TRC01
INF A festa do Espírito Santo passa... Como é que eu hei-de dizer? Ele primeiro do que tudo é tirar o pelouro. A pessoa faz uma promessa e depois tira o pelouro, ou tira o sorteio, no dia do bodo, e depois de tirar o pelouro, ou seja o sorteio, vai para a sua casa e trata de arranjar bezerros. INQ Esse, esse tirar do pelouro é feito quando? Em que altura? INF No dia do bodo. INQ No dia do bodo. INF Sim, sim, sim. INQ No dia do bodo tira-se o pelouro para o ano seguinte. INF Para o ano que vem. Sim, sim senhor. De forma que o homem vai para a sua casa e trata de arranjar bezerros, compra dois bezerros, três bezerros; há pessoas que oferecem um bezerro também dado - que eu também ofereço um todos os anos - percebeu? -; e há os benfeitores que vão engordar aqueles bezerros um ano inteiro. Quando é ali quinze dias perto de ele dar a sua função, ele vai convidar os seus amigos e parentes - quem quer e entende - para a sua casa, para durante aquela semana irem para lá rezar o terço e mais ele todos os dias à noite, amassar o pão do Senhor Espírito Santo - não é? -; e na quinta-feira há a folia dos bezerros; na sexta-feira há a matança dos bezerros, que eu vou matar os bezerros e vão pessoas ajudar-me a matar os bezerros - não é? -, cozer o sangue; (...) na sexta-feira, ou seja, no sábado, faz-se a distribuição da carne com os convidados e por os pobres - não é? -; vão partir a carne e fazem a distribuição da carne; porque depois é: tem que se salgar a carne que é para a sopa de domingo, têm que fazer alcatras para aquele pessoal no domingo e também há umas rodas de carne que são feitas para trazer aqui para o teatro para distribuir no domingo pelas pessoas que vêm aqui, no dia do bodo; e lá faz-se então o jantar em casa do imperador que dá a função - pode ser para duzentas pessoas, pode ser para trezentas, pode ser para quatrocentas - não é? -, tanto seja que seja as pessoas que ele convida, faz-se esse...
TRC02
INF Agora ele era no domingo... Isto já se falámos da distribuição da carne no sábado. INQ Pois. INF No domingo, eu vou para lá de manhã, como mestre da função, e mais pessoas convidadas para ajudar, a gente vai buscar a carne donde ela está; a gente arma dez, doze panelas de ferro grandes de cinquenta litros, cada uma; tenho homens que vão buscar-me lenha para ao pé, outros a acartar água - não é? -, outros vão buscar as mesas, outros vão buscar a carne, deitam em cima das mesas; aquela carne é toda lavada; e depois de ser lavada, é deitada nas panelas, deita-se os temperos dentro... Não sei se quer que lhe diga os temperos que é que se vai deitar dentro? Quer? Pois os temperos, em cada uma panela dessas de cinquenta litros, leva uma cebola e meia grande, seis dentes de alho, meio litro de vinho branco, duzentas e cinquenta gramas de toicinho de fumo, uma barra de manteiga até não cozer bem a carne - quando a carne está bem cozida leva mais uma barra de manteiga, vêm a ser duas barras -, sal, tal e qual o paladar que a pessoa tenha é que vai temperando, tal e qual precisa; e depois de a carne estar cozida, a gente deita-lhe molho da alcatra dentro. Que vem a ser umas alcatras de 'batacozes' que se faz, que seja a mão de vaca. Que ele no continente não sei se dizem que é geleia de vaca, ou qualquer coisa assim parecida; a gente aqui chama-lhe é 'batacozes'. INQ 'Batacozes'? INF 'Batacozes'. É as mãos de vaca; a gente faz umas alcatras donde tira esse molho para a sopa; a gente deita-o na panela; quer dizer, água, deita-se a que precisa - não é? -, e meio litro de vinho branco - parece-me que já repeti isso. E quando a carne está cozida, a gente tira a carne; e depois de tirar a carne é que a gente faz um tempero final. A gente tempera... Eu tempero as panelas todas, provo e acho uma ou outra um pouco mais insonsa, já não vou-me temperá-la para as outras. Com uma concha, passo-as todas de uma para a outra, é uma mistura, e depois então torno a provar, porque ele pode haver uma que tenha um bocadinho de mais e outra que tenha de menos. E assim, eu misturo o caldo todo e dá o paladar todo por igual. Quer dizer, e depois é que a gente então tira as sopas. Nessa altura, enquanto a sopa se cozeu, a gente tivemos várias pessoas a picar sopas e encher as terrinas, que são aquelas que estão ali. A gente tem aquelas pessoas a encher as terrinas e quando está tudo preparado, a gente tira a sopa e abafa. Ora, depois de a gente abafar a sopa, já temos a carne abafada - porque foi cozida, tirou-se e depois é que se preparou a sopa. Temos então é os homens a deitar as mesas: toalhas, copos, gardanapos - oh, diacho!, guardanapos, bem digo -, e os talheres completos, e a encher os jarros de vinho para distribuir nas mesas, preparar as travessas para encher a carne, preparar o pão de leite para poder deitar nas mesas. Quer dizer, todas essas coisas que são necessárias, as pessoas que estão a ajudar a trabalhar vão preparando tudo para quando chegar à altura do banquete, a gente não estar à espera duma coisa ou outra. Já está tudo em ordem para quando começar o banquete, pega tudo a seguir. (...) Quer dizer, o estilo cá do nosso jantar do Espírito Santo é este.
TRC03
INF Bom, eu, desde que me conheço, com cinquenta e três anos de idade, sempre ouvi dizer que isto era o teatro do Senhor Espírito Santo e a despensa do Senhor Espírito Santo. E depois de eu ouvir isto, e o meu pai foi um homem também sempre devoto por esta casa - não é? -, como somos pela Igreja, como somos católicos, o meu pai, ele frequentou esta casa muita vez - muitas mesmo, de mordomo. E ele ainda com... É velho mas está vivo ainda, tem oitenta e nove anos. E eu é que tenho também frequentado várias vezes. Quer dizer, sou também... INQ O senhor conhece... INF Com aquela criação que vim desde o princípio - não é? -, e fui andando, fui andando e... Não é hábito nenhum que eu tenho, porque é com muito sacrifício e trabalho essas vezes que tenho servido, INQ Pois. INF mas com muito gosto.
TRC04
INF No domingo do Espírito Santo, está o Senhor Espírito Santo em casa, as coroas, em casa do homem que dá o jantar e o seu acompanhamento, que ele convidou todo, vem todo à igreja. E vem fazer a coroação na igreja. O senhor padre coroa três crianças que vêm mesmo preparadas para coroar, vêm outras ao lado com umas insígnias como aquelas que ali estão, e depois voltam lá a casa (...) do imperador, nessa altura é que há o jantar e depois então vão levá-lo a casa doutro imperador. INQ Do do domingo seguinte? INF Logo para o domingo seguinte, sim senhor. INQ E um, uma coisa, os, os bezerros onde é que, onde é que são mortos? INF Os bezerros são mortos em casa do imperador mesmo. Quer dizer, nos quintais do imperador. INQ Não se lembra nunca de alguma vez o bezerro ser morto, por exemplo, no adro da igreja ou?... INF Não. Ele já foram mortos na praia... Foram mortos na praia... Esteve aí uma altura em que o governo dava um subsídio e a pessoa que matava em casa perdia muito dinheiro, está a perceber? INQ Pois. INF Portanto, aproveitavam a ir matá-los à praia, para receber esse subsídio. Mas depois de esse subsídio ter 'dexistido', eu mato-os mesmo na casa (...) do imperador, pois. Vão a enfeitar, por exemplo... Então, aquele é amigo comigo e eu tenho um domingo, e ele mora, por exemplo, aí mais para baixo, e eu peço e vou-me a casa dele enfeitar. Vai a filarmónica e, às vezes, vai cantadores - não é? -, tem cantoria...
TRC05
INQ Nunca houve assim nenhum problema entre fazer a festa de Espírito Santo, INF Não, não. INQ e, por exemplo, o padre, algum padre, INF Não, não. INQ a Igreja em si... INF Não senhor. Então, a festa do Espírito Santo é uma das coisas que todos os padres, quer dizer, aqui entre nós, todos têm colaborado. O senhor padre até quando acaba (...) de fazer a coroação, (...) no dia de bodo - não é? -, vem aqui em cortejo (...) com todos os convidados, e a filarmónica atrás do senhor padre, e o senhor padre vem aqui benzer o pão e o vinho. INQ Ah, pois. INF Está a perceber? Vem aqui. E a gente depois disso, até a primeira rosquilha que a gente dá e o primeiro pão é ao senhor padre e ao sacristão. São eles que vêm benzer e depois a gente oferece a eles e a partir daí começamos a distribuir a toda a gente (...) . INQ Portanto nunca houve assim qualquer questão de dinheiros? Do, de ser?... INF Não. INQ De o padre INF Não senhor. INQ pedir que se desse alguma coisa à Igreja sempre?... INF Nada . Isso então o dinheiro da Igreja faz parte da Igreja e este aqui faz parte daqui, está a perceber? INQ É uma coisa. Pois. INF Porque, sabe, isto aqui, isto não há rendimentos. Os rendimentos que há, por exemplo, é no dia do bodo, a gente tem aqui uma bandeja com vinho e massa sovada - não é? -, e o senhor entra aqui - não é? -, a gente oferece para o senhor entrar cá dentro, vem ver o nosso império, entra, mata o bicho - não é? - e dá dois escudos e meio, cinco escudos, dez escudos, vinte, conforme quer. Até pode dar cem, que há muitas pessoas que dão cem, que entram e são devotas do Senhor Espírito Santo, e gostaram de ver - não é? - e oferecem cem escudos - muitos deles! Quer dizer que esse dinheiro é que a gente vai guardando para as construções e para as necessidades que temos aqui (...) do império. A gente procura não pedir nada a ninguém. INQ Pois é. INF Portanto, nós temos aqui as nossas panelas, temos os nossos bancos, as nossas mesas, as nossas terrinas, garfos, facas, colheres, toalhas. Tudo quanto a gente precisa, a gente tem aqui, para servir a freguesia em peso! Para servir a freguesia toda! Pois ele também há uns noivos aí, qualquer um que casa e que precisa de bancos ou precisa de mesas, qualquer coisa, pois ele a gente empresta. Porque isto é do povo, não é nosso! INQ Pois. INF É que ele até este ano, este ano passado e o outro, estive de procurador; este ano aquele é que está e mais dois colegas - não é? -, eles é que emprestam, é que tomam contas. Não ganham nada durante um ano com este trabalho aqui, não ganham nada! O trabalho deles, pois, é: um fica encarregado para o Senhor Espírito Santo... São três coroas, tem que enfeitá-las, quando chegar ao tempo, cuidar da limpeza delas - não é? -; as insígnias, as bandeiras, quer dizer, tudo o que pertence ao Senhor Espírito Santo, um homem é encarregado durante o ano de manter aquilo limpo e em ordem. O outro é encarregado das obras. Tem que pintar todos os anos, tem que pôr isto tudo em ordem, não é? E o outro é encarregado de todos os materiais que estão cá dentro, materiais esses que são as ditas panelas e terrinas... Tudo quanto existe aqui dentro, ele tem que tomar apontamento do que sai e tem que tomar apontamento do que entra, está a perceber? Porque se faltar, o senhor se me levou, já sabe que tem que pagar. Porque isto não é nosso. INQ Pois, pois. INF As pessoas que estão aqui são precisamente, quer dizer, uns procuradores só para trabalhar, não para ganhar nada, só para zelar esta casa. O que tem: uns trabalham este ano, os outros trabalham daqui a um ano... E a gente vai nomeando, uma vez um, outra vez outro.
TRC06
INQ Portanto, há a festa do Espírito Santo para crianças e outras para as pessoas adultas? INF1 É, é. No mesmo dia, antes de dar o jantar às pessoas adultas, dá-se o jantar primeiro às crianças: às vezes, cento e cinquenta, cento e sessenta, cento e setenta, cento e vinte - e já dei até para cima de duzentas. Mas faz-se sempre às crianças antes de dar o jantar aos adultos. Sempre, sempre! Sempre que se dê o jantar aos grandes, primeiro se dá aos pequenos. (...) Isto é uma tradição que vem muito antiga mas que continua sempre na mesma forma. INF2 Depois dá-se-lhes uma brindeira. INF1 E depois quando se dá o jantar às crianças, ainda tem graça. É que, muitas das vezes, muitas pessoas, por exemplo, que prometem de dar uma tigelinha de sopa de esmolas - como eu dei... Já para não falar nos de fora, digo eu. Eu prometi de dar... Eu dei-lhe um jantar e prometi de dar uma tigelinha de sopas a cada um enfermo da nossa freguesia. Ora, os enfermos são as pessoas que estão em casa, que não saem, que estão nas camas, deitados para ali, e que não podem vir à missa - não é? -, e havia trinta e dois enfermos na nossa freguesia - mulheres e homens -, e eu dei trinta e duas tigelas de sopa a essas pessoas. Como também dei de jantar a todos os velhinhos que estavam no asilo, juntamente as pessoas que lá trabalhavam. Foi-se lá levar o jantar. Ora, há muitas pessoas que dão muitas tigelinhas de sopa, não aos enfermos, nem ao asilo, a crianças inocentes. Quando se acaba de dar o jantar aos pequenos, pois lá há uma série de bilhetes que se distribui pelos inocentes da freguesia, não é? E lá as mães vêm com eles ao colo e com um cestinho ou uma açafatinha na mão buscar a tal dita tigelinha de sopa e uma brindeirinha de pão de trigo, em cima. Ora, quando há esta distribuição, está a filarmónica a tocar. INQ Pois é. INF1 Aquilo até dá um choque. INQ Pois. INF1 Está aquelas crianças tudo, tudo enfileirado por ali fora, tudo à vez. E à maneira em que vão dando, as crianças vêm andando. E depois disso tudo, é que há o jantar então das pessoas adultas, depois com os seus convidados, que vêm assistir ao banquete. Mas primeiro trata-se (...) das crianças todas e depois então é que se sentam os adultos, a comer e a beber, à vontade. (...) INQ E ganham assim... INF1 (...) Quer dizer, isto é uma coisa que tem... INQ É uma tradição de, de sempre. INF1 É uma tradição antiga, mas uma tradição - como é que eu hei-de dizer? - que torna-se às vezes até... Para mim, eu sinto-a muito, é uma tradição que eu sinto-a e choco muitas vezes quando vejo aquelas crianças todas sentadas a comer, porque aquilo ali não há defeitos. Aquilo são as pessoas que sentam ali à mesa, às vezes, cento e cinquenta e a duzentas crianças - não é? - e quer esteja insonso, quer esteja salgado, quer esteja mal cozido, quer esteja bem cozido, para aquelas crianças está sempre bom, está a perceber? Aquilo ali não há defeito. (...) É dos jantares que eu gosto imenso de assistir é ao jantar das crianças e que o faço sempre. Em toda a banda que vou, dá-se sempre o jantar das crianças.
TRC07
INQ O benfeitor que engorda a bezerra recebe alguma coisa por isso? INF Recebe sim senhor. INQ O que é que ele recebe? INF Recebe uma roda de carne, numa média aí duns seis a sete quilos de carne, a língua e uma mão de vaca, e um quilo e meio de peito, (...) e também um quilo de lombo para fazer dois bifes para o casal. Isto é (...) um uso, então, que eu, eu talvez é que o tenha posto a andar - não é? -, mas entendo que a pessoa que engorde uma rês que é merecedora de receber isso. E recebe um pão de massa sovada juntamente com a carne. Isto no sábado. INQ Pois. INF No domingo da manhã recebe uma alcatra e um pão de leite e ao meio-dia recebe uma terrina de sopas. Esse criador é convidado para a semana inteira, (...) para assistir naquela casa a semana inteira, se quiser estar mais a família, comer disso que houver e estar mais aquelas pessoas durante aquela semana.
TRC08
INQ Portanto, é este mestre da função que é quem toma conta dos fermentos e do cozer das massas? INF Dos fermentos, do cozer das massas, há uma mestra do forno. INQ E há uma mestra do forno? INF Há a mestra do forno, que é a que deita a massa para o forno e tira do forno. Essa é que tem uma responsabilidade muito grande. Porque é preciso ter o forno sempre quente numa tabela que nem queime nem deixe ficar cru. É preciso ficar bem cozido e não queimar, ficar lourinho. O senhor conhece massa doce, não é? INQ Pois, conheço, conheço... INF Portanto, isso é uma responsabilidade duma mulher que toma esse cargo para cozer as massas. Isso leva sete dias a cozer, de dia e de noite. Essas mulheres nunca se deitam na cama. Durante o dia e durante a noite, aquela mulher está à boca do forno, sempre, sempre, a aquecer o forno, a meter massas, tirar massas. E a outra está a mandar então várias mulheres, a amassar, depois vão tender - não é? -, outras vão tomar a presa à massa... Quer dizer, tomar a presa é fazer a mistura da massa com ovos e leite e açúcar - não é? -, e quando está preparada já com os ovos, e o leite, e o açúcar, o fermento, isso, quando deitam dentro, então é que as outras pegam todas a amassar... Levam ali três horas a amassar num alguidar . Três horas, (...) não é cinco minutos. É muito tempo. E isto é o giro durante a semana, quer dizer, é até cozer as brindeiras da visita; quando se acaba as brindeiras da visita, pegam a cozer o pão de leite para a folia, que é no dia de enfeitar os bezerros, na quinta-feira...
TRC09
INQ Como é que começa a quinta-feira, há assim foguetes ou?... INF Ah, sim, é foguetes. Mas, quer dizer, aqui em casa continua-se a cozer sempre. INQ Pois claro. INF Porque precisa cozer o pão da sopa para o domingo; precisa cozer o pão de leite para o sábado. Quer dizer, continua sempre; as cozeduras continuam as mesmas. Os bezerros continua-se é a fazer as fitas. Na quinta-feira, da manhã, aquelas raparigas a fazer as fitas, de papel fino, de várias cores, para enfeitar os bezerros. Na quinta-feira.
TRC10
INQ Quando havia, eram os foliões que faziam?... INF Era os foliões que faziam, era, sim senhor. Agora, depois disso então, há o desfile, que é o cortejo, direito a casa do imperador, e vêm os cantadores - (...) se acontece a ter os cantadores - e os cantadores se passam em casa dum desses que criou uma rês daquelas, pois pára a música e os cantadores ali dizem cada um duas cantigas (...) dedicadas ao criador. Chegam ali, por exemplo, à sociedade aqui da freguesia, pois também param e dizem duas cantigas cada um à sociedade. Ele chegam à casa do senhor padre - não é? -, pois a mesma coisa. Chegam aqui a passagem do teatro e a igreja, pois dizem duas cantigas à igreja, dizem duas aqui ao teatro e dizem duas ao cemitério, quer dizer, pelos irmãos que já lá estão - não é? - e que zelaram isto. Cantigas bem feitas! Se passam na minha casa, pois, como mestre da função, também dirigem também duas cantigas.
TRC11
INQ Portanto, isto é, na, na quinta-feira... INF Sim senhor. INQ Portanto, uma das funções é enfeitar os bezerros... INF Para enfeitar os bezerros. Sim, sim. INQ Há estes desafios, não é, portanto, eles vêm cantando estes desafios... INF (...) Até a casa do imperador. Quando chega a casa do imperador, os bezerros quando chegam à porta, os criadores pegam na cabeça aos bezerros e eu vou buscar a coroa do Senhor Espírito Santo e, com o ceptro, eu benzo os bezerros todos. Quer dizer, faço-lhe uma cruz na testa - não é? - e em cima (...) da suã, depois vou arrumar e vai-se arrumar os bezerros. Nessa altura, há ali também uma distribuição de pão e vinho a toda a gente. Toda a gente come e bebe ali na quinta-feira. E depois a seguir há o terço.
TRC12
INF Na sexta-feira é (...) a matança dos bezerros. Quando é ali para as três da tarde - não é? -, junta-se os convidados, quem ele convidou para ajudar a matar os bezerros - não é? - e prepara-se os alguidares para aparar o sangue e a gente vai matar os bezerros. E depois de os matar, já estão pessoas - umas senhoras preparadas - a cozer o sangue. Quando se acaba de pendurar a carne, - não é? - a gente tem sangue cozido e pão e vinho para beberem à vontade. INQ O sangue cozido é comido? INF É, sim senhor. INQ Come-se.
