? INF1 Cantar? INQ2 Sim. INF1 Eu não gosto de cantar. INQ1 Mas tocava aonde? Numa banda de música? INF1 Era aqui, que havia aqui. Agora está outra nova... INQ1 Já não há? INF1 Há. Tem. INQ1 Ah! INF1 Agora ele é moças novas também. Agora está mau, é as moças só. Umas vão-se casar, outras já se casaram. Aquilo é capaz de não ser tão bom! Se fosse um moço, um moço é como o outro. É um homem. Ainda saímos a muita parte. INQ1 Foram a muitos sítios? INF1 Oh! Fomos passear a muitos sítios ainda. E também, quarenta anos assim! No dia de ontem - ontem foi quê?... INF2 São João. INF1 São João? Havia aqui festas que isso era a coisa mais linda da vida. Acabou tudo. Já não há nada. INQ1 Pois. INF1 Ah! Ontem e hoje era aqui - tchi! - aquelas festazinhas fortes. INQ1 As pessoas vão... INF1 Não é, então?! Tudo morreu! INQ1 As pessoas novas já... INF1 Já não há nada disso! INQ1 Vão a outros lugares. Há outras coisas. INF1 Agora já não há nada. INQ1 E o senhor ainda toca nesta nova banda, ou não? INF1 Não, não. Eu já (...) me esqueceu. Já me esqueceu aquilo tudo. INQ1 Sim? Não toca nem em casa, assim às vezes? INF1 Às vezes toco a música mas é outra música. Risos É música é porque eu toco. INQ1 Mas olhe que a música é mais bonito! A outra. INF1 Eu gosto. (...) Há aí assim a da Casa do Povo. INQ1 A música é da Casa do Povo? INF1 É, sim senhor. INQ1 Rhum. INF1 Parece que à noite que há aí ensaio. Parece que há. Que dia é hoje? É terça? INF3 Mais ou menos, (...) quase todos os dias há ensaio da música. INQ1 Ah! INF3 É uma banda nova que eles estão agora a fazer. INQ1 Pois. INF1 Estão aí a fazer, pois estão. INF3 Acabaram com as pessoas idosas, agora começaram os novos. INQ1 Pois. Pois. INF3 (...) Tem que se acabar com eles, os novos. INQ1 Pois. INF1 Ah! Ainda está aí muita gente viva! Não é só aqui o velho. Há muita malta nova também! Aquilo é um gosto como outro qualquer. Aquilo não tem interesse de ninguém. Mas é um gosto. INQ1 Pois, é um gosto. E uma pessoa para descansar pode também fazer isso. INF1 Não se fazia noites , não se fazia nada. INQ1 Pode ter esse gosto. INF1 Pois.
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INQ Mas de quem é isto? Isto ainda é de alguém, de algum particular, não? INF É. Isto é dum senhor que comprou isto ainda há pouco tempo. Comprou esta propriedade. INQ Ah! INF Sim senhora. INQ Isto aqui é campos de quê? INF Isto é arroz. INQ É arroz. INF São canteiros de arroz. INQ Pois. INF Isto é tudo coisas que estão abandonadas, não é? INQ Olhe lá, então e esta... INF Não sei o que é que as pessoas querem. INQ Pois. INF Querem comer e não querem tratar das coisas. INQ Qualquer dia não há comida... INF Pois é. As pessoas não querem tratar. Deixam acabar moinhos, (...) deixam acabar tudo. INQ Pois. INF Não sei... As pessoas parece que estão pensando que isto tem tendência de acabar, que não de aumentar. Não se vê completamente ninguém a aprender a tirar cortiça, INQ Pois. INF a semear batatas, sei lá, várias coisas (...) . INQ Só os velhos é que ainda sabem estas coisas. Mais ou menos. INF Pois, mais ou menos, pessoal da minha idade é que, mais ou menos, faz isto. INQ Pois. INF Mas tirando isso... E acho muito bem quem se possa defender. Por os anos que a gente vive... INQ Pois, uma pessoa... Pois. As pessoas trabalhavam antes... INF A gente podendo-se defender, poupar o nosso corpinho, que a gente se possa defender, não há nada melhor. INQ Pois. INF Agora a gente defender-se para prejudicar as outras pessoas é que não está certo, não é? INQ Pois.
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INQ1 Ó, ó senhor Galeno, como é que se chama esta planta que está aqui, alta? INF Isto? INQ1 Esta alta. Isto aqui também. INF Isso chama-lhe a gente a pita-boieira. INQ1 Serve para alguma coisa? INF Serve. INQ1 Para quê? INF Para se cortar essas folhas e dar aos bois. INQ1 Ah! INF Numa parte, aí em Dezembro, mais ou menos, que é para o animal aquecer, para não arrefecer, está a perceber? INQ1 Ah, sim, sim. INF E para lavar os barbos ao animal. A senhora sabe o que é os barbos do animal? INQ1 Não. INF É, mal comparado, (...) como aquelas partes que nós temos na boca. Estas que chama-lhe a gente aqui (...) o céu da boca. Tem estes traçozinhos assim mais ou menos. INQ1 Ah! E, e chamam barbos? INF (...) Pois. E depois aquilo alteram - não é? - por causa (...) das ervas que estão tenras. INQ1 Rhum-rhum. INF E nós (...) utilizamos aquilo para o animal calejar a boca. INQ1 Mas só de vez em quando é que lhe dão? Em Dezembro e?... INF Pois. É mais ou menos aí (...) dentro dum mês, mais coisa, menos coisa. Depois não se dá mais. INQ1 E estas aqui com picos? INF Isto é a piteira-da-Índia. INQ1 E aproveitam alguma coisa disto ou não? INF (...) Aproveita-se para porcos e aproveita-se para nós comermos. INQ1 Os figos? INF Sim. Isso é bom. INQ1 Chamam-lhe figos a essas coisas? INF Pois. Chamamos figos-da-Índia, não é? INQ1 Pois. Ainda tem aqui muitas árvores de fruto. INF (...) Isto é uma nogueira. INQ1 Esta? INF Isto é uma nogueira que veio lá de fora. Um dia destes, esteve aqui (...) uma miúda, se calhar aí com uns dezassete anos, talvez. E disse ela e o pai dela que ainda nunca tinham visto frutos numa árvore! INQ1 Ah! INF Só têm visto nas praças. INQ1 Mas só viviam na cidade, não? INF Só. E ainda nunca tinham visto os frutos numa árvore. (...) INQ2 Nenhum? INF Isso de apanhar frutos da árvore e comer, que ainda nunca tinham visto em sítio nenhum. INQ1 Olá, boa tarde. É seu filho este menino? INF É. (...) Não apertas as mãos às senhoras? INQ1 Estás bom? INQ2 Adeus. INF Pois olhem, apanhem e comam à vontade. INQ1 Ai, eu não quero, obrigadinho.
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INF Isto, olhe, eu, isto não é meu. INQ1 Está de renda, é? INF Não. Eu até, aqui, não pago nada. Porque as pessoas, hoje em dia, não arrendam nada a ninguém. E fazem bem, sabe. INQ1 Que é para as pessoas depois não ficarem lá. INF Não é isso. É que as pessoas e depois tornam-se duma forma... Eu cá nem que tivesse mil casas eu não arrendava nenhuma. As pessoas depois querem a casa e querem muito. Isto há uma falta de respeito, num certo sentido, que eu não sei se as pessoas compreendem. "Sim, sim senhor. Isto não é meu". Está a ver? " (...) O dono tem preciso, eu terei que me desenrascar". (...) É porque as pessoas não entendem. INQ1 Pois. INF Olhe, portanto, a levadazinha é isso aí. INQ1 Ah, cá está. INF Pois. Aqui por aí acima, aqui. É sempre aqui (...) esta valazinha. INQ1 Pois. INF É esta valazinha sempre por aí acima, tudo até lá acima, como eu disse lá... INQ1 Pois, pois. INF Isto vai meter lá àquela ribeira. Isto, eu não sei os anos que isto tem mas isto é muito velho. São coisas muito velhas. Porque os antigos só viviam disto. Não havia cá completamente essa advertência (...) dos moinhos de (...) de vento. INQ1 Pois. INF Sim senhora. Se quiser mais fruta, leve que vamos até lá adiante . INQ2 Não, muito obrigado. Já me chega. INQ1 Isto aqui é quê? Batata? INQ2 Sabe tão bem! INQ1 Não? Então o que é? INF Feijão. INQ2 Feijão. INF E é pimentos. Pimenteiros. Além anda uma cunhada minha a mondar o feijão. Anda a trabalhar, coitada, é doente, mas então? Está trabalhando. A vida é assim. Sim senhor. Pois eu estou à ordem das senhoras. Logo que querem ver mais algumas coisas, vamos.
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INF1 Até porque eu era para aí assim deste tamanho - e agora sou pouco maior! Risos -, via as pessoas (...) irem chamava-lhe a gente (...) às janeiras, INQ1 Sim senhor. INF1 na véspera de Ano Novo, e levarem aquilo às costas e um servia de burro para carregar com o alforge. Depois fazia-se grandes paródias, grandes danças. Hoje já nem sequer fazem essa brincadeira. INQ1 Pois. INF2 Chiiu! Então, pequenito! INF1 Olhe, isto é que cheira bem, isto. INQ2 Rhum-rhum. INF2 As senhoras sabem o que é isso? INF1 Não 'há-dem' saber?! INF2 Para o chão. INF1 Não sabe o que é? Bela-luísa. INQ1 Ah! INF2 Chamam-lhe doce-lima. INQ1 Doce-lima. INF2 Doce-lima. INQ1 Bela-luísa. INF1 Cá está o nome que eu disse às senhoras. É os portugueses, INQ1 É. INF1 (...) têm esta base . INQ1 E isto como é que se chama? INF2 Isso é... Chamam-lhe isso (...) uma árvore (...) que faz canilhas, como é que se chama (...) esta coisa? INF1 Canilheira. INF2 Chama-se uma canilheira ou sei lá. INF1 Fazer caturros. INF2 (...) Faz umas canilhas para fumar com os caturros. INQ1 Rhum? INF1 É para pôr canilhas nos caturros. INQ1 Ah, o que é os caturros? INF2 Os caturros é um... Chamam-lhe uns cachimbos, umas coisas que põem tabaco dentro, não é? INF1 Chama-se uma madressilva. O nome é esse. INQ1 Pois, pois. INF2 Pois. E depois (...) põem essa canilha muito comprida (...) no caturro e depois fumam. INQ1 Ah! INF1 (...) O nome disso é a madressilva. INQ1 É como? INF1 Madressilva. INQ1 É o nome também que eu conhecia era madressilva. INF1 Pois.
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INF Isto, a gente, a gente vai lidando com as coisas e vai aprendendo, vai tomando instrução, não é? INQ1 Pois. É isso. INF Pois, eu cá, assim uma série de coisas, pois eu não as conhecia, não é? Agora desde que lido aí com uma classe de pessoas que fizeram a vida disto, logo de miúdos, que vão aparecendo com isto e vão aparecendo com aquilo... INQ1 Pois. INF "Senhor Galeno, então já fez isto"? "Ainda não fiz"! Uma vez é à primeira. INQ1 Rhum. INF Que eu sou pessoa que não me importa. INQ1 Pois. INF Eu vou fazer aquilo que calha. - Põe aquela bicicleta à sombra! - Há pessoas que dizem assim: "Eu, ir fazer isto! Agora cá! Isso é que eu não vou fazer"! Eu, não senhor. INQ1 Pois. INF Vou experimentar. INQ1 Pois claro. INF Uma vez é à primeira. As pessoas não, quase que recusam-se fazer qualquer coisa. INQ1 Pois claro. INF Mas eu cá, então lá por isso, não. INQ1 Claro. Há gente que tem mesmo... INF E depois sabe, eu é que não dou à conta. Vocês sabem, eu sou um empregado, não é? INQ1 Pois, o senhor estava ali. Pois. INF Eu sou um empregado. Faço nove horas de serviço. Venho de lá tenho as minhas hortas para tratar; os fins-de-semana tenho as minhas hortas para tratar. INQ1 Rhum-rhum. INF Mas então as pessoas têm precisão: "Ó senhor Galeno, preciso de limpar umas laranjeiras; preciso de cavar uma terra; preciso (...) de mudar umas flores duns vasos para os outros. Venha cá, homem"! "Eu não lhe posso ir lá hoje"! "Ah, então vá tal dia". Põem-me à vontade. E depois eu trabalho sempre, não é? INQ1 Pois claro. INQ2 Custa-lhe também dizer que não. INQ1 Pois.
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INF1 Não se admirem porque as cooperativas, (...) tenho-lhe a certeza que a maior parte, se andam lá cinquenta, só dez é que fazem pela vida. Olhe que eu sozinho - está aí a minha mulher que sabe e muita gente - eu sei o que é que sofria. Ia daqui, por exemplos, a estas horas, ia atar trigo até à meia-noite, uma hora da noite; no outro dia de manhã, ia para lá logo cedo e quando chegava a hora vinha-me embora para o trabalho e voltava para lá. Olhe que eu acabei unicamente de trabalhar e não tirava um tostão. Está a perceber? INQ1 Pois. INQ2 Rhum-rhum. INF1 Isso a agricultura é muito má de resolver. A maneira só melhor que tem de resolver a agricultura era nesta sistema (...) - há pessoas que não gostam de eu dizer isto, não é? - nesta sistema: "Tens possibilidades para cultivar vinte hectares? É estes vinte que tu cultivas. Tens possibilidades para cultivar cinquenta, cultivas estes; se tens para cem, é para cem". Assim é que se isto poderia fazer alguma coisa. INQ1 Pois. INF1 E ainda dentro disso ainda havíamos de ter umas pessoas que tivessem inteligência para isso e dizer assim: "Pissst! Esta terra dá duas searas no ano; esta dá três; esta só dá uma seara e é desta qualidade". INQ2 Rhum-rhum. INF1 Não é como as pessoas estão a fazer hoje em dia. INQ1 Pois. INF1 A terra onde nem sequer dá aveia - que é a semente mais ruim que nós temos - põem lá trigo! INQ1 Pois. E depois o trigo não sai bom. INF1 Acabam unicamente de fazer a despesa e não tiram nenhum, sabe. INQ2 Não tiram lucro. INF1 Porque eu sei conhecer essas coisas todas. INQ1 Pois. INF1 Desde gaiato pequeno fui logo... Achava uma espiga de trigo, eu semeava-a! Se se criava aquele triguinho, no outro ano experimentava a semear. Já dava-me quase meio litro. INQ1 Pois. INF1 E fui sempre com a cegueira de semear. Portanto, agora, eu semeio batata, semeio feijão. Aqui não semeio trigo porque as terras não se prometem, não é? INQ2 Pois. INQ1 Claro. INF1 (...) E aqui é uma coisa: nem uma máquina temos para cultivar isto, não é? A gente agora vai falar a uma pessoa para vir fazer: "Vai fazer aquilo"... INQ1 Pois. INF1 A pessoa não quer, não é? As pessoas não querem. As pessoas habilitaram-se a esta coisa do emprego e vão... INQ1 Quanto é que um homem agora ganha aqui na agricultura? INF1 Um homem ganha aqui uns trezentos escudos. INQ1 Trezentos escudos. INF1 Pois. INQ1 Pois, é o que nos outros sítios, mais ou menos... INF1 Pois. Ganham trezentos escudos. Há sítios que é para aí duzentos e cinquenta, mas mais ou menos... INQ1 Sim, é, regula entre duzentos e cinquenta, trezentos. INF1 Pois, mais ou menos, é (...) a tabela disso, mais ou menos, é os trezentos escudos, não é? De forma que isto é assim. Tratar dumas árvores, também a gente faz muita diferença. Olhe estas árvores que estão aqui, se fossem tratadas por mim - que eu não tenho vagar -, começo-lhe aí a dar uma limpezazinha... Mas é assim, é como as senhoras sabem, isto não é meu. INQ1 Pois. INF1 Eu amanhã posso já não estar aqui; os donos, por qualquer coisa, não engraçarem comigo e eu tenho que ir para a rua. Isto não é meu. INQ1 Pois. INF1 Isto não é meu e eu não pago nada de aqui estar. Eu estou aqui pelo amor de Deus, como diz o advogado. INQ1 Pois. INQ2 Rhum-rhum. INF1 Se não paga nada, está pelo amor de Deus. E então eu quanto mais trabalho, dentro disto que não é meu, mais perco, não é? INQ2 Pois. INQ1 Rhum-rhum. INF1 As pessoas dizem assim: "Ah! Não paga nada". Ora não pago. (...) Venho de lá, venho trabalhar, os fins-de-semana venho trabalhar. Acabo por pagar uma renda grande à mesma e não tiro nenhum, está a perceber? INQ1 Pois. Pois. INF1 O que é é que se tiro umas batatas, dá para mim comer; se tiro um feijão, dá para mim comer. E então, com o ordenado que tenho dá para eu, mais ou menos, me manter mais a minha família. INQ1 Pois. INQ2 Claro. INQ1 Pois claro. INF1 Pois. Que a gente tem que fazer assim. (...) INQ1 Há quantos anos é que o senhor está empregado? INF1 Faz sete INQ1 Sete anos. INF1 agora no dia 22 de Agosto. INQ1 Na Câmara? INF1 Sim. INQ1 E antes disso não estava empregado em lado nenhum? INF1 Não. INQ1 Estava só com as coisas... Só na agricultura. INF2 Trabalhava, umas vezes por aqui, outras vezes por ali. INF1 Pois, tratava de... INQ1 Mas só em coisas da terra? INF1 Só, só, só, só. INF2 Pois. INF1 Cavar, lavrar, mondar, semear adubo, semear trigo, INQ1 Pois. INF1 mondar arroz, semear arroz, tirar-lhe a água, pôr-lhe a água, tudo coisas assim. INQ2 Rhum-rhum. INF1 Isso é tudo coisas que... INQ1 Pois. INF1 Tanto que eu acabei de dizer às senhoras: eu faço de tudo um pouco, é é tudo mal feito. Não sou artista nenhum. Não tenho tempo de aprender nada. (...) INQ1 E o seu filho também quer... Queres trabalhar na agricultura ou não? INF1 O gajo fez a quarta classe e não quis estudar mais! INQ1 Então rapaz? Fazes mal, olha depois arrependes-te. INF2 Eles e depois quando foram maiores, vão-se logo... Foi o mesmo que o outro. O outro chegou ao segundo não quis mais, o mais velho que eu tenho. Está lá no parque de campismo, ali em baixo. INQ2 Pois, pois. INF2 O pai diz: "Ah! (...) Que mais não seja, gostava que fizesses (...) o quinto ano". INF1 Vamos mostrar as flores aí da minha senhora. INF2 "Ah! Eu estou farto de estudar! Eu quero ir trabalhar! Eu quero ir trabalhar"! INF1 Para semearem as tais flores de papel. INQ1 Depois tem uma vida inteira para se fartar de trabalhar. INF2 Foi trabalhar. Pronto. Pronto.
