Homenagem à Professora Maria Fernanda Bacelar do Nascimento
10 February 2021
Homenagem

O Centro de Linguística da Universidade de Lisboa-CLUL presta homenagem à nossa estimada colega Maria Fernanda Bacelar do Nascimento, falecida no dia 3 de Fevereiro de 2021. Investigadora aposentada do CLUL, distinguiu-se em Portugal pelo seu trabalho pioneiro na Linguística de Corpus. Fernanda Bacelar do Nascimento foi diretora do CLUL de 1987 a 1989 e de 1993 a 2002. Coordenou cerca de 20 projetos de investigação financiados e participou ainda em cerca de 8 projetos, nacionais e internacionais. Em todas as suas atividades de investigação, preocupou-se com a produção de recursos que constituíssem fontes de dados para estudos sobre a língua portuguesa nas suas variedades. Para além do Corpus de Referência do Português Contemporâneo, que se destaca pela dimensão e pela diversidade de tipos de textos, desenvolveu vários corpora de oralidade, como o C-ORAL-ROM e o Português Falado, e ainda corpora anotados, como o PAROLE e o CINTIL. A sua tese de equiparação a doutoramento Contribuição para um dicionário de verbos do português - novas perspectivas metodológicas apresenta, no quadro da Abordagem Pronominal, uma análise das valências verbais e da sintaxe da oralidade. Orientou várias teses de mestrado e doutoramento na área do léxico e estabeleceu colaborações com instituições nacionais e internacionais, sendo de destacar as ligações com colegas brasileiros. Em 1993, fez parte do Expert Advisory Group for Language Engineering Standards (EAGLES), a convite da Comissão das Comunidades Europeias. Foi membro da Comissão Organizadora da Gramática do Português publicada pela Gulbenkian em 2013 (2 vols.) e em 2020 (3º vol.). Pela sua atividade de investigação de grande qualidade, pela sua capacidade de liderança e pelas suas qualidades pessoais, deixa saudades aos seus colegas e amigos e continuará a ser um exemplo para todos nós.

Lisboa, 08 de fevereiro de 2021

 

Testemunhos

Seminário (Vídeo)

 

 

 

Testemunhos

 

 

 

Amália Mendes

O meu primeiro trabalho de investigação em Linguística, e todo o meu percurso a partir daí, foi no CLUL, num dos muitos projetos da Fernanda em que participei. Na altura, em 1989, ainda na 5 de Outubro, na sala azul que já não o era, mas que seria para sempre a sala da Fernanda. Descobri com a Fernanda que a língua tem um corpo, que o podemos ver e percorrer na sua diversidade, que ele nos dá pistas para desvendar o seu uso. Nesse sentido, a Fernanda foi pioneira, ao antecipar o que agora nos parece natural, a necessidade de dispor de dados para a análise linguística. Essa procura levou-a a produzir recursos que ainda hoje são usados e imediatamente reconhecidos, como o Corpus de Referência do Português-CRPC, o Português Falado, o Português Fundamental, o Léxico de frequências e muitos outros. Fazia-o com o entusiasmo de sempre, que era contagiante, e criava equipas de trabalho que continuam a ser ainda hoje grupos de amigos. Deixa-nos um exemplo de coragem, competência, tenacidade, respeito e muita alegria. Numa das nossas recentes conversas ao telefone, dizia-me que tencionava começar a fazer novas gravações para a parte oral do CRPC, já tinha vários informantes em vista. Que falta nos vai fazer.

 

 

 

Maria Antónia Mota

 

Desde que entrei para o CLUL, a Fernanda passou a fazer parte do meu universo e, nos últimos vinte anos, quase quotidianamente. Incansavelmente concentrada no seu trabalho e nas suas responsabilidades, foi sempre uma voz sensata, liderante, defensora da verdade e da retidão, podendo ser intransigente, se necessário. Sempre preocupada com as dificuldades dos mais jovens em iniciar carreira ou com as dos menos jovens em fase de expectativa de uma posição estável, muitos foram os que chamou para os seus projetos, como colaboradores ou bolseiros, promovendo oportunidades pessoais e enriquecendo o CLUL na sua atividade e na sua projeção. Bem disposta e afável, generosa, amante de uma boa conversa, a Fernanda acolheu-me no grupo dos seus amigos mais próximos, e por isso lhe devo novas amizades e tantos momentos felizes, que iluminaram muitos dos meus dias. Se sabia poder contar com a Fernanda em qualquer circunstância, a Fernanda pode, agora, contar comigo para a manter viva na nossa memória coletiva, apesar de termos de lhe dizer um magoado adeus.