TRC13
INF1 No sábado, quando é aí quatro horas da manhã, eu estou em casa (...) do imperador. Quando eu chego, o imperador dá um bombão grande - que é um foguete grande. Os seus convidados já sabem que o marchante que chegou. E correm logo para ir ajudar, está a perceber? INQ ... Dizem, falou aqui de marchante... INF1 Sim, marchante, sou eu. INQ Pois, portanto, marchante e mestre é o mesmo? INF1 Marchante é o homem que mata reses, é o homem que corta carne, é o homem... Está a perceber? INQ Mas portanto, quer dizer, falar de marchante ou de mestre é a mesma coisa? INF1 Sim. Quer dizer, o mestre é um homem que sabe, não é? INQ Pois. INF1 E como também o marchante é um homem que saiba, porque se não soubesse não o fazia, não é? INQ Pois, não fazia isso. INF1 Mas, quer dizer, eu sempre ouvi dizer: "Olha, é o marchante". É o homem que mata as reses, o homem que corta a carne, não é? INQ Pois. INF1 É o marchante. INF2 Mas é tudo o mesmo. INF1 É tudo o mesmo. Ser o mestre ou ser o marchante... INQ Portanto, a altura em que o senhor vai chegando a casa do imperador, entra... INF1 Eu chego e ele dá um foguete grande. INQ Dá um foguete grande. INF1 Quando dá um foguete grande, eu já vejo os vizinhos sairem e virem para ajudar porque já sabem que eu que cheguei. INQ Pois. INF1 Depois quando esses homens chegam, pois há ali uma distribuição, da manhã, de um bocadinho de massa doce - não é? -, um calicezinho de aguardente, porque aquele ar é frio, da manhã cedo, e depois a gente pega a cortar carne. Ora, cortar carne, aquilo ele tem várias divisões: eu vou dividindo carne para alcatra, vou dividindo carne para sopa, vou dividindo carne para esmolas. Porque depois há umas esmolas dadas aos convidados: um quilo e meio de carne a cada casa. A quem ele convidou, está a perceber? Portanto, eu vou cortando: a carne que é própria para sopa, eu vou apartando para sopa; a carne que é própria para alcatra eu vou apartando para alcatra; a carne que é própria para fazer um presente bonito para dar a este ou àquele, pois eu vou-a cortando. E continuo (...) ao sábado, até acabar a carne, sempre desta forma. À maneira em que eu vou partindo, ele já vai distribuindo; são crianças que vão distribuindo por casa dos convidados a quem ele convidou. Aí por volta das dez horas, pois a gente resolve um almoço - não é? -, com bifes. Às vezes, bifes grelhados que eu faço mesmo na ocasião. Até que já se deu de eu estar a partir a carne - não é? -, e mais colegas meus a ajudar e, para não dar o trabalho às mulheres, a gente amanha uma grelha e a gente faz ali um braseal e ali a gente grelha os bifes - não é? -, e a gente come mesmo ali, quer dizer, uma coisa de risada - não é? -, uma festa que a gente faz ali, a beber uns copos, até acabar as carnes. E quando se acaba de partir as carnes, eu então, nessa altura, tenho as alcatras para fazer. Faço as alcatras e salgo a carne que é para a sopa. Quer dizer, preparar tudo para o dia seguinte - que é no domingo - estar tudo em ordem: estão as alcatras feitas, a carne da sopa salgadinha, do sábado, que é para no domingo de manhã então é que a gente prepará-la para a sopa.
TRC14
INF Para fazer uma alcatra eu tenho de botar uma média de três quilos de carne dentro num alguidar. Eu tenho que deitar um bocado de banha - ou seja gordura, como queiram chamar -, meia barra de manteiga, uns três, quatro dentes de alho -, quer dizer, isto são moídos -, cebola picada miudinha...
TRC15
INF1 Feitas com vinho de cheiro. Não leva água; só o vinho. O molho que ela leva é só de vinho, a não ser que tenha banha e tenha manteiga - não é? -, que se derrete depois de ela ir para o forno. INQ Portanto, nesta, neste, nestes temperos... Pois, portanto, leva o vinho de cheiro para ter... INF1 Leva o vinho de cheiro. Depois de ter os temperos todos, a gente enche-a de vinho. INQ Sim, sim. INF1 Sim senhor. E depois é coberta com papel de prata, que a gente chama. Um papel americano que eles têm aí em rolo. Nem sei se há português já, se não. INF2 Pois, um papel... INF1 É, um... INQ Ora bem, esse papel que usam é um papel de estanho, é um papel assim?... INF1 Exactamente. É um papel brilhante que o lume não pega. A gente cobre-as bem cobertinhas, e depois pica com um garfo, por causa de o calor absorver dentro, e ela coze e não chupa aquele molho. Quer dizer, fica muito cheiinha de molho e muito bem cozida. Fica muito saborosa. Muito mesmo. No forno de lenha e não a gás! INQ Mas este cozer da alcatra já é feito no domingo? INF1 É no sábado. INQ No sá-... Ah, no sábado! INF1 É do sábado para o domingo. INQ De sábado para domingo, pois. INF1 É do sábado para o domingo. É, sim senhor.
TRC16
INF No domingo da manhã, eu vou-me lá ter. Quando é à volta das seis horas da manhã, eu estou em casa do imperador. Há um bombão grande; quando há o bombão grande, toda a gente sabe que eu que cheguei. Pois toda a gente se chega para ajudar. E então há aquela distribuiçãozinha de massa doce - não é? -, um calicezinho de aguardente, e depois então uns vão buscar as panelas para o pé de mim - eu armo as panelas -, outros vão buscar uma mesa, outros vão buscar a carne, deitam em cima da mesa e uns alguidares grandes - destes alguidares que é de amassar - (...) para lavarem a carne. Vão buscar água, deitam a carne dentro nos alguidares e é lavada duas vezes, com duas águas. INQ Portanto, essa é a água da sopa, é a carne da sopa? INF A carne da sopa. INQ Pois, pois. INF É lavada duas vezes. E depois eu vou-me então deitando nas panelas. Quer dizer que vou distribuindo a carne por qualidade, botando peito e rabadilha, quer dizer, nas panelas todas, para uma não levar só peito, a outra não levar só rabadilha, a outra não levar só da parte da perna mais seca - não é? -, para ficar toda dividida por igual, para dar toda o mesmo paladar. Depois de pôr a carne nas panelas, pois deito os temperos e a manteiga, quer dizer, são os temperos todos que nós já nomeámos. INQ Pois, pois, pois, sim, sim senhor. INF Quer dizer que parece que estão todos nomeados já esses.
TRC17
INF E as pessoas então, enquanto isso se está a cozer, as pessoas estão já a picar sopas. E há um homem encarregado a deitar uma folha de hortelã em cada uma terrina de sopa. Ali debaixo das sopas. Como também se deita nas panelas um galhinho de hortelã em cada uma panela.
TRC18
INF Dez e meia, onze horas, (...) o Senhor Espírito Santo segue para a igreja - está a perceber? -, acompanhado com a filarmónica. INQ Pois. INF Antes de ele seguir para a igreja, há uma distribuição de massa doce e vinho a essas pessoas que vão para a igreja acompanhar. INQ E... INF Vai para a igreja, quando chega à igreja, o senhor padre coroa. Quando o senhor padre coroa as três coroas, há três 'bombães' daqueles muito grandes. INQ Quem é que ia coroar? São crianças ou?... INF São três crianças que vão convidadas para ser coroadas. E depois da coroação há a missa. De seguida à missa, o cortejo segue com destino a casa do mesmo imperador donde veio. INQ Nessa altura já está tudo preparado?... INF Está tudo preparado quando chegam. Assim que chegam, senta-se as crianças todas que lá estão. Porque as crianças que lá estão, quando o Senhor Espírito Santo vai daqui para casa do imperador, eu, que estou lá, junto as crianças todas num cortejo. Quer dizer, com o seu cestinho na mão, (...) mesmo aquelas senhoras que vão com um bebé ao colo buscar a sua esmola - não é? -, e está com um cestinho ou um açafate, ou qualquer coisa, mas põe-se tudo em cortejo, para um lado e outro. E eu ponho-me à frente e mais um outro homem e a gente vem esperar o Senhor Espírito Santo. E aquelas pessoas trazem flores nuns pires - não é? - e deitam para cima das coroas. E quando a gente chega lá a casa do imperador, pois primeiro que tudo senta-se as crianças todas a comer. Quando as crianças acabam de comer, formam todas, cá fora, e há a distribuição das tais ditas tigelinhas de sopa e as brindeiras - está a perceber? -, e a filarmónica a tocar. Depois dessa distribuição, então há o jantar das pessoas adultas, todas. E depois desse jantar das pessoas adultas, há então outra vez a mudança da coroa para casa do outro novo imperador que já está à espera. INQ Pois, são essas pessoas... É o imperador e os convidados que levam a coroa?... INF Vão levar a casa do outro. Isso já é para a outra semana. Vai levar a casa do outro; quando chega a casa do outro, o outro lá está a esperá-lo com muitos foguetes, está a perceber? Quando recebe, toda a gente espera, ele faz uma distribuição de massa e vinho por aquelas pessoas todas. E depois agradece e a filarmónica faz-lhe uma tocada também a agradecer e viram todos cada qual para a sua casa. Essa semana acabou por completo. INQ Acabou. INF Acabou. Na segunda-feira, este homem que deu esta função, na segunda-feira tem lá os seus convidados para lavar as louças - não é? - e preparar tudo para vir fazer a entrega aqui de tudo quanto... Também tenho muitas pessoas lá a trabalhar na segunda-feira.
TRC19
INF1 São seis semanas seguidas, tal e qual como isto é. Seis semanas seguidas. Ou seja, oito seguidas, que são (...) oito semanas. INQ Pois, porque são as seis domingas a seguir à Páscoa, mais o Espírito Santo, mais a Trindade? INF1 Exactamente. (...) Exactamente. INQ E as domingas do Espírito Santo e da Trindade são iguais a estas? INF1 São, são, são. Quer dizer... INF2 Não são, não. Ele tem a distribuição do compromisso, não é? INF1 É exactamente. É a distribuição do bodo, é as tais... INQ Pois. Mas a do Espírito Santo é igual à da Trindade? INF1 É exactamente. INQ Pois. E qual é a única, o que é que tem de diferente? O que é que se faz de diferente? INF1 Não. É não haver o bodo. (...) Os primeiros seis, não há bodo aqui no arraial; só há aquela festa em casa do imperador que prometeu isso, não é? INQ Do imperador, pois. INF1 E aqui há o bodo dos irmãos todos da freguesia. INQ Então, conte como é que é esse bodo da?... INF1 O bodo (...) é no domingo da Trindade, não é? É. INQ No domingo do Espírito Santo não fazem? INF1 É. São dois domingos. INQ Dois domingos. INF1 É. INQ Um que se chama do Espírito Santo e o outro que se chama da Trindade? INF1 Um Espírito Santo e o outro da Trindade. São os dois. INQ E em qualquer deles há bodo? INF1 Sim senhor. INQ E o bodo então faz-se?... INF1 (...) No dia do bodo, então, o Senhor Espírito Santo quando sai daqui da igreja, que vem de casa do imperador INQ Pois. INF1 coroado, vem acompanhado com o senhor padre e a filarmónica e vêm, entra tudo aqui dentro, na despensa. Vem benzer o pão. Depois de benzer o pão, o Senhor Espírito Santo vem para aqui. E o senhor padre recebe ali (...) uma rosquilha e um pão de bodo, que vem a ser um pão de água. E vai-se embora. Os mordomos, depois então, e mais as pessoas que convidam fazem uma distribuição aqui neste largo a toda a gente que aparece aqui. E há dois homens no caminho: um naquela ponta, outro nesta; todas as pessoas que passarem, de fora da freguesia, quer seja de carro, quer seja de camioneta - não é? -, toda a gente tem que parar e entrar aqui dentro. Entram aqui, comem massa, bebem vinho. Não entram cá... Ninguém lhes chama para dar nada, não é? Esse que quer dar alguma coisa, dá; dá porque quer. E há a distribuição em geral, para toda a gente. Depois de essa distribuição feita, há uns foguetes, muitos foguetes, que se acabou o bodo. As pessoas cada qual vai para sua casa. (...) O imperador tem os seus convidados todos e segue com o cortejo, com o império, para a sua casa; e lá vai dar o mesmo jantar que se deu nas semanas de anterior, está a perceber? Quando dá o jantar, volta para aqui da parte da tarde. Vem para aqui e então aqui ele traz umas rodas de carne, traz açafate com laranjas, traz duas latas de queijadas, traz duas latas de suspiros, ou seja, um cento de cada: um cento de laranjas, um cento (...) de suspiros e um cento de queijadas. Quando ele chega aqui, àquelas pessoas que foram na vereança - que a gente chama àquele que foi coroado, e ao que leva aquela insígnia, ao outro que leva a bandeira, e que vem a ser trinta pessoas -, ele dá um serviço a cada pessoa. Serviço esse que a gente chama que é: uma laranja, uma lima e uma queijada, e um suspiro - uma laranja, uma queijada e um suspiro! - que ele oferece a cada um. E oferece o mesmo aos mordomos que estão ali, que são aqueles que tomam conta do pão e do vinho, está a perceber? E depois disso, saem os rapazes... Ele, nessa altura, a filarmónica está a tocar ali no adro, toda a tarde, toca ali. Saem uns rapazes com esses serviços - que a gente lhe chama, não é? - nuns pirezinhos, e vão aí por esses rapazes que estão namorados, distribuírem um; e depois o rapaz fica com aquele serviço - não é? -, dá dois escudos e meio ou cinco escudos na bandejinha, e depois, pega, lá vai oferecer à sua namorada aquilo, como foram oferecer a ele. INQ Pois é. INF Uma coisa (...) que eu sempre me lembra de isso se fazer. E o bodo continua assim durante a tarde. Quando é ali à tardinha, há muitas pessoas que oferecem uma galinha ao Senhor Espírito Santo e, às vezes, junta-se aqui umas vinte, vinte cinco galinhas, não é? Há uma arrematação, aqui, onde essas pessoas que estão aqui presentes - que isto tem aqui muita gente, não é? - (...) dão em picar e arremata-se as galinhas aqui. INQ Portanto, essas galinhas foram oferecidas em promessas, pois? INF Foram oferecidas em promessa, não é? INQ Pois, pois. INF (...) Como também há pessoas que oferecem um leitão. Vêm aqui à porta e a gente arremata-o aqui, toda a gente está aqui, e o que mais dá é que fica. Como também há muitos que oferecem um bezerro; também há muitas pessoas que oferecem um bezerro. INQ Tudo isso é arrematado nessa altura? INF Tudo isso é arrematado nessa altura. É os rendimentos que esta casa tem são esses, não tem mais. Depois a gente aí faz contas ao dinheiro. Se a gente diz: "Olha, pois então este ano temos dinheiro que a gente talvez pudesse compensar aquilo que a gente tem em falta" - não é? -, lá a gente utiliza o dinheiro logo naquela falta que temos, está a perceber? A gente praticamente estamos sempre em dívida. A gente entrega sempre dívida de um procurador ao outro. Nunca entregamos dinheiro. Porque - o senhor sabe? - eu estou, quero fazer o mais e o melhor possível - não é? -, pois trato de fazer tudo por tudo, ele chego ao fim não tenho dinheiro, pois gasto algum da minha algibeira e tomo nota e apresento facturas - não é? -, e para o ano que vem nomeio aquele. Depois digo: "Olha, tem paciência, eu dinheiro não tenho! Entrego-te a dívida"! E ele vê por qual é a razão que eu entrego dívida - não é? - e procura trabalhar durante o ano, compensar algumas coisas que faltam - não é? -, e no fim do ano, coitado, também vê-se à rasca, não entrega dinheiro, entrega dívida. INQ Dívida também. INF Pois é, porque também vai fazer mais do que aquilo que ele pode.
TRC20
INF Quando se tira os pelouros, acaba-se o bodo, INQ Acabou-se. INF acabou-se a festa. INQ Como é que é isso de tirar os pelouros, como é que é? INF Os pelouros, vamos lá, colocam-se num boné - não é? -, e a gente faz, por exemplo, oito bilhetinhos. Por exemplo, o senhor tem uma promessa, diz: "Olha, eu daqui a um ano quero ir tirar um pelouro". Aquele também quer ir junto tirar um pelouro. Ele são oito domingos. Mas vamos lá que tenha dez ou doze, não é? E a gente faz dez ou doze, tal e qual os que tem. INQ Com quantos querem pedir, não é? INF Sim senhor. Com o nome deles todos. E a gente torce aquilo bem torcido e deita-se aqui dentro no chapéu - não é? -, está aqui. As pessoas são todas chamadas para aqui; e depois de estarem aqui, a gente revira isto - não é? - de trás para diante e depois abre aquilo e cada qual tira por sua vez. Por exemplo, eu tiro e o senhor abre. E o senhor diz: "Olha, o primeiro domingo". E aquele está à porta e diz: "Olhe, fulano tal, Brás Elias, tirou o primeiro domingo, para todo o ano"... E eu levo o Senhor Espírito Santo todo o ano para minha casa, porque tirei o primeiro domingo. Levo até aos domingos em que se começa as funções. INQ Ah, portanto, o imperador do primeiro domingo tem a coroa do Senhor Espírito Santo em casa? INF (...) Todo o ano. (...) INQ Uma das coroas? INF Uma coroa. INQ Uma ou tem duas? INF Não. Uma, durante o ano anda em casa de pessoas a pagar promessas, oito dias. INQ Ah, pois. INF Pessoas que querem rezar, que não têm possibilidades de dar a função - não é? -, pois levam o Senhor Espírito Santo oito dias para rezar o terço. Depois lá tem um outro pobre que também pede o Senhor Espírito Santo oito dias para sua casa para rezar o terço... É, assim, destas pessoas que são devotas mas que não tem possibilidades de poder dar uma função, está a perceber? INQ Pois. INF Que ainda mesmo assim, todos esses que dão funções, muitos são ajudados. Há um, dá uma saca de farinha, o outro dá um bezerro, o outro dá gordura. Quer dizer, há muitas pessoas que oferecem muitas coisas mesmo. Muitas!
TRC21
INF Tirando os pelouros, acabou. INQ Acabou-se. INF Já se sabe quem é que vai ter todo o ano, não é? Quando se sai daqui com o Senhor Espírito Santo à noite, vai-se levar a casa daquela pessoa que está de parabéns porque teve o Senhor Espírito Santo todo o ano. A gente vai-lhe lá levar o Senhor Espírito Santo e ele lá faz uma distribuição - muito satisfeito porque o recebeu - com massa e vinho e cada qual segue para a sua casa durante o ano. INQ Portanto, esse, da pri-, da primeira dominga? Esse... INF Esse que vai ter a primeira dominga. Sim senhor. INQ Pois. E essa primeira dominga faz distribuição?... INF Faz porque ele tira aqui o pelouro no primeiro bodo. Há dois bodos: o primeiro e o segundo bodo. INQ Pois. INF Ele tira no primeiro bodo. Já sabe que de hoje a oito dias que o Senhor Espírito Santo que vai para sua casa à noite. Depois de o outro dar o seu jantar e de terminar o bodo, já sabe que ele que vai para sua casa. Nessa altura já vai enfeitar a sua casa e vai cozer a sua massa para esperar as pessoas que vão lá levar o Senhor Espírito Santo.
TRC22
INQ1 Portanto, este, e depois quando cresce, como é que se chama a isto? INF É a vara (...) de o mexer. INQ1 Que é igual a esta vara anterior? INF Não senhor. (...) Esta vara é cortada aqui. Esta vara até está grande, esta vara é cortada aqui. E esta é que segue. Esta é que... Este olho que sai daqui é que é o pé. Isto não tem... Isto aqui para baixo não tem mais arrebento, nem tem mais nada. (...) Daqui é que nasce o pé. Rebenta, é um enxerto como a gente diz, ainda é um enxerto, INQ1 Pois. INF no outro ano, a gente poda-o. É a primeira poda, segunda poda, terceira poda e dali é que cresce o pé de vinha. INQ2 Pois.