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INQ1 Então está bem. INF1 Quando eu vim para aqui, estas árvores estava quase tudo morto. Diziam-me as pessoas assim: "Ó senhor Galeno, então, pode essas árvores"! Eu dizia: "Não senhor. Não se mexe nas árvores. Feridas demais já elas têm. E então deixa-se sarar as feridas primeiro e depois é que se limpa". INQ2 Rhum. INQ1 Pois. INF1 Porque nós se cortarmos um dedo todos os anos, todos os anos, é um caso sério, não é? INQ2 Chega ao fim. INF1 E a árvore, diz-se: "É árvore, não se dói"! Dói-se, sim senhor! INQ1 Mas... INF1 Deixa-se primeiro folgar um ano ou dois e depois é que se trata delas, não é? Porque eu fui lá para um pomar que estava morto. Quando de lá saí, o pomar era pequeno, mas já nessa altura já valia trinta e tal contos, a laranja. E quando eu fui para lá, a laranja valia um conto e quarenta e dois e quinhentos. Está a ver, aqui na praça... INF2 Nem tinha sequer uma folha verde. Eram só aqueles troços secos. INF1 É que não tinha uma folha verde. INQ1 Está a ver. INF2 Quando a gente de lá abalou era um mimo de quinta! Pois. INF1 E o dono disse-me assim então quando eu fui para lá: "O senhor depois dê uma limpezazinha a essas árvores". "Isso é que eu não faço! Se o senhor quer (...) que eu dê cabo delas, que as acabe de matar, é ir limpá-las agora nesta altura. Deixe-as lá tomar força primeiro que depois a árvore tem a força e sara a ferida de repente". INQ2 Rhum-rhum. INQ1 Pois, pois. INF1 Pois. Isto é mal comparado: a gente quando somos novos, damos um golpe, com, afinal, qualquer coisa assim aqui. A gente cura sempre mais depressa que quando temos já uma certa idade. INQ1 Pois. INF1 Porque não fica estas cicatrizes assim. INQ1 Pois, pois. INF1 Pois. A carne cresce. INQ1 Pois claro.
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INF Então e agora, este agora está desligado. Agora não está a fazer farinha. (...) Está portanto desligado, quer dizer: quando sendo para fazer farinha, INQ Pois. INF (...) põe-se (...) aquele carreto para baixo, ou o outro. É qualquer um que queira fazer farinha. INQ Pois. INF Se for para ligar os dois ao mesmo tempo, moem os dois casais lá em cima. (...) INQ Ah, porque isso tem dois, tem dois, dois, duas mós lá em cima? INF Pois. Pois. Tem dois casais de mós. INQ Ah! INF E agora estão os dois desligados, pois. (...) INQ Pois. Ruído INF Agora esses levaram aí dois sacos de farinha e, ao fim, traziam dois sacos de trigo, com pressa de ser feito. Mas (.../VB) água, por causa disso não se faz. Pois, este é de farinha de trigo, aquele é de farinha de milho. INQ Como é que chama a estas caixas? INF Eh! Isto é (...) ... A gente chamava-lhe arcas. Mas isto é (...) uma caixa é que é. INQ Arcas? INF Pois.
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INF1 É até porque eu há certas coisas que nem eu sei o nome delas. Eu não trabalhei quase que em companha de mestre nenhum. Aprendi isto (...) já depois de velho. E depois aprendi isto quase que à minha custa. INQ1 Mas não trabalhava no moinho desde novo? INF1 Não. O meu pai e os meus irmãos é que eram moleiros. Eu (...) não tinha as possibilidades (...) para poder comprar. E então pensei: "Então para andar nos moinhos de renda, então para isso ando cá noutros trabalhos"! INQ1 Pois claro. INF1 E depois sempre me apurei com uns tostões para comprar e comprei. Nessa altura é que pensei então em fazer vida disto, mas por minha conta. INQ1 Rhum. INF1 E então, nessa altura, comecei a trabalhar com isto. O meu pai estava já velhote, depois morreu, que ainda esteve mais aí (...) algum tempo, mas ele não estava já quase capaz de nada. INF2 Talvez um ano. INF1 E então parte das coisas nem eu cheguei (...) aprendendo sequer muito bem. Depois é que fui aprendendo à minha conta. INQ1 Pois. Claro. INF1 É assim. INF3 Já haverá acordeonistas aí a fazer as danças, não é? INQ1 Rhum. INQ2 Rhum. INF3 (...) INF1 Eh! Fazia às vezes. INQ1 Mas o senhor também trabalhou na agricultura? INF1 Também. Então é o que foi (...) o meu... INQ1 A sua vida foi essa? INF1 Foi a minha profissão mais. INF3 Fazer moreias, semear trigo... INF1 Pois. INF3 Semear cevada, cavar (...) ... INF1 (...) Talvez que ainda não ouvissem sequer falar nesse nome também de moreias? (...) INQ1 Moreias. É umas coisas que se põem... É com a palha ao alto, não é? INF1 Não, não. (...) É mato. (...) INQ1 Ai moreias de mato? INF1 Pois é. (...) Quer dizer que é (...) uma montanha qualquer e uma pessoa pode fazer aí moreias. (...) Faz-se de alto a baixo, e depois terra-se (...) com uns alferces - uns alferces grandes (...) em talho (...) duma enxada grande, agora dos mais pesados, mais forçosos -, enterravam-se e depois queimava-se, no Verão, queimava-se. E depois esbandalhava-se (...) aquela moreia, esbandalhava-se. E ficava aquelas 'aragotas', tinha que se tirar aquilo tudo para fora, eu sei lá! Aquilo mais trabalhos que eu sei lá! (...) E depois no Inverno, quando sendo o tempo de semear, semeava-se, pois. INQ1 Rhum. INF1 (...) Certos sítios até não se podia lá entrar (...) com uma abegoaria qualquer, assim como uma (...) junta de bois, (...) ou de bestas (...) ... INQ1 Pois. INF1 Enfim. Não se podia. Até muitas das vezes tinha de se cavar tudo a alferce. INQ1 Pois, pois. INF1 (...) Eu toquei isso tudo. Mas, lá está... INQ1 Que idade é que o senhor tem? INF1 Já fiz sessenta e cinco.
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INF1 Pois, os lavradores (...) davam aquelas terras (...) mais mal andamosas, é que eles davam para a gente fazer aí serviços. INQ1 Pois. INF1 E então a gente aproveitava, trabalhávamos para ali de castigo Invernos inteiros para fazer muitos serviços, às vezes, para quatro ou cinco alqueires de trigo. INQ1 Eles pagavam em trigo, era? Ai não, o senhor é que depois semeava. INF1 Não, era (...) para a gente semear. INQ1 Rhum-rhum. INF1 Para fazer uma sementeira (...) de moreias (...) que levasse quatro ou cinco alqueires, era preciso ser já um bocado grande para o homem fazer aqueles trabalhos todos assim (...) neste processo. INQ1 Então e depois fazia isso. E depois? E depois no ano seguinte? INF1 Então e depois no ano seguinte, quer dizer... INQ1 Continuava a ser, a trabalhar para lá, a trabalhar lá, ou não? INF1 Então, pois, nós semeávamos ... INQ1 Portanto, o senhor limpava a terra, não era? O lavrador tinha uma terra com mato. O senhor limpava, limpava-lhe a terra, semeava, e era para si? Ou era, também tinha que pagar ao, ao lavrador? INF1 Tinha. Tinha que pagar (...) a renda depois (...) ao dono da terra. INQ1 Ah! INF2 Antigamente chamava-se a ração. INQ1 A ração? INF2 Ou era de oito, ou de cinco, ou de dez, ou de doze, como fosse. INF1 Pois, dava-se o nome da ração. INQ2 Conforme. INF2 Pois, conforme. INF1 Rhum-rhum. INF2 No outro ano já não dava trigo, semeava-se cevada branca; e depois no outro ano semeava-se aveia. Que é o que eu disse ainda agora às senhoras, que é a semente mais ruim que nós cá temos. INQ1 Pois. INF2 (...) E era assim que se fazia as sementeiras, esses povos que por aí viviam, não é? INQ1 Portanto... INF2 Mas de graça ninguém dava. A gente, nós tínhamos... INF1 Agora! Não davam de graça, não. INF2 Limpávamos as terras e tínhamos que pagar sempre, não é? Agora (...) a maior parte disso está abandonado. Então e quem é que vai fazer moreias? INF1 Ah, isso não há muito! INF2 A maior parte não há ninguém que saiba fazer uma moreia, não é? A não ser pessoal desta idade. INF1 (...) O meu irmão, hoje em dia, (...) não deitava a conta. INF2 Pois, e não se pode fazer. Naquele tempo não havia adubos, não é? Tinha que se utilizar os esquemas do mato (...) ... INQ1 Pois. INF1 Pois. INF2 E era melhor do que é hoje.
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INF1 O trabalho do rechego (...) é completamente o contrário do da moreia. INF2 Pois. INF1 A moreia tinha que ser feita mesmo (...) de alto a baixo para não ficar torto nem para um lado, nem para o outro - mesmo de alto a baixo mesmo. Que era para (...) a terra segurar dum lado e doutro. Se ficasse um bocadinho à meia chapada, o de lá de baixo não segurava de maneira nenhuma. E o rechego era (...) para se lavrar com o gado. (...) Para se enregar, para se lavrar com o gado, calhava era à meia chapada. Depois já era de atravessado. INQ Pois, pois, pois. INF1 Pois. E então (...) tudo tem maneiras, não é? INQ Pois claro. Sim senhor. INF3 (...) Ainda me lembro de uma senhora que me deu doze tostões. Mil e duzentos, não é? Eu andava cuidando nuns porcos, e depois ela tinha muito mato na propriedade. E eu aborrecia-me estar assim sozinho - não é? -, os porcos andavam entretidos a foçar, não é?... Como diz cá um alentejano, eu já acabei de dizer às senhoras: andavam a foçar, não é? Eu para ali entretido, vejo aqueles rosmaninhos, tudo por aí afora, por aí afora, digo eu assim: "Ah, fazer aqui uns recheguinhos"! Começo lá a apanhar mato e a fazer uns recheguinhos (...) assim cá à minha maneira - não é? -, a ver se aprendia como via os homens fazer, os homens mais antigos, não é? A mulher passa por lá, vê uns recheguinhos que eu tinha lá feito... INF1 Deu-lhe graça? INF3 Achou aquilo bem feitinho. E depois para ali com um bocado de pau ou não sei quê, ainda lhe fiz assim uma espécie como quem tinha lavrado aquilo tudo. A terra (...) era uma terra boa de mover, (...) era de 'ombria', estava quase sempre fresca. A mulher passa por lá, vê seis ou sete recheguinhos que eu tinha lá feito, diz ela assim a um vizinho: "Olha, aqui o meu parente fez lá um trabalhinho que eu tenho que lhe dar qualquer milhadura". Mas eu nem tão pouco me vinha à ideia que tinha sido aquele trabalho que eu tinha feito. Alguma vez eu pensei lá (...) de a senhora ir lá deparar com aquilo? - que era a dona da propriedade. Digo eu: "Ora essa! Então o que é que foi? Alguma coisa mal feita, não"? "Não senhor. Fez lá uns recheguinhos tão bem feitinhos, tão bem feitinhos que só visto"! INF1 Era para quem não sabia trabalhar. INF3 Um dia chegou ao pé de mim: "Olha lá, (...) pega lá uma milhadura (...) que a prima te dá"! "Então do quê"? "Eh! Pensei em dar-te isto"... "Então mas do quê"? Eu a pensar... Até que ela me disse: "Olha, daquela desmoitazinha que tu lá fizeste, daqueles recheguinhos". Já viu? Há coisas assim. Eu vi os homens fazer aquilo, INQ2 Pois. INF3 e depois tinha cegueira naquele trabalho. INQ1 Pois. INF3 Porque a gente quando nascendo para trabalhar em qualquer coisa, a gente tem cegueira no que vê os outros fazerem. Não é preciso ser ensinado. Começa a ver, vamos lá a ver se aquilo... E eu fiz lá aquilo e a mulher caiu-lhe aquilo lá em graça. INQ1 Pois, pois. INF3 Pois. E deu-me então mil e duzentos. Ora, dez tostanitos mais dois tostanitos - como dizia o outro - naquele tempo, eh, nem queira saber! INQ1 Era uma festa! INF3 Hi! Sei lá o tempo que eu poupei aquele dinheirinho! Se me viessem agora dar mil e duzentos, o que é eu dizia? Isto é para quê, mil e duzentos? Não é verdade? INF1 (...) Nem sequer se dá aí a uma criança. INF3 No resto de um conto de réis (...) , não é conto de réis (...) sem ter os mil e duzentos, não é? INQ1 Pois. Então não é? INF3 Risos Sim senhor. Pois é assim. A gente, a maior parte das coisas, pois não é às vezes porque a gente não saiba o nome das coisas, ou não saiba como é que elas começam, às vezes não espera é de aparecer, por exemplos, como as senhoras apareceram agora. INQ1 Claro. Pois. INF3 E a gente, que a pessoa para ser entrevistada - vamos assim -, tem que ter e andar instruída e pensar e amanhã perguntam-me isto ou perguntam-me aquilo. Que a pessoa quando é apanhada de surpresa, não é por não saber, não é?... INQ1 Pois claro. Mas a gente também não se lembra. INF3 Não é por não saber... INF1 É porque não se lembra. INQ1 Não se lembra, pois claro. INF3 É que às vezes não se lembra, não é? INQ1 Claro. INF3 E depois diz: "Ora, a senhora perguntou-me isto e eu sabia isto e não disse". INQ2 Mas não tenha... Não fique preocupado com isso. INF3 Não, está certo. INQ1 Não, a gente ainda cá vem muitos mais dias. Não há problema. INF3 Está certo. Mas é assim mesmo. INQ1 O que se for lembrando, vai-se... INF3 Pois. E há aquela pessoa que pensa assim: "Não, eu faço parte disto. Amanhã ou noutro dia, espera aí. Ou com este ou aquele, eu não sei o que é que fulano traz na algibeira, ou fulana traz na algibeira. E eu trago isto a eito". INQ2 Não, mas não se preocupe. INQ1 Não, mas... INF3 Esse traz as coisas de cor. É como a cantiga, não é? INQ1 É. INF3 Trazer (...) a cantiga de cor para (...) quando disser não se enganar nos pontos, não é? INQ1 Não se enganar.
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INF1 Eu lembra-me do meu pai trabalhar num moinho de água. INQ Ai sim? INF1 Era. E é por causa disso que aprendi algumas coisas disso. Que fui eu lá a arrumar ... Calhei a ir lá algumas vezes (...) . Infelizmente comecei a andar servindo logo. Éramos muitos e depois comecei a andar servindo logo de pequeno, quase que nunca estava em casa. INF2 (...) Há um moinho em Santa Clara que também ainda deve ter ainda as peças quase todas. INQ Rhum-rhum. Pois. INF1 Bem, e às vezes sempre ia a casa (...) e ia também lá ao moinho onde o meu pai trabalhava. Trabalhou num moinho de vento muito tempo mas também trabalhou também algum tempo em moinhos de ar. INQ Pois. INF1 De água.
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INF1 Então aquilo (...) que ele cantou ali outro dia... INF2 Isso é moderno. INF1 Então (...) aquela cantiga que tocou ali o outro dia na guitarra, então ouve-se aí aquilo a alguém? - aquela "A Aurora (...) tem um menino tão pequenino". INQ1 Ah, isso... INQ2 Rhum! INF2 "A Aurora" é muito antiga, não é? INF1 Ó Galeno, aquilo é 'antiguíssimo'! INQ1 É. INF1 O rapaz tocou ali aquilo. Eh! (...) Eu cá não pude gostar mais daquilo! INF2 E ele tocou. INF1 Pois. Ali (...) o irmão aqui do genro dele tocou ali "A Aurora tem um menino tão pequenino". INQ1 Porque isso é muito bonito! Sabe tocar? INF2 Então e "O cochico da menina"! "O cochico da menina" também eles já tocam isso. INF1 Agora o de moderno outra vez. INQ1 Sim, sim. INF3 Até porque eles tocam "A Aurora tem um menino" mas eles não tocam bem, bem como ela era de antigo, está bem? INQ1 Rhum. INF3 Já tem mais ou menos coisas que já é mais moderno. INF2 Mais ou menos. Vai passando, não é? INF1 Pois. INQ1 Isso os alentejanos até cantavam isso? INF3 Pois. INQ1 Isso era muito bonito! Cantado também era muito bonito! INF1 Então e o Idálio também é engraçado. Então. Como é que eles cantaram os versos ali de "A Aurora tem um menino"? INF3 Não sei, eu não estava cá. INQ1 Pois. INF1 Eu não me lembro bem a canção. Como a minha mãe cantava era: "A Aurora tem um menino tão pequenino, e o pai quem será? Não é de freira nem frade, nem é de cochinho, nem é de (.../N) . Era assim que ela cantava. Mas havia aí quem não percebeu bem como é que eles cantaram os versos.
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INF1 Há uma outra que nós chamamos a (.../N) , que é muito boa para fazer chá (...) para quando a gente lhe dói a barriga. INQ1 Como é que se chama? INF1 Chama-lhe a gente (.../N) . INF2 A (.../N) há lá ao pé da minha casa. Há. INF1 Pois. INF2 Há lá em baixo. INF1 E essa coisa (...) do sempre-verde é para fazer o tratamento dos miúdos, quando os miúdos pequenos... (...) Realmente, até aos sete anos, todos a lua os apoquenta muito, está a perceber? INQ2 Rhum-rhum. INQ1 Pois. INF1 E depois os miúdos dormem de olhos abertos. E então fazem-lhe esse trato para os miúdos lhe passar isso. INQ1 Sim senhor. INF1 E também há quem faça arranjar (...) a rama (...) da aroeira, com um bocado de alecrim, a tal tasneira, como eu disse ainda agora, depois (...) ou faz um chá ou faz um fumozinho e passam a roupa dos miúdos (...) pelo esse fumo, para isso desistir às crianças. INQ1 Rhum-rhum. Ah, a roupa. INF1 Hoje em dia já não fazem isso. É só através de remédios com médicos. No resto, aquilo não resulta melhor que aquelas mezinhas que eram antigas, não é? INQ1 Claro. INF1 É mais rápido, não é? INQ1 Pois. INF1 Pois é. INQ1 Mas era, era muito melhor. INF1 Pois nós, quando chega a uma certa idade, já não prestamos. A gente começamos logo (...) a tomar químicas (...) para desenvolver. INQ1 Pois. INF1 Pois. Portanto, antigamente, a senhora, INQ1 Pois é. Era melhor. INF1 sabe realmente porque aí criaram-se aí pessoas aí à volta de cem anos e hoje não se cria ninguém à volta de cem anos. INQ1 Claro. Mas também morria mais gente que morre hoje. INF1 De acordo. Sim. INQ1 Antigamente as crianças morriam... Muita gente, muitas crianças sem cuidados médicos... INF1 A senhora tem razão, sim senhor. Pois, que aparecia... Pois, apareciam os males de repente que (...) não se esperavam, não é? INF2 Não se esperavam, não havia como curar . INQ1 Pois. INF1 Que havia esse aí que chamavam-lhe o... Há um cardo que nós chamamos-lhe o 'cardo-cortilho', que eu também conheço - 'cardo-cortilho' -, que é muito bom para inflamações. INQ1 Cardo? INF1 Também sei onde há isso, não é? INQ1 Isso tem alguma coisa a ver com uma doença que dava nas crianças? INF1 Isso é por causa (...) da garganta, das anginas. INF2 Da garganta. INF1 E a gente (...) ferve aquela água e depois bebe daquela água até desvastar aquele inchaço da inflamação, digamos assim. INQ1 Mas não havia uma doença que se chamava garrotilho, ou uma coisa assim? INF1 É o garrotilho. Pois. E (...) esse cardo era dedicado para isso. Pois, nós cá chamamos que é nas anginas. Isso aparece na garganta, pois. Pois. INQ1 Pois, pois, é aqui e depois... INF2 Então e (...) aquelas ervas que a gente foi apanhar para aquele senhor também que estava doente, ali assim onde morava o tio Ildefonso? INF1 Ai, isso (...) é o coiso, como é que é?... É a erva da erisípela, não é?