 

 

 

Luísa Segura

 

Conheci a Fernanda no primeiro ano da Faculdade e desde logo se criou entre nós, a par do hábito de trabalharmos em conjunto, uma grande amizade. Passaram-se 60 anos desde então, e o que começou na Faculdade continuou e fortaleceu-se pela vida fora. Trabalhámos juntas no Português Fundamental e, embora tendo nós seguido depois, no CLUL, projetos diferentes, a nossa profunda relação de amizade e proximidade manteve-se inalterada, tendo voltado a trabalhar juntas, de novo, no último projeto das nossas vidas, a Gramática do Português.

Sempre admirei na Fernanda o entusiasmo contagiante que punha em todos os projetosque abraçava, a energia e a tenacidade com que ultrapassava as dificuldades que se deparavam, a par do seu sentido de responsabilidade e retidão que fazem dela um exemplo. Tocante era a sua generosidade e grande preocupação com todos os que integrava nas suas equipas, especialmente os jovens, cujas carreiras incentivava, lamentando sempre não estar nas suas mãos proporcionar-lhes a estabilidade que para eles desejava.

O seu prematuro desaparecimento é para mim uma dor imensa e deixa um vazio que perdurará para sempre.

 

 

 

 

Maria Eugenia Lammoglia Duarte

Universidade Federal do Rio de Janeiro

 

Falar de Maria Fernanda e não pensar imediatamente no casal – Fernanda e Fernando – é difícil para mim. Na verdade, conheci Fernanda pelo trabalho de pesquisa sobre o português falado em Portugal, com ênfase no léxico. O trabalho publicado em Bacelar do Nascimento et al, 1987, Português Fundamental, com fragmentos das entrevistas gravadas em todas as regiões do país, foi uma fonte preciosa para meus primeiros estudos contrastivos “português europeu e português brasileiro”. Embora Fernanda tenha estado na nossa Faculdade de Letras nos anos 1990, ministrando cursos aos alunos de pós-graduação, poucas foram as oportunidades de maior convivência, mas tenho testemunhos do quanto suas aulas sobre a língua oral, tema de sua tese de doutorado, foram importantes para nossos alunos. De sua vinda, com a colega Maria Antónia Mota, resultou o Projeto VARPORT, que me permitiu ir a Lisboa numa missão de trabalho em fins dos anos 1990. E aí tive a oportunidade de conhecer a Fernanda de perto, sua hospitalidade, sua delicadeza, e de conhecer o seu marido Fernando, que não pode ficar fora deste depoimento. Em 2000, quando se realizou o “Congresso Internacional – 500 anos de Língua Portuguesa no Brasil’, na Universidade de Évora, nossa amizade, de fato, se consolida. Chegamos a Lisboa e Dinah Callou diz à Fernanda que lá estávamos nós (eu e meu marido) para o Congresso, e ela nos convida para jantar, de repente, sem qualquer preparação. Resultado: um jantar delicioso, com a gentileza do casal Fernanda e Fernando. A sequência foi a ida para Évora, com uma parada na quinta do Alentejo, onde estavam colegas brasileiros, Maria Helena Moura Neves e Diana Pessoa de Barros, entre outros, e tantos colegas da Universidade de Lisboa, muitos dos quais eu conhecia de nome! A partir de então, a amizade se estreitou e a minha admiração pela pessoa delicada, discreta, inteligente, com uma família linda só me fez admirá-la cada vez mais. Seu trabalho na organização da Gramática, com uma equipe de colegas maravilhosos, fechou, com chave de ouro, uma carreira dedicada à pesquisa. Li hoje (domingo, 7 de fevereiro de 2021) uma crônica de Cacá Diegues, um dos nossos grandes cineastas, em que ele diz, falando de João Ubaldo Ribeiro, que “há pessoas que, quando morrem, nos tiram pelo menos um pouco do gosto pela vida”. É assim que eu me sinto quando escrevo este texto. Sentiremos uma falta imensa da Fernanda e do Fernando.