TRC23
INQ Olhe, eu... Importa-se de dizer então como é que se costumava fazer a vindi-, como é que costuma fazer a vindima aqui? INF A gente aqui costuma fazer a vindima: estamos (...) a apanhar as uvas, ele os bagos que estão verdes, a gente tira e deixa os maduros. INQ2 E põe-se para dentro de quê? INF (...) Os verdes vão para fora e o maduro para o cesto de asa, que a gente vindima com uns cestos que têm uma asa, que a gente anda todo o dia com aquele cesto, quando aquele (...) está cheio, despeja-se. INQ1 Para dentro do cesto? INF Para dentro de um outro cesto de duas asas. INQ2 Grande já? INF Grande. INQ1 E depois, desse cesto é que, é que se... INF Desse cesto, a gente, então, ou acartamos às costas para a adega, ou acartamos num carro, ou acartamos num balseiro, como a gente tratam - que a gente tratava aqui um balseiro. Já hoje (...) já toda a gente acarta só em cestos, mas nalgum tempo era... Levavam balseiros uns grandes, que levavam vinte e dez e... INQ2 Mas era, o balseiro era de madeira? INF É de madeira. INQ1 Era assim... Era aberto em cima e era sobre o comprido, redondo? INF Era, sim senhor, sim senhor. Redondo, largo, que a gente despejavam o cesto. INQ1 E era mais largo em baixo e mais estreitinho em cima? Era... INF Mais estreito em baixo e mais largo em cima. INQ1 Rhum-rhum. INF Levavam em carros de bois, é que acartavam. Naquele tempo usava-se muito. INQ2 Um carro de bois levava um balseiro, não? INF Levava dois. INQ2 Dois balseiros? INF Dois balseiros. INQ1 Olhe, mas quando se estava, quando se fazia a vindima num sítio, às vezes voltava-se atrás para ver se ainda havia... INF Fazer o rabusco. Isso é que era rir. INQ1 Isso é que era rir? INF Isso é que era rir, irem fazer o rabusco, que eles dizem que era o rabusco. INQ2 Mas era os, os homens que andavam na vindima é que iam, voltavam atrás ou eram os miúdos? INF Pois, voltavam atrás porque ele pagava para isso. Pagava para isso. Chegou-se a fazer duas e três pipas de vinho. INQ1 Com o rabusco. INQ2 Só com o rabusco? INF Com o rabusco. Há anos que eu tenho enchido... Ah senhor, ele teve aqui cerrados, (...) aqui nesta lomba, que uma quarta de chão dá mais duas - o tio Elmano vai dizer que é três -, três pipas de vinho, uma quarta de chão. "Oh, é um nabo" ! Aquilo para encher um cesto de duas asas, para encher um cesto de duas asas era (...) numa vara. Eu cheguei a ver, ainda era acolá em baixo, num cerrado que era do meu pai, naquele cerrado de baixo, era uma haste que estava ali. (...) A gente nem sequer usava (...) os cestos de vindima - como a gente dizem o mais pequenino - a gente nem sequer usava o cesto de vindima. Aquilo era um instante para encher um cesto! Mas também aqui para baixo um homem passa um alqueire de chão para encher, às vezes, um cesto, porque não tem vinha, também já não tem vinha, que isto aqui para baixo está tudo despachado. Eu cá das vinhas que eu trabalho hoje... Eu faço é muitas vinhas, mas das vinhas que eu trabalho hoje, aquilo é tudo para mim e não ganho nada. A gente passa um alqueire de chão (...) para dar o barril de vinho e há-de ter algum de menos! Aqui para baixo está tudo despachado. É onde fazia o vinho melhor.
TRC24
INQ A partir de quanto é que se trata por tonel? A partir de quantos, quantos potes ou quantas pipas? INF Então pois, isso então é... Quatro, cinco, seis, sete, oito, até dez, onze, doze, há pipas aí grandes. Há pipas muito grandes. O senhor reparou: (...) isto não é posta cá, não há disto. Isto é em ferro. Ele não é posta cá. A viga do lagar, a viga do tal dito lagar era mais apertadinha uma coisinha do que isto. Mas é justamente isto. A gente rolhava era com uns panos. Com uns panos é que a gente rolhava, para rolhar por dentro e rolhar por fora. Quando queria tirar o vinho, a gente arregaçava-se, ia lá baixo, arrancava os panos e aquilo (...) corria nesta calha, para os tais ditos, para os tais... Não era para um balseiro tanto alto como aquele, podia ser era mais largo, mais baixo, porque não cabe debaixo (...) da bica do lagar. INQ Pois, pois. INF Não cabia bem debaixo da bica do lagar.
TRC25
INF Os alambiques antigos, (...) o lume, o lume... Os alambiques antigos, que ainda hoje há, e lá fora também ainda usam alguns, o vinho, por exemplo, andava debaixo das borras (...) . E era ali (...) o que chamavam o capacete, havia um tubo que saía, um tanque de água onde havia uma serpentina (...) para a condensação do vapor da aguardente, e saía. INQ Pois, pois. INF Mas esse alambique (...) tinha que ser queimado e restilado ou destilado como lhe chamavam. Este não. Este automaticamente a aguardente sai pronta. Automaticamente sai pronta. Visto que a primeira coisa é dois arrefecimentos e é o vapor de água (...) é que vai aquecer a borra, ou o vinho que está... Ou o bagaço! Enquanto que no vinho ou borra, eu não posso pôr aqui mais do que um terço (...) de capacidade, até esta curva. De bagaço, posso enchê-lo. Porque o vinho ou a borra aumenta de volume; parece que não, às tantas, saía lá de fora a borra ou o vinho. É. Isto é simplesmente o vapor da água que vai por aqui - não é? -, entra assim aqui; esta torneira é que regula o vapor ao fundo, ao fundo aqui da caixa; há um cano que leva o vapor ao tubo - (...) o vapor ao tubo -, de maneira que quando (...) chega à temperatura, que é uma alta temperatura, começa a evaporar como o álcool - não é? -, sobe ali; sobe (...) para aquela lentilha, ali há um pequeno arrefecimento, depois torna a subir e vai sair ali a aguardente. Ali, ali é que não é serpentina mas sim tubagem. Tem ali vinte e cinco tubos, e como estão (...) vinte cinco pingos constantemente a pingar, fazem uma bica de aguardente. INQ Pois, pois, pois. INF Porque é como lhe digo: ele aqui entra a água fria... Eu abro a torneira, está a entrar aqui água fria, e automaticamente está sempre quente daqui para cima. É porque há a condensação e sai aguardente ali. INQ Pois. INF É um alambique que eu fui comprar ao Porto, (...) em 1963, à Rua dos Caldeireiros. Há mais... INQ Mas antes disso fazia, fazia por aquele processo antigo, antes de comprar este alambique, fazia... INF Não, não tinha. INQ Não tinha? INF Não tinha. Não tinha. Havia aqui na altura dois alambiques antigos mas acabaram (...) por fechar porque estas máquinas dão mais... INQ Mais produção, não é? INF Exacto. Mas, mas havia... E não há tanto (...) desperdício. Não há tanto desperdício. Quer dizer, é para mais aproveitamento das aguardentes. INQ Pois. O que é que fazem ao bagaço depois de ser utilizado aqui assim para fazer a aguardente? O que é que fazem àquilo, aos restos? INF O resto (...) nem para estrume serve. É muito fraco . É muito pobre. INQ Não serve para nada? INF Não, não serve para nada. É muito pobre. É um estrume muito pobre, muito fraco! É um estrume até que tem muita acidez, não é próprio para (...) deitar nas terras, até que pode (...) prejudicá-las visto ter muita acidez. (...) É engraçado, há uma coisa que se dá muito bem (...) com aquele estrume, é a cebola. Será porque a cebola é também uma coisa ácida (...) ? INQ Pois. INF É curioso, porque a gente deita na terra (...) o bagaço, INQ Nas cebolas. Pois. INF mistura-o na terra, plantamos as cebolas, ou o cebolinho, e a cebola gosta muito daquilo. Será? Não sei. INQ Pois, há alguma, há com certeza alguma razão para, para se dar bem... INF Cientificamente, não sei dizer. De resto, há muitas plantas que não gostam mesmo. (...) Até que prejudica as plantas. INQ Pois, pois, pois.
TRC26
INQ1 Essas botijas também são para servir de vasilhame? INF Não. Eu tenho essas botijas para aí mas não (...) ... Eu já fiz uma de lata (...) . De maneira que eu tinha isto mais ou menos bem arranjadinho; tinha sempre (...) as aguardentes e os licores aqui... INQ2 Pois, pois. INF Tinha um alvarazito (...) para poder fazer licores. INQ2 Os garrafões são tão bonitos. INQ3 São. Isso também vem lá de fora, claro? INF Como? INQ3 Esses garrafões vieram do continente também? Ou... INF Vêm. Pois (...) eu comprei isto... Já me ofereceram a mil escudos por cada garrafão. Os americanos são uns doidos para levar isto, para lhe deitar não sei quê e não sei que mais. Deitam (...) uma flor seca... INQ2 Pois, pois. INF Uma flor seca nos topos das escadas e não sei que mais... Não, mas eu não... Não, não vendo. Pode ver, estas comprámos a cinquenta escudos; quatro contos que me dessem agora, eu não vendo. (...) E vinha (...) com água destilada e mais não sei quê que vinha de...
TRC27
INQ1 E depois os anzóis levam isco ou não? INF Não. (...) Leva a isca. Leva chicharro miúdo. INQ1 Ah! INF A gente tira a polpazinha do chicharro e deita aqui. INQ1 Quando está a pôr a polpa do chicharro, o que é que diz que se faz, que está a fazer? INF A gente, a gente deita dentro duma caixinha... A gente deita (...) dentro duma caixinha, e depois a gente vai para a pesca, quando chega ao lugar da pesca, a gente amarra uma pedra, que a gente chama, que é o calhau, amarra aquele calhau na gorazeira e a gente vai arreando anzol por anzol, pela água abaixo; e depois quando acaba o último anzol, a gente (...) amarra (...) numa linha e depois é que corre. INQ1 Ah, sim senhor. INF Quando se chega ao fundo, a gente sente... Porque a gente sente o peixe a bater, e quando a gente diz ao nosso colega: "Olha, está-me a pegar a peixe", o nosso colega arreia atrás de mim. Depois, eu puxo... Depois ele de chegar ao fundo, eu volto para cima. Chego com o meu cá acima, tiro-lhe os anzóis para fora, arreio outra; quando chego ao fundo, o meu colega vem para cima. É assim, vai um para baixo, e outro para cima. INQ2 Mas é com o barco parado ou com o barco a andar? INF É com o barco parado. INQ2 E aqui... INF (...) Com o barco parado, com a poita ao mar.
TRC28
INQ Não havia uma coisa que quando era para puxar os barcos que se andava assim à volta, metiam-se quatro ou cinco paus e aquilo era uma coisa assim e as pessoas iam andando e o, e o cabo ia and-... INF Isso é... Eu sei o que é. Isto (...) eu parece-me que se isso esteve aqui que eu não me lembro. Eu sei que houve foi lá (...) no Negrito - (...) de puxar as baleias. INQ Pois. INF Isto houve lá fora. Aqui que eu não me lembro. Aqui, eu lembro aqui (...) foi esses guinchos que chegaram, que tem ali. Tem ali aquela máquina (...) ali dentro e tem outra ali ao lado, que é a de a gente virar assim - quando falta a luz! INQ Pois.
TRC29
INQ Olhe, e então, e às vezes quando não havia vento ficava assim? INF Pois, ficava em balanço, pois. A pessoa asperge o pano. INQ Mas como é que dizia que o barco ficava? Portanto, quando deixava de poder andar, ficava ali parado assim um bocado... INF (...) A gente, a gente nem sequer ficava parados vez nenhuma. Quem fica parados é esses que andam a passear! A passear. A gente, a gente quando via que não havia vento, a gente arreava o pano para baixo e toca a remar.
TRC30
INQ1 Aquele que é o dono do barco, portanto, quem é que manda no barco como é que se chama? INF A gente, ele (...) à moda da Madeira é o arrais e aqui é o mestre. INQ1 O senhor também andou à pesca na Madeira, foi? INF Não senhor. Eu já andei à alvacora mas já foi há muito tempo. INQ1 Rhum-rhum. INF (...) Aquela pesca dava tanto como essa. INQ1 Dava quê? INF Dava tanto como essa. Nenhuma delas dá nada! Eu já experimentei tanta vida e o dinheiro (...) é cada vez menos. Já estive na baleia que nem sequer um par de calças me deu! INQ1 Mas era, onde é que arreavam aqui? INF Ora, se fosse preciso era aqui mesmo. INQ1 Era mesmo aqui? INF Olha aqui as lanchas a cair, oh! Esses cães, esses donos desses cães (...) é que criam dores à gente. (...) E aquele balcão grande que está ali em cima... O senhor está a ver aquela casa azul? INQ1 Azul? Estou. Mais abaixo... INF (...) Onde está aquele mastro, assim para cima? INQ1 Sim, sim. INF Aquilo é que era a companhia ali. INQ2 Mas já há muito tempo que deixou de?... INF Sim senhor. (...) E eu agora é que me estou a queixar dos braços - (...) e é das pernas - da água que eu apanhei! INQ1 Mas depois... Mas rebocavam as baleias para aqui ou tinham que levar para outra ilha? INF Para o Pico. A gente, a gente tinha muita vez que vinha aqui para o Negrito, a remos. A gente (...) aí penava muito. A remos! E depois a gente demos em cramar que o trabalho que era muito, depois é que deu em botar para o Pico. O Pico ainda foi pior, que eles (...) davam a conta de todo o azeite à gente o que queriam. Roubavam à gente!
TRC31
INQ Qual é a diferença entre o bater e o ameijoar? INF A diferença que é é, por exemplo: ele vai-se com a maré cheia bater a rede, guindar com pedras... Por exemplo, bota-se a rede, encostada às pedras, e guinda-se com umas pedras para ver se o peixe dá na rede, que é para ficar malhado. (...) E de 'amajoar', é - por exemplo -, é, por esta hora, eles deitam as redes agora dentro do barco e vão 'amajoá-las'. Deitam assim a rede (...) encostada às pedras, esticadinho assim, com uma para fora, um bocadinho, e amanhã é que vão alevantá-las. Amanhã ou à meia-noite, é assim, conforme.
TRC32
INQ1 Mas há, não há umas assim que tinham um aro em ferro, assim pequenino? INF Ah, (...) isso é um enxalavar. INQ1 E, e, é, serve para apanhar o?... INF Isso, isso já acabou, senhor. INQ1 Isso já acabou? INF Esses pescadores já não podem pescar! INQ2 Porquê? INF Porque veio agora essas redes (...) e deixámos mesmo de ir ao peixe - o chicharrinho novo - (...) de manhã... O pescador foi-se acabando. Como já não há remadores, porque agora há (...) tudo a motor, não há baleeiros (...) para a gente remar... Por exemplo: "O que é que tu fazes"? . E já ninguém se interessava por aquela vida! INQ1 Rhum-rhum. INF Mas os remadores, também, isto vai-se acabando. A gente aparta aí uns quatro ou cinco rapazes (...) para ir à regata, (...) numa festa que a gente faz aqui, que a gente chama que é a festa de Santo António. INQ1 Rhum-rhum. INF Para ir à regata, a gente topa aí dois ou três rapazes que queiram fazer aquilo mas nem já para eles saberem remar também, porque eles já não sabem.
TRC33
INQ1 Normalmente cada freguesia tem uma mestre? INF1 É. (...) Não, não, não. INF2 Até há freguesias em que tem duas. INF1 E o mais difícil é ... INF2 E há freguesias que não tem nenhuma. INF1 Há freguesias que não têm nenhuma, sim. INF3 Tem-se que ir buscar a outra freguesia . INF2 Que vai buscar a outra freguesia. INF1 Mas isto vem... INF2 Por acaso, a minha mestra é uma senhora, uma senhora com a pouca idade de oitenta e oito anos! INF1 Está lá em cima! Está ela lá em cima desde domingo, às duas da tarde. INF2 Passou esse dia... INF1 Passou (...) a noite toda em pé. INF2 A segunda... INF1 Segunda, todo o dia e toda a noite em pé. Terça, até às dez da noite em pé... INF2 Até à meia-noite! Depois descansou até às duas... INF1 Descansou até às duas, levantou-se às duas... INF2 Levantou-se às duas... INF1 E nunca mais foi à cama. INF2 Com oitenta e oito anos. INF1 Com oitenta e oito anos. (...) Mas é a tal (...) coisa: portanto, neste caso, desta senhora, prática. INQ2 Pois. INF1 Portanto, aí é a prática. Mas há outras mais novas que já não têm a prática que esta senhora tem; mas, no entanto, fazem a mesma coisa. Portanto, a preocupação está precisamente... É (...) o que faz uma função possível é essa senhora. INQ2 Pois, é essa mestra. INF1 O marchante, pois, o marchante faz parte... (...) Tem muita vontade, mas já não pode ser uma mestra. Porque a mestra faz a função, o marchante simplesmente se encarrega de partir carne. Portanto, é: o que pertence a carne, ele é que faz. INF2 E divisões, depois distribuições dessa mesma carne para pôr na sopa (...) ... INF1 Pois. Mas já expliquei. INF2 Isso já é tudo... INF1 Isso é ele! INF2 Ele que se encarrega de deitar sopa nas mesas, de deitar a carne fora quando queira, de deitar o vinho, o pão. A outra senhora prepara tudo, e ele encarrega-se (...) de tudo. É ele que vai dividir na mesa, tudo isso. INF1 Ele é que se encarrega da carne. A outra senhora está encarregue... Portanto, é: a gente parte de um princípio, a base é ali. Portanto, é muito interessante isso. INF2 É muito interessante!
TRC34
INF1 Os bailaricos folclóricos, nós também os temos cá. E isso é tradição do continente. Embora a gente saiba que é do continente, pois a gente - não é? -, a gente é a nossa tradição. Já não é o mesmo bailarico que é lá feito, INQ1 Claro. INF1 mas é idêntico. INF2 É. (...) INF1 Portanto, herdámos de lá. INQ Pois. INF1 Mas depois foi adaptado ao meio açoreano. Isto não é tentar diferenciar uns dos outros. O que eu estou a dizer é que... INQ1 Não. Mas diferença há lá também entre uns sítios e outros. Lá também há a diferença... INF1 (...) É que o açoreano realmente é um povo pacato. Gosta de estar muito entre si. É, é. Gosta de ficar na casca. São coisas... INQ2 Mas costumava haver bailaricos aqui depois do terço ou antes do terço? INF1 Antes do terço, é, o bailarico. INF2 Antes do terço. INF1 Mesmo agora há muito. INF2 Agora, agora é muito diferente daquilo que a gente... INF1 É, ele é. Eu costumava ver. INF2 (...) Nesse ponto, nesse aspecto, então, está-se morrendo a tradição. INF1 E morre. INF2 Em que havia aquele género de baile que a gente chama cá o baile à antiga, que é um baile folclórico, mas sem preparação de ninguém, sem ensaios. INF1 Chegava ali... INF2 Porque nos grupos folclóricos, ensaiam-se; eles não. Ele chegava-se aqui e deitava-se a mão a quatro rapazes, quatro raparigas, ou oito raparigas, senão oito rapazes, não interessava, faziam aquela rodazita, iam andando, depois começava lá um, mandava: desmancha, ou ele quebra o baile, vira para aqui, vai para a direita, e não sei quantos; depois um cantava, depois o outro cantava, depois faziam coro, não é? INF1 (...) Isso está... INF2 Isso praticamente está acabado. Isso está acabado porque a juventude está toda dedicada a discos, gravações, cassetes... INF1 Não. (...) Graças à música pop. INF2 É música moderna. INF1 Sim, é graças à música pop. Está tudo a virar para a música pop. A música pop, pois, isso é bom é para eles. INF2 Faz barulho. INF1 Lá nada, homem! Lá para Moçambique, Angola, para esses lados, os gajos não fazem outra coisa: batucam, não é? Mas é, no entanto, é, infelizmente... Infelizmente para nós, a tradição nesse caso está morrendo. INF2 Está morrendo. Há muito pouquinho, muito pouquinho! INF1 E morre! E vai mesmo. INF2 (...) Ainda se vê ele é fazer (...) umas rodazitas, muito pouco ... INQ2 Os cantadores, os cantadores não sei se aguentam. INF1 Os cantadores aguentam-se mas (...) isto mais dia, menos dia, talvez daqui a dois, três anos já não há. INF2 Bem, os cantadores aguentam-se mas a gente não pode garantir que se aguentem. INF1 Nunca mais é o mesmo . INF2 Vamos lá. Ora, ontem as provas foram dadas aqui e é uma coisa que pode ser bem analisada através da gravação, em que nós os mais novos tentámos fazer o nosso possível, enquanto os outros, com a maior facilidade, com a maior naturalidade, fizeram o que quiseram e restou-lhe tempo para fazer mais ainda. Portanto, além da grande prática que têm, têm um dom muito especial mesmo. INF1 Ora, aquilo nasce com a pessoa! INF2 Provavelmente os cantadores se vão manter. Eu não digo que não. Mas esses cantadores vão-se manter já mais a morrer (...) ... Quer dizer, nunca mais tivemos um Luís de Camões, nunca mais tivemos um Guerra Junqueiro, não é isso? Nunca mais tivemos um Bocage. Vamos tendo, vamos tendo uns certos poetas por aí abaixo, aparecem muitos, mas esses são simples Régios . Assim sucede com o improviso. INF1 Eh, não! Vão mudando (...) ... Aí, aí tem que meter uma coisa: menciona o Vitorino Nemésio, não é? INF2 (...) O Vitorino Nemésio?... INF1 Ah, não?! O Vitorino Nemésio! Menciona-o, menciona-o lá. INF2 Sim senhor. Sim senhor. INF1 Está lá, na nossa época. INF2 E menciona o Antero de Quental! INF1 Não, não. Na nossa época... Não. INF2 E então agora vou pondo, vamos mencionar por aí abaixo os nomes de todos os poetas. INF1 Não, não. Na nossa época, tu vais-me mencionar o Vitorino Nemésio. Ele é do nosso tempo. Ah, o Antero de Quental já não!... INF2 Eu também te posso mencionar até o Álamo de Oliveira que estava em (.../NPR) . (...) INF1 Ah, isso!... (...) Esse já é outra coisa. Esse já é outra coisa. INF2 (...) Eu posso-te mencionar o Reverendo Coelho de Sousa, que é poeta completo, sem dúvidas. INF1 Esse é um poeta completo . INF2 Se for um gajo a isso, eu tenho tantos para te nomear. INF1 Isso é um poeta completo . INF2 Não, mas o que eu quis-te fazer foi uma imitação do que vai ser o improviso. Vai descendo, vai descendo... INQ2 Pois. Mas esse, esse, esse Ferreirinha que cantou era o Ferreirinha filho? INF2 É o Ferreirinha filho. É o Ferreirinha filho que nunca é o que foi o Ferreirinha pai. É a tal coisa das tais tradições. INF3 Pois. Por acaso até que o conhecia, já do tempo do Trulu também e do Charrua... INQ2 Sim, o Charrua... INF2 Bem, esses então!... Esses não se fala neles! Isso é de um centenário só. Faleceram aqueles, pronto. INF1 (...) Em cantar, em cantar, pois, (...) nem comparo ao Camões. A cantar! Mesmo o Camões foi um poeta (...) ... Actuou à sua maneira. Nem conheceu a outra maneira. INF2 (...) Aí há uma explicação que se pode dar: a poesia é mais fácil de escrever um poema do que fazer uma cantiga. INF1 Uma cantiga! (...) INF2 (...) Vamos lá a ver, estamos aqui a cantar os dois, aquele vai-me falar naquela guerra, vamos dizer que eu não sei que ele vai falar naquela guerra (...) , e eu tenho que responder, tenho que procurar responder dentro do assunto que ele me pergunta. Ora, enquanto nós se escrevemos poesia, eu hoje escrevo aqui uma frase, por aqui abaixo: "Este quadro é"... Um quadro. E penso, penso, penso, mas não arranjei; fica para amanhã! E amanhã levanto-me, vou lá e ra-ra, ra-ra!, e vou pensando até que escrevo esse poema. No improviso não pode suceder isso. Assim que o outro acabar, eu tenho que responder. INF1 Obrigado! INQ1 Claro.