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INQ Olhe, e nunca acontece, as coisas quando estão ainda assim por secar deformarem-se? INF Não. INQ Não? INF Só levandem alguma porrada que se partam. Risos INQ Pois. Claro. INF Uma vez é que uma senhora aqui - era uma tia da minha mulher - ia ali a um rapaz que tinha uma oficina lá em baixo... Há muito, muito tempo, aquilo já há uma porrada de anos. E depois ele não tinha lá púcaros , para fazer o café, cozidos. (...) E o barro era encarnado parecia aquilo que estava cozido. Risos E depois diz: "Então e não vendes-me um púcaro destes, Ilídio"? "Não lhe vendo, não senhor! Isso estão crus"! "Ah, estão crus! Estás-me é a querer enganar! Não me queres é vender"! E ela tanto, tanto, tanto chateou o moço, vendeu-lhe o púcaro. Ora, o púcaro estava cru! Risos Chegou lá a casa, vá, encheu o púcaro de água. O púcaro estava seco, aguentava. Andou... O púcaro lá ao lume e, olhe, lá se foi governar. Daí a bocado quando veio de lá, já aquilo estava tudo esborralhado, Risos (...) o chá fora. Depois veio de lá, guerreou com ele: " (...) Me enganaste"?! "Eu não a enganei! Então mas não lhe disse uma data de vezes (...) que isso não estava capaz! A senhora foi teimosa, levou; não tenho a culpa que eu bem lhe disse "! Risos Ora, pois a senhora estava zangada com ele porque tinha-o enganado. Então aquilo não estava cozido! Ele não lhe disse logo uma data de vezes que aquilo estava cru? Ela queria era levar o púcaro que tinha muito preciso. Oh! Quando veio de lá aquilo estava tudo esborrachado (...) . Risos Pois.
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INQ Há quantos anos é que trabalha nisto? INF Eu? Nasci aqui dentro, faz de conta. Isto era (...) da minha mãe. INQ A sua mãe também trabalhava? INF A minha mãe trabalhava aqui dentro. INQ Pois. INF Depois ela faleceu e eu comprei isto aos meus irmãos. INQ Pois. INF (...) Agora é meu. Criado aqui toda a vida. Fomos todos criados aqui dentro. INQ Pois. Mas os seus irmãos também trabalham nesta, nestas coisas? Em barro? INF É aquele e é um outro que trabalha além do outro lado também. INQ Ah, sim, senhor. E fazem todos o mesmo tipo de peças? INF Tudo a mesma coisa. A nossa zona aqui é toda igual. INQ Pois. ... INF Por exemplo, (...) no Redondo, vamos, em Viana, no Granjal, INQ Pois. INF (...) esses sítios o modelo é outro. INQ Ah! INF Ou aqui em Setúbal, o modelo é outro. INQ Pois, pois. INF Não é igual a este nosso cá. Nem o nosso é igual ao deles! INQ Pois, pois. INF Até se ouve dizer: cada terra com o seu uso, cada roca com o seu fuso. INQ É isso mesmo.
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INF1 Já não há nada do que era no outro tempo. (...) No Redondo, ou Viana, estavam lá aí cinquenta e tal oficinas, casas destas; estão lá agora só, parece-me que são quatro. INQ1 Pois, pois. INF1 E aqui estavam seis, só aqui estão duas. INQ1 Está a ver? Isto tem desaparecido tudo. INF1 (...) E agora acabando (...) a gente os três que aí estamos, (...) devem de acabar-se os oleiros também cá em Melides. INQ1 Rhum. Pois. INF1 Porque não aprende nenhum. INQ1 Os rapazes novos não gostam de aprender? INF1 Eles não gostam disto. Isto (...) dá muito pouco e é muito trabalhoso. Acabando a gente os três, não deve de haver cá oleiro já mais nenhum. Não deve . Deve desistir. INQ1 Pois. INF1 Mas também não havia cá nenhuns. INQ1 Pois. INF1 (...) Os oleiros que estavam cá eram todos doutros sítios. Cá de Melides não havia. E depois o meu pai é que foi buscar a São Teotónio; foi lá buscar (...) uns artistas para cá que o outro tinha morrido - que era o pai dos meus irmãos. INQ1 Pois. INF1 Porque a minha mãe era viúva. INF2 Foi daqui a São Teotónio a pé, veja lá, que não havia transportes. INF1 Não havia... INF2 Então foi a pé daqui até São Teotónio. A pé, foi daqui a São Teotónio, o meu pai, que foi buscar um oleiro. Daqui, foi a pé até São Teotónio. São dezoito léguas. INQ1 Pois, pois, pois. Eu sei onde é que é São Teotónio. INF2 E depois à vinda para cá é que já achou o caminho longe, é que veio num comboio de Grândola e veio então entrar já num comboio. Já conseguiu (...) lá ir a pé para o outro lado e depois é que (...) veio parar ali a Grândola depois no comboio. Então já viu como é? Era isto . INQ1 Está a ver? Pois, pois. INF2 Sim senhor. A minha mãe fala nisso. INF1 Abalou daqui de madrugada, chegou lá no outro dia. INQ1 Claro. INF1 Diz ele que já não o dava andado . Os pés estavam todos empolados. INQ1 Pois, pois. INQ2 Se lhe parece! INF1 (...) São cem quilómetros! INF2 Não, mas ele foi ficar a São Luís. Daqui diz que foi ficar a São Luís e no outro dia é que foi para São Teotónio. Não fez a viagem toda num dia. INQ1 Pois. INF2 Era muito longa . Não fez tudo num dia. INF1 Pôs asinhas! Foi a pé até lá. Já foi andar bem! INQ1 Foi andar bem. Foi. INF2 Olha lá hoje, qual era o homem que se metia daqui a ir a pé até São Teotónio? Não me parece se lhe dessem, se calhar, dez contos. INQ1 Pois, pois, pois. INQ2 Sim. INF2 Se ele era parvo daqui a São Teotónio ele a pé!
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INF E depois veio para aqui com isto à conta desses homens. (...) Veio para cá um, ficou cá. Tomou casa por conta dele. Ele depois teve que ir à pergunta doutro. INQ1 Pois. INF Veio para cá outro, tomou casa por conta dele também. (...) INQ1 Pois. INF Ele não sabia. INQ1 Pois. INF Tinha que ir à pergunta doutro. Risos E lá esteve uma porrada de anos (...) até que o meu irmão então aprender. Então depois este é que já lhe ficou cá. E depois eu mocito também, e coiso, já fiquei aqui com isto que o Imelda (...) tomou casa por conta dele e eu fiquei aqui no lugar dele. INQ1 Pois. INF Mas não foi (...) porque ele me ensinasse. Se quis aprender, teve que ser (...) à minha custa. INQ2 Rhum-rhum. INQ1 Mas o seu pai sabia também? INF Não, o meu pai não sabe. INQ1 Ai o seu pai não sabia? INF Ele não sabia. INQ1 Mas a sua mãe sabia? INF Não, a minha mãe não sabia. INQ1 Ai não? INF Não. INQ1 Ah! INF E ele não me quis ensinar. Ainda lhe ofereci quinhentos mil réis por mês, naquele tempo, aqui (...) há trinta e tal anos. E ele (...) não quis. E depois quando eu comecei (...) assim a fazer qualquer coisa, bateu a alheta e foi-se embora. Montou uma casa por conta dele, deixou tudo para trás sem nenhum . Mas eu (...) já rabiava qualquer coisa. Quando ele soube, já ele, eu levava as noites... Eu vinha-me embora... Era o servente dele, e ele ia-se embora. Acabava o trabalho e ala! Pegava em mim ia para a roda para me entreter. INQ2 Pois. INF Pois, como tinha muita cegueira, aquilo sempre fazia mais vontade. INQ1 Pois. INF Tanto que dizia ele (...) e outros meus colegas que aí estavam, diziam: "Ele? O Galileu? Não aprende o ofício, tem umas mãos muito grandes e uns braços muito grossos"! Todos fazendo mangação de mim. Vamos lá a ver se aprendo ou não aprendi! Eu, às vezes, ia para o pé deles a ver eles trabalharem; também (...) ia sentar-me lá ao pé, ou para olhar ou para estar ali um bocado ao pé deles. Faziam uma peça ou duas e batiam a alheta, iam-se embora. "Ah, tenho que ir fazer isto! Tenho que ir fazer aquilo"!, que era para mim não ver. Risos Já viu essas que estão aí? E eu depois vinha de lá, vinha experimentar. E muito tempo não tinha vagar; vim para aqui, um servente não dava a conta a escolher o barro para ele e tirar a louça para (.../VB) isso. Fazia já de tudo menos fazer a louça.
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INF E era irmão, hã! Fará se não fosse! Risos Tinha medo de eu lhe roubar-lhe o ofício, tirar-lhe o ganho, como o outro dizia. INQ Olhe, e os seus filhos não querem aprender? INF Não tenho nenhum. Tenho só raparigas. INQ Não há nenhum?... INF Só tenho raparigas. INQ E os rapazes novos da terra, ninguém quer aprender? INF Ah, agora cá! Nem um! INQ Não há ninguém mesmo? INF Algum quer para aqui vir trabalhar?! Eles não querem, não. INQ Olhe, este bocado, dá algum nome a este bocado de barro antes de ser trabalhado? INF O barro que não é trabalhado está em cru. Ainda não está amassado. INQ Pois. INF Mas é barro à mesma, está claro... Isto leva muita volta! INQ Pois leva, mas fica muito bem. INF Leva muita volta. Isto leva muita volta! Isto (...) até apanhar uma peça de louça cozida, isto leva (...) mais de cinquenta voltas! Isto leva mais voltas que o pão que a gente come. INQ Pois, também tenho impressão que sim. INF Pois. INQ O senhor já faz isso com uma, com uma velocidade! INF Se não se fizesse muito, como é que me eu me safava?! INQ É, não é? INF As coisas baratas. Ainda no outro dia ouvi na televisão também um sujeito que também lá estava - todo muito coiso de estar na televisão - a apresentar, e depois estavam-lhe a fazer essas perguntas. E ele depois disse: "Onde a gente morrendo, a gente que cá estamos, os velhos, não deve de aparecer já cá mais nenhuns"! Esse tipo , estava uma senhora também a fazer-lhe perguntas: "Então (...) você não ensina os seus filhos"? "Eles?! Tenho dois, nem sequer aqui (...) para o lado da oficina querem vir"! E é o mesmo de que os outros todos quantos aí estão: todos têm filhos, nenhum aprendeu. INQ Nenhum, nenhum aprendeu? INF Nem um! Só aprendeu foi esse já mais velho, que é o que está além do outro lado, que (...) já tem cinquenta e tal anos. Agora essa malta de vinte e tal anos, trinta anos, ah agora cá! O meu irmão Gaspar tinha ali dois filhos - tinha e tem, está claro - um ainda esteve ali mais ele até ir para a tropa: escolhendo barro, pisando. Mexer cá na roda não, que o pai não lhe dava autorização de ele vir para cá. Senão, depois provava-lhe do petisco, mandava o pai pisar o barro e ele fazia. INQ Ah! INF Assim que veio da tropa, oh, tirou logo lá as cartas, o pai: "Vá que agora eu ensino-te". "Agora ensina-me?! Agora já não precisa de me ensinar! Agora pisa você barro e migue e carregue água"! (...) Nunca mais migou barro, nem carregou água, nem nada disso. Marimbou-se nisto. (...) O outro então nem sequer ninguém o fez então pisar barro nem migar. Abalou lá para Lisboa era moço pequeno, assim que fez a quarta classe, foi (...) para lá empregar-se. Depois quando esse, o irmão, foi (...) para a tropa, o pai ainda o quis trazer para casa. Depois veio cá estar de licença, 'feze-o' aí pisar barro, uma vez ou duas... "Anda cá se pisar barro"! A tralha tem porque acabou cá as férias, foi-se pôr ao caminho de Lisboa. Está lá acostumado a não fazer nada, vinha cá trabalhar? Agarrar-se a uma enxada? Agora! Bateu-as! Nem sequer quase que cá aparece... Nunca mais quis saber cá da olaria do pai, nem gaita. INQ Vocês aqui não pisam o barro? É amassado pela?... INF Agora já não se pisa. Mas noutro tempo (...) isto era uma coisa, pisar é que dava trabalho. Isto tinha que ser pisado a pés!
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INF Porquê? Porque cheirar no dinheiro, não compra uma coisa destas. Eu Ele não tinha o dinheiro suficiente! INQ Ah! INF Assim eu tivesse! INQ Pois. INF Como ele tinha. E eu também, também comprei esta porque o dinheiro (...) era pouco. Isto faz de conta que ma deram. Deram, foi dada! A máquina que tenho além praticamente foi dada. Eu é que não quis o dinheiro que eu tinha-lhe pago. Deu aqueles que ainda eram mais pobres de que eu. O homem vendeu-ma por um conto de réis, e disse: "Olhe, leve isto por um conto de réis"! "Oh, vende"? "Vendo, sim senhora"! (...) Dei o conto de réis, "O senhor dá de esmola aos pobres"! Não quis o dinheiro! INQ Ah! INF E eu disse para o homem, esse sujeito que lá estava, o feitor, que ele é que fez para ele me vender isto, e então disse-lhe a ele: "Olhe, dê o senhor de esmola - que o senhor faz de conta que já me deu uma esmola a mim -, o senhor dê de esmola a quem o senhor queira". Ele disse: "Então, está bem, senhor Galileu". Ele nem se negou. Ao dia tantos, mandou-me lá, apontou tudo num papel, como havia de ser, que o homem tinha preciso. Não tem muito. E então mostrou lá o nome das pessoas que ele tinha dado as esmolas aos pobres. INQ Pois. INF Porque é um homem muito, muito bom! Para esta igreja que aqui temos, quando ela ali se escangalhou - que ele é muito santanário... E eu, quando eu estive com ele, realmente deu-me assim o coiso de dizer (...) que também era assim muito santanário, e o gajo foi, (...) disse que eu ia à missa, que eu gostava de ir à missa, e o gajo fez com que o patrão vendesse aquilo por um conto de réis, logo à conta de dar-me . E ele então disse que se fosse para outro que não a levava, que ela ficava para aí estragada. INQ Pois. INF Nem ele dizia nada ao patrão, para a vender. Já uma vez uns tinham lá ido (...) para lha comprar, ele não lha quis vender. "Começaram armados"... Dizia-me ele: "Começaram armados em espertos, eu disse que (...) já não se vendia"! "Já não se vende"! E então lá fui de coiso com ele para aqui e para além, lá ele então lá foi pedir (...) para o patrão vender-me aquilo por um conto de réis. E de resto, (...) o patrão nem sequer quis o conto de réis. (...) Mandou-o dar aos pobres. Aqui para esta igreja - como eu ia a dizer -, para esta igreja deu ele oitenta contos. E há anos! INQ Rhum! INF Podem ver o que é que ele, o homem, gosta (...) da igreja!
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INQ Então e como é que aprendeu a fazer? INF1 Aquilo comecei a ouvir. Comecei a ouvir os outros a dizerem e comecei (...) a pensar que tinha que fazer também uma cantiga. E então, uma vez fomos a um canto de despique. O canto de despique, eu não tinha medo de cantor nenhum. E chegava ao canto do fado, eu tinha que me calar, pois eu não sabia! Um dia diz-me, à saída... (...) INQ Ah! INF1 Uma vez fui a um canto de despique, era mais que os outros todos. Eles voltaram-se para o canto do fado, eu fiquei calado! Diz-me um indivíduo assim: "Ah, um indivíduo que só canta ao despique, que não canta o fado, não sabe nada! Não é ninguém"! Eu daí abalei para casa e digo eu assim: "Eh, vida de diabo! Então não hei-de fazer uma cantiga"?! Fui para casa, deitei-me, comecei a pensar: "Eu tenho que fazer uma cantiga! Eu tenho que fazer! Eu tenho que fazer"! Nessa noite fiz seis cantigas. INQ Tchii! INF1 Na primeira noite fiz seis cantigas ao fado. No outro dia de manhã lembrava-me de duas ou três mas doutras não me lembrava. Fui indo, fui indo, fui indo, e cheguei a fazer dez cantigas num dia. Cheguei a fazer dez cantigas num dia, e lá tanto que chegou uma outra ocasião, vou-me outra vez a um canto de despique mais esse indivíduo - esse indivíduo e outros. Começámos (...) a cantar ao despique e tal, e (...) diz-me esse mesmo indivíduo: "Oh, o parente Gastão (...) sabe muitas cantigas ao despique, mas ao fado não sabe nada". "Ó parente, então você não é já capaz de cantar uma cantiga ao fado"? Digo: "Olhe, vamos lá experimentar, às vezes podia cantar". Fomos cantar ao despique e começámos a cantar ao fado e quando o homenzito soube, teve que se calar que já não deu a conta. Já não deu a conta às cantigas que eu tinha e diz-me: "Mas onde é que aprendeste tanta cantiga em tão pouco tempo"? Digo eu assim: "Tenho perdido muita noite de dormir". E comecei naquela coisada, e comecei em 'dir', em 'dir', em 'dir' e vou nisto. Não sei as cantigas que tenho, pois. O homenzito até já morreu, que era o parente Gedeão. O homenzito já morreu (...) e eu ainda por cá vou andando e lá de vez em quando faço uma cantiga - que ainda há poucos dias fiz duas cantigas, há poucochinhos dias. INQ Sim? INF1 E então tenho umas cantigas boas. Agora, gostava era que a senhora dissesse qual era (...) . INQ Diga aquelas que gostar mais de dizer. INF2 A senhora gosta mais antigas! As mais antigas!