 

 

 

Raquel Amaro

Universidade Nova de Lisboa

 

No final da licenciatura, entrei para a sala azul do CLUL após uma entrevista com a Fernanda, por indicação da Rita Veloso. E aí comecei a aprender (tanto!) e a trabalhar com recursos linguísticos, linguística de corpus e processamento da língua natural, o que definiu crucialmente o percurso que segui. O modo como a Fernanda considerava e integrava as pessoas na equipa e no trabalho de investigação é exemplar: todos tinham espaço para contribuir, questionar, inovar, reclamar, aprender – foram inúmeras as oportunidades de formação e participação em eventos que nos proporcionou –,  e a todos eram apresentados e explicados os planos e objetivos dos projetos como propostas abertas e aliciantes. A preocupação e a delicadeza com que nos pedia para trabalharmos mais no final dos prazos era a mesma com que nos dizia para ficarmos em casa por questões pessoais. A forma como sempre respeitou e apoiou os nossos percursos são demonstração de uma generosidade ímpar.

Tive o privilégio de poder ter esta experiência extraordinária, inesquecível, que definiu o que considero ser um verdadeiro ambiente de investigação, de trabalho em equipa e de postura profissional. A sua competência, dedicação e humanidade serão sempre exemplos que farei o melhor por seguir. A imensa amizade e a gratidão que sinto pela Fernanda ficarão comigo para sempre.

 

 

 

Ivo Castro
 
 
Quando o CLUL deixou de ser conhecido como «o Centro do Cintra» e passou a ser associado a nomes menos prestigiosos, enquanto nomes importantes o trocavam por outras alternativas, iniciou-se um longo período indistinto, que hoje sabemos ter sido de transição, mas que bem poderia ter tido um destino semelhante ao do regato que pensou ser capaz de atravessar um deserto de areia. Se a travessia foi bem sucedida e o CLUL é hoje uma construção que não cabe num simples relance de olhar, é bem possível que isso se deva a uma circunstância externa (a ausência dos modernos brutais ciclos de avaliação) e a uma força interna: a persistência de um pequeno grupo de pessoas que conseguiram retirar o adjectivo intermináveis aos seus projectos.
O papel da Fernanda Bacelar como alma desse grupo de sobreviventes foi essencial. Sendo demasiado discreta e suave de maneira para figurar como heroína, e não permitindo a sua voz quebradiça fazer-se ouvir até ao fundo da sala, as suas virtudes e a sua acção decisiva faziam sentir-se em outra escala: na diplomacia de gabinete com que angariava apoios e estabelecia alianças, na generosidade com que criava e estimulava equipas, na consistência e relevância dos projectos e, sobretudo, na determinação indomável com que os executava e levava a cabo. Lembrar a Fernanda Bacelar e reconhecer o que lhe deve o CLUL é hoje um exercício agregador de que todos ‒ os seus colegas e amigos ‒ saímos
fortificados.

 

 

 

Dinah Callou

Universidade Federal do Rio de Janeiro

 

Convivi com Fernanda por mais de 40 anos, desde a década de 1980, em breves momentos, de início, em reuniões de Projetos, Congressos, idas ao CLUL, por conta de convênios entre as nossas Universidades, depois, com mais frequência, em encontros fora da área acadêmica. Mesmo que geograficamente distantes, separadas por um oceano, nossos laços de amizade se estreitaram e foram criando raízes. A ausência definitiva dessa pessoa especial, exemplo de dedicação e seriedade, na atividade profissional e nas relações afetivas, suave e delicada nas suas ações de qualquer natureza, só poderá talvez ser suavizada, com esforço, se tentarmos seguir seus passos, como forma de homenageá-la. Tudo passa, as lembranças ficam!

 

 

 

Dominique Willems

Universidade de Gent - Professora aposentada

 

Roc inébranlable du CLUL, collègue attachante, amie exquise. Je te garderai dans mon cœur, Fernanda.

 

 

 

Florbela Barreto

 

Em 1996, dois meses após ter concluído a licenciatura em Linguística, iniciei a minha carreira profissional como bolseira de investigação no CLUL, sob orientação da Fernanda.

Desde o primeiro momento, a Fernanda foi sempre um exemplo de grande capacidade de liderança e profissionalismo. Conseguia, como ninguém, equilibrar as exigências do trabalho científico com um ambiente pacífico e de grande amizade entre todos os que trabalhavam sob a sua supervisão.