TRC35
INF1 A cantoria eram dois indivíduos. Saltam para cima dum palco, portanto, nas festas tradicionais da ilha Terceira, portanto, que se passam na ilha toda. Cada freguesia tem a sua época de festas tradicionais, onde há a procissão, há touros, há bolos de leite, dessas coisas todas... E então há uma surpresa. Neste caso, muitas vezes, é um bailarico, mas que muitas vezes é uma cantoria. Aí, essa cantoria, portanto, já são cantores pagos - eles vão cantar pagos. INF2 (...) É, é. E até se diz (...) que ele vende poesia. INF1 Sim. Não. INF2 É que isto é pago da mesma forma. INF1 Não, não, não. Deixa-me chegar ao que eu quero chegar, homem! Portanto, esses indivíduos vão pagos. O senhor chega lá e diz... (...) Os indivíduos que estão encarregues de fazer a cantoria dizem: " (...) Tu vais cantar com fulano"!
TRC36
INF E eu, eu tenho vinte e nove anos e (...) só assisti a uma cantoria em que um indivíduo se calou. Geralmente, nunca se cala. Quer dizer, aquilo ele continua sempre. INQ1 E como é que acaba? INF Oh, depois acabam (...) como vê que nem um nem outro vence. Pedem desculpa um ao outro, dão logo um aperto de mão e acabou. Pedem desculpa ao pessoal. Mas isso, isso é que era muito engraçado! INQ2 Não, mas algumas vezes, eu sei que eles chegam até, assim a chamar nomes valentes. INF Ah, não! É a chamar mesmo nomes, quer dizer (...) ... Embora não sejam nomes... Mas chamam nomes - INQ2 Sim. INF ah, sim - (...) ali na cantoria. (...) Isso é muito engraçado!
TRC37
INF1 Mas aí o marchante tem que saber o que é que vai partir também. Por isso é que a gente chama marchante. Portanto, vem de marechal, está a perceber? INQ Hum-hum. Pois. INF1 Chamam marchante. Mas para mim, no meu entender, era marechal que eles queriam dizer, mas como falamos o calão, há muitas palavras (...) que não são aquilo que (...) ... Quer dizer, que não são pronunciadas como são escritas. Ainda hoje, para lhe dizer a verdade, ainda hoje na nossa freguesia (...) há pessoas, quando falam, que falam mas falam à antigamente e (...) em vez (...) de dizerem "janela" dizem 'jinela'. INF2 Ah, isso então!... INF1 Não, mas isto é... Está a perceber? Escreve... INQ O José da Lata também cantava à 'jinela'. INF1 Não, não. INF2 Ele escreve... INF1 Ele escreve "janela" mas quando pronunciar diz 'jinela'. INQ Claro. INF1 (...) Por isso é que eu lhe estou a dizer: o marchante é possível que se refira a marechal, sei lá! E no entanto, a gente chama-lhe marchante. (...) É a forma de pronunciar. De escrever não sei, porque até nunca escrevi, eu. Quer dizer, (...) nunca precisei de escrever! Se eu precisasse de escrever, isso eu tinha que ir... Tinha que ir ao dicionário procurar essa palavra. Tinha que eu (...) mal sabia escrever.
TRC38
INQ Têm as mesmas regalias que os trabalhadores portugueses têm, sei lá, direito à aposentação, descontam? Não? INF Sim. INQ É isso? INF Nós descontamos, nós temos coisa; só que temos no regulamento em que não podemos dizer que estamos... Temos que estar satisfeitos. Os americanos usam, portanto, assumem a nossa lei. Fazem regulamentos entre a sua e a nossa. Pois quando lhe dá certo a deles, eles empregam; quando a nossa lhe dá prejuízo já será uma complicação escolher entre as duas, qual é que vai dar certo. E o sindicato nada faz ali dentro, que talvez não fosse os meios de salvação. Até porque eu acho que o sindicato está a trabalhar muito mal ultimamente. Por tudo e por nada, levam logo o pessoal à greve. Mas eu não vejo razões para isso. Acção de quê?!...
TRC39
INQ Olhe, e o senhor, sei lá, como é que adivinha que vai fazer bom tempo ou mau tempo? Como é que isso se vê? INF A gente hoje estamos (...) mais descansados, (...) que as meteorologias avisam e tudo. INQ Pois. INF Mas a gente não vai muito pelas meteorologias, a gente não vai... Eu não acredito (...) na meteorologia. INQ Pois. INF Quer dizer que batem certas; mas, pelos nossos olhos, é pelos astros. INQ Mas como é que o senhor, portanto, se, se?... INF (...) Olhe, já ontem sabia que ia vento. INQ Sabia que ia vento. O senhor, o senhor é melhor de se abrigar porque também está aí... Isso faz-lhe mal à vista. INF Não, nada. Não, não faz. Eu ontem sabia que hoje que ia cair vento, porque os ares estavam muito esgazeados e as nuvens quando andam, é vento. INQ Quando andam muito é porque estão... Pois. É sinal de vento. INF (...) E às vezes (...) as nuvens (...) não andam mas os ares dão os céus muito esgazeados e a gente diz: "Olha, amanhã vamos ter tempo ruim"! E é certo: ou chuva, vento... INQ Pois. Sabe quando, quando muda? INF Sim senhor. (...) INQ É só olhando assim para como as nuvens estão... INF E para o sol, mesmo para o sol, ou (...) ao pôr (...) da lua, (...) a gente sabe!
TRC40
INQ Olhe, aqueles, aqueles que saltam assim muito no mar? INF Toninhas. INQ E... INF Há a toninha. INQ Pois,vá-me dizendo os peixes, que é muito melhor. INF Há o caiado, que é um peixe parecido com (...) a toninha. Há um peixe-agulha, que isso ele é o melhor peixe que nem é a carne de vaca - nem a albacora, nem nada! A gente quando apanha um peixe daqueles, a gente para aqui para apanhar um peixe daqueles (...) é embrulhado (...) naqueles aparelhos. (...) Se pegar (...) num anzol daqueles, arrebenta tudo. E depois é que eles enriçam naquilo tudo e (...) eles coiso, assim . INQ Ficam seguros. INF No outro dia, houve aí um rapaz apanhou um, vendeu por três contos e oitocentos. É um peixe grande, então! Há o peixe-agulha; há o tintureira, esse não presta para comer. INQ Pois. INF Há o marracho. Esse é bom, mas (...) é ruim. É mau, mas a gente mata, não faz mal ao barco. INQ Rhum-rhum.... INF Porque ele se apanhar um homem na água, come-lhe inteiro, mas não faz mal ao barco. A gente também apanha muitos deles. Ele há o marracho, há o (.../N) bravo, que eu (...) nunca vi... Mas há (...) meros que já apanhei centos deles, meros. Baleia também já (...) vi, em Vila Franca já (...) vi... Ainda há pouco tempo vimos algumas cinco a passar por aí. Já vimos elas ir daqui para ali - assim cinco seguidas! Mas então (...) eu não fiquei muito contente, porque ainda (...) era meio escuro, a gente íamos para a pescaria quando eu senti: "Pschiii"! E eu disse ao meu pequeno do meio, mais do meio: "Ó Cecílio, isso é baleia. Repara na vaga". "Isso é é toninha"! "Isso é baleia que vem aqui (...) que o bufar é de baleia". Cinco! Muito grandes! Isso é os nomes que eu... Ai, o 'crongo'...
TRC41
INQ E não há um?... INF Há. Há e há um bichinho na areia que a gente apanha na rede, uns bichinhos assim deste tamanhinho, que a gente trata aranhas. É que (...) têm espinha aí pela cabecinha. Aquela espinha pretinha, se a gente se trancar naquela espinha, (...) e então se for no mês de Maio, é de uma pessoa... Grita todo o dia e toda a noite e tem que ir levar 'injecçães' ao hospital e a mão fica parece um pão de massa sovada. É uma coisa terrível . E coisa (...) mais (...) terrível como aquilo eu nunca vi! E já me tranquei, muita vez até, é dores que... Agora, quando há mesmo... (...) O pior sítio é o mês de (...) Maio.
TRC42
INQ E depois há a boga... Mas esse é mais alto do que a boga. INF Pois. INQ Portanto, é assim dessa altura e é espalmadinho. INF Pois. INQ É assim dessa largura só. Este aqui chamam-lhe cabra. INF A gente aqui chama... INQ Ou prombeta... INF Há a prombeta, sim. Prombetas, prombetas. Cabra é... É os de São Mateus é que dizem cabras. INQ Aonde? Em São Mateus? INF É em São Mateus que ele dizem que a prombeta (...) que é cabra, mas a gente aqui é prombeta. INQ Rhum-rhum. INF Até ele bem dito não é prombeta; trombetas! Porque o meu pai (...) era da Madeira, (...) e o meu pai também foi... Quer dizer, o meu pai não era pescador, (...) era lavrador. O meu pai tinha... Era um homem de gente que podia, depois veio para aqui, casou aqui, no tempo da guerra, casou aqui, depois meteu-se à lavoira e depois mais tarde deixou a lavoira e meteu-se (...) ao mar. E o meu pai dizia assim: "Trombeta"! E eles faziam escarne do meu pai. Um dia apanharam aqui em cima um senhor doutor, o dito médico que morreu agora há pouco tempo, e perguntou-lhe a ele (...) como é que se tratava a prombeta. E ele veio e disse assim - que ele andava assim com uns papelinhos... E ele disse: "É não prombeta, trombeta"! Depois toda a gente calou-se. Meu pai é que estava certo. INQ Pois. INF Depois a gente dizia... Toda a gente dizia: "a trombeta".
TRC43
INF1 (...) . É militar. INF2 É militar. INQ1... INF2 (...) Ele é de lá de Lisboa também. INF1 Está na base. INF2 Está na base, é militar. Ele não sei (...) se é sargento, se que é. INF1 Também é um bom rapazinho! Parece-me a ser sargento... Ele tem assim aqui no braço três riscos. INF2 Três divisas. INQ Tem as riscas assim, não tem? INF2 Três divisas. INF1 (...) Três divisas assim aqui no braço. INQ Assim no, na... Isso é de ser sargento. INF2 Na blusa, três divisas. INF1 Para mim, ele é sargento. INQ Acho que é sargento, também. INF2 Eu também nunca lhe perguntei, mas ele ainda ontem veio mais eu. Estivemos em casa da minha neta - que foi ao telefone -, e a gente já estava para vir para cima, quando ele a chamar. INQ Rhum-rhum. INF2 E depois eu fui, abri a porta e ele disse: "Era para mor de telefonar". "Sim senhora". A gente já estava quase a sair. Mas é bom rapaz! INF1 É. Ele é bom rapazinho. INF2 Mas bem ensinado como é dado! Branquinho, não é mulato, lavadinho, fala muito baixinho... INF1 É muito bom rapazinho. INQ Não, ali há muita gente do continente, ali na Força Aérea. INF2 Ah, ele não. Há muita gente! INF1 Há lá muita gente! (...) Essas famílias do continente estão muito espalhadas por aí por todo o lado. INF2 Tem muito espalhadas aqui pela nossa Terceira mesmo! INF1 É. Muita gente! INF2 Muitas, muitas. Quando veio aqui a tropa há anos, ficou aqui muitos rapazes casados. Do continente! Muitos rapazes, então! E estão vivendo aí. INQ Rhum-rhum. INF2 Um que era Câncio também está vivendo aqui em cima... Ali não tem um chafariz? Não passam ali por um chafariz? Pois é (...) naquela entrada para dentro, está ali um homem que também era de Lisboa. Há muitos aqui na nossa freguesia! E tem nas Lages... INF1 Eu acho uma asneira... Um rapaz que venha na tropa, já virão para passar nela ... Mas depois de sair da tropa, eu achava bem ir ter com a sua família, e depois então... Mas quando saísse da tropa, procurar a família! Não é agora ele vem para a tropa e da tropa fica cá e não procura mais a família nem nada, como esse Egas e outros parecidos, (...) não voltam atrás ter com as famílias... Home, isto não é nada, home! Volta atrás ter com as tuas famílias, e depois então se resolveres a virar para te cá vir... Mas primeiro vá ter com a sua família. Mas não senhor! INF2 Pois, coitados, pobres dos pais, esperando para os ver e não os vêem. INF1 É um tormento não ver os filhos . INF2 Não! Eu acho mal aquilo! Acho mal aquilo.
TRC44
INF1 Agora vai casar um, agora domingo, que ainda casam na tropa... INQ Ainda na tropa? INF1 Sim senhor. É uma fraqueza de cabeça! É. Tanto dele como dela! INF2 O pai é do Faial. INF1 Hã? INF2 O pai é do Faial. INF1 O pai é do Faial? INF2 O Egberto é do Faial. INF1 Ah, eu sei. Vai casar aí na tropa e fica na tropa até passar o seu tempo. Coisas tudo de canalha! Pois já se sabe que é canalha! Se ele não fosse canalha, deixava-se sair do castelo primeiro e depois é que se casava. Dava tempo! Mas vai-se casar. Deixa casar para baixo que Nosso Senhor há-de dar pão! É coma se costuma a dizer.
TRC45
INF A roupa vale uma grande coisa! A gente anda sempre quentes! A gente anda sempre quentes e quando a gente ia tirar... Eu cá sou assim. Quando a gente ia tirar da gente para fora, é preciso deixar arrefecer. Não é sair para a rua logo. Mesmo o calçado, deste calçado de canos, é preciso ele a gente deixar arrefecer porque aquilo está tudo num calor lá dentro que é medonho! E então aqui estas coisas!... Isto era de canos compridos. Marquei-lhas a mais, grandes a mais, para meter meias de lã por dentro, que ele só com estes 'meiitos', isto ele é é frio (...) para a gente. E eu cheguei-lha... Comprei-lhas de mais para mor de calçar meias de lã em cima destes 'meiitos' para ficar com o pé quente. A gente estamos quentes, se a gente descalçar aquilo dos pés para fora e andar para a rua, para apanhar uma 'aleijadura' (...) nas pernas é um instante! É então acautelar!
TRC46
INQ Olhe, não há, não há, aqui não há ribeira nenhuma que corra durante todo o ano? INF1 Não senhor. INF2 Não senhor. Assim que chega o Verão, aquilo ele seca-se. INF1 (...) Até já há de anos para cá que esta ribeira corre assim por uma ocasião de chover e pronto. Agora há anos atrasados, ela chegava ao mês de Maio e sempre a correr. Os Invernos vão (...) mais fracos, um pedaço muito grande. INQ Rhum-rhum. INF1 Mas naquele tempo era invernos rigorosos, piores um pedaço. INQ Olhe e essa água que, que se bebe vem de onde? Sabe? INF1 É fontes. INQ Nas fontes. INF1 É fontes. INQ E já viu uma fonte? E onde é que aparece a água? INF1 Ele aparece além nos matos. É nos matos é que essas águas vêm para aqui. Vêm... Até (...) uma fonte que há no mato, a água vai para a cidade, para a casa da luz. (...) E há umas fontes aqui para este lado, (...) que dá aqui para estas bandas, que dá aqui para estas bandas, para estes lados. Estas águas que a gente está gastando aqui é de Agualva - umas fontes que há para cima nos matos. E ele essa água era gasta era nos moinhos - nos moinhos de água! E depois eles como queriam água para distribuírem pelas freguesias todas, deram preparos de eléctrico para eles tocarem os moinhos e para mor de a água servir para eles, que eles queriam era mamar dinheiro. E depois apanharam a água para distribuir, que é esta água que vem por aqui acima e que dá por vários lugares e duma banda para a outra, está o senhor a perceber? INQ Rhum-rhum. Pois, mas... INF1 Mas isso é duas fontes que há. INQ Pois. Mas já viu assim a água a aparecer? Como é que se chama o sítio onde, onde aparece a água na terra? INF1 Aparece. Às vezes é vê-la mesmo à saída da terra para cima. Até várias tem por lá disto, aí para trás nesses matos. INF2 É fontes. INF1 É as fontes. Mas é aí para trás nesses matos. Ela está ali a papejar assim para cima (...) da terra. Estes americanos, que vieram para aqui, que têm aqui, em vários lugares, aqui mais para baixo, que eles tinham preparos... Que a gente não sabia que havia água naquele lugar! Mas eles tinham preparos que foram 'refundiando' e 'refundiando' e 'refundiando' com aquilo até encontrar água. Eles têm aqui para baixo casas de água, está o senhor percebendo? INQ Rhum-rhum. INF1 Ora quem é que sabia lá aquilo onde é que estava?! Quem é que sabia?! INQ Pois. INF1 Há um lugar (...) que tratavam por Carvão. Há lá uma fonte que eu labutei anos a limpar aquele mato (...) para trás, e passava lá perto ouvia falar no Algar do Carvão, mas eu nunca lá tinha chegado a ir. Este ano, o meu filho - andava já até aborrecido também - e um dia vira-se para mim e diz: "O pai não quer ir dar um passeio para o mato"? Ele tem um carro seu. Digo eu: "Pois vamos". E fomos. Onde fui? A esse dito Algar do Carvão que eu ouvia falar nele. Eu não sei... O poder de Deus é que é muito grande! Lá fomos. Mas isso eles têm um recreio lá, que amanharam lá uma entrada para ir lá ao pé desse lugar, acimentado, uma coisa lá muito bem arranjada. E a gente vai um bocadinho, um bocadinho, um bocadinho mais distância do que daqui além até à porta daquela casa. Por debaixo do chão... INF2 Com cimento por cima. INF1 Para a gente ver (...) aquela claridadezinha lá... INF2 Cá no fundo, acho que não me deixaram. Foi a pequenina. Sim . INF1 E eu, pois eu levava qualquer coisa dentro, por debaixo do chão, chega lá, a gente assim que chega lá pega a reparar em ver, é mato para cima. INF2 E a pingar água! INF1 E uns degraus para descer para baixo. Mas eu cá não passei dali, que eu fiquei logo medo, foi fugir cá para fora. INF2 Risos INF1 Eu quando vinha para fora, no tal (.../N) , enquanto passa por debaixo do chão, de maneira que comecei a reparar foi para aquelas paredes, mas (...) está tudo em cimento. É. INF2 Tudo em cimento. INF1 Feito em arco, não é? Portanto, está tudo em cimento para aguentar aquilo. INQ Pois. INF1 Afinal é quem já foi... Mesmo gente aqui das Fontinhas já foram lá. Descem para baixo trezentos e sessenta degraus! INF2 E sessenta degraus! Eu tinha gostado de ir ver. Mas ele a minha nora também chamava: "Tragam a avó para cá! Anda avó para cá"! (...) E aquele também!... INF1 (...) Quem é que vai ver? Quem é?... Para uma criatura descer aqueles degraus todos, a descer para baixo, ele vai longíssimo! Ele é em milhares... INF2 Ah, mas se for (...) com um foco na mão... INF1 Ó mulher cala a boca! INF2 Tinha... INF1 Pareces uma pessoa entendida para isso. INF2 Pois precisa... INF1 Não sendo entendida para isso, fica mal. INF2 Cá apareci eu que tinha ido. INF1 Porque uma pessoa (...) a descer trezentos e sessenta degraus, olha que é uma distância medonha! INF2 É um caso sério! Diz que é... INF1 E em baixo tem uma lagoa de água e tem lá em baixo um barco! INF2 E tem lá em baixo um barco?! INF1 Quem foi lá é que me disse. Eu cá não passei do tal lugar, que assim que começou os degraus - fshtáwa! - cá para fora. INF2 Deu em ter medo e a rapariga também: "Anda, minha avó, cá para trás! Minha avó anda cá para trás, já"! Pronto. (...) "Tu vais-me é cair com o foco na mão"!... Tinha ido ver aquilo que era! Era trezentos degraus. Trezentos e sessenta degraus é uma coisa séria! Agora eu cá vi os degraus por ali arriba! A descer para baixo, pois aquilo havia de ter uma coisa aviada , com certeza. INF1 Não! E a respeito de coisas que aparecem aqui na ilha... E quem diz aqui na ilha... E tem aí, não sei (...) se é no Pico, se é em São Jorge... Também tem um homem aqui das Fontinhas que também já lá esteve já. Também uma coisa imitante a esta, a descer para baixo. INQ Na, na Graciosa? INF1 Ou era na Graciosa! Ah, então é! Ele é para aí, para essas ilhas, para fora. Também que diz (...) que desce para baixo uma distância que mete medo. Não sei. Eu cá não me amanho com aquilo. Eu cá amanho-me bem é arriba de terra! (...) Aqui por baixo... INF2 Quando lá, assim que se viu debaixo daquilo, disse logo que não queria saber nada daquilo.