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INQ Eu assim como essa nunca tinha ouvido. INF Pois não. (...) São umas cantigas que um homenzito que havia aqui me ensinou a fazer. Esse então, teve que me ele dizer: "Gastão, tu tens que fazer assim, para um dia, quando eu morrer, (...) seres capaz de fazer uma cantiga igual a mim. Que se acaso eu morro e não ensino ninguém, mais ninguém faz". E o homenzito começou-me a ensinar. Talvez vocês conhecessem: o tio Geminiano. INQ Sim. INF O pai lá do Galileu. INQ Pois. INF Esse fazia muito boas cantigas. E um dia diz-me ele: "Anda. Tu tens uma idade tão boa para fazer cantigas. 'Há-des' fazer uma cantiga como eu te digo. (...) Uma cantiga assim quintada , e tal". E eu não sabia o que era, digo: "Eu, se calhar não sou capaz de fazer". "Fazes. Olha, ele o mote é um qualquer. E então, o mote até pode ser uma palavra só. E no mote vais todas as vezes ali, andas para trás e para diante, e fazes. Olha, fazes assim, assim, assim". E eu fui indo e fiz. Fiz uma cantiga. Essa cantiga, fiz eu. E fiz uma outra (...) também que diz assim...
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INF1 Uma cantiga aqui já há muito ano, há uns, sei lá, eu não sei bem, mas, salvo erro, talvez aí uns vinte anos. Vamos lá, mais ou menos vinte anos. É uma rapariga que chegou-se a idade e não tinha namorado, pois - a idade. INQ Rhum. INF1 E então pensou namorar um rapaz. Houve um rapaz que a perguntou e ela, pois, não desgostava do rapaz. Mas lembrou-se: "Eu tenho de perguntar à minha mãe. Deixa ver o que é que minha mãe diz". Disse à mãe e a mãe disse-lhe: "Olha, eu digo ao teu pai a ver". A mãe disse ao pai, diz o pai: "Esse rapaz não convém, que isso é muito ruim, é um tipo que não convém cá para a nossa família"! É claro, o pai disse à mãe, a mãe disse à rapariga e a rapariga desistiu. Lá veio mais uns tempos, há um outro rapaz que procura a mesma rapariga. Diz ela: "Bom, talvez que o meu pai já goste deste"! E perguntou à mãe: "Minha mãe, afinal agora fulano quer-me namorar. Já será um rapaz que sirva"? "Eu logo digo ao teu pai". E ela disse ao pai e o pai disse: "Também não convém esse rapaz"! Também não convinha, diz a rapariga: "Eh diabo! Então, mas então, (...) o meu pai não gosta de rapaz nenhum! Eu tenho que perguntar ao meu pai mesmo qual é o rapaz que ele quer para mim". E então a rapariga um dia chegou ao pé do pai, diz ela assim: "Ó meu pai, eu quero casar e o meu marido onde está? Eu quero ir à sua vontade, eu caso com quem, diga lá? O pai não fique dizendo que eu que desobedeço. É verdade, eu bem conheço que o pai que me está mantendo. Mas se eu agora pretendo, eu tenho que me governar. Não se eu deve de admirar que eu para tudo estou mulher, mas com um moço qualquer, ó meu pai, eu quero casar. Se acaso não lhe convém um qualquer trabalhador, acarear um lavrador é que acho que não está bem. Porque a gente nada tem, um trabalho basta e vá, e que se a vida não for má, alguma coisa se acareia, e pergunto-lhe a vossemecê: o meu marido onde está? Disse-me que era bonito eu viver sempre solteira, ganhei uma nova cegueira, já pus um outro palpite. Ao mesmo tempo acredito, não tenho necessidade, mas tenho a infelicidade. O que é que será de mim? Por isso pergunto-o a si porque quero ir à sua vontade. O meu pai também casou, deixou-se da mocidade. E na flor da minha idade, com a mesma ideia estou. E já houve um que me perguntou e se eu quisesse era para já. Mas isto não tardará, que eu não me posso é perder. E estou à espera do pai dizer. Eu caso com quem, diga lá"? INF2 (...) Essa é muito boa! INQ É muito boa! INF1 Pois, é claro. (...) ... INQ Nunca mais se... INF1 (...) Mas o pai depois disse-lhe. O pai depois deu-lhe a resposta. Eu já digo a resposta. INF3 Se não desligarem, pois... INF1 O pai depois disse à rapariga a resposta. Disse-lhe (...) o pai então para a rapariga: "Ó filha, eu estou pensando. É o que te posso responder. Espera aí mais uns dois anos que depois já pode ser. Então estás aborrecida do mando de mãe e pai? Se quiseres ir embora vai, mas tornas-te arrependida. Tomas outra nova vida quando um ano se passando; e muitas das vezes chorando. Mas remédio já não há. Há três dias para cá, ó filha, eu estou pensando. Ó filha, diz-me a verdade, o que é que te aconteceu? Foi rapaz que te apareceu muito à tua vontade? Deixares-te da mocidade, grande coisa tem que ser! Eu não te posso valer que a tua sina é assim e que me dás esse desgosto a mim, é o que te eu posso responder. Se tu te manteres solteira e que me faças as vontades, nunca tens dificuldades, é tudo o que a filha queira! Isto é a melhor maneira e tomamos outros planos. Há por aí muitos fulanos que te querem desgraçar e toma um outro pensar, e espera aí mais uns dois anos". Pois é. "Espera aí mais uns dois anos que depois já pode ser. Deves de reparar que és nova e tens pouca idade e com a maior facilidade, te deixas logo (...) enganar. E depois vingas-te em chorar e começas-te a aborrecer. De outro rapaz não te querer, tornas-te infeliz, faz tudo como o pai diz, porque depois já pode ser". O pai não punha o defeito no rapaz! Punha o defeito era nela, que era muito nova! É. Tanto que ele diz: "Espera mais uns dois anos". Porque a rapariga logo de nova começou logo a gostar dos moços. E o pai depois dava então a desculpa que não era aquele rapaz que ele queria. Não era isso. Era a rapariga que era nova. Punha o pai (...) esse obstáculo.
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INF Há um homenzito aqui na serra já aí de uns oitenta e qualquer coisa de anos que fez uma cantiga. E de vez em quando procurava por mim e de vez em quando procura. Ainda não há muitos dias que ele me mandou recomendações. E então, às vezes, ele ia (...) para ali à do Godim - sabes onde é? -, e o homenzito aparecia e ele: "Ande, avie lá uma cantiga! Ande, avie lá uma cantiga"! E eu lá dizia uma cantiga e ele dizia outra. E dizia-me ele assim: "'Há-des' fazer uma cantiga neste mote que eu te vou dizer"! Digo: "Então, se eu for capaz"! Diz ele assim: "Olha, eu tenho uma cantiga neste mote: Vou-me fazer uma viagem, não torno cá a voltar. Sozinho não posso ir, quatro é que me vão levar". Digo-lhe eu assim: "Olhe, e talvez eu seja capaz"! "'Há-des' fazer uma cantiga nisto". O homem disse a cantiga, pois, disse a cantiga toda, e diz ele assim: "Eu gostava que tu, um dia, quando viesses aqui à do Godim, trazeres já essa cantiga para mim ouvir, no mesmo mote que eu tenho, a ver se é parecida com a minha". Mas era impossível, pois (...) não podia ser. Eu sabia lá o que é que o homem tinha dito. E então, eu disse então ao homem: "Vou-me fazer uma viagem, não torno cá a voltar. Sozinho não posso ir, quatro é que me vão levar".
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INF Fiz a cantiga assim. Uma vez fui (...) lá ao mesmo sítio e o homem, assim que soube que eu que lá estava, abalou de casa a propósito e foi lá. Foi lá, diz-me ele: "Então, amigo Gastão, então como é que a gente vai"? "Eh, vamos andando tio Gendolfo". "Então já 'fizestes' aquilo (...) que te eu pedi"? "Já". "Então vamos lá a dizer a ver se são parecidas". Não eram nada que se parecesse. O homem tinha as suas palavras. Todas no mesmo mote, sim. Passou do mote em fora, ele nunca mais aplicou uma palavra que eu apliquei e eu nunca mais apliquei uma palavra das dele. Não será? Será? É impossível, não é verdade? O mesmo artigo, quer dizer, só o mote é que era igual. INQ Pois. INF Ele diz o mote dele e eu lhe disse o meu - sendo ele o mesmo. O homem disse a cantiga dele e eu fui dizer a minha, não era palavra nenhuma... Nem eu tinha palavra nenhuma da cantiga dele, nem ele da minha. Ele foi buscar um outro afundamento, uma outra coisa qualquer, pois. E eu tinha cá um outro afundamento. Eu sou assim: quando faço uma cantiga, pergunto (...) um rumo, para ir naquele rumo sempre. (...) Ou há-de ser uma cantiga (...) só dedicada àquele artigo ou então não vale a pena a gente estarmos... Ora falamos (...) no céu, ora falamos na terra, não é nada que se pareça. Ou é tudo à terra, ou é tudo ao céu. E o homem, como não é profissional - mesmo eu também não sou, porque eu não sei ler nem escrever, não posso ser profissional, não é nada prévio ... E o homem, que sabe ler e escrever, o homem aplicou umas outras coisas que eu, mais das palavras, (...) nem sabia (...) o que é que elas queriam dizer. Mas eu como não sabia ler, é claro... Mas todos sabem muito bem as palavras o que é que querem dizer. Embora elas não sejam bem, bem declaradas, bem explicadas, mas já todos sabem, é dirigida àquele lugar. E então o homem ficou muito admirado e, às vezes, quando (...) por lá vai alguém: "Então o Gastão ainda é vivo? Ainda"? "Eh, dê-lhe lá recomendações minhas. Eu ainda me não esqueceu, hã"? E trazem-me, às vezes, aquelas notícias. E, às vezes, já tenho ido aí pela estrada, às vezes, até (...) no carro dum filho meu (...) e passarmos por ele - vai a caminho da venda - e eu digo para o meu irmão Gentiliano: "O tio Gendolfo aí vai". (...) E então o homenzito canta também umas cantigas boazinhas, mas poucochinhas.
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INF1 E há outra qualidade de erva ou, vamos assim, planta... Isto é uma planta, não é uma erva. Nós é que temos este hábito, não é? INQ Pois. INF1 Isto é uma planta chamada a alfavaca-de-cobra. INQ Ah! Que é uma coisa que os animais não podem comer, ou não? INF2 Esta água é para quê? INF1 Não. (...) Isto utiliza-se junto à erva-urze. Utiliza-se para fazer chá para a gente tomar ou para lavações por causa das hemorróidas. INQ De quê? Ah! Sim senhor. INF1 É o que os antigos utilizam é disto, sabe? Isto aí, há muita pessoa que se dá muito bem com isto. Isto propriamente não há ninguém que não tenha hemorróidas, não é? INQ Pois, pois, pois. INF1 Uns mais que outros. Só de a pessoa em lugar de utilizar o papel, usar isto... INQ Pois. INF1 Faz logo diferença usar, porque isto queima. INQ Rhum. INF1 (...) Isto é ruim de perguntar até. INQ Pois, pois. INF1 (...) Várias pessoas perguntam isto. INQ Então e estas plantas... E esta que está aqui? INF1 (...) E há também uma qualidade... Isto aí eu não (...) conheço isto pelo nome. INQ Isto é igual a isto, não é? INF1 E há uma qualidade (...) que é também muito boa, e eu lembrou-me também de vossemecês mas aqui não há, mas vossemecês conhecem bem. INF2 Esta chama-se a erva-das-sete-linhas. A alfazema, conhecem? INQ Como é que se chama? INF2 Erva-das-sete-linhas. INQ Ah! INF1 Este, pois é. Tem jeitos de ser. INF2 Quando a gente sempre vai contar, rara é a folha que não tem sete linhas. INF1 Porque (...) eu estava a olhar aqui... Mas isso utiliza-se para quê? INF2 Não sei. Isso não sei para que é que se utiliza, isso. (...) INQ Pois.
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INF1 E este arroz plantado dá sempre mais produto que o que dá o semeado. Mas o que é é que, hoje em dia, o pessoal não... INQ Mas isso dá muito trabalho para fazer um campo destes assim grande! INF1 O pessoal não dá, não é? Pois, não se arranja pessoal, não é? E as jornas estão muito caras e então não dá para fazer isso. De forma que quando o arroz (...) estando agarrado começa-se a mondar. E depois de mondar, começa-se a adubar, é (...) conforme ele estiver. (...) Se se vê que está bom, que aguenta só uma adubação, leva só uma adubação; se se vê que tem de levar duas adubações, tem que levar. A cor dele depois é que manda, está a perceber? INQ Pois, pois, pois. INF1 Se ele estiver negro como aquele está, não precisa de levar mais cobertura nenhuma - nós chamamos-lhe dar uma cobertura de adubo; se ele estiver amarelo, pois tem de levar. INQ Mas antigamente não davam nada disso? INF1 Dava-se tudo. INQ Davam adubo também? INF1 Era. Tem sido sempre, sempre, sempre, sempre. INQ Mas não, mas como é, que adubo era? INF1 E até (...) antigamente havia um adubo, que a gente chamamos cá o adubo preto - e era adubo preto mesmo -, para matar a bicheza. Esse adubo era mesmo próprio (...) para matar a bicheza, para não cortar a planta, não é? Hoje em dia já quase que não se usa. Que eu lembra-me, nesse tempo, até um senhor que fosse semear aquele adubo era avisado logo: nem podia dormir com a mulher e nem podia beber bebida nenhuma. Era avisado logo. INQ Mas porquê? INF1 Não sei lá. Era uma química qualquer que naturalmente podia infectar o sangue da pessoa, não é? INQ Pois. INF1 Pois. De forma que isso desistiu, não sei porquê. Mas isso era até um adubo que dava muita força à terra e (...) a bicheza não cortava. Vamos assim: a minhoca não cortava o arroz, não é? INQ Pois, pois. INF1 (...) E hoje corta muito não sei porquê, essa coisa. De forma que, assim a respeito das químicas, depois mais tarde é que apareceu isso de se dar com um motorzinho. Dava-se catorze por cento ou oito por cento, era consoante a erva que estava. Mas catorze por cento era um nada demais, que ainda houve alguns que queimaram as searas. Até o último ano que eu (...) andei com pessoal (...) ao pé da fábrica (...) do tomate - que é esse tomate de Alcácer - INQ Rhum. INF1 até lá (...) o gerente daquilo deu cabo da seara por (...) dar catorze por cento. Que o próprio engenheiro quando ensinou a gente, era para dar oito por cento; não era catorze. Mas tinha o azevém - (...) que é uma erva muito grande que se cria dentro do arroz -, e ele tinha medo de aquilo não se perder, e vá. Depois veio um calor muito forte, cozeu o arroz, algum arroz já a deitar (...) a espiguinha, vamos assim, a espiga - não é? -, para fora. INQ Pois. INF1 De forma que assim sobre isto, pois, a senhora depois informa-se então (...) aí com outro seareiro que tem mais... INF2 Ah, sabe melhor do que tu . INF1 Tem mais possibilidades do que eu, está a perceber? Mas (...) isto não anda lá muito longe, não. INQ ... Pois. INF1 Não anda lá muito longe, não. Porque eu (...) nasci completamente a baldear terras para semear arroz, para plantar. INQ Pois, portanto já sabe isso tudo também. INF1 Sei tratar dele, sei-o cozer e sei-o comer.
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INF De forma que é tudo coisas que a gente fazemos com facilidade e temos cegueira de fazer, sabe? INQ1 Pois. INF E eu até ando num lugar, num serviço, que eu não gosto. Que a minha cegueira é a agricultura. Se eu apanhasse uma propriedade, que eu tivesse condições para viver lá dentro, para possuir os meus animaizinhos, tratar à minha vontade, eu (...) tinha uma vida mais tranquila que do que tenho assim, não é? INQ2 Pois. INF Nem que ganhasse menos do que eu ganho, mas vivia mais distraído. INQ2 Pois. INQ1 Rhum-rhum. INF (...) Possuía gado vacum, possuía porcos, possuía cabritos, possuía ovelhas; afinal, possuía essas coisas que eu tenho cegueira nisso tudo, sabe? INQ2 Pois. Gosta de criar. INF Mas (...) não tenho - é claro -, dediquei-me agora aquele trabalho. E, se calhar, quem me comeu a carne tem que comer os ossos. Risos Pois. Agora, se calhar, só por me mandarem embora, talvez, é que eu deixo aquilo. Mas tenho sempre pena da agricultura! Portanto, as senhoras vêem: vêm aqui, vêem isto cavado. Eu venho aqui, cavo isto, vou-me para ali cavar, vou-me para a outra horta, vou cavar, não é? INQ2 Pois. Gosta mais. INF É a minha vida é assim, pois. INQ2 Pois. Olhe, fale-me agora das árvores então, que tem aqui de fruto. Esta, por exemplo... INF Essa é uma ameixeira. INQ2 É uma?... INF É uma ameixeira. INQ2 E dá... Como é que se chama o fruto? INF Chama-se a ameixa.
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INF E esta planta é erva-moura. INQ O que é que se?... INF Isto utilizava-se cá antigamente, quando nós tínhamos, (...) chamado um frúnculo, que nós chamamos cá um bichoco, não é?... INQ Rhum-rhum. INF E para ele rebentar, pisava-se isto (...) muito bem, esborrachava-se muito bem esborrachado, e depois levava um bocado de unto sem sal - quer dizer que é um bocado de banha que se tira dum porco e não se põe sal. E põe-se (...) à lareira, e ele enxuga por ele. E pisava-se então junto com isto e punha-se em cima daquele frúnculo para ele rebentar, para tirar aquela porqueira. INQ E era as verdes ou?... INF Era isto... INQ As verdes ou as negras? INF (...) Era verdes (...) e negras, mas negras era melhor, e misturado a isto, junto aqui à rama. E não era preciso ir ao médico. Eu tive coisas dessas e curava-me com isto, sabe? INQ Está a ver? INF Pois, curava-me com isto. Agora a gente já não se curamos (...) sem levar injecções. INQ Sim. INF Parece que já se não damos com as mezinhas, não é? INQ É isso.