Vou sempre recordar, acima de tudo, a sua alegria, a sua amizade e o seu apoio em todas as etapas da minha vida, profissional e pessoal.

Sinto muito orgulho por ter sido uma das “suas meninas”.

Até sempre, querida Fernanda.

 

 

 

Silvia Figueiredo Brandão

Universidade Federal do Rio de Janeiro

 

Tive o prazer de encontrar, pela primeira vez, Maria Fernanda Bacelar do Nascimento, quando, no início da década de 1990, ela veio ministrar um curso de mestrado e doutorado a convite do Programa de Pós-graduação em Letras Vernáculas da UFRJ, que, naquele momento, eu coordenava. À admiração pela linguista, que, entre outros inúmeros méritos, tinha o de promover e incentivar a organização de corpora, juntou-se a simpatia pela pessoa sempre gentil e pronta a participar de projetos que consolidassem o intercâmbio entre pesquisadores brasileiros e portugueses. Foi nesse espírito que ela aceitou participar do Projeto VARPORT (Análise Contrastiva de Variedades do Português), de cooperação internacional, em muito colaborando para a formação do Corpus Compartilhado com que trabalhamos entre 2000 e 2003 e que acabou redundando em uma publicação. Em virtude das várias missões de trabalho que, a partir dos anos 1990, se foram tornando frequentes no Rio de Janeiro e em Lisboa, consolidaram-se os laços acadêmicos e, mais do que isso, os laços de amizade. Sua produção científica ao longo das últimas décadas é um legado inestimável para a Linguística Portuguesa e, sem dúvida, continuará a inspirar pesquisadores que a ela recorram. Sua gentileza e amabilidade certamente ficarão gravados na memória de todos os que tiveram a oportunidade de com ela conviver em curtos ou longos períodos de tempo. É com muita tristeza que lamento a perda da linguista e da amiga.

 

 

 

Violeta Virgínia Rodrigues

Universidade Federal do Rio de Janeiro

 

Tive o prazer de conhecer Fernanda na década de 90 e de fazer um curso no doutorado com ela, no qual aprendi análise sintática do oral, segundo a perspectiva de Claire Benveniste. Fiquei encantada com o trabalho de Fernanda: a grelhas que foi mostrando de sua tese de doutorado me fascinaram tanto que levei, inclusive, para os meus cursos de graduação e, depois, de pós.  Houve, felizmente, um segundo curso, em que o foco foi a Linguística de Corpus. Tempos em que o doutorado tinha a duração de seis anos e em que as parcerias entre Rio de Janeiro/Letras (UFRJ) e Lisboa/CLUL tinham início. Nesses cursos, além da pesquisadora dedicada e competente, conheci o lado humano da Professora e que não posso deixar de mencionar - a gentileza, a calma e a doçura de Fernanda. Jamais vou me esquecer do jeito que me chamava “menina Violeta”. Jamais vou me esquecer também de como me recebeu em sua casa, em Lisboa, quando fui participar de uma missão de trabalho pela UFRJ. E o que falar daquele sorriso largo e encantador... lindas lembranças...

 

 

Maria de Lourdes Crispim

Universidade Nova de Lisboa – Professora aposentada

 

A notícia da morte da Fernanda apanhou-me de surpresa e enche-me de remorsos. Remorsos por não me ter esforçado mais para encontrar o seu telefone (perdido em agendas de onde não tinha sido copiado) quando faleceu o Fernando. Deveria ter feito mais para lhe dizer quanto lamentei a perda do seu companheiro. Agora a perda é minha. A Fernanda foi sempre, para mim, um símbolo de inteligência, serenidade e eficácia discreta. Era uma pessoa linda, com uma doçura que eu sempre associei aos seus prematuros cabelos brancos, como se uma sabedoria, que geralmente só a idade nos traz, tivesse desde sempre feito parte dela.

 

 

 

António Branco

Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa

 

Foi com pesar que recebi a notícia do falecimento da Fernanda. Tinha uma grande estima por ela desde que colaborámos num projeto, há cerca de quinze anos. Um dos principais resultados foi um corpus de 1 milhão de palavras anotadas manualmente, que continua a ser o recurso de referência para o desenvolvimento de etiquetadores morfossintáticos do português. Guardo uma grande admiração por ela desde então, pela sua tenacidade e dignidade.