TRC47
INQ1 E o alecrim servia para fazer o quê? INF1 Chá. INQ1 Só chá? INF1 E para benzer quem tem coisas ruins consigo. INQ1 Diga, diga. Como é que é? INQ2 Ai é? INF1 E para benzer quem tem coisas ruins consigo. INF2 Risos INQ2 Benze com alecrim? INQ1 Mas como é que se benze? INF1 É. Diz que sim. INF2 Como é que se faz essa benzedura? INF1 O alecrim, a benzedura não sei então dizer ao senhor. INQ1 Mas era só com?... Fazia-se alguma coisa com o alecrim ou só se benzia com o alecrim? Fazia-se um?... INF3 Aquilo era... INF1 Era chás (...) e era com o galhinho de alecrim. Benzia-se. INF2 Para ver se espantava aquela coisa. Risos INF1 A ver se espantava (...) aquele ar (...) que se alguém tem... A gente ri-se mas tem muita gente que tem! INF3 Ah, isso há tanto! INF1 Sim, não penses tu que não. INQ1 Mas como é que se sabia que a pessoa tinha dessas coisas? INF1 É porque há gente que benze. Não sou eu, que não sei. INQ1 Não, não é benzer, mas... INF1 Se soubesse ganhava bastante dinheiro! INF2 Risos INQ1 Pois. INF1 Mas não sei. Mas tem ali na cidade quem saiba! INQ2 Mas como é que se sabe que a pessoa está com algum mal? Como é que se vê? INF1 Como é?... É porque ele está doente. INQ1... INQ2 E não se cura? INF1 (...) Cura-se! Que o senhor doutor (...) não ache tafulho, eles pegam em si e vão para os benzedores! INQ1 Na cidade há benzedores? INF1 Eles benzem... Eles benzem e eles dizem as coisas todas que a criatura tem. E eles são de fora da freguesia, não sabem nada da freguesia. Nem sabem nem se uma... Uma comparação: não sabem nem se morreu alguém à senhora, nem se não morreu; nem em que tempo é que morreu; nem se foi novo, nem se foi velho. E eles dizem tudo! Eu não quero nada com aquela gente. INF2 Risos INF3 Risos INQ1 Mas é só na cidade que há, é? INF1 É na cidade... INF2 Não, ele é na cidade e sem ser na cidade. INF1 E há na... INF2 E é por estes montes também (...) . INF1 É por estes montes, sim, e há (...) no Raminho, disse-me o Candelário. Há no Raminho e há em mais bandas. Ali na cidade, há em duas bandas ou três. E há no Raminho (...) e há em mais bandas por aí. E há na Agualva um! INQ1 E só dão dessas coisas, desses chás e coisas, é? INF1 Estes chás, não... (...) INQ1 Só? As pessoas... INF1 As pessoas bebem desse chá se eles mandam. INQ1 Rhum-rhum. INF1 Se eles não mandam não bebem. Só se para uma constipação! Que o alecrim fervido em... O alecrim fervido em vinho, com açúcar, dá-se a uma criatura que apanhe uma constipação e ele sua, fica bom. INQ1 Rhum-rhum. INQ2 Deve ser bom! INF1 É, sim senhora.
TRC48
INQ1 Olhe e uma outra que até se põe dentro da aguardente com açúcar e aquilo?... INF1 Funcho. É funcho. É o espigo de funcho. E é bom para chá! INQ1 Rhum-rhum. E o que é que?... Pois. INQ2 Também é bom para chá? INF1 É, sim senhora. INQ2 O espigo ou o funcho? INF1 (...) Só a sementezinha do funcho. Eu tenho além no palheiro, lá, um braçadinho dele, que é para quando fizer sol, deitá-lo ao sol, e tirar aquela... INQ2 E o chá é para quê? Para dores? INF1 O chá é para dores, e para má disposição que tenha por dentro em si também é bom. Olhe, é como aquele senhor, se tivesse bebido um chazinho daquilo, fazia-lhe bem. INF2 Risos INQ1 Vês, Pedro, tens que te curar. INF1 É, sim senhor. (...) A minha filha dá (...) aos seus filhos sempre. E eles gostam dele por a sua vida toda. Todos os dias eles bebem... INQ1 Chá de funcho é bom! INF1 Eles bebem aquele chazinho de funcho. INF2 E são miúdos pequeninos! INQ2 Pois. INF1 São pequeninos, pois sabe que são. E tu também bebias! INF2 Mas isso era... INF1 Agora é que não queres! INF2 Risos INF1 Tu também bebias chazinho que tua mãe te dava! Mas eras pequenina. E gritavas: "Eu quero vir para casa da minha avó, não quero estar aqui"!
TRC49
INQ Olhe, mas não se usava aqui antigamente o musgão para, para o, para os colchões? INF1 Musgo. INQ Musgo? INF1 Cá só conheci musgo nos cabeçais. Eu, colchão de (...) musgo nunca conheci, mas havia quem tinha. INF2 Isso era nos pastos. INF1 Agora, eu, cá não conheci, então, em casa da minha mãe. INF2 Nos pastos é que há disso, muito. INF1 Agora musgo nos cabeçais, digo eu à senhora que a gente ia mesmo... Ajuntavam-se um monte delas nuns pastos, às vezes, a quinze e a vinte mulheres. INF2 Era mais naquelas serras, naquela Serra do Cume. INF1 Naquelas serras! A apanhar musgo! Apanhávamos sacas de musgo... Cada uma trazia (...) o seu saco ou a sua saca de musgo - (...) uns sacos de seis alqueires. INQ E depois o que é que lhes fazia? INF1 Aquilo era para os cabeçais. (...) INQ Mas secavam? INF2 Secavam ao sol. INF1 Secavam. Vinha a gente, escolhia-o todo da erva - se tinha alguma ervinha -, ficava só o musgo. E secávamo-lo bem sequinho e botávamos nos cabeçais. Cheirava que consolava! Ele há que tempos... (...) Há mais de um ano ou há mais de dois que eu não tenho já semelhante coisa. INF2 Há agora cá! Tu achas?! INF1 Mas ainda gostava! INF2 O que tem agora é coisas que custam dinheiro. INF1 Agora é coisas tudo que custam dinheiro. INF2 Aquilo (...) ele era dado, mas agora é por dinheiro, que é melhor. INF1 Olha, pois (...) ninguém dá! Já nem sequer há musgo como havia! Porque deram em lavrar os pastos, deram em lavrar tudo e já nem sequer há musgo como havia! INF2 E o adubo, que o adubo deu em tirar o musgo. INF1 E o adubo deu em acabar com aquilo. Eu, ainda, quando fui mais o meu filho a esses matos aí para cima, ainda vi lá na tal coisa donde fomos para ir para debaixo do chão, INQ Pois. INF1 ainda apanhei lá uma coisinha, para trazer, para ver... Cheirava que consolava! Ele é o costume que a gente tem. É. INQ Pois, pois. INF1 A gente gostava daquilo.
TRC50
INQ A planta pica. INF Não sei. INQ A silva? INF Ai, amoras?! É amoras! Isso é amoras! É silvas, é. É as silvas. E dá os cachos de amoras! É no tempo (...) que dá as uvas! INQ Ah! INF Já sei o que é. É amoras. Que dá cachos de... Dá cachos com o sol. E ele então é bom! Ficam vermelhas e depois ficam pretas. INQ Pretas. INF Sim senhor. É verdade.
TRC51
INF É crisântemos, sim senhora. Enfeitam até as sepulturas... Ele vieram aqui este ano buscar além para enfeitar as sepulturas, de famílias suas, claro. E ainda têm lá disso ... INQ E mais? Uma que cheira muito bem? INF O quê? INQ Uma que cheira muito bem? INF Com flor? Que cheira muito bem? Não sei. INQ A rosa, não? INF A rosa de cheiro? Ah, as rosas de cheiro tem! Tem umas até, que são cor-de-rosas, (...) que a gente dizia que cheira a damasco até! E outras muito vermelhas, muito vermelhas, também são boas, então! Também cheiram que consola! Sim senhora. INQ Fazem alguma coisa com as rosas, chá ou, ou isso, não? INF Só chá com a rosa (...) daquelas (...) que cheiram como a damasco. INQ O chá para que é? INF Chá (...) para beberem para dores ou para... (...) Olha, era para dores de cara (...) . Inchava a cara e até lavavam a cara com essas rosas (...) ... Ele apanhavam na noite de São João e guardavam essas folhinhas e quando tinham dores de dentes e inchava-lhe a cara, elas lavavam a cara com isso. Que eu também cheguei a lavar - sim senhora - para desinchar a cara.
TRC52
INQ Que árvores é que há cá perto da ribeira, que crescem por aí abaixo? INF Faias e canas (...) e eucaliptozinhos, que os melrinhos vão comendo e sujando atrás sempre. Eles vêm atrás, apanham-nos e tiram-os dali para fora. INQ Pois. INF E é... Como é que é? Mostardas também! INQ Fazia-se alguma coisa com essa, com a folha dessa? INF Com a mostarda, é para quem tem dores ou não sei o quê, que bota em si. Aquece ao lume e bota em si. INQ Rhum-rhum. INF Faz bem. Diz que faz bem! Eu cá nunca botei então, nem quero saber lá disso! E às vezes também secam e mói-se, faz uma farinhinha (...) para botar nas criaturas. INQ Pois.
TRC53
INQ1 Olhe, e aquelas que andam nas couves? INF1 Lagartas. As borboletas é que punham. É que (...) o seu fazer cocó é nas couves para fazerem lagartas. Põem, enchem tudo de lagartas. INF2 Ah! Ele por o senhor estar a falar nas borboletas, eu vou-lhe contar outro. Havia um cantador, era um Egídio e morava aqui para o lado da cidade. INF1 Era ali na cidade que ele morava. INF2 E agora já veio aí cantar cantorias... INF1 Mas era ali no Lajedo! INF2 Mas (...) era de noite. As cantorias eram de noite. INF1 Eram de noite. INF2 E depois era de noite, a borboleta aplantava à lanterna. E depois ele virou-se (...) para a lanterna, diz: "A borboleta morre na luz, o soldado na batalha, Cristo na cruz e a gente onde calha". É uma cantiga de peso. INQ1 É verdade. INF2 Cristo morreu na cruz! INQ1 Pois. INF2 E a gente onde é que vai morrer?! O senhor sabe se morre aqui neste cantinho, se morre na cidade, se morre na sua... Não sabe. INQ1 Pois. INF1 É como calha. A gente morre por onde calha. INF2 Porque é uma cantiga, mas é uma cantiga de peso. INQ1 Sim senhora. INF2 (...) O gajo cantava bem! Cantava bem o gajo, era ele . Nunca me esqueceu esta. INQ1 Olhe, e, a senhora diga-me lá aquele, aquela coisa que disse há bocado à sua neta da, da casa quanto... INF1 Ah! (...) Casa quanta mores e terra quanta vejas! INQ1 E o que é que isso quer dizer? INF1 Quer dizer que a casa, qualquer uma casa serve para a gente morar, não precisa de tolices ! O que querem dizer é isto! INQ1 Sim, sim. INF1 Os antigos é que diziam. E a terra, eram muito esgalgados, queriam era comprar terras, queriam era muita terra para ter que comer, para ter muita terra, para ter muitos alqueires de terra. INQ1 Claro! INF1 Depois a casa, eles não (...) ... Era uma casa! INQ2 Pois. INF1 Era uma casa para morar! Logo que tivesse uma porta e janelas para eles se fecharem lá dentro, era o que eles queriam. INQ1 Era o que interessava. INF1 E agora terras, queriam era comprar terras que era para (...) ser muito ricos. E as casas, não queriam fazer benefícios nenhuns. INQ1 Sim senhora. INF1 Estava modos de ele morar, pronto! Um senhor Cândido, que é do senhor Cantídio, da cidade - talvez o senhor conheça... INQ2 Não. INF2 Não! INF1 Não ? A sua filha casou com o tal senhor Cândido , que mora aqui em baixo, casou com esse senhor, filho do senhor Cantídio... Isso era um homem rico que era medonho! Mas tinha uma casa que hoje não vale nada ao pé dessas por aqui - destas casas que se fazem agora! INF2 O filho era... INQ1 Pois.
TRC54
INQ1 Olhe, e aqueles que dantes as p-, os miúdos tinham na cabeça, dava muita comichão? INF1 Era piolhos. Ah, credo! Já não se vê . Já não há sequer! Nalgumas cabeças de alguém há-de haver, mas cá na minha não há, nem em gente minha! INQ1 Olhe, e aquelas coisinhas brancas que os piolhos deixavam na cabeça? INF1 É lêndeas, que a gente tratava por lêndeas, sim senhor. INQ1 Olhe, e nas camas, às vezes, aparecia uma coisa assim?... INF1 Pulga! E o 'percebes'. E o 'percebes'... INQ1 E outra... INF2 E eu para já há anos que não vejo semelhante coisa. Já há anos... INF1 Há anos que a gente não vê semelhante coisa! INQ2 Pois, o 'percebes' é só na... INF1 'Percebes' sim senhor, também havia. Tudo! Havia então 'percebes'. INF2 Esta coisa, ele havia mais nesta questão dos frontais. Que ele havia então ... INF1 Esses frontais, quando eram velhos, é que aqueles 'percebes' criavam-se a modos naqueles frontais velhos. INQ2 Rhum-rhum. INF2 Mas hoje em dia é tabiques como é esse que está aqui (...) . Agora quando era em frontais, criava. INF1 Eles (.../VB-D-3P) as criaturas, que a gente às vezes via criatura... Porque a gente cá tinha sempre coisa, um pó de deitar. A minha mãe tinha sempre um pó de deitar à pulga. INQ1 Pois. INF1 Porque elas cagavam os lençóis todos. INQ1 Pois. INF1 Era um nojo! (...) E, já sabe, davam dentadas na gente! INQ1 Pois. INF1 E os 'percebes' (...) da mesma maneira. Mas a gente tinha sempre coisa de lhe deitar. Pois, mas com uns frontais velhos que a gente tinha aqui - olha, aquele tirou-os... Ficámos sem frontais, e foi só depois... INQ1 Os frontais o que era? INF1 Isto era de frontais de madeira. (...) INQ1 Ah! É aquelas paredes que só têm meia altura? Mu-... INF1 Os frontais tinham esta altura, até mais para cima. INQ1 Mas eram de madeira? INQ2 Mas não chegavam até ao tecto? INF1 Eram de madeira. Chegavam até... INQ1 Não che-... INQ2 Chegavam ao tecto? INQ1 Ao telhado? INF1 Fechavam no tecto, sim senhor. Depois a gente esticámos isto assim e botaram estes blocos para... INF2 Em bloco, em tabique. INQ1 Pois. INF1 (...) Em tabiques, para mor de (...) não ter os 'percebes'. Que esta casa era muito, quando... Era muito atreita a isso, quando a gente viemos para aqui. Quem morava aqui nela... INQ1 Pois.
TRC55
INF1 Nem a pequena nunca escreveu. INF2 Nem a pequena ainda não escreveu. Que ela escreve sempre é ali sentada na cama. Não escreveu ontem, queria-se era deitar, deitou-se. Já tardíssimo que a gente se deitámos. INF3 Já à noite. INF2 (...) E hoje levantei-me, estive derretendo a minha matança... INF3 A mãe sempre foi ontem lá baixo buscar à Praia buscar o toucinho? INF2 Fui. Fui no carro desta senhora. Fui e vim no carro deles. Eles ainda estiveram à minha espera. INQ Ah! Estivemos à sua espera?! Não tivemos tempo... A senhora depois ainda esteve à nossa espera outra vez. INF2 Não! Estiveram então à minha espera ainda para me trazer para cima no carro. Porque aquilo está mau, então lá é à vez. Tiram uma senha... INQ Estava muita gente! INF2 É à vez! INF3 É, vai muita gente vai. INF2 (...) Era um açougue, e o que já tinha saído, senhora! INQ Sim, já tinha saído muita gente. INF2 Se já tinha saído! Era um açougue que a gente queria-se mexer lá dentro e não podíamos. INF3 Tudo atrás do toucinho, porque não há agora e eles vão é à busca do toucinho para os torresmos . INF2 Tudo atrás do toucinho! Toucinho. É. E gente que compra canelos! Uns é só por canelos e carne para comer. INF1 Vai aviando, que eles têm que desgastar aquilo tudo. INF2 E os outros é para derreter. INF1 Uns levam uma coisa e outros levam outra. INF2 Derreteu e fiz aquela gordura que está ali. INF3 (...) INF2 (...) Mas não (...) dão mais que cinco quilos a cada um. (...) INF3 (...) INF1 Querem contentar todos. INF3 Não é o que querem. INF2 Não é o que querem! INF1 Não! É a contentar todos (...) . INF2 Ainda (...) o rapaz do Canuto disse-me: " (...) A tia, que é queria"? Digo eu: "Queria dez quilos". Diz ele: "Não pode ser. Não pode ser. Há-de ser só cinco, que é como os outros". Digo eu: "Há-de ser o que o senhor puder amanhar. O senhor há-de fazer como faz aos outros. Eu não sou diferente dos outros. O senhor há-de fazer como faz aos outros". Pronto. (...) INQ Acho que há muita falta de banha. INF2 Há. INF1 Há e esteve uma desgraça. INF3 Há muita, há muita, muita! INQ Eu quis comprar também um bocadinho de banha derretida já, mas não, não havia. INF2 Não há. INF1 Não vendem. INQ Diz que estava esgotado. Não havia. INF2 Não há. Em tempo havia, mas agora não há. A gente comprava era sempre pronta a fazer comida, mas agora não há. INQ Pois, pois. INF2 E cada vez é pior. INQ Mas porque é que será? INF3 Falta de porcos para matar. INF2 Falta de porcos. INQ Ai é? INF2 É. INF3 É falta. INF4 Mas a falta de porcos o lavrador é que teve a culpa. INF2 Foi! Ele foi então! INF4 Eles (...) não pagavam bem que desse (...) para o tratamento ... INF1 Uê! (...) Não dava para as despesas. INQ Pois. INF4 Depois eles deixaram de (...) criar porcos. Agora ninguém tem porcos: eu não tenho para vender, aquele não tem porque não tem, e querem é comprar... INF2 É, é. INQ Pois. INF4 Eu tenho medo que me falhe . INF3 Eu tenho mas é só (...) para gasto de casa. Depois quando for mais daqui a uns meses... Estou engordando para o matar. Que eu tenho-o para o gasto de casa. Pronto, é na altura em que não há. INQ Pois. INF2 Mesmo aquilo não vão bem gordos para lá, Eládio. INF3 Eles mesmo não querem. INF1 (...) INF2 É só 'engorlentados'. INF3 Eles mesmo não querem. Quando é para vender, eles não querem porcos muito gordos.