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INQ1 Como é que o senhor se chama? INF1 Geraldo Isaías Isidoro. INQ1 E tem setenta e cinco? INF1 A 7 de Julho é mais um. Não sei o que hei-de fazer, se fuja daqui para ele não vir ter comigo. Risos INQ1 Acho que sim. INF1 Ai minha mãe! INQ1 Olhe, e os seus pais, portanto, eram daqui também? INF1 Eram, nascidos no Parral. É aquele monte grande ali. INQ1 Ah, ali em baixo? INF1 A minha mãe foi ali nascida. O meu pai era do Barranco - um monte que chamam o Barranco - mas é cá na freguesia. INQ1 E o senhor também nasceu aqui? INF1 Nasceu. (...) Éramos sete irmãos. INQ1 E ficou sempre a viver aqui? INF1 Sempre. INQ1 Ou já, ou andou por outros sítios? INF1 Não. Fui à tropa só. INQ1 Pois. INF1 A Setúbal. INQ1 Sim senhor. INF1 A senhora não é de Setúbal? INQ1 Não, sou de Lisboa. INF1 Lisboa? Fui lá à tropa, e fui tirar lá a carta e agora vou lá, (...) não sei onde estou, não conheço nada daquilo. Risos INQ1 Pois. Andou à escola, o senhor? INF1 Não. Eu aprendi a ler e a escrever sem ninguém me ensinar. INQ1 Ah sim? INF2 Em cima da mula, não foi? INF1 Ia fazer os mandados em cima da mula, à vila, buscar tabaco ao meu pai, e coisas, e levava o livro e ia estudando. Quando sabia, estava a mula queda lá à porta da cocheira em Santiago, é que sabia... Risos Mas o meu pai ensinava o meu irmão Gerânio. E a gente estávamos à roda do lume, lá no campo - aqueles lumes para a noite, no Inverno. INQ1 Pois. INF1 E então decorei o livro todo. Risos INQ1 Rhum. INF1 Por exemplo, ainda me lembra a lição mais velha e a regra do "a, bê, cê". INQ1 Como é que era? INF1 Tinha aquilo tudo decorado. Pedi ao Gerânio, que é o meu irmão, para ele dizer onde é que era, bom, aprendi a conhecer as letras todas. Mas tinha de começar além no "a". INQ1 Pois. INF1 Queria saber uma letra que estava ali primeiro já no fim, tinha que começar no "a": "a, bê, cê, dê, é, fê, guê, agá, i, gê, lê, mê, nê, ó, pê, qê, rê, sê, tê, u, vê, xis, fulano , zê". Era uma coisa assim, não era? INQ1 E tinha que correr... INF1 Aprendi a conhecer as letras todas. E depois as lições também as tinha todas decoradas. INQ1 Pois. INF1 A maior lição do livro do João de Deus... Isso não fazia falta, não é? INQ1 Não, mas diga, diga. INF1 Parece-me que era assim: Hino de Amor. Andava um dia em pequenino, nos arredores de Nazaré, na companhia de São José, o Deus Menino, bom Jesus. Eis senão quando vê no silvado andar piando e esvoaçando o rouxinol, que uma serpente de olhar guloso, (...) resplandecente como o sol e penetrante como diamante, tinha atraído, tinha encantado. Jesus diz: "Desgraçado passarinho sai do caminho". Corre a pensar que quebra o encanto, tão soluçado ou entre pranto, (...) tão repassado de gratidão, uma alegria e uma (...) veemência e uma carência (...) que me comovia o coração. Com melodia, assim foi indo e foi seguindo de tal maneira que, noutro dia, numa palmeira que havia perto onde morava Nosso Senhor em pequenino, era já certo, estava lá. Estava a pobre ave cantando o hino terno e suave do seu amor ao salvador. Esta era a última lição. INQ1 Sim senhor. INQ2 Como ainda sabe, rhã?! INQ1 Ainda se lembra! INF1 Tinha aquilo tudo decorado, tudo, o livro todo. Sabia a lição. As letras que diziam o nome eram mais esbranquiçadas, as outras eram mais vermelhas. Aprendi aquilo, sem ninguém me ensinar nada. INQ1 É verdade. INF1 Escrevia. Eu era (...) mecânico de fazer isqueiros , mandava vir coisas do Rocha-Mar Latino, de Lisboa. Nunca me veio nada errado. Agora já não sei nada. Deixei esquecer já. INQ1 Pois. INF1 Estou já no ferro velho. INQ1 Está!! INF1 É isso tudo.
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INF Eles põem essas luzes aboiadas, o peixe vem e vai à luz. INQ1 Pois. INF Pois. Está ali... INQ1 Mas é para todo o peixe ou é só para alguns? Só... É que eu pensava que era para as lulas. INF (...) Não. Apanha carapau e apanha lula . INQ2 Também? INF Apanha carapaus e vários peixes. INQ1 Ah! INF O peixe vai à luz. E depois tem uma arte que largam-lhe em volta, todo o peixe que lá esteja ao pé apanham-no. INQ1 Ah, pois. Sim, mas isso é mau porque às vezes apanham peixe muito miúdo ainda. INF Pois, apanham miúdo e (...) não é só. No ano passado aconteceu-me que eu estava com o barco (...) com o mar muito manso, queria ir para o mar - porque os meus companheiros de mar são os meus filhos - e havia uma luz enfiado na direcção (...) que eu queria sair para o mar, quando soube estava (...) o barco a encher-se de água. INQ1 Ah! INF Passei um bocadinho mais para fora, (...) porque a gente leva sempre um balde para tirar água. INQ2 Pois. INF Quando soube, diz-me o meu filho mais velho: "Pai, joguem-se à água que o barco está a ir ao fundo". Eu joguei-me à água mas o meu mais novo levava botas de borracha e a gente já vínhamos a chegar à terra quando o Germano me diz assim: "Pai, então (...) o Gervásio"? "O Gervásio"? Olhámos, não o vimos. (...) Quando ele gritou de dentro (...) do barco: "Germano anda-me cá buscar que eu não saio". "Não saio", tinha-lhe ficado então uma bota enleada na rede. E o meu Germano, o barco, por exemplos, estava assim, proa ao mar, e (...) nadou até ao pé do barco, jogou as mãos assim (...) aos braços (...) do irmão, e jogou os pés assim ao barco, puxa-o, sacudiu-lhe (...) a bota, estava presa na rede. Foi a maneira de o trazer para a terra, senão tinha morrido. INQ1 Pois, pois, pois. INF Porque essa luz estava em frente, não deixava a gente ver as ondas. INQ2 Ah! INF Que a gente depois de ir para o mar, temos de escolher a maré, claro, quanto mais pequenino seja o mar para a gente conseguir sair. INQ2 Pois. INF (...) Fomos distraídos pela luz que não (...) deixava a gente ver, à distância, (...) os mares, para escolher a maré. Aconteceu. INQ1 Pois, pois. INF Oh, quando a gente soube, estávamos a banho. Viemos a banho para a terra. E o barco depois tombou. Quando o meu Germano joga os pés ao barco desse lado, o barco tombou, a rede cai para a água. INQ1 Pois, pois. INF Depois lá conseguimos. O mar foi trazendo o barco. Quando chegámos à terra, puxámos a arte, toda empachada. (...) Levámos (...) a manhã a desempachá-la. Já não pudemos pescar nesse dia. INQ1 Pois. INF Tivemos sorte. Se calha a ser algum assim que nadasse mais mal... (...) A gente, tanto eu como o meu filho mais velho, (...) temos o curso de nadador-salvador. INQ1 Ah, pois. INF Mesmo que houvesse qualquer problema de mais grave com o mais novo, a gente tentávamos tudo por tudo. Nunca o deixávamos lá ficar. INQ1 Claro. Pois. INF É assim. São coisas da pesca. INQ1 Pois é.
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INQ E isso é para pescar que tipo de peixe? INF (...) Esta arte? INQ A... INF Esta arte apanha qualquer qualidade de peixe aqui (...) da lagoa. (...) INQ Mas só se usa para a lagoa? INF Só para a lagoa. Quer dizer, é mais própria para a enguia. Mas apanha linguados, apanha robalos, apanha tainha, apanha sargos, douradas. Apanha qualquer das qualidades de peixe que esteja aqui dentro desta lagoa. INQ Pois. E portanto o peixe... E aquelas partes ali para que é que servem? INF Aquelas partes (...) é a fazer parede e o peixe vem depois. Isto abre. Abre assim um bocadinho INQ Pois. INF e o peixe chega à (...) , chama-lhe a gente aqui os alares - daqui da parte do Sado para a frente, os alares - e o peixe entra... INQ Os alares? INF Os alares. E o peixe entra, bate nos alares, vem correndo os alares até chegar aqui. INQ Portanto, os alares é aquelas duas?... INF É (...) aquelas duas partes. INQ Compreendi. INF Tem duas partes. INQ Vem por aqui. INF E chega aqui assim, entra neste nassinho - chama-lhe a gente ele um nasso -, e depois passa o segundo. Quando passando aqui o segundo, já não sai. INQ Pois é. INF (...) Fica-lhe desta parte este nasso até aqui. INQ E isto está fechado quando lá está? INF Isto a gente (...) ata assim, ficou atado. Aqui leva uma cana, fica espetada no solo. INQ Ah! INF (...) E além em cada parte daquele alar leva outra cana. Portanto, leva três canas. INQ Portanto, quer dizer, que isto fica lá posto? INF Fica fixo. Fica fixo (...) dentro da lagoa. INQ Ah! INF E o peixe depois é que anda a girar e encontra (...) os alares, vem. INQ Vem vindo para... INF Vem correndo (...) até chegar aqui e ficar fechado. INQ Pois, pois. Sim senhor. INF Isto é (...) INQ É muito bom! INF uma invenção que se fez que aprova para o pescador. INQ Pois. INF E, quer dizer, e nós, às vezes até pode entrar aqui para dentro peixe miudinho. INQ Rhum. INF Mas mantém-se sempre vivo (...) dentro da rede. E nós quando vamos despescar esse peixe que a gente vê (...) que não serve (...) para a lota ou (...) para se vender ou para se comer ainda - está pequeno -, deitamos à água para ele (...) crescer, para se criar. INQ Para crescer. Pois, isso é muito bom. E quanto, portanto, põem isso a que horas, mais ou menos? Lá no, na lagoa? INF Quer dizer, isto, a gente pode... INQ É de manhã ou?... INF Não, isto fica... Pode-se pôr a qualquer hora. INQ A qualquer hora põem. INF Mas geralmente o peixe (...) só vem para aqui de noite. De dia (...) o peixe não gira. (...) Embora (...) que ele gire, que se (...) movimente para um lado ou outro, mas chega aí, (...) vê a rede e (...) não vai ao saco, (...) à rabana. INQ Portanto, de noite é que o peixe entra. E depois logo no dia seguinte de manhã vêm levantar ou não? INF (...) De manhã vai-se levantar. INQ Portanto, todos os, todos os dias de manhã levantam? INF (...) Todos os dias. Todos os dias. Chama a gente ir despescar (...) as nassas. INQ Despescar. INF Despescar. INQ E, e depois a seguir a despescar, voltam a pôr no mesmo sítio? INF Depois volta-se a fixar. Quer dizer, ele a gente volta-se a fixar no mesmo sítio ou 'mudará-se' para outro lado (...) . INQ Se vê que não é bom aquele. INF Se naquele sítio (...) a rede está a pescar, que se não apanha peixe um dia ou dois, nós depois 'mudamos-a' à procura (...) de outros sítios melhores, onde haja mais peixe.
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INQ Portanto, aquela arte que me disse há bocadinho, já me esqueci o nome? INF Chaves . A arte de chaves . INQ Pois. E, portanto, essa é feita da, de, do, puxa-se da terra, não é? INF É (...) do mar para a terra. INQ Do mar para a terra? INF Do mar para a terra. INQ Portanto, deixam cá um cabo... INF Um cabo e depois vamos (...) dar a volta, (...) INQ Vão largar... INF largamos a rede ao fim (...) desse cabo, e depois o regresso à terra é outro cabo. INQ Trazem o outro cabo? INF O outro cabo. INQ E depois começa-se a puxar? INF E depois puxa-se (...) dos dois cabos para a rede vir parelha. Se a rede não vier parelha, se vier lá um alar mais adiantado que outro, o peixe (...) já pode... INQ Pode escapar-se. INF Passa porque folga a malha do outro lado. E aquilo é (...) uma rede, a malha é muito aberta tem que ir esticadinha para o peixe fazer... Vê aquela sombra e mantém-se à sombra até chegar ao pé... Às vezes, até a gente vê (...) o peixe vir em negro até mesmo ali (...) ao pé (...) da arrebentação. Depois vê-se o peixe fazer o rumo logo direito ao saco. Quando a gente o vê assim, sabemos logo que ele (...) que se apanha peixe. INQ Pois, pois, pois. E, e fazem esse, essa arte durante o dia ou durante a noite? Ou ao fim da tarde? INF (...) Às vezes pesca-se (...) da parte da tarde, aí às vezes com sol, pesca-se. Mas a pesca (...) mais a sério é feita de noite. Há às vezes noites... Ainda aqui há... Olhe, (...) na noite de 25 de Abril, fiz (...) seis lanços. INQ Tchi! E são só pessoas que puxam? INF É só pessoas que puxam. INQ Quem é que costuma puxar? É só o senhor e os seus filhos também ou não? Há mais gente? INF Não. Quer dizer, há pessoas de fora (...) que faz parte da companha. Eu, presentemente, agora, tenho em companha dezasseis pessoas. Depois (...) há pessoas (...) aí do monte, às vezes, que vêm dar uma ajudazinha - não é? -, para levar uns peixes também (...) para comer, claro. INQ Pois. INF Às vezes chega a ser mais (...) ... A partir (...) das dezasseis pessoas que tenho na companha, chega a ser vinte e vinte e tal.
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INF Mas eu ouço dizer a muita gente que a sardinha faz mal, mas a sardinha tem (...) uma tripazinha que se a gente tirá-la, não faz mal. INQ1 Ah! INQ2 Não sabia. INF Já há muita gente que eu tenho aconselhado e que dizem que não podem comer, (...) que os médicos que lhe tiram-lhe de comer sardinhas, INQ2 Pois. INF e eu tenho ensinado qual é a parte e as pessoas comem, (...) dizem que não faz mal. INQ2 Olhe, se for uma... A sardinha pequenina, que nome é que lhe dá? INF (...) É esquilha. INQ1 A esquilha é a sardinha pequena? INF É a pequenina. INQ1 A mais pequenina. INF A (...) mais pequena é a esquilha. INQ2 Olhe, se andar assim uma quantidade de peixe, diz que está ali o quê? INF (...) Um cardume de peixe. É um cardume. A gente até pode-se-lhe empregar também um negro de peixe. INQ1 Um?... INF Um negro de peixe.
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INQ1 Olhe, e o, o chicharro ou o carapau, como é que costumam apanhá-lo? Não cost-, não usam uma coisa também que tem assim um, uns bicos? INF Umas toneiras. INQ1 Também? INF Apanha-se aí quando a gente (...) vimos aí (...) ... Agora também já não usamos a ir a essa pesca. Porque é na altura que a gente anda a pescar com as redes de arrasto. Apanhava-se quando se dedicámos à pesca de lula , apanhava-se. INQ1 E, mas era com quê, com essa, com uma toneira? INF Com a toneira ou com a piteira. INQ1 A piteira como é que é? INF É diferente. (...) Tem duas ordens (...) de alfinetes (...) de bicos. INQ1 Era esse então. Pois. E, e é uma coisa que vai sempre, atiram para lá para baixo e depois puxam, não é? INF Está-se sempre puxando. INQ1 Está sempre puxando. É tão giro! Já andei a essa pesca também. INF É. É giro (...) ... INQ1 É. E aquilo vêm prontos, pegam-se ali! INQ2 Rhum! INQ1 Estás a ver o que é? INF (...) O choco é que é giro. Ele o choco está enterrado na areia, no fundo do mar. E a gente, às vezes, (...) põe-lhe lá a piteira que é o que apanha mais. INQ1 A tal com a... INQ2 Rhum-rhum. INF Ele, às vezes, (...) a gente sente, dá um puxãozinho, eles largam. INQ1 Ah! INF Depois a gente vai (...) lentamente, puxando lentamente, ele às vezes descuidam-se, quando sabem estão lá eles enfiados (...) nos bicos (...) da piteira. E depois para trazer acima, temos que (...) dar-lhe umas voltas (...) com a linha INQ1 Ah! INF e entontecê-los para ele consegui-los conseguir tirá-los para dentro (...) dos barcos. INQ Ah, isso não sabia.
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INF Prognósticos? Ele é evoluções que vejo o tempo (...) duns anos (...) . Há anos que se vê, que se a gente estuda esse tempo (...) . Eu, pelo menos, (...) tenho-me orientado mais ou menos nisso. Em fim de uns tantos anos, o tempo corre igual que correu nesse determinado ano. Que está-me a lembrar que (...) há seis anos correu o mesmo tempo que está a correr agora - este que vai a correr este Verão. INQ1 Rhum-rhum. INQ2 Pois, pois. INF (...) Pelo menos até aqui (...) tem-me dado certo aquilo que eu estava a pensar. INQ1 ... INQ2 E, e olhe, e aquelas coisas, por exemplo, como é que o senhor chama, portanto, a essa coisa quando não se vê muito bem para terra? Diz-se que está o quê? INF Está (...) nevoeiro. INQ2 Ou névoa. E... INF Névoa (...) ou nevoeiro. INQ2 O que é que usa mais cá? INF (...) INQ2 É dizer que está névoa ou que está nevoeiro? Ou é diferente? INF É: (...) está nevoeiro. Está nevoeiro. Não temos visibilidade de ver (...) por onde queremos ir. Até mesmo aqui - que isto é (...) praticamente uma área fechada -, às vezes acontece (...) pensar-se que se vai ali por um lugar que há aqui - a serradinha, por exemplo, aí (...) neste rumo - INQ2 Pois. INF e a pessoa quando sabe está além assim na boca do poço, que é uma diferença aí de dois quilómetros. INQ2 Está a ver? INF E nós temos aí as ilhas que se pode orientar mas (...) não dá certo. INQ1 Pois. INF Com a névoa, a gente (...) fica desorientados de (...) tal maneira que (...) não se podemos orientar. Ainda no mar ainda, às vezes, se orientamos pela vaga. A vaga, ele a gente que sai do local, por exemplos, da amarração do barco - é que eu tenho tido barcos em Sines -, depois quero ir para rumo tal, saio (...) da amarração e (...) vejo logo como é que a vaga está, oriento-me pela vaga. INQ1 Rhum-rhum. INQ2 Pois. INF E, às vezes, calha a bater até quase certo e ir ter mesmo onde tenho as redes.
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INQ Há aqueles, aqueles que têm assim umas coisas à frente? Parecidos com as navalheiras, mas mais pequeno? INF Há o caranguejo. Há. Aqui há muito caranguejo. (...) INQ Há? E há duas, há duas espécies ou não? Ou há só uma espécie de caranguejo? INF Não, aqui há só uma espécie. Quer dizer, há o macho e a fêmea. INQ Pois. INF Mas é a qualidade só que há aqui. INQ E é clarinho ou é escuro? INF É escuro. Ele mais valia que não houvesse aqui (...) esses caranguejos. INQ Porquê? INF Dão-nos cabo da rede. Traçam. INQ Ah, pois. INF (...) Esta parte da rede, eles metem-se aqui dentro, depois traçam. Traçam. Cortam, por exemplos, (...) uma malha, INQ Rhum-rhum. INF a enguia entra aqui, pode entrar aqui cem enguias, (...) se esta rede tiver só este buraco, vêm, passam, saem todas por este buraco. INQ Pois, pois.