 

 


Ana Maria Brito

Faculdade de Letras da Universidade do Porto

 

Penso que as minhas primeiras lembranças da Fernanda Bacelar são do velho Centro de Estudos Filológicos, na Avenida 5 de Outubro, em Lisboa, nos anos 70. Era lá que o Grupo de Linguística Teórica, a que o Eduardo Paiva Raposo e o José António Meireles me convidaram a pertencer, se reunia de vez em quando. Depois o Centro mudou-se para outro edifício mais moderno da mesma Avenida e era aí que tantas vezes ia requisitar livros da sua ótima biblioteca. Tendo-me mudado para o Porto em 1976, os nossos contactos limitaram-se aos encontros anuais da Associação Portuguesa de Linguística e às minhas visitas ao Centro, entretanto nomeado Centro de Linguística da Universidade de Lisboa. Sempre a Fernanda Bacelar foi presença amiga, diria mesmo maternal.

Não querendo aqui fazer um balanço do seu trabalho como linguista (outros o farão melhor do que eu), não posso deixar de lembrar a maneira amável, mas determinante como conduziu muitos dos contactos que levaram à conclusão da Gramática do Português, em boa hora promovida pela Fundação Calouste Gulbenkian. A sua morte precoce deixa um vazio e, juntamente com o desaparecimento da Maria Helena Mateus, do Malaca Casteleiro, da Teresa Lino, do Joaquim Fonseca, da Francisca Xavier e da Isabel Leiria, parece anunciar um final de um tempo para a Linguística portuguesa. Resta-nos a esperança, quase uma certeza, de que as jovens gerações contribuirão para preencher este vazio!

 

 

 

Augusto Soares da Silva

Faculdade de Filosofia e Ciências Sociais da Universidade Católica Portuguesa


Pessoalmente e em nome do Centro de Estudos Filosóficos e Humanísticos da Faculdade de Filosofia e Ciências Sociais da Universidade Católica Portuguesa, muito agradecemos à Fernanda Bacelar do Nascimento os diversos contributos que pronta e amavelmente sempre nos concedeu, seja no acesso a corpora e outros recursos linguísticos seja na consultoria de projetos de investigação e na participação em comissões científicas de eventos, bem como os pioneiros e inestimáveis trabalhos nos domínios da linguística de corpus, variação e gramática do português, de que todos temos beneficiado. Recordo com muita saudade, em especial, o seu encorajamento e a sua participação ativa e iluminadora no congresso internacional sobre línguas pluricêntricas, que nos ajudou a realizar.

 

 

Celeste Rodrigues

 

Tive o privilégio de pertencer à direção da Associação Portuguesa de Linguística com quatro colegas inesquecíveis, três dos quais já desapareceram das nossas vidas quotidianas. O Tiago Freitas, um promissor linguista que tão prematuramente de nós se apartou e que, para além de tesoureiro, era pau para toda a obra nas fases mais trabalhosas. A nossa eterna Presidente e guia Maria Helena Mateus, que 2020 nos levou. E a Fernanda Bacelar que, por ser do Nascimento, não deveria estar sujeita às leis da morte. Era a pessoa mais sábia daquela direção da Associação, com um sorriso doce resolvia as questões mais difíceis, servindo de exemplo para mim e para a minha amiga Amália Mendes, sua fiel seguidora.

Lembrarei a Fernanda sempre com um sorriso.

 

 

 

Graça Vicente 

Conheço a Fernanda Bacelar há muitos anos, mas sem proximidade especial. Sempre a vi como uma pessoa bonita, afável e tranquila, que facilmente cativava quem dela se aproximava.  
Mas nos últimos anos tive o privilégio de a conhecer de mais perto, depois de a Fernanda, gentilmente, me ter desafiado a fazer parte do grupo da Gramática do Português. A impressão inicial manteve-se, mas foi reforçada por uma experiência de proximidade que me marcou profundamente. Para além das qualidades que já antes lhe reconhecia, a Fernanda revelou-se uma pessoa única na maneira benevolente e amiga como tratava todos, na sua inteligência discreta, na capacidade de trabalho e de sacrifício pessoal em prol de causas em que acreditava, no interesse e respeito pelos outros.
Obrigada, Fernanda, por tudo o que aprendi contigo, pela tua amizade, por teres sido parte da minha vida. Continuas comigo.