TRC56
INQ Não se quer sentar aqui um bocadinho aqui ao pé de nós? INF1 Ai, eu vou-me embora ter com os miúdos. INQ Sente-se lá! INF1 Por causa do meu cunhado. Ele ficou com eles e ele quer ir tratar das vacas. INF2 O Eleutério está com eles. INF1 Depois é na altura em que eu não posso ter assim muita demora. INQ Está bem, mas só um bocadinho. INF1 Depois ir fazer a minha sopinha! INQ Pois. INF2 Eu cá fiz então ontem. INF1 Para ver se a gente come à noitinha um bocadinho. INF2 Tenho feita de ontem. INF1 A gente cá somos muito poupados, só comemos duas vezes. INQ Só quê? INF1 Só comemos duas vezes, que é para a gente ser rica. INF2 Ah, (...) eu ontem também comi uma açorda (...) antes desta senhora, desta família... INF1 Ai, minha mãe, açorda comi eu ontem! Estou farta de açorda até aos olhos. INF2 (...) INQ Como é que fazem a açorda? INF2 Como é que fazem? INF1 A açorda, deitam água numa panela e uma coisinha de sal; depois migam as sopas dentro duma tigela e deita-se um dente de alho, uma coisinha de banha... Quem tem peixe, come com peixe e quem não tem peixe, deita o... INQ Mas é seca? INF1 Não senhora. É com água. INF2 (...) INF1 As sopas são secas, a gente miga-as secas, e depois é que deita a água a ferver por cima das sopas. Percebe? INF2 É. INQ E fic-... Mas fica assim com água também? Com caldo? INF1 Fica com caldo; fica com caldo, fica. INF2 Fica com caldo, vinagre e... INF1 Quem quer mete cebola, quem quer mete só banha... INF2 (...) Eu cá boto-lhe cebola porque teu pai gosta muito! INF1 Que a açorda é só com banha! INF2 Come... Rapa aquela cebola toda ao de cima para comer. Eu cá não quero que ela sequer me toque. INQ Não gosta de cebola? INF2 Não gosto nada. INF1 Eu gosto muito assim. INF2 Agora o meu homem lá gosta muito. Fiz ali, botei-lhe para dentro - que então não frito nada porque não posso comer nada frito -, INQ Pois. INF2 e botei a cebola crua, picadinha miúda, que esteve a ferver para se cozer, vinagre, o sal, a banha de porco e botei-lhe uma coisinha desta galinha Maggie... Eh, pequena, cheirava que consolava! INF1 A senhora também gostou? INF2 Cheirava que consolava! INQ Gostou? INF2 É mais gostoso, pois já se sabe que é!
TRC57
INF1 É um colar que a gente até lhe mete... Fura com uma agulha e mete uma linha preta dentro. INQ Isso. Mete-se uma linha preta dentro? INF2 É. INF1 E cortamos com a agulha. A agulha sai de banda a banda, com uma linha (...) de algodão preto. INQ Pois. INF1 E cortamos ali e cortamos aqui atrás, fica a linha ali dentro. Seca-se num instante. INQ Ai, que engraçado! INF1 Sim senhora. Assim é que elas fazem, que a gente faz, que eu também... INQ Também é dos antigos? INF1 Que eu também já fiz! INQ Era também dos antigos isso? INF1 Senhora? INQ A sua mãe é que lhe ensinou isso? INF1 Sim senhora, é que metia à gente. Que a gente, às vezes, saía com uns sapatos - mas, às vezes, compravam-nos apertadinhos - e depois ele fazia o calo. À primeira vez que a gente saía com eles, fazia calo. Ela pegava em si: "Bota cá o pé"! Metia lá a agulha, de banda a banda, e cortava a linha atrás e cortava adiante, que era para não estar a puxar a linha. INQ Pois, pois. INF1 E aquilo secava sempre sendo em poucos dias. INQ Que engraçado! INF1 Porque levava um dia ou dois para se secar; depois caía a pelinha, caía aquela linha, pronto! INQ Sim senhor. Olhe, não sabia. INF1 Ah, isso então assim é que a minha mãe fazia. Era a gente antiga! INQ Pois, pois.
TRC58
INQ Onde é que é o curioso aqui? Há algum curioso cá na Terceira? INF Agora não... Agora não tem. Agora não tem. INQ Já não há? INF Agora tinha ali um senhor Capristano, do Areeiro, que aquilo ele era como um médico, senhora! Era tal e qual como um doutor. Eu digo como o senhor doutor Elisário me disse um dia: "Ele não é"... Digo eu: "É um curioso"! Diz ele: "Ele não é curioso. É um médico daquilo que é bom"! Era então! E receitava remédios, ia-se buscar à botica, e a criatura era um instante para ficar melhor. Era, sim senhora. Mas era um homem que sabia ler muito bem, e tudo o mais. Ele pregava galochas! O seu princípio foi a pregar galochas. E no resto foi aquilo daquela maneira. Também arranjou muito, que era muito governado mesmo! INQ Pois. INF Arranjou muito. Mas era um médico de primeira! E se achava qualquer uma coisa, mesmo lá no seu ver, com os seus olhos ou não sei o quê, o que achava, dizia: "Tu 'há-des' ir para o doutor. Porque tu estás fraco dos pulmões". E chegava-se ao doutor, era certo. Sim senhora. E Nosso Senhor levou-o; Nosso Senhor nunca o havia de ter levado! INQ Pois. INF E curar feridas e então... E abrir mesmo... Coisas (...) que precisava de abrir, ele abria e tirava, (...) e amanhava, e ficava ali tudo bom que consolava! Teve sorte, coitadinho! E Nosso Senhor levou-o. Mesmo já era muito velho, então também! INQ Era já muito velho? INF Era, já era velho. Já era velho então!
TRC59
INQ Olhe e aquelas coisas que às vezes dá, uma doença que se pega à gen-, às pessoas todas duma freguesia?... INF1 É sarna. INQ Pode ser sarna. Mas pode ser outra... Quando se pega assim... INF2 Pode ser a peste. Ele nalgum tempo era a peste que dava! INF1 Ah, era a peste, sim. Em tempo era a peste também. INF2 Mas ele já morria muita gente aqui! INF1 Credo! INF2 Mas ele já há aí medicamento, que não se fala nisso. INF1 Já nem sequer há! INF2 Hoje fala-se é de cancerosos. Hoje ele anda na moda é cancerosos. INF1 (...) Ele hoje é tudo cancerosos. INF2 "Oh, esse fulano tal (...) está canceroso" e tal. Nalgum tempo era a peste. INF1 Era a peste. INQ E mais não se pega. E o canc-, o cancro não se pega. INF1 Era... INQ Se se pegasse, então... INF1 A peste então estava na nossa terra (...) - aqui na nossa freguesia - que era medonho! Além nas Lages! INF2 (...) E nas mais freguesias. INF1 E nas Lages era... Ainda era pior que aqui. INF2 Havia um doutor de Agualva, que estava (...) ali na ladeira de São Francisco, (...) em Angra, que era (...) um belo dum homem. Ele morreu com a peste. Teve lá doutores às trelas com ele, que até o sangraram nos pulsos e fizeram-lhe tantas 'trapaçadas', mas ele (...) andou mesmo. INF1 A ver se o salvavam. INF2 A peste é... A peste, a peste quando pega deveras isso era feio . INQ Mas ainda se lembra de alguma vez ter estado assim a freguesia aqui toda, a maior parte das pessoas estarem doentes? INF2 E outros eram isolados! E as casas eram desinfectadas, vinha gente desinfectar aquelas casas... E aquela roupas eram ele ... Meu pai não lhe deu cedo, morreu disso. Veio lá um homem que era tratado de Carlindo, aqui das Lages, desinfectar. Alagou a gente todos naquela casa, alagou aquela casa toda, agarrou, alagou roupas... Ah, Nosso Senhor! Minha mãe, tal doença, ela também teve, mas não foi nada. Um irmão meu também teve, também nada foi. (...) INF1 Também escapou. INF2 E uma irmã minha também teve, também nada foi. Quer dizer, não... Claro, o meu pai não lhe deu cedo, pegou-o e levou-o. Foi um instante para andar. INQ Pois. INF1 Era uma coisa que era muito pegada aos outros, pegava muito aos outros. INF2 Pois era. Pois era, pois era, pois era. INQ Pois, pois. INF2 Morreu um homenzinho aqui em cima, à boca (...) desta rua - e vira ali para o lado da praia -, que eles mandaram retirar tudo, aquela gente toda de roda, retirar tudo para fora e ficar outros isolados lá dentro. INF1 Foi o Carlos. INF2 Foi o Carlos. Outros isolados lá dentro! Ó senhora, foram uns trabalhos, foram uns trabalhos. INF1 E ele morreu coitadinho. INF2 Uns trabalhos! INF1 E depois levaram-nos para a cidade, para o isolamento. Aqueles que estavam juntamente com ele no quarto foram para o isolamento para a cidade. INF2 É. Depois foi isso . Uns trabalhos! INF1 Não teve dúvida mais nenhuma! INF2 E o mulatinho preto também morreu com isso. Houve aqui uns anos... (...) INF1 (...) Mas daquilo é que o outro morreu. E um primo meu também foi a mesma coisa. INF2 Porque aquilo era uma desgraça! INF1 Era uma desgraça, era então ele então ! INQ E isso foi mais ou menos há quantos anos? INF2 (...) Já vai aí a... INF1 Já foi há anos então! Há anos. INF2 (...) talvez há uns trinta anos. Trinta ou para mais ainda. INF1 Olha, o... INF2 Trinta ou para mais. INF1 Olha o pequeno do Eliseu não... O pequeno do Eliseu, ele há-de ter mais do que essa idade! INF2 Por isso é que eu estou a dizer para mais de trinta anos. Para mais de trinta. INF1 (...) . É. Eram mais velhos que os nossos. INF2 É. Tem já mais de trinta anos. INF1 Há cinquenta anos ou mais! INF2 Já não se fala nisso. Já não se fala nisso. INF1 Já nem sequer se fala nisso. INF2 Agora o que está (...) a subir muito, muito, muito é cancerosos. Que os cancerosos é uma desgraça então. INF1 É cancerosos, não tem tafulho então. INF2 É uma desgraça. INF1 (...) Vê-se mesmo que eles que não podem, coitadinhos. INQ Pois é. INF1 Não sei, é cancerosos, cancerosos, cancerosos, que não tem tafulho. INQ E cancro de quê? Onde é que tem andado mais o cancro? INF2 O cancro é quase sempre é por dentro de nós, na criatura. INF1 O cancro é na criatura. É por dentro na criatura. INF2 Pronto, dentro da criatura. (...) INF1 Ou no estômago, ou na barriga... INF2 Ou (...) no coração. INF1 Ou no coração, sim senhor. INF2 Nos pulmões. INF1 Nos pulmões, então. INF2 Ou mesmo (...) no fato da gente, ou coisa, é que dá essa desgraça. E não há cura por ora. Até aqui... Eles andam atrás dela, mas... INQ Pois. INF1 Mas nunca arranjaram. INQ Mas não encontraram. INF2 Mas nunca encontraram. Ele nunca encontraram ainda. INF1 Ele nunca arranjaram. (...) INQ Olhe, e costumam dizer que o cancro é algum bicho ou não? INF1 É um bicho, é. INQ Sim? E é um bicho mais ou menos como? Parecido com?... INF1 Não sei então. INF2 É um bicho-charvão. INF1 Mas há gente que diz que é como (...) um bicho-charvão. INF2 Um bicho-charvão. INQ Com pernas, é? INF1 Com pernas, sim senhora. E boca, e olhos, e tudo. INF2 Até criaturas... INF1 Eu tinha um tio meu, que morreu canceroso, era um bicho que tinha em si, espedaçou (...) os fígados todos. Ele gomitava era água de ferrugem. INQ Pois. INF1 E depois de estar a morrer, disse: "E depois de estar na mesa, que ele fique só com a madeirinha e a pele" - com os ossos e a pele. E depois de estar na mesa, defunto, vestido, o bicho mexeu com ele duas vezes! INF2 Para morrer. INF1 Foi para morrer. INQ Pois, pois, pois. INF1 Morreu, acabou-se. Ele (...) ... INF2 (...) INF1 Não mexeu mais consigo. E ele já estava vestido na mesa - morto já! - mas o bicho ainda não tinha morrido. INQ Pois, pois. INF1 Disse o senhor doutor que o bicho que veio a ele veio para riba e para baixo nele, mexeu com ele e, para morrer, estrebuchou, para morrer. Morreu, ficou morto, a criatura não mexeu mais consigo. Mas até ali mexia! Mexeu duas vezes, consigo! Aquele bicho é que mexeu com ele! INQ Pois, pois. INF1 Que ele estava morto. Havia muito! (...) INF2 Mas muitas coisas dessas, era uma desgraça. INF1 Muita coisa destas. INF2 Aí de banda para banda.
TRC60
INF1 Eu vi uma rapariga, que estava além na serra, estar muito mal, muito mal. E tomou não sei o que foi que o doutor lhe deu - mas aquilo era bichozinho pequenino -, ela gomitou. E ele veio para fora, foi a salvação dela! Digo à senhora que era tal e qual um bicho-charvão. INF2 Ele há bicho-charvões uns mais grandes e outros mais miúdos. INF1 Era deste tamanho! INQ Pois. INF1 Olha, ela meteu-o num frasco, que o senhor doutor qui-lo. Era pequenino. Era um bicho-charvão tal e qual, verdoso. Mas ela também ficou boa. Ficou melhor. Nunca mais sentiu dores. (...) INQ Qual foi o senhor doutor que guardou isso? INF1 Eu parece-me que foi o senhor doutor Carmelino. Está... Ele está em Lisboa se ainda é vivo. INQ Ai, esse... INF2 Ele ainda é vivo. INF1 Se ainda é vivo! Eu não sei se ele é vivo, se não é. INQ Pois, pois. Mas se for vivo está em Lisboa, é? INF1 Está em Lisboa, que ele mesmo era de Lisboa. Era um senhor que era de Lisboa. E veio para cá, esteve muitos anos aqui na praia - anos! INQ A dar clínica? A fazer?... INF1 A doutor! Senhor doutor! Que era um doutor então que era só para consolar! E casou (...) com uma rapariga da cidade. E tinha dois filhos e depois os filhos foram para os estudos já depois de grandes. Ele já estava a modo de reformado, ou não sei o quê, foi-se embora para Lisboa. INQ Ah, pois. INF1 Não sei se ele é vivo, se não. INQ Pois. INF2 Não morreu. INF1 Já foi há muito ano! Oh, anos, credo! INF2 Ele era novo, mas... INF1 Ele era novo. Ora, a minha avó ainda era viva... Ele veio, a primeira consulta que fez para fora foi a minha avó - é que foi a primeira consulta que fez para fora. E há anos! Eu estava solteira, eu era uma pequena! (...) O nosso Carolino (...) já vai (...) com cinquenta, não é? INF2 Não chegou ainda. INF1 Hã? INF2 Vai com quarenta e nove. INF1 Quarenta e nove, sim. Já a senhora vê aos anos que foi. INQ Pois. Já foi há muitos anos. INF1 Já. Há uns sessenta anos ou uma coisa assim. INQ Pois. INF1 O senhor doutor, o tal senhor doutor era muito bom!
TRC61
INF1 Essa mulher (...) é o mesmo que ver uma criança. E agora pegaram em si e... Houve eleições... Mas ele não levou nada de lhe fazer o parto à mulher porque ela era muito pobrezinha, ele não levou nada. INF2 Àquele que era pobre, ele não levava nada. Era muito bom! INQ Pois. INF1 Mas chegou-se adiante, ao cabo de um ano, ou um mês, ou isso que foi, houve eleições. E esse rapaz, que era o homem dessa mulherzinha, tinha pedido dinheiro a um fulano (...) ... INF2 Também já morreu! INF1 Ele ainda hoje está vivo, que é o Casimiro, que mora aqui em cima. Tinha-lhe pedido dinheiro a ele. Não lho tinha pagado, coitadinho, porque ainda não podia. Houve as eleições, o tal homenzinho apertado daquele que lhe dava o dinheiro - que lhe tinha emprestado o dinheiro - e apertado pelo senhor doutor que lhe tinha ido fazer o trabalho à mulher de graça. Acha-se a falta dele (...) na lotaria, naquela coisa dos votos... INF2 Dos votos. INF1 Acha-se falta dele, o tal senhor doutor Carmelino mete-se dentro dum carro que tinha e foi buscá-lo ao sótão da casa dele. INF2 Que ele estava escondido no sótão. INF1 Ao sótão da casa dele! Ele, coitadinho, estava tanto apertado de tantas bandas, mas ele trouxe-o no carro! INQ Pois claro. INF2 Mas ele foi buscá-lo. INF1 E o tal fulano que ele devia-lhe dinheiro... Ele (...) ainda hoje é tolo e sempre foi tolo (...) . Quando ele chegou cá, diante daquela gente que estava para ali: "O dinheiro não tem palavra! O dinheiro não vale nada"! A desfazer no outro. INQ Pois. INF2 Isso era o Casimiro? INF1 Era. INF2 Ah! A desfazer no outro! Mas o senhor doutor Carmelino foi buscá-lo ao sótão! INF1 Coitadinho, ele estava lá na mesinha, a botar o voto pelo senhor doutor, INQ Pois, pois. INF1 para mor do outro, que ele estava devendo o dinheiro... O senhor doutor, já vê, tinha-lhe feito o trabalhozinho à mulher de graça, ele coitadinho... Olha, escondeu-se no sótão! Num sótão que tinha por cima da casa. INQ Pois, pois. INF2 Mesmo no sótão. INF1 Mas ele foi lá buscá-lo ao sótão e trouxe-o consigo! INQ Mas eram eleições para quê? INF1 Era (...) como aí há ainda. INF2 Era votos! INF1 É votos. A gente diz que é votos. INF2 É votos. INF1 E como aí há aí para fora também. INQ Mas era para a câmara, era? INF1 É para a... Era para a... Isto as eleições... INF2 Era para os governos. INF1 É para estes governos. INQ Ai, era para os governos? INF2 Era para os governos, sim senhor. INF1 É para os governos, está a senhora a perceber? INQ Pois, pois. INF1 É o PPD... INF2 É como há agora... INF1 É o Socialista... INQ Pois, como há agora... INF2 É. INF1 Eles vão votar agora aí... INQ Pois. INF1 Não sei se já para aí para fora se já estão a votar, se não. INQ Não, não. É só... Em Lisboa é só dia um, no dia dois. INF1 No dia dois? INF2 E aqui? INF1 E aqui é no dia um, parece. Não é? INF2 Aqui também... Eu parece-me que é o mês que vem. INF1 É? INF2 É o mês que vem. INF1 Eu parece-me que é (...) no dia um ou no dia dois, também! INF2 No dia um ou no dia dois! INQ Pois. INF1 Ele é no dia um ou no dia dois, também! INF2 É. Também é para se ir botar votos para o governo. INQ Mas o... Mas nessa altura, portanto, já foi há muitos mais anos, há... INF1 Já. Foi. Isso já foi há muitos anos. INF2 Oh, credo! Já foi há anos, senhora. Há anos, há anos! INQ Há quarenta ou cinquenta anos? INF2 Há anos, então! Pois o senhor doutor Carmelino foi em cata dele e a mulher disse: "Ah, senhor, ele não está". "Está. Ele aqui em casa é que está, que eu vou rondar essa casa toda". E rondou a casa e foi ao sótão e ele estava no sótão. Mas veio cá para baixo e foi no carro mais o senhor doutor... INF1 Botar a lista. INF2 Botar a lista pelo senhor doutor. INF1 Ele então ficava já mal para aquele que (...) ele estava devendo dinheiro, de ele estar fazendo aquilo daquela maneira, àquele pobre, estava olhando... Ele pobre era ele, no tempo, também, coitado; hoje já ele tem mais... INF2 Pois. Mas queria-se fazer grande! INF1 Mas era a fazer-se grande também. INQ Pois.