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INQ Uns fritos que se fazem pelo Carnaval? INF Ah, faço pelo Natal. Faço fritos. INQ Como é que se chama a esses fritos? INF Chama-se fritos feitos com massa. (...) É feitos com farinha (...) e massa. São amassados. (...) Eles são amassados, levam ali assim ervas-doces. São amassados com ervas-doces e com manteiga. São bem amassadinhos e depois são tendidos. São postos em cima (...) duma toalha, em cima duma mesa. (...) São feitos com farinha Branca de Neve e desta que cá há. Depois vão além à frigideira, são fritos. Fica além tudo em canudinhos, tudo, tudo. INQ E não têm nenhum nome? São só fritos? INF A gente cá só chama fritos. INQ E o que são as filhoses? INF As filhoses é outra qualidade. INQ Como é que se fazem? INF As filhoses são amassadas como a gente amassa o pão. E levam parece que também ervas-doces, que isso não estou bem dentro do assunto. Levam ervas-doces, (...) e são bem amassadinhas, levam vinho, levam ovos - isso também os fritos levam - e são fritadas e são feitas assim, estendidas assim com a mão. INQ Com a mão? INF Isso são fritadas também. Gosto mais de farturas, mas não é farturas. INQ Pois. Como é que se chamam então? INF Ele é filhoses.
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INQ Mas a senhora explique lá então como é? Quando trabalhava no arroz como é que era? INF1 Como é que era ele trabalhar no arroz? Olhe, (...) a primeira coisa, (...) quando cavavam lama, não davam cabo dos muros. Quer dizer que cavavam com as enxadas, não davam cabo dos muros. (...) E agora (...) dão cabo dos muros, quando é para lá ceifar o arroz, por causa das máquinas dão cabo dos muros. (...) INQ Mas como era antigamente? INF1 (...) Antigamente cavavam a terra e estavam os canteirinhos feitos e não davam cabo de nada. Quer dizer, não davam cabo de nada. E cavavam a leiva, brigavam para deixar tudo certinho, ali a leiva tudo dentro dos canteiros. E depois de ela estar cavadinha, metiam-lhe a água. Metiam-lhe a água e a gente ia picar. Íamos picar aqueles tornitos (...) da leiva, que os homens cavaram. E depois de estar tudo picadinho, íamos a rebaixar. Íamos a rebaixar, acabávamos de rebaixar, íamo-lo mondar. Íamos mondar. Se acaso eles queriam semear o arroz, punham o arroz de molho logo uns dias antes, nos sacos, e depois semeavam o arroz. E se acaso eles não queriam semear, ou estavam os viveirinhos do arroz semeados, (...) já grandinho, e a gente ia, apanhávamos o arroz, os molhinhos, e lavávamos muito bem lavadinhos. E daí atávamos os molhinhos, íamos pondo tudo atrás da gente. E depois mondávamos as terras e 'carregávamos-os' e vínhamos a plantar. Lá plantávamos o arrozinho tudo, tudo. Plantávamos, pois, tudo a dedo, plantávamos aquilo tudo. (...) E depois disso, (...) quer dizer, depois de o arroz estar lá plantado, quando ele tivesse erva, 'mondávamos-o'. Mondávamos à mão. (...) E se ele tivesse preciso de mais mondas, pois íamos sempre mondando, conforme ele precisasse da monda. Depois quando ele já não (...) ... Eles depois prantavam a água ao arrozinho, e quando ele já não precisasse de mais mondas, deixava-se, era até à ceifa. E quando ele estivesse capaz de ceifar, ia-se ceifar. E daí era atado, 'carregávamos-o' para fora, para os tractores e dos tractores (...) eram carregados para a eira. (...) Quer dizer, (...) pois tractores, nesse tempo, ele havia já tractores também. Mas carregava-se-o aí às vezes também (...) nos carros de bestas e em coisas. Carregava-se para as eiras. Ia-se para as eiras e depois era debulhado com os cavalos, com as bestas. Era debulhado com as bestas. E era limpo a braço de pessoas, como era o trigo e essas outras coisas. Era tudo limpo assim. E depois era ensacado, ia para os armazéns e era isso assim. Pois. (...) É o que eu conheço daquilo. E agora, hoje, o moderno já é mais doutra maneira. INF2 Quer dizer que (...) a plantação (...) também já foi já um bocadinho já mais moderna. INF1 Pois. INF2 Logo primeiro era só semeado. (...) Mondava-se a terra primeiro, a terra do arroz, e alguma que (...) ele que tivesse ervas, mondava-se primeiro e semeava-se. E depois eram os trabalhos (...) como a minha senhora esteve a dizer. Pois. INF1 E agora já é semeado outra vez. Agora já não há monda outra vez. INF2 Era mondado as vezes que fossem precisas. INF1 (...) Agora já é outra vez semeado. Agora é a terra arranjada da mesma maneira, o mesmo. O que é que vai lá as máquinas, têm que fazer os muros. Os que foram escangalhados têm que ser arranjados. E é tudo mondadinho à mesma, e a terra certinha, com as máquinas, e vai as pessoas ajuntam aqueles coisinhos mais altos para ficar tudo direito, e semeiam o arroz. Fica ali semeadinho. Depois as mulheres vão, apanham algumas coisinhas rente, e põem as químicas. E pronto, está o trabalho do arroz arrumado. Aquilo, pois, não tem mais... Eles vão lá pôr água quando é preciso e tirar. (...) E é o que eles fazem nos arrozes agora.
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INF O arroz era debulhado de noite. (...) Ainda trabalhei nisso também uns dois ou três Verões, nessa coisa (...) do arroz e na debulha também do arroz. Era debulhado de noite. Se acaso até ao meio-dia, às vezes, fizesse bom vento, pois no outro dia, de noite, perdíamos a noite quase toda (...) a debulhar, que levava a noite quase toda. Às vezes já era quase de manhã, descansávamos um pouco e se viesse logo vento até ao meio-dia, (...) começávamos logo a trabalhar lá (...) , pois, na eira, a limpar o arroz. Se acaso se acabava de debulhar, ele ainda se ia fazer a tarde lá (...) no alagamento depois. Trabalhava-se sempre. (...) Era de dia e de noite. INQ Pois. INF Era só ali um poucachinho (...) que se descansava já ali quase de manhã. INQ Olhe... INF Calhava muitas vezes. Os patrões, às vezes, estavam com pressa (...) do arroz tirado, calhava (...) a estar o tempo bom e eles estavam com pressa, debulhar, às vezes, dois e três calcadores seguidos, às vezes, a pessoa não dormir quase nada - de dia e de noite. Eles nessa altura, então, davam aguardente (...) para a gente beber. E às vezes umas batatas-doces para a gente assar. (...) E outras vezes, alguns - eu cá não, que eu (...) fui sempre muito contrário àquilo -, alguns (...) que tinham menos vergonha, às vezes, sabiam onde havia batatais doces, iam de noite, iam roubar batatas-doces para a gente assar, para paródia. Então a gente depois lá assávamos e bebíamos aguardente. É. E cantávamos de noite. E cantávamos e ir tocar o gado, e cantar, e dar voltas ao arroz, e aquela coisa. Ah, fazíamos aquilo em ar de paródia mas aquilo era uma maçada (...) que era disparate. INQ Ainda se lembra das cantigas que cantavam nessas coisas? INF Eu não. (...) Não fui grande coisa para cantar. Quer dizer que aprendia as coisas mas não tinha fala assim bem para cantar. Eles é que cantavam. INQ Mas ainda se lembra das, das palavras? INF Ah, pouco. Pouco me lembro já.
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INQ E um sítio com muitos pinheiros, diz-se que é um quê? INF É um pinhal. INQ É sempre assim que chamam? INF Pois. Alguns chamam-lhe um pinheiral (...) ... INQ Como é que é mais antigo? INF O mais antigo era pinheiral. Ah, eu ainda me lembro (...) de ouvir falar... Oh, os antigos pois não sabiam dizer nada, se pode dizer. Que eu , no tempo dos meus pais e dos meus avôs e dessa família, era um pinheiral, e era franças, e era tudo assim sucessivamente. Quase tudo os nomes não (...) ... (...) Quase ninguém sabia dizer as palavras como elas eram. INQ Não sabiam dizer... Agora mudaram as palavras mas... INF Pois, mudaram as palavras mas (...) mesmo dessas... INQ Essas antigas eram bem ditas também. INF Pois. Não sei, ele, pois... INQ Eram. INF No povo parece que falavam mais doutra forma. Tanto que (...) um camponês ia a qualquer vila, (...) não era preciso perguntar a ninguém para eles saberem logo (...) que eles que eram do campo. Sabiam logo! INQ Pelas palavras que usavam? INF Pois. (...) Ou vinha um homem da vila cá (...) para o campo - também calhava às vezes -, estes cá conheciam-nos logo. Ele (...) até pelo andar, parece que eles que os conheciam - que os conheciam logo. E hoje em dia não se conhece! Não se conhece ninguém! Há alguns que são nascidos aí (...) nessas serras, ainda parece (...) que eram uns lugares que - como até agora - que eram quase como os bichos. Mas não se conhece lá nada disso, hoje em dia, agora cá! Ainda agora aí passou um rapaz que mora nos (.../NPR) - que é uma casa que chamam os (.../NPR) , além (...) nuns serros -, que aquilo é longe de coiso, mas então?! O rapaz (...) andou aprendendo a ler, e agora anda no estudo, que ele é como os outros. É como aqueles lá da vila. E como àquele há aí - sei lá - dezenas e centenas deles, aí (...) por toda a parte. Pois, não há já mais, porque eles é aqueles (...) que andam assim mais no estudo, vêm (...) para bons sítios. Mas ainda há muitos. Há muitíssimos.
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INF1 A gente vai conversando e, às vezes, lembra-se como é que... Eu (...) , às vezes, até me envergonho ainda de falar assim, mas eu, muitas das vezes, calha-me é dizer como aprendi. INQ Pois claro. Eu gosto mais que diga como aprendeu. INF1 Pois. Pois. E então (...) a gente, às vezes, até deve ver como vergonha porque sabe que a palavra que não é dita assim. Mas é assim é que aprendeu (...) muitas palavras. INQ Pois claro. Então mas são tão boas como as outras. INF1 Pois. INQ São tão boas como as outras. INF1 Mas sabe, vossemecês aqui, as senhoras, são educadas e não levam isso para campo nenhum (...) de a gente ser mais parvos que outro qualquer, por via de não dizer as razões bem. É porque aprendemos assim. Aprendemos assim. Não andamos estudando (...) . Mas já aqueles mais novos - como aqui os sobrinhos aqui da minha patroa -, ontem, estavam aqui assim, e a gente até estava sempre com vergonha (...) de eles, calhando, qualquer coisinha, pois, aprenderam já (...) outra coisa. E então com uma pequena coisa que a gente se descuide a dizer assim as palavras, assim mais mal, (...) vão fazendo pagode, pois. É. (...) INQ Ah, mas não ligue nenhuma... Mas não ligue a isso. INF1 Até se fartam de rir. Até se fartam de rir de a gente dizer assim certas palavras mal ditas. INQ Não ligue a isso, não tem importância. Eles depois também dizem outras palavras que eu não, também não digo. Por exemplo, eles também... Porque to-, em cada sítio se fala da sua maneira, não é? INF1 Pois, com certeza. INQ E tão boas são as suas palavras, como as minhas, como as dos seus sobrinhos. A gente não tem nada que se rir uns dos outros! INF1 Exactamente, então pois! INQ Porque cada um tem a sua fala. INF1 Pois então. INF2 Até porque se a senhora desse em puxá-los, eles chegavam a pontos davam em dizer também coisas... INQ Que também não se usa na minha terra! Mas então eu não me dá vontade nenhuma de rir! INF1 Pois, pois. INF2 Sim. Quer dizer, o pequeno que sabe menos que o outro... O outro lida com muita gente (...) e tem estado em Sines, e (...) anda aí nessas praias, tem outro coiso. Mas o mais pequeno também sabe menos de que ele, e se vai se estender muito, quando sabe também vai-se abaixo. INQ Pois. INF2 Pois assim é que é. INQ Mas as pessoas têm as, as falas das terras onde, onde nasceram e dos sítios onde nasceram. INF1 Pois. INF2 Pois é. INQ Não têm nada que, que ter vergonha nenhuma disso. INF2 É assim, pois.
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INF1 Então eu andei aí (...) nas ceifas. Ele botava família aí de muitos lados. Não faziam muita diferença uns dos outros. INQ Pois. INF1 Então até andava um que chamavam-lhe - que era da Cabeça Gorda e (...) que era lá... INQ Já sei onde é. INF1 (...) Quer dizer, que andava (...) ... Havia um fogão - que a gente chamava-lhe um fogão que é onde se fazia o comer, não é? -, onde a gente vinha comer. E ele (...) era lancheiro, ele cozia os jantares. E então, às vezes, estava-se a conversar, a falar no comer, e falava (...) era: "comera" e "bebera" e "não pagara". Era assim uma coisa assim. INQ Sim senhor. INF1 Mas (...) tinha assim um outro tom diferente. Era (...) cá do Alentejo, mas lá mais alto lá, lá muito mais para cima. INQ Sim senhor. INF1 E tem assim (...) uma pausa que eu nem sequer sei dar aquela pausa. E a gente, às vezes, até lhe dávamos assim graça. Mas era o tom de fala era aquele, dele, do homem. INQ Pois. Pois claro. INF1 E então cada um tem lá a sua maneira, pois. INQ Pois claro. INF1 Mas eu então acho (...) que não quer dizer que as pessoas sejam assim instruídas como são em Lisboa, mas até acho (...) que esta região aqui que tem (...) a pausa de fala muito parecida com o que é lá na região de Lisboa, mais ou menos. INQ Sim, sim. Sim, sim. É muito mais parecida. INF1 Pois. Pois. INQ Então o norte é muito mais diferente. INF1 É muito diferente dum algarvio também. INQ O algarvio também. INF1 Pois. Também fazem uma fala (...) com uma pausa mais doutra forma. INQ Pois, pois. É muito diferente. O algarvio é muito diferente de nós. E o norte também é muito diferente. INF1 Pois. Com certeza. INF2 A família de Lisboa (...) tem assim sempre uma pausa mais bonita (...) que o que é para lá ou para outro lado.
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INF E havia serras também assim para dois homens serrarem. Havia os serradores - até agora -, havia os serradores que era (...) como se trabalhava até agora antes de haver... Não havia (...) estas serragens de madeiras. Pois, noutro tempo, não havia estas serragens a motor, não havia isso. E então quem fazia uma casa, por exemplos como esta, que está acabada por cima, levava aquelas madeiras, não havia cá cimentos... E então como é que se isso fazia? Fazia-se com (...) dois homens é que serravam. Quer dizer (...) que serravam aí um pinheiro que desse barrotes ou ripas, um pinheiro que fosse assim grosso, e (...) calcavam um bocadinho dum lado (...) para alinhar aquilo com umas linhas. Quer dizer, faziam (...) uma linha de, assim, (...) um fio assim grosso, (...) de lã, por exemplos, (...) uma cordinha que estendesse. E depois molhavam aquilo (...) . Queimavam uma cortiça (...) e molhavam essa cortiça ali na água. E esfregava-se ali (...) nessa dita linha, punham (...) numa ponta e noutra e depois, ali ao meio, puxava assim um bocadinho para cima, ela dava uma pancadinha ali, ficava marcado direitinho (...) duma ponta à outra do toro. Marcavam duas ou três linhas, ou quatro ou cinco, conforme a grossura do toro. Queriam de dois centímetros, ou queriam de quatro centímetros, (...) pois, conforme quisessem fazer. E depois dois homens arranjavam, quer dizer, arranjavam (...) chamava-lhe a gente uma burra em madeira, uma coisa que é (...) um talho assim quase como uma quarteira. INQ Sim senhor. INF (...) Cortavam ali na ponta (...) - dessa ponta mais alta -, cortavam-lhe um bocadinho para a madeira assilhar ali em cima; (...) do outro lado, tinham (...) umas forcas, chamava-se um (...) - não me lembro o nome que davam àquilo -, uns (...) pontais. Era pontais, parece, que se chamava. INQ Rhum-rhum. INF Esses pontais, depois além cruzados um no outro, e atavam além (...) com uma corda. (...) Um ia lá para cima desse madeiro e outro cá em baixo, e (...) com essa serra grande, que ele lá em cima puxava e outro cá empurrava um bocadinho, (...) daí puxava para baixo (...) , e um de joelhos cá em baixo, até chegar além assim à ponta, e outro lá por cima ia recuando e serravam ali (...) a madeira assim. INQ Pois. INF (...) Num dia, podiam fazer, sei lá, não me lembro os barrotes que 'fazeriam' num dia, dois homens assim que trabalhassem bem. Faziam, calhando, aí uma dúzia de barrotes ou mais. (...) E tábuas, faziam-lhe também isso assim, ou ripas, faziam assim nesse processo. Era como se usava nesse tempo. INQ Pois. INF (...) Não havia cá invenções cá (...) de maquinismos, pois. INQ Pois. INF Mas eu conheci então muito disso. INQ Rhum-rhum. INF Ainda serrei também. (...) A madeira lá da minha casa lá à Espanha - que eu tenho lá uma casinha também -, eu é que as serrei mais o meu irmão. Meu pai riscava e a gente serrávamos. O meu pai tinha uma serra dessas, grande. (...) E o meu irmão é que foi mais premiado, aqueles dois meus irmãos - um é mais novo e outro é mais velho -, mas (...) eu, parece por infelizmente, o que ganhei mais do meu pai foi ser tal e qual (...) a cara dele e (...) as maneiras, mais ou menos. E agora, fui, parece, faz de conta, enteado. (...) INQ Pois. INF Sei lá. (...) Eu é (...) que tive (...) menos sorte. Que eu comecei a andar servindo logo de gaiato. (...) E eles estiveram quase sempre em casa. Um era o mais novo de todos e o outro o mais velho de todos. (...) Éramos quatro. Esse que era assim quase da minha idade, que era mais de ao pé de mim também, quer dizer, mais de ao pé de mim, era mais novo um bocadinho, a mesma diferença que eu do que é mais velho, esse - que éramos os dois do meio -, esse (...) , coitado, morreu. Morreu tuberculoso. Tinha aí vinte e dois anos. E então (...) deram quase tudo àqueles. Àqueles dois é que eles deram quase tudo, onde deram essa serra e o machado grande, que era também de serrador. Deram-no a esse meu irmão, que é o que está agora aí para o pé de Lisboa também, já há muito tempo que para lá está. Até (...) as minhas irmãs ficaram aborrecidas por via que lembraram-se que eles que é que convenceram mais os pais para eles lhe darem aquilo quase tudo. E então não se escreviam sequer com ele. E ele escrevia-se comigo, que eu cá não... Ah! Que ele é irmão. A gente sempre sabe que é do mesmo sangue, e então... (...) Ele não os obrigou a dar nada, eles é que quiseram dar. E então, esses (...) ficaram com essa serra (...) e esse machado. Ele ficou com essa serra e esse machado e outras ferramentas mais. Eu penso que isso, que vendeu isso quase tudo (...) . Penso que aqui o mestre que é que tem essa serra, uma serra grande, uma serra boa, uma serra para serrar assim dois homens com ela, e o machado, um machado de serrador, uns machadões grandes, pois muito bons, uns machados mesmo pois feitos lá no Norte. (...) Vinham gajos de lá e que vinham para cá. (...) E mesmo aí (...) , pois, (...) nas drogarias também tinham isso também a vender. E então era um machado desses. (...) O meu pai era um homem muito opinioso que qualquer coisa que ele possuísse (...) era tudo bom. Era um homem (...) que não conhecia uma letra mas que tinha muito conhecimento assim de coisas assim. INQ Pois. INF Assim eu tivesse a habilidade que tinha sequer! Nem coisa que se pareça! Só o que eu ainda me pareço assim uma coisinha foi no toque, que ele também era tocador. INQ Rhum-rhum. INF Foi só. O meu irmão, o mais velho, esse (...) também ainda praticou qualquer coisa mas (...) não deu, deixou-se logo. Quer dizer que (...) a ele até lhe compraram logo uma concertina e tudo. E eu ganhei-a lá onde estava concertado. Ia descontando, no fim dos meses (...) é que ia pagando. Paguei-a assim de pouco a pouco, uma concertinazinha pequena, a primeira que recebi, tinha para aí dezoito anos. Depois comecei a praticar, e depois comecei então, foi aquela e comprava outra (...) . Eu a melhor que possuí foi essa que tenho aí agora. O mais foi sempre (...) uns harmónios mais ruins, mas (...) sempre já eram de outro modelo, pois. Logo em primeiro, eram de escala corrida, daquelas pequeninas. De maneiras que tem sido a vida assim.