 

 

Ricardo Ribeiro

INESC-ID

 

Comecei o meu percurso na investigação científica no Grupo de Linguagem Natural do INESC. Conheci a Fernanda nessa altura, mal tinha acabado a licenciatura (se é que a tinha já terminado). Os primeiros projetos de investigação em que participei foram com ela, resultantes da colaboração que havia entre CLUL e INESC. O primeiro artigo científico que publiquei foi com ela. Conheci no CLUL tantas pessoas interessantes que, apesar de a vida nos ter levado por caminhos distintos, recordo com saudade. A Fernanda, líder destes projetos, tinha sempre um sorriso, nunca deixando de ser exigente e motivadora, com uma energia contagiante…
Em nome de todo o grupo, os nossos sinceros sentimentos.

 

 

Paula Marquez Neto

Comissão Europeia - DG Tradução

 

Conheci a Fernanda em 1988, tinha eu vinte e um anos, tinha acabado de me licenciar em LLM na Faculdade de Letras da UL. A minha querida professora Ana Maria Martins tinha-me recomendado para Jovem Investigadora! Fiz uma entrevista com esta senhora com uma madeixa de cabelo branco, muito elegante; não altiva, mas distinta, não arrogante, e sim afável, generosa e protetora, que me acolheu como a uma filha e que me ensinou tudo, sempre com uma paciência sem limites. O entusiasmo com que me descreveu o projeto do Corpus de Referência do Português Contemporâneo era aliciante e mostrava o seu empenho no que fazia. A sua vida era o seu trabalho, sempre de mão dada com aquilo de que mais gostava: as pessoas que amava e que a rodeavam – a família, os colegas, os amigos. Indefetível na amizade e arguta no raciocínio, a sua afabilidade faz-me uma falta lancinante e deixa um vazio impossível de preencher. Minha querida Fernanda, saudades para sempre no meu coração. 

 

 

 

Ataliba T. de Castilho (USP – Unicamp) & Milton do Nascimento (PUC-MG)

 

Ao saber do passamento de nossa querida Fernanda, lembramo-nos logo dos
versos de Carlos Drummond de Andrade:


MEMÓRIA

AMAR o perdido deixa
Confundido
este coração.
Nada pode o olvido
contra o sem sentido
apelo do Não
As coisas tangíveis
tornam-se insensíveis
à palma da mão
Mas as coisas findas,
muito mais que lindas,
essas ficarão.

Muitas coisas lindas ficarão do casal Fernando – Fernanda, com quem estivemos, em sua casa, para um jantar inesquecível, logo no início dos anos 1990. Damos aqui nosso depoimento, carregado de saudades.

Desenvolvia-se no Brasil o Projeto de Gramática do Português Falado. Para um de seus seminários, convidamos a Maria Fernanda, que nós brasileiros já conhecíamos por suas atividades de descrição da língua falada e de organização de corpora de pesquisa.

Ela e outras colegas portuguesas tinham firmado um frutífero acordo de cooperação científica com a igualmente saudosa Claire Blanche-Benveniste, da Universidade de Aix-en-Provence, pioneira dos estudos sobre a oralidade na França.

Vai daí que o Centro de Linguística da Universidade de Lisboa nos convidou para umas trocas de experiências. Milton teria ali o papel específico, em sua qualidade de debatedor dos problemas teóricos que iam sendo suscitados pelos trabalhos debatidos nos seminários gerais desse projeto. Como se sabe, esse projeto não escolheu um recorte teórico único para as pesquisas, constituindo-se de grupos de trabalho que escolhiam a vertente de sua preferência. Para dar um balanço no que ia ocorrendo, os pesquisadores pediram, em seu IV Seminário, realizado em Belo Horizonte, Minas Gerais, que o Milton participasse dos seminários realizados durante a semana com a função de tentar, no final, discutir com os grupos de pesquisadores que rumo estavam tomando.

Pode parecer esquisito, mas foi assim. A partir daquele seminário, apresentávamos e discutíamos ao longo da semana os textos produzidos pelos grupos de trabalho, e, aos sábados, era a esperada vez do Milton. Explica-se assim o convite do Centro de Linguística de Lisboa, o querido e respeitado CLUL.