TRC62
INF1 (...) E usava-se xale de ponta pela cabeça! Uns xales de ponta! Os xales, a gente fazia uma ponta grande, para ir para trás, INQ Pois. INF1 e botava aquilo pela cabeça quando era nos anojados; e anojados, se muito anojados; só aparecia os olhos. INF2 E às vezes um cachené ainda por riba. INF1 Hã? INF2 E às vezes ainda um cachené por riba. INF1 Sim. Mas agora já não se usa isso. INQ Pois. INF1 Já é lencinhos na cabeça até no dia dos anojados, é lencinhos na cabeça e passe por lá muito bem. Coitado de quem morre, se ao céu não vai! Aquilo não traz ninguém para cá, mas é um respeito! INQ Pois claro. INF1 É um respeito que há às suas famílias. Eu cá um irmão meu morreu, o primeiro, usámos nove meses xales e cachenés; e ao cabo dos nove meses, fomos de lenço à missa. Mas era xales e um lenço negro na cabeça! E ao cabo de um ano é que tirámos então (...) aquelas roupas (...) ... (...) E também irmãos do meu homem têm morrido e eu uso da mesma maneira. INQ Pois, pois. INF1 Já não se usa então é xale de ponta! Isso então já não se usa! Mas visto um casaco e boto um lenço preto na cabeça (...) e vou nos anojados é com um cachené pela cabeça... É deste feitio. Mas é esta gente mais antiga! Aqueles que são agora não querem, então! INQ Pois, pois. INF1 Olhe, e fazem bem. Que a gente com aqueles cachenés, a gente apanha frio, quando chega a casa que os tira, apanha frio, e então anda sempre constipadas. INQ Pois. INF1 Mas é a modo um respeito que a gente tem às nossas famílias. INQ Pois claro. INF1 Eles não vêm para cá, por a gente usar preto daquela maneira, eles não vêm para cá, mas é aquele respeito que a gente tem às nossas famílias. Sequer um ano, que não é uma coisa que não se ande. INQ Pois claro. Pois. INF2 Ai ele! INF1 Um ano de preto pelas suas famílias, ah senhora, credo! Mas há muita gente já que não quer. Já estão como os americanos: "Ele morreu, morreu. Olha, está por a conta dos mortos. Morreu, acabou-se"! Mas lá também é assim, não é? INQ Usa-se também. INF1 Também usa-se preto lá? INQ Usa, usa. INF1 Ah! Lá também. Vês que se usa! INQ Muito tempo. Muitas vezes, muito tempo. Quando é o marido e isso, eu não sei quantos anos é, mas é... Usam muito tempo. INF1 É. E na Ribeirinha usavam dois anos, não é? INF2 É. INF1 A gente cá aqui usava só um ano. E os da Ribeirinha usavam dois anos, preto! INF2 Mas é que ainda no tempo que eu era rapaz, a gente usava camisa preta - já se sabe -, chapéu preto com um fumo de roda... INF1 Com uns fumos pretos! E as barbas por fazer! INF2 E num mês não se metia navalhas... INF1 Não se metia navalha na cara. INF2 Hoje é 'machines', mas naquele tempo era navalhas. (...) Era barbados, para aquele tempo. E a gola (...) da jaqueta virada para cima. Agora eles, morre um irmão, quando é no outro dia, eles estão só em camisa e todos esgargalados para fora e arregaçados... INF1 E vestem a roupa porque (...) é um vestir. INF2 Vai ver INQ Pois. INF2 como eles andam para aí. INF1 Ainda no outro dia vi uma rapariga nova de xale de ponta pela cabeça, na Praia. Não sei se era viúva, se que é. Para mim, ela era daquela banda da Ribeirinha. De xale de ponta pela cabeça! INQ Pois. INF1 Que então, coitadinha, já custa a segurar. INQ Pois, pois. INF1 Não já? Mas ela ia de xale de ponta pela cabeça.
TRC63
INQ Olhe, e então e os homens que iam para o campo nunca passavam lá, por exemplo, a hora do, do al-, do, do jantar? INF (...) Os trabalhadores que iam para o campo, comiam pela manhã uma coisinha; e depois jantavam era pelo meio-dia ou meia hora passante do meio-dia. E depois de lá, dessa hora para diante... INQ Mas iam lá levar al-, comida? INF Ele não iam levar. Eles é que levavam (...) numas saquinhas - ou numa cestinha ou numa saquinha. E depois comiam quando chegavam a casa. Não comiam mais vez nenhuma. INQ Pois. INF A criatura que ia para o campo era desta maneira.
TRC64
INF Somos todos filhos de Nosso Senhor. INQ É isso mesmo. INF Não é agora para estar escoicinhando gente que nos chega à porta. Eu cá, Deus me livre de escoicinhar gente, de dar recados a gente que me chegasse à porta. INQ Pois, pois. INF Ó senhora, a criatura fica embaçada. INQ Pois, pois. Ah, claro! INF Já se sabe se a senhora, se tivesse chegado aqui e eu tivesse dito: "Eh senhora, eu (...) não quero saber nada disso", a senhora ficava alcançada, pois já se sabe que ficava. INQ Pois, pois. INF Que é como eu se chegasse à porta da senhora, INQ Pois. INF e pedisse qualquer uma coisa e a senhora dissesse: "Eh, não tenho tempo, nem pachorra"! INQ Pois, pois. Pois, pois. INF A gente fica embaçado, não se faz isto a ninguém. INQ Mas há muita gente que faz. INF Porque são malcriados. Estúpidos. São uns estúpidos! INQ Mas também há gente que não faz. É o que vale! INF E há gente que não faz, pois já se sabe que há. INQ Pois. INF Há de tudo, senhora! INQ Pois. INF Há de tudo! Há bons, há ruins, há gente estúpida, há gente que não tem criação, há de tudo! INQ Pois. INF Mas a gente o que é que há-de fazer?! (...) Nosso Senhor é que dá? Não senhora. Eles é que tomam aquilo, porque não foram criados com gente que (...) lhe dessem educação. INQ Pois, pois. INF Pois já se sabe que é. INQ É mesmo isso.
TRC65
INQ Olhe, uma pessoa que gosta muito de coisas do-, doces, diz-se que é um quê? INF1 Ah, eu cá não digo... Nunca falo mal de ninguém que gosta de coisas doces porque eu gosto de coisas muito doces. INQ Nunca lhe chamaram nada? INF1 Não. Risos INQ Se, se gostar de coisas doces? INF1 Não. Risos Eu cá gosto de coisas muito doces. Esta minha neta, eu dou-lhe um copo de (...) chá - que ela às vezes quer à noite, quando não é um copo de leite - mas ela nunca quer açúcar. E (...) no copo de chá, ela bota-lhe uma pitadinha. Eu digo-lhe: "Ah, minha amiga! Não paga para chá! "Ah, a minha avó pensa agora que eu que quero o chá doce como o de minha avó"! Mas não quer. Está acostumada, não quer. INQ Pois. INF1 Eu cá quanto mais doce melhor. INF2 E o pai era a mesma coisa. INF1 Já o meu filho era a mesma coisa: ele bebia café sem açúcar. Mas porque foi criado com isso. Mas agora depois que há mais um açucarzinho é que a gente gosta! INQ Pois. Eu também. Eu gosto com mais açúcar do que com menos. INF1 É. Eu cá também gosto, então. (...) Gosto! INQ Mas a mim chamavam-me coisas por causa desse... INF Gulosa? INQ É. INF (...) É como a minha filha diz muita vez: "Minha mãe não é muito gulosa"! E o meu filho: "Ó minha mãe, pega lá, que tu és muito gulosa, gostas é de coisa doce"! É "gulosa"!
TRC66
INF É. Pois já se sabe que há gente boa por toda a banda. Eu estava ontem (...) no açougue e estava lá um homem que um homem lhe disse: "Ai homem, cala-te, por amor de Deus, um instantinho que já ninguém te pode ouvir"! Ele disse que tinha setenta anos. (...) Mas era muito 'falazol'. Diz: "Esta canalha de agora, senhora... Eh senhora, vire-se a senhora cá para mim. A senhora já é talvez da minha idade. (...) É porque a senhora comia carne? Vinham ao açougue comprar carne para comer? Comiam bifes? Comiam queijo? Comiam manteiga como"?... Digo eu: "Eu, não senhor". Diz: "Ah, a senhora foi criada coma eu! Com umas couves, com umas batatas e uns 'grões' de feijão quando havia! Risos E pãozinho de milho para dentro (...) e nunca vi queijo! Só se na mão de outros - de outros ricos - é que a senhora viu! Na sua mão nunca viu".
TRC67
INQ E aquele terreno lá que não pertence a nin-... INF1 Ou pastagens... Pode ser mato, pode ser pastagens. INQ Pois. INF1 (...) Que não são cultivados. INQ E aquele que é de toda a gente? INF1 Isso é o... É tratado por 'vadio'. INQ 'Vadio'? INF1 É, sim senhor. Mas hoje já aí há pouco. O nosso governo meteu-se a tapar, tapou os 'vadios', a bem dizer, todos, para meter dinheiro para dentro, para arrendar a quem precisa deles... INQ Pois. INF2 Para os seus bens. INF1 Estão todos arrendados . INQ Ah, para arrendar? INF2 É. Arrendam. INF1 Para arrendar, para meter dinheiro para dentro - está a senhora a perceber? Quer dizer, ele também gastou o dinheiro. Ele também gastou dinheiro a tapar aqueles campos com paredes, e tanques (...) de águas e essas coisas, também aí a trabalhar tractores (...) , também gastou. INF2 Gastou muito. INF1 Gastou!? Ele gastou! Ele não gasta nada da sua algibeira! É. O nosso governo gasta (...) é da gente. INQ Da nossa. INF2 Pois, já se sabe que é. (...) Mas gastou! INF1 Está bem. Mas gasta é da gente. INQ Mas não era melhor quando estava tudo?... Quando as pessoas podiam usar aquilo, toda a gente? INF2 Pois era. Porque metiam reses para lá, para os 'vadios', tratavam por 'vadios'. INF1 É. Eu levava. Eu... A senhora tinha, por exemplo, cinco ou dez ou quinze bezerras: "O Elísio deitou-as para a (.../NPR) ". Hã? INF2 Só ia vê-las. INF1 Vai lá vê-las... Vai lá vê-las, hoje, ou amanhã, ou daqui a quinze dias, ou daqui a três semanas, ou daqui a oito dias, (...) vai vê-las; mas hoje não têm nada que ver porque os 'vadios', o nosso governo tapou-os todos. INF2 Está tudo tapado. INF1 Eu conheci matos aí para dentro, que eu ia para esses matos para dentro, a gente (...) olhava, era só 'vadios'. INF2 Mesmo já não se bota reses para lá. INF1 Era só 'vadios'. Agora a gente chega e não sabe onde é os 'vadios'. (...) É criptomérias a fazer abrigos naquelas pastagens, duma banda para a outra, (...) é entradas para aquelas pastagens. Oh, pois, que horror . INQ Ó senhor Camolino, e nesse tempo, as pessoas tinham obrigação de arranjar... Sei lá, se havia assim uma coisa que era perigosa para os animais, as pessoas tinham todas obrigação de arranjar aquilo, ou não? Quando eram 'vadios', toda a gente lá podia ir pôr? INF1 Sim, era... Pois arranjavam e outros não se importavam de saber. (...) INQ Ah, não tinham obrigação de fazer esses?... INF2 Não tinham, não senhor. INF1 Não arranjavam. Arranjou foi o nosso governo quando andou que fez o tapume, aí é que ele arranjou. INF2 Ele é que tem arranjado, então. INF1 Mas antes não arranjavam. Arranjar quê? Com o quê? Ah! INF2 Não arranjavam! Metiam o seu gado àquele... Bezerras que queriam criar, (...) não podiam pagar renda, INQ Pois. INF2 metiam (...) para o 'vadio' - tratavam por 'vadio'. INQ Pois. INF2 E depois iam lá vê-las (...) de dias a dias. INF1 É. Pois, e eu ia também, porque não havia muito dinheiro . INQ Mas há outras ilhas em que ainda é assim? INF2 O quê? INQ Há ilhas em que ainda é assim? INF2 Há. INQ Os 'vadios' são do povo. INF1 Há-de haver ilhas onde há-de haver 'vadios'. Mas (...) hoje está tudo ele muito apurado, que é coma esta questão de haver muito gado hoje à vista do que havia, porque os campos são outros. INQ Pois. INF1 É coma esse 'vadio'. Isso é tudo tapado, mas é... A senhora o que é que pensa, é centenas de moios. Isso está tudo em tratamento. Tudo em tratamento, está acrescentando gado - a senhora está percebendo? INQ Claro. INF1 Quer dizer, faz uma diferença grande! Porque no 'vadio', tinham muito gado no 'vadio' - três, uma dúzia doutro, uma dúzia doutro, meia dúzia doutro, mais meia dúzia doutro -, enfim, mas era uma coisa duma outra (.../N) ou forma. INF2 Que era coisa brava! INF1 E ainda mesmo assim chegava-se a este tempo, a gente dizia: "Eh homem, tem que se recolher aquelas reses". Porque o 'vadio' é desamparado, não havia tapume, não havia abrigo, não havia nada. "Tem que se recolher aquelas reses para dentro porque aquilo, agora, elas abatem-se naquele inverno" (...) ... INQ E o que é que faziam nessa altura? INF1 Ficava aquilo para ali. INQ E traziam as reses para?... INF2 Para abrigos. INF1 E traziam as reses para outros lugares, para lugares que tinham seus, tapados, (...) ... INQ O que é que diziam que estavam a fazer? Que iam fazer o quê às reses? INF1 Era recolhê-las - recolhê-las para dentro. INQ Sim senhor. INF1 Era recolhê-las para dentro. INF2 Até passar o Inverno. INF1 Quando passava o Inverno, pois tornavam-se a deitar outra vez para aqueles lugares e para além estavam aquele Verão todo para ali. Era assim é que se fazia. INQ Sim senhor. INF1 Mas hoje está tudo de uma maneira que não... Quer dizer, está dando mais interesse! INF2 Está a dar interesse. INF1 Está dando mais interesse porque os campos são tratados, e tapados (...) com aquelas criptomérias, e estremas a fazer abrigadas àqueles prédios... Quer dizer, faz uma diferença que mete medo. Aqueles prédios hoje, um homem chega... É como eu, estive... Não, não há muito tempo que eu lá estive, mais o meu filho e esta também. Há lá um lugar - que eu agora dá-me vontade de rir, assim certas coisas -, há lá um lugar que é tratado pela Lagoa das Patas, mas é um recreio! Que está lá cheio de madeiral de criptoméria que é uma coisa medonha! INF2 É uma coisa medonha! INF1 Está aquela lagoa no meio, mas é um recreio lá de mesas! Aquilo quando é no Verão, a senhora o que é que pensa?!... INF2 Até ficam lá de noite! INF1 O pessoal lá é coisa brava! (...) . INQ Até ficam de noite? INF2 (...) Cozinham lá para comer e tudo. INF1 Mas eu, no tempo que eu fui, era 'vadio'! Não tinha criptomérias nem tinha nada! (...) A gente para se entender uns com os outros: "Olha, eu vi as tuas gueixas na Lagoa das Patas"! Ou: "Vi as tuas gueixas no Pico Gordo"! Ou: "Vi as tuas gueixas no Pau Velho"! (...) Quer dizer, isto nas ilhas era tudo 'vadios'! INQ Pois. INF1 Hoje é... "Homem, eh pá, vamos à Lagoa das Patas"! Eu quero-me lá ir à Lagoa das Patas, pois aquilo era um 'vadio' ali (...) . INF2 (...) Mas está lá que é um palácio! INF1 Oh, mas aquilo é um luxo que está lá! Mas era como eu estou dizendo à senhora, era a rapa, (...) INQ Pois, pois. INF1 silva, feto, que (...) era isto só, só, desta maneira. E tinha aquela lagoa ali. INF2 Mas agora não tem isso. INQ Pois. INF1 (...) É aqueles caminhos para lá, é (...) tudo com bagacinha. INF2 Tem lá barraquinhas armadas. INF1 Tudo... O quê?! Um luxo, lá! É um luxo! É um luxo! INF2 É mesas! INF1 É um luxo! INF2 Mesas de pedra, então! INQ Pois. INF2 Umas mesas lá postas e elas com os seus fogões lá a fazer coisas para comerem. INF1 É, a aquecer coisas para comer. (...) INF2 Aquecer comidas. INF1 É um luxo lá! É um luxo! INF2 Consola a ver! INQ Pois. INF1 E era um 'vadio', como eu estou dizendo à senhora. INF2 Vão para lá de recreio de Verão! Agora de Inverno não estão lá. INF1 Cá não! INF2 (...) Mas de Verão vão para lá, ficam lá de uns dias para os outros, ficam às vezes dois, três dias, lá. INF1 Oh, então não é! É carro lá que é medonho! INF2 Levam bastante coisas para comer e depois estão prontas a estar sem fazer nada lá. INQ Pois. INF2 É. Andar por lá... INF1 É um recreio, é um recreio. INF2 É um recreio. INF1 É um recreio. Digo à senhora que é um recreio agora. E uma coisa que era um 'vadio'! Quem é que fez aquilo? Foi o nosso governo é que (...) encheu aquilo tudo de matas... Matas, mas é uma quantidade brava, que está fechado de matos por ali, que aquilo era tudo 'vadio'. Tudo 'vadio'! INF2 É tocar violas! É bailar! É cantar lá, desta maneira! INF1 Oh, aquilo é um luxo! INQ Sim senhor. INF2 Vão para lá passar uns pedaços. INF1 É, é. INF2 E dias. INQ Pois.