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INF Carvão? INQ Como é que se fazia? INF Ah, isso (...) é muito complicado, pois, mas eu posso-lhe dizer algumas coisas. INQ Diga lá. Explique lá como é que era. INF Quer dizer, primeiramente, a gente, ou que dessem ou que vendessem (...) (...) uma mata ou uma brenha, lhe chamava a gente, como eu ainda comprei uma brenha, uma vez, até mais que uma vez... Comprei ali na frente duas brenhas, assim uns bocados de brenha, comprava um bocado. Também havia brenhas grandes que tinham (...) muita quantidade de cepa. Tinham cepas de 'daro' - chama-lhe a gente 'daro', uma moita chamam-lhe 'daro' - (...) e de medronheiros, e tinham aquela cepa por baixo, têm a rama por cima e têm aquela cepa. E então a gente pulávamos-se naquilo, e cortávamos-lhe a rama, e arrancávamos a cepa. E quando era medronheiros, até se arrancava logo (...) com a rama também, que dava menos trabalho a arrancar. E depois cortava-se a rama, (...) traçava-se aquilo tudo muito bem. Daí juntava-se (...) as cepas (...) e a rama (...) assim (...) num lugar que fosse jeitoso para fazer um forno. Tinha que ser em terrenos jeitosos, que se fosse muito chapada também depois era mau de segurar a terra e (...) não era conveniente. Segurava mais ao pé dum barranco ou num sítio que fosse mais bem situado um bocadinho para fazer. Fazia-se ali (...) um forno. Quer dizer, o forno, punha-se-o: primeiro assim a área dos malhais por baixo, (...) para se atravessar depois (...) uns madeiros... INQ Rhum-rhum. INF Se acaso fosse lenha do ar e se fossem cepas, podiam pôr assim: tem (...) a área (...) daquelas pontas das raízes, aquela coisa, ficavam assim um bocadinho mais armados, para não ficar fixo no chão, por causa de o lume entrar por baixo (...) . INQ Pois. INF Senão então afogava por baixo e não o ardia. Fazia-se ali um moitão, chamava-lhe a gente um forno, assim talho dum forno, assim (...) quase um talho duma camioneta, alguns eram quase o talho duma camioneta, (...) assim (...) dum certo tamanho. (...) E fulano depois terrava aquilo, (...) com um alferce ou com uma enxada e uma pá. Ia terrando. (...) Primeiro tapavam assim matos muito bem tapadinhos, e depois (...) ia-se fazendo uma parede de terra até tapar aquilo tudo. Quer dizer que nessa parede deixava-se logo uns agulheiros por baixo (...) , uns buracos - chamava-lhe a gente agulheiros -, como uns buracos por baixo (...) para o fumo sair, (...) para refolgar, (...) para arder. E deixava-se cá do lado da porta do forno também uma coisita. E então, pois, (...) deixava-se uma coisinha para largar lume cá do lado da porta. E depois quando estando a arder, tapava-se tudo. Tapava-se tudo, só ficavam os buracos. (...) Quando aquilo estivesse (...) tudo terradinho, largava-se lume, começava a arder (...) e o fulano depois tinha era que cuidar, de vez em quando, (...) a calcar a terra para baixo (...) para ir aconchegando o carvão para ele (...) não arder todo. Senão então se arder assim em a volta, que calhasse a fazer... (...) A terra, às vezes, armava um bocadinho - não é? -, se não fosse ajeitada, chegava a pontos (...) que ia ardendo por baixo, ardia tudo. Fazia-se tudo em cinza. E assim ia-se sempre acalcando a terra e sempre (...) ajeitando. E até mesmo o fumo dava sinal: (...) quando o fumo começasse a ser assim mais esbranquiçado era porque (...) estava a estragar já, estava a arder tudo. E quando fosse só que ele primeiro que parece que ele (...) que o lume que ardia só por fora um bocadinho, e ficava a lenha toda cozida, repassadinha, ficava toda em carvão. (...) Parece mentira como é que ela arde assim e (...) fica bom. E até, às vezes, um fulano depois de ele cozido, até a gente lida ali com ele (...) até parece que tine um no outro, ali (...) . INQ Rhum-rhum. INF Quer dizer, quando estando cozido (...) . Conforme os fornos eram, às vezes, calhava também a arder melhor, mas aquilo a tabela, mais ou menos, era cinco ou seis dias, uma coisa assim, a cozer um forno. (...) Quando estando cozido, o fulano via que ele já deitava pouco fumo e ia conhecendo (...) pelo terreno que ia abaixando. E o fulano (...) tinha já prática daquilo. Quando estando cozido, depois tirava-se a terra de cima para ir arrefecendo mais um bocadito. Quando estando mais frio um bocadinho, uma pessoa pulava-se nele. (...) Ia abrindo nele todo o carvão (...) para o lado, ia abrindo nele para o lado, (...) e depois empoava-se (...) . (...) Havia (...) naquela terra mesmo que saía dali, sempre havia um pó mais fino, empoava-se depois o carvão e deixava-se espalhado. Empoava-se. Quando ele (...) fosse empoado é que deixava-se. Até se varria ele depois (...) com um basculho, com uma vassoura qualquer por cima, (...) para não deixar buraquinho nenhum, senão então se ficasse qualquer coisinha, se tivesse algum lumezinho, começava a arder. (...) Ardia mesmo debaixo da terra assim. Ele depois já era bom de arder porque era já em carvão, ardia de qualquer maneira. E então ficava aquilo tudo muito bem tapadinho e de vez em quando observava-se. (...) Quando estando já bem apagado e que estivesse já frio, mais ou menos - às vezes ainda estava quente -, mas, quer dizer, que a gente já pudesse lidar, tirava-se todo para fora, punha-se em cordões e escolhia-se, se acaso tinha algumas pedras ou alguma coisa, e ensacava-se. Ensacava-se. Dali quando estando em sacas, se não tivessem carregador, carregava-se para carregador. Às vezes nuns barrancos, nuns lugares às vezes manhosos, uma pessoa carregava sacas (...) ... Às vezes tinha que levar as sacas meias e acabá-las de encher lá (...) mas já era sempre mais chato. Porque o fulano se o ensacasse ali e depois o enjoinasse - que aquilo (...) chamava-lhe a gente enjoinar. Fazia aí com uns juncos ou com uma coisa qualquer. Com juncos ou junça ou uma coisa assim é que era muito natural. Fazia assim em ar quase dum chapéu, punha-se ali em cima da saca. E depois passava-se com uns fios ali por cima, aquilo ficava ali atadinho. Ficava ali que podia-se lidar com aquilo, dar ali as voltas que desse, que não caía ali nem um bago. Não era preciso cá atar a saca, senão então levaria pouco mais de meia. (...) Ia ali (...) até levava um cagulozinho. Às vezes, até levava um cagulozinho, a saca. Pois, aquilo era a peso. Não tinha lá coiso que fosse mais cheia, ou que fosse menos. Mas era para poupar mais sacas (...) para ir mais carvão. INQ Pois. INF Às vezes, sacas que pesavam, às vezes, quatro ou cinco arrobas, um homem fraco como eu, ainda carreguei algumas, às vezes uns chapadões que a gente, às vezes, até (...) , às vezes, jogava a mão no chão. Às vezes até de 'engaitinhas' com a saca às costas, lá ia com ela até lá (...) onde fosse bom sítio, (...) para evitar de estar a carregar em duas vezes. INQ Pois. INF Porque (...) para não ser assim, tinha que ser depois enjoinado cá em cima, cá (...) num sítio bom, e carregar às mãos cheias. Era mais chato! E então, aquesses que podiam com as sacas faziam assim; e aqueles que não podiam tinham que sair ser de qualquer maneira, às mãos cheias.
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INQ O senhor nunca guardou gado, não? INF1 Não guardei gado? INQ Guardou? INF1 Oh! Era melhor que (...) não conhecesse isso. INQ O senhor conhece tudo então! INF2 Ele tem as profissões quase todas. INF1 Conheço qualquer coisa, então. Então, eu comecei (...) a guardar gado, (...) tinha nove anos. Foi logo o meu princípio... Pois, éramos pequenos. (...) Enquanto era ainda pequeno, porque (...) ele éramos muitos... Os meus pais, também por pouca sorte deles também - e eram quase todos naquele tempo, quase todos tinham muitos filhos -, eles arranjaram doze filhos. Doze que, quer dizer,que criaram-se nove e morreram três assim (...) ainda pequenos. (...) E morreu outro. Morreu outro agora já... Foi esse Getúlio, que era logo ao pé de mim, também tinha já aí vinte e dois anos. Ainda se criaram nove. Não, criaram-se oito. Parece que eu que não estou enganado. São oito. Se quisesse contá-los, ainda ia contá-los depressa. Quer dizer que agora morreu-me a minha irmã mais velha, (...) a Guiomar. E então, quer dizer, fui... Ele o meu pai, como a gente era ainda pequenos e começaram... Havia um homenzito além em Santa Cruz que até diziam que ele que era assim amaricado e o homenzito, coitado, fazia qualquer coisa (...) que o mandassem fazer. E depois, (...) às vezes, diziam para ele vir apregoar (...) para irem para as escolas ou qualquer coisa (...) que eles lá em Santa Cruz pensassem, mandavam-no, davam-lhe qualquer coisita e o homem vinha. (...) E veio uma vez cá ao pé da minha casa, ali aquele bocado no ponto mais alto que há ali à casa telhada, lhe chamava a gente, que é um ponto que é mais alto. Botou-se a gritar aí (...) para a família ouvir quem tivesse garotos que ele que os mandasse à escola (...) que era favor, que a professora que tinha mandado pedir para irem à escola e tal - lá em Santa Cruz! A escola era para ali uma casazinha, ali uns (.../N) que havia, mas, naquele tempo, era a escola que havia lá. Depois fizeram então depois lá... Agora já lá há uma escola. Pois, daí a anos fizeram depois. Mas nesse tempo não havia nada. (...) Era uma casinha que ainda lá está mas já é uma casinha já velha. De maneiras que o homem veio lá me apregoar e os meus pais pensaram: "Ah, os gaiatos estão aí" - era eu mais esse irmão mais velho, o Gibelino -, "os gaiatos estão aí, ainda ninguém lhe falou para eles saírem para sítio nenhum, mandá-los também para a escola"! Olha, (...) por minha pouca sorte ou não sei quê, andei lá cinco dias na escola mais o meu irmão, vieram falar à gente além para as Cortinas, para a gente os ir servir e (...) cuidar em gado - eu cuidava nas ovelhas e o meu irmão cuidava nos porcos. Viemos para além, estivemos além uma temporada. (...) Depois, ele a lavradora era malina, também má de aturar, e o meu irmão era também um bocado mais reguila do que eu, e então ele lá zaragateou mais ela e depois foi-se embora mas (...) tinha medo de chegar cá a casa e o meu pai guerrear com ele. Andava ali nos arredores, enquanto não esteve mais eu, não descansou. E convenceu-me para me eu me vir embora também e fui também. Deixei-os, não quis lá saber de patrões. (...) Viemos-se embora os dois e dissemos que eles tinham mandado a gente embora. Pois ele era mentira. (...) Ele é que tinha guerreado mais ele (...) e ela sempre lhe disse qualquer coisa: "Se quiseres-te ir embora, vai"! Mas ele a mim não... Eles gostavam de mim! Eles não queriam que eu abalasse. E o meu irmão, se calhar... Que ele era assim, mas se acaso ele se amansasse, eles (...) não mandavam nenhum embora. Mas o que é certo é que abalámos os dois. Abaláramos os dois mas eles ficaram sempre com pena de mim. E eu, não é lá por me estar a gabar, mas eu , sei lá, parece que tinha assim um feitio (...) ... Era (...) mais mansinho, (...) mais meigo e (...) elas tinham mais coiso por mim. E então fui para lá, mas cheguei lá num dia, no outro dia falaram-me logo (...) para outro sítio. (...) Senão então eles vinham-me buscar. Mas fui logo para outro sítio, para onde chamam Outeiro Redondo, que é (...) lá ao pé. E sabe o que é que aconteceu depois (...) lá nesse Outeiro Redondo? Quer dizer que eu que fui para lá no princípio do Inverno, tinham uma courela - (...) que a gente dá-lhe nome uma courela. Quando não sendo assim uma propriedade grande é uma courela. Além no Monte Novo que é - eu não sei avaliar... (...) Dali assim (...) do Outeiro Redondo até lá ao Monte Novo (...) que lonjura será? É pelo menos aí uns cinco ou seis quilómetros. Deve ser. Abalava dali de manhã cedo para ir soltar lá os porcos, com geadões e eu descalço, descalcinho. Olha, eu (...) não quero mentir, mas eu para mim, que se conhece ainda aqui esta mão, eu larguei a pele das mãos todas. (...) Levava um farnelzinho e eu depois (...) não podia meter as mãos nas algibeiras (...) ... Sei lá! Também era também (...) maluco! Sempre, se calhar, uma mão, se calhar, sempre podia meter. Mas umas vezes metia uma mão (...) e outras vezes outra e ficava sempre uma mão para cuidar do farnelzinho - ainda gaiato pequeno, pois tinha nove anos. Ele (...) o que sei é que passei um Inverno mais desgraçado. Chegou-se o fim (...) do Inverno, eles venderam os porcos, não tinham preciso de mim, fui logo ali para outra casa, logo para o pé, que era por conta (...) da tia Helena, que ainda hoje - essa senhora chamam-lhe a tia Helena -, que ainda hoje é viva. Uma que é mãe (...) dum que aparece aí que (...) talvez que a senhora já tenha ouvido falar nele, um que lhe chamam o Minhoca? (...) Por conta dessa mulher mais desse homem é que eu fui. Bom, esse Minhoca ainda não tinha nascido sequer! Hoje é já um homem já (...) velho, mas nesse tempo ainda não tinha nascido! Olhe, até me parece que ela que estava em jeitos de ter esse Minhoca quando eu lá estive. Mas (...) não me recordo bem.
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INF1 O que é certo estive lá, e depois assim que estive lá um tempozito, convenceram-me para me ir para outro sítio, (...) para o Sobreirinho. (...) Dali fui para o Sobreirinho, (...) ainda (...) não tinha acabado lá sequer (...) o tempo, porque eles até podiam ter preciso de mim muito tempo. Mas foi para lá depois o meu irmão no meu lugar. Mas o meu irmão esteve lá para aí (...) não chegou a oito dias, parece. (...) Quer dizer que me falaram para lá, e eles queriam-me era a mim, eu fui para o Sobreirinho e ele foi para lá no meu lugar. Mas ele não esteve lá tempo nenhum. Esteve lá poucachinho tempo. Depois continuou a estar sempre em casa, não é? (...) Ainda foi, parece, por conta do (...) ... Ainda me lembro o nome dele, o tio Gil do Isidro, que ele esteve também servindo. Mas esteve lá pouco tempo também. Mas lá é que ele ainda esteve mais um tempozito. O tio Gil do Isidro era um homem muito bom e ensinou-o a ler e tal. Ele sabia ler muito bem. Ensinou-o a ler e foi isso ainda a sorte dele também. Depois de lá já não quis servir. Esteve sempre melhor de que eu, sempre em casa. E eu, eu andei sempre naquela vida. Olha, para encurtar de razões, quer dizer que depois que vim outra vez (...) para a mesma casa cá (...) para as Cortinas. Depois já era por conta já dos filhos, (...) já a lavradora não mandava nada. Morreu o lavrador também nessa altura. E a lavradora também, aquilo estava também já muito velha e (...) elas é que mandavam. Estive lá muito tempo. Depois (...) foi para lá também um outro criado que é o Gilberto, um gajo que chamavam o Gilberto, (...) um gajo que tinha aí muita fama, aí no tempo aí da maltesaria, era um dos valentões aí! Mas o gajo era mais velho de que eu. E eu também sendo por bem era bom, mas (...) por mal também não era assim muito bom, e guerreávamos. Guerreávamos (...) e o sacana dava conta de mim, de me pegar e ir comigo à rojo por cima daqueles cardos, e ainda me bateu. E eu depois (...) de me bater, fui-me embora, fui servir para o Pinhal de Cima. No Pinhal de Cima, estive lá - era irmão (...) da tia Henriqueta, (...) que era a dona lá da Saramaga, que é uns lavradores que havia ali ao pé de São Francisco - estive lá o resto do tempo (...) até ir à inspecção. Estive (...) lá sempre (...) lá por conta deles. (...) Primeiro andava por conta dos dois e depois acabaram o negócio, fiquei por conta lá da tia Henriqueta. Estive lá até ter vinte anos. (...) Lá então é que foi essa coisa de morrer também um filho (...) dessa lavradora, que era o Giordano da Saramaga. Agora há um Giordano da Saramaga (...) que é negociante mas não é nada sequer a esse, é de lá de outra Saramaga. E então esse era um tipo rico, um tipo que toda a gente gostava dele. Era boa pessoa e mesmo era um tipo, enfim, toda a gente gostava dele, porque tinha tudo de bom. Era bondoso (...) e era um tipo instruído (...) . Mas teve pouca sorte. Deu-lhe aquele mal, tuberculose, e (...) não se curava naquele tempo, isto há (...) ... Sei lá os anos que há! Para aí mais de cinquenta. Deve de haver mais de cinquenta, pois... INQ Pois, pois. INF1 Bom, que ele morreu (...) não há mais de cinquenta, mas já há aí perto de cinquenta. Aí (...) muito perto de cinquenta. E então, nessa altura, ele possuía uma concertina, (...) esse tipo possuía uma concertina também, e tocava, e tocava bem. Mas depois deu-lhe aquele mal, coitado, morreu, tinha (...) para aí vinte anos, ou pouco mais. Ele era pouco mais velho do que eu. (...) Tinha aí mais uns três ou quatro anos do que eu. E (...) de maneira que o homem morreu, esteve muito tempo que eles não a vendiam (...) ... A concertina estava guardada e eu sabia. Que tinha um cegueirão naquilo! Eu tocava realejo. Comecei logo a comprar uns realejozinhos. E tocava realejo mas tinha uma cegueira!... (...) Aonde quer que estivesse um tocador, eu estava lá a noite inteira à roda dele. Depois eles sabiam que eu que tinha cegueira naquilo e achavam que eu que tocava bem realejo e pensaram: "Ah! A gente vendemos a concertina ao moço. Ele não tem dinheiro, mas vai pagando". Foi a maneira assim (...) de eu então comprar então uma concertina. E daí é que começou assim a ir para diante. (...) INQ Sim senhor. INF1 (...) E então que a minha vida foi a cuidar em gado, quase sempre. E depois trabalhar com gado. Depois lá (...) , por conta desses lavradores, depois (...) já era trabalhar depois com gado. Porque enquanto fui pequeno, foi cuidar em porcos, cuidar em ovelhas, cuidar (...) em cabras. Também (...) fui ajuda também dum cabreiro (...) ele também ainda algum tempo. E nesse intervalo também estive ainda a ajuda dum cabreiro também ainda um tempo lá da estalagem do Longra para diante. Andava molhado quase dias inteiros, era no Inverno. Depois os meus pais vieram-me buscar, (...) que esses cá das Cortinas vieram-me falar. Foi quando eu fui outra vez para as Cortinas depois, por conta (...) dos primeiros que eu estive. O que é certo é que depois chegou-se (...) à idade (...) dos vinte anos, fui à inspecção (...) e nunca fiquei apurado, mas depois pensei cá (...) em seguir outra vida. Pus-me à minha conta. E eles também não tinham lá grande preciso de mim. Vim para casa e comecei a fazer serviços por minha conta. INQ Rhum-rhum. INF1 E depois ajuntei-me com uma mulher, que é a mãe desse que eu tenho aí ao pé de Lisboa também. E tenho duas filhas (...) que eu lhe arranjei nessa altura que estava lá nessa Saramaga. Namorava lá uma rapariga e calhávamos a fazer (...) aquele 'entrouxozinho'. (...) E essas raparigas hoje estão bem também. Uma está em Lisboa (...) ... Talvez que as senhoras tenham ouvido falar nela: Hermenegilda? Está no Hospital do Desterro. INQ Ah! INF1 Não sei se é chefa já, se é sub-chefa, se é uma coisa assim. (...) INQ Eu não a conheço. INF1 Não conhece? Quer dizer que ela (...) foi para lá coisa... Como é que se chama? Como é o que é a Ilda Ismael, então estou agora também parvo? INF2 Não é enfermeira? INF1 Enfermeira, pois. INQ Enfermeira? INF1 (...) Se não é chefa de enfermeira, é muito perto já disso. INF2 E ela já manda. INF1 E (...) essa até eu não estava assente por pai dela (...) logo no princípio. Depois assentei-me por pai dela; ela pediu-me para mim me assentar por pai dela e eu assentei-me por pai dela. Ah, asneiras que uma pessoa faz! INF2 E a outra mora aqui em São Francisco. INF1 A mulher, INF2 (...) INF1 (...) quer dizer que a que eu estive junta com ela, também era uma mulher que, pois, que não era de desperdiçar. Mas aquela é que eu tinha as minhas filhas, (...) aquela é que eu havia de ter aproveitado. Mas, convencido também pelos outros, e pensei de fazer melhor governo cá, calhou aquilo assim. INF2 (...) Depois ela deixou-lhe o filhinho com três anos. INF1 Foi sofrer mais um bocado depois também. (...) Fiquei eu com um gaiato pequeno e ela bateu-se para a galderice (...) ... INF2 Para a galderice, e nem sequer hoje liga ao filho. INF1 E eu fiquei (...) ... INQ Mas ainda é viva? INF1 Mas (...) a respeito de estar assim só, não me calhava aquilo bem! E a entreter-me lá com outras, esta começou-se a ajeitar também e eu comecei a tomar conhecimento dela, pois casei-me com esta, juntei-me com esta. (...) INF2 E ainda lá tinhas outra primeiro que eu! INF1 Esta então (...) não temos filhos nenhuns. INF2 Não és muito bom . INF1 Ainda arranjámos um filhinho mas foi-se abaixo. E não quisemos mais nenhum. Fomos cuidar na vida. A gente começou a andar mais descoberta, mais coiso. A gente abriu os olhos mais um bocadinho a evitar-se, pois, a ver maneiras para se defender, (...) não os ter! INQ Pois claro. INF2 Agora tem cinco netinhos!
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INF Noutro tempo, não se pagava as rendas de casa. (...) Quer dizer que não se pagava (...) esses que não pagavam. E não pagavam luz, não pagavam água, não pagavam nada disso. E trabalhavam um ano, dia-a-dia, o que é que eles apuravam? Não apuravam nada. INQ Nada. Pois claro. INF (...) Eles não ganhavam para comer! Eu trabalhei ainda algum tempo por conta de outros, ganhar meio alqueire de farinha (...) num dia (...) . Ganhava num dia, o dia todo, ganhava meio alqueire de farinha, que era cinco quilos. Dava a gente (...) o nome de alqueire de farinha. Era cinco quilos. Era meio alqueire de farinha. Agora (...) para não estar (...) a amiudar mais, (...) para ser assim mais rápido... Um outro dia falaram-me para atar além aquela cevada. Quer dizer que falaram para mim porque eu tinha-lhe dado uma ajudinha e depois a mulher - como lhe eu tinha dado a ajuda - (...) gostava que fosse eu que fosse atar o resto, para não vir outro depois. E então levou-me três horas a atar. Foi esta ainda ajudar também. Fiz três horas além a atar, pagaram-me cinquenta escudos cada hora. Ganhei cento e cinquenta escudos nessas três horas. (...) Ora, a farinha está a dez mil réis, ou a dez e quinhentos - eu, aqui, para ganhar qualquer coisa, que o Inácio traz-ma para aqui. INQ Pois, pois. INF Eu vendo-a a dez e quinhentos mas ele lá vende-a a dez mil réis. Ganhava, nessas três horas, ganhava, quer dizer, ganhava quê? Quer dizer, ganhava cinquenta escudos à hora, ganhava quinze quilos de farinha, não é isso? INQ Pois, pois. INF Quinze quilos de farinha. Ganhava quinze quilos de farinha, (...) onde eu trabalhei (...) aí dez horas, trabalhar dez horas, e para ganhar meio alqueire, (...) que era cinco quilos só. INQ Pois. INF Ora, vejam (...) bem a diferença que é. Mas dentro disso, há mais outras explicações que eu me ficou também de lembrança. (...) Quando comprei o moinho, depois tinha ainda pouca freguesia, e foi na altura que (...) entraram, mais ou menos, essa coisa das oito horas, que há aí uns vinte e tal anos. INQ Sim, sim. INF (...) E uns (...) queriam as oito horas e outros (...) não se importavam de trabalhar o dia todo, as dez horas. E então houve uma ajunta (...) . Um homem trouxe uma ajunta para cavar milho, e depois naquelas ajuntas era trabalhar de empreitada, pois. Ele pagava logo mais (...) para ver se acaso ele tinha homens. E então, naquelas ajuntas já se sabia que era trabalhar de empreitada o dia inteiro. Sabe como é que ele pagava nesse tempo? A três mil réis à hora. Esse homem ainda é vivo. Foi o Goderico. Aqui (...) ao pé de Santa Cruz, (...) é para cá do Parral um bocado. O Goderico. Esse homem ainda é vivo. (...) E ainda deve estar lá homens (...) que foram lá (...) a essa ajunta a cavar milho. E eu já possuía o moinho. Foi quando comprei o moinho (...) e ainda estive (...) em vistas de ir também. Depois não fui. (...) Comecei a pensar: " (...) Então e se vou-me lá, então e se fazer cem quilos de farinha"... Pois, porque podia vir uma marézinha boa de vento, portanto . INQ Pois. INF O meu moinho era fraco mas se fizesse cem quilos de farinha ganhava dez quilos. Ganhava trinta e cinco escudos. Já vendia a farinha a trinta e cinco escudos. (...) Então eles era preciso fazerem dez horas de trabalho (...) para ganharem trinta. INQ Ganharem isso. Pois, pois. INF Pois, a três mil réis à hora, era trinta escudos. INQ Pois. INF (...) E então, (...) nem sequer o que se ganhava, (...) mesmo naquele trabalho que ele pagou melhor... Que (...) ainda não se ganhava num dia para um alqueire de farinha, no Verão, naquele tempo. INQ Pois, está a ver? INF Ora, agora, assim ganha-se quê? Ora, faz-se aí oito horas de trabalho, são quatrocentos escudos, a cinquenta escudos, que nem é a jorna maior! Nem é a jorna maior! Eu (...) como sou amigo da família e até parece que não estava acostumado assim a tanto dinheiro, até não queria sequer aquele dinheiro, aquilo (...) da Ilda. INQ Pois. INF Eu nem sequer queria. Mas ela disse: "Não, porque é o que (...) o meu homem anda ganhando. É o que o meu homem andou ganhando. E ele agora está doente e não pode ir. Mas é como ele vai ganhar". Agora ainda ganha muito mais! Mas nessa altura: INQ Pois, pois. INF "Pronto, era como ele andava ganhando e é como lhe eu pago também". Ora, está a ver que, (...) nessa altura, numa hora não se ganhava para um quilo de farinha? INQ Pois, pois. INF E agora numa hora ganha-se (...) ... INQ Para mais. INF Sim. Numa hora ganha-se para cinco quilos. (...) INQ Pois, para uma hora ganha-se para cinco quilos. INF Para cinco quilos. (...) Ora as diferenças que é! (...) E qual é que é a coisa de primeira necessidade? É o pão! INQ Pois claro. INF Cá por mim, acho que seja. INQ Claro. INF Cá na minha maneira de ver, acho que é o que (...) ... INQ Pois claro. INF Cá o meu elemento, (...) para mim, acho (...) que o pão que é uma coisa de primeira necessidade. INQ Pois. INF E então, acho que isso seja uma grande coisa para o governo. (...) INQ Pois claro. INF Sim, (...) para a criatura se governar. (...) Que o fulano quando tendo pão e tempero... INQ Claro. INF Que era uma das coisas que andava também muito cara era o tempero. E hoje em dia, ainda é uma das coisas que ainda anda um bocadinho caro ainda é o azeite. Mas ainda assim mesmo, uma mulher ia aí trabalhar - como esta minha foi trabalhar -, ia ganhar um litro de azeite por dia. Então qual é a mulher agora que quer ir trabalhar a ganhar um litro (...) de azeite por dia? INQ Pois. INF Nenhuma. Ganham todas daí de dois litros sempre para cima. E ainda é uma das coisas que eu acho mais caras. E então é por isso que estas coisas como eu estou aqui estão a não valer nada, por isso. Eu não tenho pena por isso. INQ Pois. INF Isto não é dizer que... INQ Pois claro. INF (...) Com isto não é dizer (...) que queria ver os outros mal para mim estar bem. INQ Pois. INF Eu gosto até que seja assim. Porque eu defendo-me noutras coisas. Pois, não sou obrigado (...) a viver só daquilo! Mas aquela criatura que viva só daquilo... Que há muita gente que não está dentro do assunto e pensam em ser muito espertos (...) e até nem escutam a nossa conversa muita das vezes que a gente vai-lhe explicar estas coisas. Dizem: "Ah! Vão-lho ali levar. E até agora podiam-lho carregar. Podiam-lho carregar e tudo. É rico ". Aqueles agora vão-lho ali levar e tudo. E mesmo assim, ainda acham que estão mal? (...) Então se ganhavam a dez por cento, agora ganham a catorze por cento? Que aí nos outros sítios ganham a vinte por cento e eu aqui tenho estado a ganhar a catorze. Mas nem que ganhassem a vinte, nem que fosse a trinta, nem que fosse a trinta e um por cento, (...) não 'equivalava' o que era a dez até agora. (...) Nem perto, nem certo! (...) A gente vende o género, não rende como as outras coisas; a jorna é que está a dar mais qualquer coisa e as outras coisas custam tudo muito; se a gente vai vender o género para ir comprar as outras coisas, então... INQ Pois. INF Já se sabe que trabalhar naquilo, vendo o que ganho ali para ir comprar as outras coisas, (...) se o género não rende, pois se o negócio não pode dar, a gente não pode viver dali! INQ Pois claro. INF (...) Mas com isto, as outras pessoas está tudo bem. (...) E eu tenho gosto com isso porque estou também melhor também por isso. INQ Pois, claro. INF Porque muitos ajudam. Muitos ajudam que (...) não me podiam ajudar, se estivessem mal, não me podiam ajudar. INQ Claro. INF Como os meus filhos. INQ E antigamente. INF Pois. INQ Era muito pior. INF Os meus filhos, aquele (...) que esteve assim mais tempo em companha de mim, é assim, volta e meia, está quase sempre a mandar coisas e assim mesmo os outros. Volta e meia sempre ajudam. (...) E se acaso não fosse assim, porque se acaso a vida estivesse como estava, eles não me podiam ajudar. INQ Pois claro. INF Pois se eles estavam também mal, estava tudo mal! INQ Pois claro. INF E então! A vida está muito diferente (...) do que era mas, cá na minha maneira de ver, está para melhor. INQ Ah, pois está. INF Agora o dia de amanhã ninguém o viu. INQ Pois claro. INF Quando pode amanhã estar pior. INQ Claro. INF Pode estar... Pode-se resultar (...) a estar pior. (...) INQ Está melhor do que antigamente, ai isso de certeza absoluta! INF Pois. E então se quiserem encher qualquer coisa, isto a minha conversa não quer dizer nada. INQ Ah! Então não quer?! INF É mais coisas por dizer, mas não... INQ É importante para nós.
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INQ E depois o que é que se faz mais? Depois de se fazer o, o queijo, há aquela água que vai saindo, como é que se chama àquela água? INF Aquela água é o almece. INQ E depois faz-se mais alguma coisa? Do almece? INF Do almece? Se a gente quiser beber assim frio, bebe; e se quiser (...) atabafar, atabafa. (...) INQ E como é que?... Diga. INF E se não quiser, dá-o para os bichos ou joga-o fora. INQ Como é que é atabafando? INF (...) Quer dizer que até, hoje, como fazem os queijos, já é também quase tudo atabafado também. Quer dizer, tira-se dalém e a gente põe-no num tachinho, ou numa coisa qualquer, põe a ferver um bocadinho ali, ali no fogão, ou no lume, ou isso que calhar, e depois quando estando quentinho, as pessoas gostam de sopas ali dentro, migam ali sopas de pão e comem. INQ E chamam-lhe como a isso? INF Quer dizer que (...) é sopas de almece. E se a gente não quiser atabafar, faz ali (...) com ele frio, e põe - agora no Verão -, põe ali sopas ali dentro e come-se aquilo. E a gente gosta daquilo. INQ É bom. INF Porque aquilo é bom!
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INF As vasilhas que tinham era manjedouras (...) para o gado comer (...) . INQ Pois. E para a água? INF Agora para a água, iam beber lá (...) ao pé das pias, (...) ou a poços, ou isso. Uns (...) davam-lhe água mesmo dentro de caldeirões, mesmo apropriados para isso, INQ Pois. INF (...) e outros tinham umas masseiras, faziam umas masseiras em madeira. INQ Ah, pois. Era essa. INF Pois, faziam. (...) Quer dizer que de qualquer madeiro, faziam ali umas masseiras. INQ Sim senhor. INF Ele ia-se cortando ali até se fazer aí uma masseira grande. Faz a gente uma masseira do tamanho que quer. Desde (...) que o madeiro dê para isso, faz-se aí uma masseira grande de (...) qualquer madeiro. INQ Pois. Olhe, e como é que se chama a p-, a porcaria das vacas? Assim no chão? INF (...) É as bostas de bois (...) ou de vacas. INQ É sim senhor. Olhe, e depois juntam-se as bostas todas aonde? Faz-se uma quê? INF Faz-se um moitão de estrume. INQ Olhe, então o, o ovelheiro anda, anda cuidando em quê? INF Nas ovelhas. INQ Ou nos?... Se for o macho? INF (...) Ou nas ovelhas, ou nos borregos, ou carneiros, isso que é. INQ O borrego é o pequenino? INF Pois. Borregos é pequenos e quando sendem aí mais dum ano (...) já é carneiros.
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INF Pois, a gente, quer dizer, a gente chama manos mas também tratamos por os nomes. INQ Mas o, chama-se mano a quem? INF (...) Quer dizer, eu chamava-lhe mano a ele. INQ Mas é por ser mais velho, ou por?... INF (...) Quer dizer, por ser mais velho, ou por ser mais novo, a gente chama: "Mano, isto", ou "Mano, aquilo". Mas a gente, como a gente se trata, mesmo verdadeiro é: "Fulano", pelo nome. "O meu Godofredo", ou o nome deles. Ou "O meu Gonçalo", ou "o meu este ou aquele". É o que a gente diz mais. INQ Mas porque é que a senhora no outro dia disse mano? INF Disse mano porque calhei a dizer mano. INQ Mas ele também lhe disse a si? INF Pois. (...) Foi porque calhou assim. INQ E à sua cunhada também disse. INF Pois também. (...) Também lhe chamo mana quando calha. INQ Ai sim? INF Pois. Também lhe chamo mana quando calha. (...) INQ Mas é costume cá na terra? INF (...) O que a gente chama cá mais é o nome (...) mesmo próprio. Pois. (...) Chamar o nome da pessoa. Lá por sermos irmãos, mas chamamos o nome que a pessoa... INQ Sim senhor.