TRC68
INQ1 Olhe, se não se importa, então explique outra vez do princípio o linho, está bem? INF1 O linho? INQ1 O linho. INF1 A começar de semear? INQ1 Sim. INF1 Primeiro é semeá-lo; e depois tem um ripanço, quando se vai apanhar, que se está ripando aquela baga - que aquele linho tem uma baga -; (...) e depois acaba-se, amarra-se aos molhinhos; e depois bota-se ao sol a secar aqueles molhinhos abertinhos, assim, a secar. INF2 Isso já é depois de estar no lago, depois de estar na água. INF1 Hã? INF2 Depois de ir à água é que se faz isso. INF1 Ah, pois sim, mas ele tem muita gente... A gente cá não o levava à água; era só (...) seco ao sol. E depois acabando de secar do sol, trazíamo-lo para casa, para um palheiro, e levávamos (...) para o forno. Quando se cozia, metia-se no forno. Ficava ele sequinho, e ali medadinho, todo assim, dentro dum forno. Ficava sequinho. A gente pegava no outro dia, com uma tasquinha ou com uma grama, tasquinhávamos - umas gramavam e as outras tasquinhavam. INF2 Ele primeiro era amaçado. Ele primeiro era amaçado. INQ1 Como é que era a grama? INF1 A grama, era (...) feito um pau assim pelo meio fora e tinha assim umas coisas, tinha um ferro que a gente metia o molho assim - a gente metia assim o molho - (...) e aquela grama ia fazendo assim e a gente puxando. INF2 Uma coisa feita de calhas. Uma coisa feita de calhas. INF1 Sim. Ia-se puxando até que se ia embora (...) 'esperdidão' toda, só ficava (...) o linho. INF2 (...) INQ2 Pois. INF1 Só ficava o linho. INF2 (...) INQ2 Mas antes de ir para a grama, não, não tinham uma coisa que faziam assim nele? INF2 (...) INF1 Era a tasquinha. Era a tasquinha. Era, era... Podia ser dessa maneira e podia ser... Há gente que gramava e outros que só tasquinhavam. INQ2 Mas o seu marido disse que elas até costumavam fazer uma coisa antes disso? INF1 É. Pois é. (...) É a grama que é como eu estou dizendo. INQ2 É que ele falou em amaçar. INF1 Mas no resto já não havia muitas gramas. Talvez ainda te lembres, assim, não te lembras? INF2 Lembro-me (...) da tasquinha. A tasquinha. INF1 Tasquinha, é. Também, a força lembra-me é de tasquinha. Mas ainda apanhei as gramas! - de resto. INQ2 E não amaçavam? Pois. E não amaçavam também? INF1 Amaçavam com uma maça. Era quando saía do forno. INF2 (...) INQ2 Rhum-rhum. INF1 Quando saía do forno, amaçavam... Não era? Era. INF2 É amaçado. Se não, ele ficava todo colado, todo colado, todo colado. INF1 Amaçado todo com umas maças, em cima duma pedra dura. INF2 (...) Todo pegado, dobrado naquela cana que tinha. INQ2 Batia-se em cima duma pedra? INF1 Sim senhor. INQ2 Rhum-rhum. INF2 E depois era quando elas (.../VB) sobre aquela cana. INF1 Até aquilo dobrar-se assim, ficar dobradinho ao meio. INQ2 Rhum-rhum. INF1 E depois metiam-no... INF2 Elas pegavam nele e botavam no restolho, aberto - no restolho, aberto. INF1 No restolho, sim senhor. No restolho. INF2 Aquilo ficava naqueles carreirinhos, aberto, por ali fora, estava lá uns dias, e depois ao fim de dias, ele iam juntar aquilo, ficava aquilo aos molhinhos, e depois é que então pegavam nessas gramas e nessas coisas a trabalhar, e iam andando até chegar a ponto de fiar, numa roca (...) presa na cintura e elas... INF1 Umas rocas que a gente fiava e aquele fuso... Aqueles fusos, iam as rocas assim metidas aqui na cintura e uma maçaroca aqui do tal linho - da tal coisa - para a gente fiar e a gente fiava, até à meia-noite e até às dez horas da noite, era conforme. INF2 (...) INF1 Eu tinha uma irmã minha que dizia: "Olhe minha mãe, que eu, eu não sei se esta roca há-de ir ao lume". INF2 (...) INF1 Porque ele o lume pegava-lhe num instante. INQ1 Pois. INF1 E minha mãe dizia-lhe: "Pois se ela for ao lume, tu levas pancadas! Se ela for à luz, tu levas pancada"! INF3 Ó (...) tia Celisa, e (...) aqueles ajuntamentos que faziam com muita gente (...) nas fiaduras (...) do linho e da lã? INF2 Era fiar o linho. INF1 (...) Fiadura de linho? De linho, não. De linho só... INF3 Não? INF1 De linho só no restolho. INF3 Era só no restolho? INF1 Era só no restolho. INF3 (...) INF1 (...) E a tasquinhar também. INF3 Isso ajuntava-se muita gente! INF1 Muita gente! Ajuntava-se. INF3 Ajudavam-se uns aos outros. INF1 É. Ajudavam-se uns aos outros. INF3 Dúzias de pessoas. INF2 Ah sim? INF1 Dúzias, dúzias de pessoas, sim, então! INF2 Agora cá. INQ2 Pois. INF1 (...) E depois fiávamos, ficava numa maçaroca, a gente ensarilhava no tal sarilho - num sarilho também - e depois fazia-se barrelas, botava-se ao sol... INQ1 Mas portanto, nesse sarilho o que é que ficava? INF1 Ficava numa meada. INQ1 Ficava já em meada. INF1 Ficava numa meada. E depois a gente (...) lavava-o, botava-o ao sol... INQ1 Para quê? INF1 (...) Depois era alvinho. INQ1 Ah! INF1 Porque depois era alvo, que aquilo ficava negro. INQ1 Pois. INF1 A gente botava-lhe era cuspo da boca. INQ2 Rhum-rhum. INF1 (...) Eu cá, eu trazia era (...) uma aguinha (...) num copo, e minha irmã - Deus lhe dê o céu - trazia era uma aguinha num copo, que diz que já estava seca da boca, que não podia botar mais cuspo. E assim é que a gente fazia! INF2 Era. INF1 E dobava-se, depois de estar alvo, dobava-se e urdia-se teias e botava-se. INF3 E as barrelas, tia Celissa? INF1 E barrelas. Barrelas (...) naquela fiadura. INF3 (...) INQ1 Como é que era? INF1 A cinza... INQ1 Como é que era? INF1 Ora a gente botava uns cestos grandes assim, e a gente botava uma mantinha de roda, que era para não apanhar aqueles vimes, porque o cesto era de vimes... INQ1 Pois. INF1 E depois para não puxar os fios, botavam uma coisinha de roda e botavam aquele linho todo emedadinho, por ali arriba, às meadas, até ele ficar assim alto. Só ficava assim uma alturazinha para botar a cinza - cinza de faia. Botávamos um 'sarredouro', e botávamos mais cinza em cima e água a ferver para riba. Três ou quatro tachos, era conforme se podia. INF3 E essa cinza, que era o fim dela? INF1 O quê? INF3 Ele para que é que servia a cinza (...) no linho? INF2 Era deitada fora, botada fora. INF1 A cinza, botava-se fora, então. INF3 Mas o que é que fazia?... Que bem que fazia ao linho? INF1 Tirava aquela 'negrigência'! INF3 Ah, era (...) para alvejar?! (...) INF1 Era para alvejar, era. Era para alvejar. Era cinza só de faia! Não se queimava outra coisa. INF3 (...) INQ1 Mas era melhor a cinza de faia? INF1 Era melhor só a cinza de faia. Tirava aquela 'negrigência'. INF3 (...) INQ2... INF2 (...) INF1 Já a gente quando aquilo estava frio no outro dia - mas era se estava frio -, a gente ia com ele para a pia, (...) e lavávamos, já ele fazia uma diferença brava. E botávamo-lo a corar por cima das paredes ao sol. (...) Dali a dias, tornávamos a fazer outra barrela, tornavámos a fazer o mesmo, da mesma maneira. Tornavam a lavar, tornavam a botar ao sol, até ele ficar alvo. Ele ficava alvo, alvo! INF2 É assim,é. INQ1 Sim senhor. INQ2 Isso era o linho?... INF1 Era o linho. INQ2 E o, e como é que chamava àquele mais grosso? INF2 Não tens nenhuma aí, não é? INF1 A estopa. INF2 Não tens nenhuma aí? INF1 (...) O senhor sabe. O linho tenho ali (...) naquela saca. O linho tinha... INF2 (...) INF1 Havia um sedeiro com pregos assim, um bocadinho assim, INQ2 Rhum-rhum. INF1 e assim. Assim, assim como a... Assim. INQ1 Pois. INF1 E a gente quando aquilo estava curado, quando aquilo estava a modos que a gente acabava de tasquinhar e tudo, ia-se assedar o linho assim. INF2 Eu gostava era só disso . INF1 O que ficava atrás era a estopa. INF2 Mulher, onde é que eu tenho isso? INF1 É ali atrás, naquela saca branca. INF2 É aonde, mulher ? INF1 (...) E o que ficava... INF3 Naquela branca lá atrás, naquela branca. INF1 (...) Naquela lá atrás, sim. INF3 Branca. INF2 Ah! INF3 Deixe-se Deixe estar, deixe-se deixe estar. INF1 E (...) ao que ficava (...) a gente fazia assim com isto, desta maneira, no tal sedeiro, assim. O que ficava para ali era a estopa, e o que ficava na mão era o linho. A gente torcia como quem torce uma torcida de tabaco... INQ1 Pois, pois. INF1 (...) E apartávamos à parte. Era então, urdia-se colchões com ele (...) ... INQ1 Com o linho? INF1 Com o linho, sim senhora. (...) INQ1 E com a estopa, o que é que faziam? INF1 A estopa tapava, (...) como aqui se está tapando, assim...E também se tapava com estopa ou linho, ou lá o que quisessem - de 'colchães' ou uma coisa assim -, também se tapava. E também se urdia com a estopa se ela era rija! Agora se ela era mais podre, ninguém podia urdir com ela, que não se podia tecer, que a gente bota os pés em cima, ela desapegava toda e ia-se embora.
TRC69
INF1 Pois a gente para aqui, com respeito à lavoura, a gente se for a principiar no princípio, no princípio, tem um romance muito grande. Porque hoje... A lavoura hoje, a lavoura hoje está boa. Mas no princípio não 'aboava'. No princípio, era só economizar. O fulano fazia um prédio de renda... Até eu vou dizer ao senhor... INF2 (...) INF1 Eu vou dizer ao senhor ainda duma outra maneira: fazia-se um pequeno pasto... Fazia-se um alqueire de pasto por dois escudos e meio. Bom, é como hoje há uma moeda de dois escudos e meio, não sei se no continente também há?! INQ1 Há. INF1 Mas é uma moeda de dois escudos e meio, mas naquele tempo era, em dinheiro, fraco - o senhor está percebendo o que é? INQ1 Rhum-rhum. INF1 Um alqueire de pasto por dois escudos e meio, um alqueire de terra a saco - a saco, é seis alqueires... Os senhores lá há-de ser outra conversa, mas a gente é aqui é. INQ1 Rhum-rhum. INF1 E de maneira que isto agora foi trepando por aí acima. Foi trepando, foi trepando, foi trepando que hoje arrenda-se um alqueire de pasto a mil e quinhentos escudos, hã?! Veja lá o senhor, de dois escudos e meio para este dinheiro, a que é que se chegou, hã?! INQ1... INF1 As terras é a mesma cousa: mil escudos, mil e quinhentos. Naquele tempo dos tais dois escudos e meio, semeava-se um cerrado. A terrinha mais fraca era para o tremoço, ou cevada, ou umas favas de grão; e a terrinha melhor, a gente ia cultivar com umas soquinhas de milho, mas tudo em fraco, porque não havia o dinheiro para botar o adubo. Hoje semeia-se em qualquer uma parte, dá sempre muito porque o adubo é que faz dar - está o senhor percebendo o que é? INQ2 Pois. INF1 E agora naquele tempo não era assim. Naquele tempo era miséria! Naquele tempo era miséria! Mas hoje é uma abundância em tudo. Eu tive aqui neste curral, aqui de diante, e numa hortazinha que estava aqui.... Eu tenho ali batatas naquela casa e já vendi dez sacas de batatas! Só da metade do que esta produziu aqui - que a outra metade foi para casa dum filho meu ali para a banda de baixo - só esta terra, hã, um nada de terra, INQ2 Sim. INF1 produziu isto tudo! Porque é? O adubo que se botou. Se não se botasse o adubo (...) não havia. Porque (...) naquele tempo semeava-se um bocadinho de batatas, mas era na terrinha mais fraca que a melhor era para semear umas soquinhas de milho para a gente comer. INQ2 Pois. INF1 Era na terrinha mais fraca! Não levava adubo, não levava nada, que é que havia de dar?! Então naquele tempo, a gente dizia: "Homem! É batata-carvalha! É batata-rainha"! E era as sementes daquele tempo. Hoje já não é assim. Hoje vai-se ao grémio da Praia para arrolar batatas, para vir de fora para aqui. Já querem sementes novas. (...) Trazem este ano semente nova, semeia-se; já para o ano carece trazer outra. Usam daquela, mas já carece trazer outra para ir reformando, para ir dando - a senhora está percebendo o que é? INQ2 Pois, pois. INF1 (...) É que ele as coisas hoje estão diferentes dominado à moeda. A moeda é que está fazendo isto. Se não houvesse a moeda como não havia naquele tempo, não se fazia isto. Mas naquele tempo não havia a moeda, era só se fosse com estrume, (...) ou uma coisa qualquer, que é que podia dar. De resto ele mais não dava. Era... Era penar! Naquele tempo era penar! Hoje está tudo na lavoura, está tudo nos terrenos, tudo dominado ao adubo. Hoje talvez se crie - txhh!, eu não quero mentir mas -, talvez mais duas partes ou mais do que o que se criava naquele tempo. INQ2 Pois, pois. INF1 Porque é? Os terrenos é os mesmos. É o adubo é que não é o mesmo, porque naquele tempo não havia adubo e hoje há o adubo. Dá para o dobro de sustentar os animais que 'havera' de sustentar, está o senhor percebendo o que é? INQ2 Pois. INQ1 Pois. INF1 Hoje as coisas estão todas assim desta maneira. A gente naquele tempo, os animais eram esfregados e a gente... Porque era tudo trabalhado com os animais. Ainda tenho ali uma grade, cangas, tamoeiros, coisas ainda daquele tempo. Era a gente... Moía-se com os animais... Elas faziam lama, que apanhavam mau tempo amarradas naqueles lugares, faziam lameiro para ali, aquela lama secava, sem lhe poderem chegar a ela, a gente ia para ela com os animais, era seca! Arrebentava torrãzada para ali!... Que depois a gente ia para partir aquilo, às vezes até era com o próprio malho de bater nas estacas, a gente ia batendo naqueles 'torrães' para ver se explodia aquilo! E depois com as grades é que gente ia partindo aquilo! Era penar! Hoje não se pena! Hoje a gente chega ao cerrado, senta-se assim contra a parede, aí está o tractor para trabalhar a terra! Acaba de trabalhar a terra, a gente... (...) Há mesmo hoje quem faça isso com um cavalo, outros com uma junta de reses. Abrem o rego, bota-se-lhe o milho, bota-se-lhe o adubo - se querem botar o adubo -, dá-se-lhe uma grade de costas, que é como eu lhe estou dizendo que tenho ali, pronto, está o cerrado semeado! E a gente naquele tempo não era assim! A gente naquele tempo ia primeira, segunda e terceira vez ao mesmo cerrado, para a gente lhe poisar nas 'condiçães' de se poder semear milho. E hoje já não é nada disto! INQ2 Pois. INF1 (...) Hoje está tudo a 'favoral' da gente! Tudo a 'favoral' da gente! Não era naquele tempo. Naquele tempo, eu sei lá! E era 'cais', as mãos cheias de 'cais', era os dedos dos pés gretados naqueles 'torrães' secos, gretava, eu sei lá! Eu sei lá o que a gente penava! Hoje não se pena nada! (...) Hoje o povo da nossa ilha está-se consolando! Porque vinha para aqui gente da América (...) e diziam à gente aqui... Gente que já morreram até! Penava-se também na América muito! "Homem, a gente na América, a gente faz isto, faz aquilo, sentados! Tem máquinas de fazer isto de fazer aquilo"! E a gente, talvez alguma vez a gente dissesse assim... Diz: "Homem, aquilo também está é a mentir para ali! Está é a mentir"! Mas já chegou cá! Mas já está cá! Já está cá que o fulano sentado faz trabalho! Mas é como se fazia lá, a senhora está a perceber? INQ2 Pois, pois, pois. INF1 Mas a gente parecia-lhe aquilo mal, aquela conversa! Mas já está cá tudo, essas coisas!
TRC70
INQ1 Onde é que começa? Em que mês é que começa? INF1 Começa no mês de Janeiro a semear trigo. E depois... E semeia-se em Fevereiro também trigo, mas já... Mas (...) põe-se é princípio de Janeiro. (...) No Janeiro é que se semeia o trigo. E depois é que, passado da sementeira do trigo, passa-se à sementeira do milho. A não ser, por exemplo, batatas ou umas coisas assim parecidas a esta é que é antes do milho. E depois quando é ali em Abril - Março, já em Março se semeia muito, o milho, mas então a força é em Abril - (...) é que então que se pega à sementeira dos milhos. E depois vai andando por ali abaixo, (...) nessa altura não há mais sementeiras nenhumas a fazer, senão depois quando é adiante... Quando é adiante, em Agosto, é que então há aquelas ceifas das searas. Mas ele hoje já não há searas. Aqui na nossa terra, depois que veio aí de fora uma qualidade de melros 'capatasque' ou 'capatasco', ou não sei que diabo é, esse melro hoje limpa tudo aí. Arreia, limpa tudo! É uma desgraça! Que eles semeavam muita terra de trigo, mas ele (...) aquela raça daquele melro rapavam-lhe tudo! Eles deixaram de semear por causa disso. Então começa ali no mês de Agosto, começa-se ele a ceifar, e depois é... INF2 A duas semanas de Santa Isabel. INF1 Santa Isabel, sim. INF2 É Julho. Junho, Julho, junto. Ficava em Santa Isabel, que os antigos diziam isto! INF1 Começa-se a ceifar. Começa-se a ceifar essas terras... INQ1 Ah, têm que me dizer esses nomes dos meses todos, está bem, à antiga? INF1 Começa-se a ceifar (...) e depois acabam-se as ceifas, ele tem 'feijães' para apanhar, tem batata doce... INF2 Acabavam-se as ceifas, era ir para a eira com os trigos. INF1 Ah, ele hoje só vão é (...) para as qualidades daquelas debulhadoras. INF2 Agora é já (...) para as debulhadoras. INQ1 Não. Mas como era antigamente. Antigamente... INF2 Antigamente é que era assim. INF1 Era, era. Era ele (...) nas eiras! INF2 Nas eiras (...) com um rolo grande com as reses de roda. INF1 Era nas eiras (...) com reses, faziam uma volta de roda. INQ2 Pois. INF2 Redonda. INF1 (...) E a gente estendia aquelas... INF2 Espalhava aquelas gavelas todas (...) naquelas eiras. Dura! Que aquilo estava dura como um osso ou como uma massa. INF1 Estendia aquelas camadas, porque aquilo era ceifado, era engavelado. Hoje é ceifado é com a máquina mesmo. INQ1 Pois, pois. INF1 A máquina entra por aquela seara dentro e pega a andar de roda, para ir por fora da seara, sim, e ela vai amarrando e vai deixando aquilo atrás e... INF2 Agora, que a gente ceifava era de foices. INQ1 Pois, pois. INQ2 Fica tudo pronto. INF1 Fica tudo pronto. Mas naquele tempo não era assim. Naquele tempo, a gente ceifava com umas foices apropriadas para aquilo, e depois a gente cortava uma manchinha de seara, e depois enrolava-se uma coisinha de roda, prendia neste dedo, e depois tornava-se a ceifar outra manchinha e tornava-se a prender nele, depois tornava-se a enrolar outra vez, tornava-se a prender nele, até que fazia (...) uma manchinha grande. INF2 Uma gavelazinha, uma mancheia perfeita. INF1 Botava-se uma mancheia assim aqui, atravessada assim, depois botava-se duas assim para aqui, e depois botava-se duas assim para aqui, e depois botava-se uma a fechar. INF2 Era encruzadas. INF1 Era seis - (...) antes tratavam era por gavelas -, seis gavelas de trigo é que se botava naquele montinho. Ia-se ceifando e botando aqueles montinhos atrás da gente. INF2 Ficava aquilo aos montinhos pelo cerrado fora. INF1 É. E depois a gente ia, (...) da seara mesmo, a gente é que fazia os atilhos. INF2 Sim, em carreira direita. INF1 Arrancava-se a seara e depois fazia-se aquele atilho ao pé da espiga e é que a gente amarrava aquela seara. INQ1 Rhum-rhum. INF1 E depois ela ia para a eira - aquela seara acartava-se com carros -, para as eiras, depois quando era (...) que estava nas 'condiçães' - era ali no mês de Agosto sempre -, a gente então debulhava com as reses. Estendiam aquela seara, tinha trilhos - eu não tenho, se tivesse eu mostrava ao senhor -, tinha trilhos, a gente prendia aquelas reses naqueles trilhos, e aqueles trilhos... Olhe talvez mais ou menos é isto de largura. INF2 Havia de ser sim. INF1 Deve ser uma coisa que mais ou menos é isto de largura. INF2 Era umas tábuas. INQ2 Pois. INF1 E agora era aquelas tábuas eram furadas (...) , metiam-se assim umas pedrinhas, dessas pedrinhas biscoiteiras, que é uma pedrinha favada. INQ1 Pois, pois. INF1 A gente (...) tinha aqueles trilhos, metia daquelas pedrinhas, e aquelas pedrinhas é que iam esfregando por riba daquela seara fora e é que ia andando, andando, (...) até que aquilo ficava moído, o trigo moído, (...) e as reses é que andavam de roda. INF2 E as reses sempre a andar de roda, e um homem em cima daquele trilho... INF1 A tocar as reses. INF2 A tocar as reses. INF1 Outros com forquilhas de roda daquela eira a mexer com aquela camada... INF2 A mexer com aquela camada, ai! INF1 Ai, penar! Ai penar! INF2 (...) Para ir mexendo, para as reses irem debulhando. INQ1 Pois, pois. INF1 Ai penar! Ai penar! INF2 Quando as reses iam sujar, aparavam era com uma apanhadeira, para não sujar em cima do trigo, sim senhora. INF1 Era penar! INQ1 Pois, pois, pois, pois. INF1 Era penada a vida ! Assim era a sementeira do trigo, era feita desta maneira! INF2 Depois acabava...