Pois então, a meio dos trabalhos, veio o convite da Fernanda. E lá fomos nós, o Milton e eu, a desfrutar da generosa amabilidade do casal. Ali pelas tantas, o Fernando perguntou sobre o ano de nascimento de nossos filhos. Obtidas as respostas, retirou-se por uns instantes, trazendo na volta, para cada um de nossos filhos, uma garrafa de vinho da safra correspondente ao ano de seus respectivos nascimentos.

O que mais podíamos nós desejar, como pais orgulhosos de nossos filhos?! O gesto entraria definitivamente para a história de nossas famílias. A garrafa destinada a Felipe, filho do Milton, foi cuidadosamente guardada para somente ser aberta num jantar familiar por ocasião da obtenção do seu título de Doutor em Sociologia. A do Rogério quando de seu doutoramento em Patologia Bucal.

É assim, quando se tem amigos generosos. Vai-se ofertar, e volta-se presenteado! A lembrança daquele querido casal, que sempre nos enviava uma mensagem de saudação por ocasião da Páscoa e do Natal, nunca mais sairá de nossa memória, seja lidando com a ciência, seja lidando com a família.

 

 

 

Anabela Carvalho

 

Ensinou-me, enquanto orientadora da minha tese de Mestrado e enquanto colega, o rigor, sobretudo o rigor, não deixando de abraçar tudo o que era humano, logo imbuído de imperfeição.

Uma humanidade, um sentido de humor, um riso que nos levava a caminhar com ela até onde quisesse ir... 

Deixou em mim uma marca indelével, profissional e pessoalmente.

 

 

 

Maria Lúcia Garcia Marques

 

A Fernanda

 

Faz por agora à volta de trinta anos que eu escrevia, na Nota Prévia da minha tese de doutoramento, na lista protocolar de agradecimentos, as seguintes palavras dedicadas à orientadora desse meu trabalho focado numa particularidade exclusiva da oralidade - os “bordões” e o seu uso:

“ Mas de todo me teria sido impossível a “caminhada” sem a orientação e o apoio da Doutora Maria Fernanda Bacelar do Nascimento. Foi – será sempre – uma das mais tocantes experiências da minha vida, ter vivido nesta circunstância e apesar de uma amizade quase quotidianamente celebrada durante trinta anos – fomos colegas desde que entrámos para a Faculdade, em 1960 – uma relação de trabalho com tanto respeito mútuo, tanto espírito de entreajuda – que soube criticar sempre até onde foi preciso e estimular quando foi preciso – tanta honestidade, tanta competência profissional e, ao mesmo tempo, com tanto afecto e tanta alegria… Agradecer-lhe, será permanecer fiel a esse ostinato rigore na procura e na partilha com que sempre me apontou o caminho”.


Porque a Fernanda era assim. Sempre foi assim. Direta, amiga, zelosa, persistente, fiel aos compromissos e, entre linhas, sempre disposta ao riso, senhora de um sentido de humor convivial e bondoso. Era no trabalho como na vida, uma mulher inteligente, mas também (e não é de somenos), prática e pragmática. Quando eu lhe expunha as minhas interrogações mais espinhosas, algumas vezes lhe ouvi, entre curiosa e instigadora, exclamar: ”Vá-se lá saber…?!”E ia-se. E encontrava-se a chave e saía-se ao caminho, e investigava-se como devia ser porque ela sabia que corrigir e orientar não é humilhar. É acompanhar mostrando o que e por que não estava certo e propor uma linha de inquirição mais promissora. Porque, em Investigação (com maiúscula, como ela a fazia) chegar a uma solução é um caminho, não é uma aparição. E a Fernanda
soube sempre fazê-lo, em solidariedade, em comunicação honesta e livre com os seus parceiros em projetos que deixaram marca, na rota dos SEs e dos POR QUÊs que eles implicavam, fosse ela fácil ou morosa e áspera.


E na saudade que me vai assolando, consigo, no entanto, aperceber-me de que a partida da Fernanda é uma falta, sim, (enorme e irreparável) , mas não é uma perda: porque ela deixou uma obra de seu punho e espírito, ela criou património e ajudou a fixar o retrato da língua que nos une e expande, ela deixou pegada de boa memória.


Quero muito acreditar (e rezo por isso) que a Fernanda foi/é apenas uma querida companheira que se ausentou e que eu voltarei encontrar…ali… um pouco mais adiante…

 

 

 

Luísa Alice

A Fernanda Bacelar deixou-nos! A Fernanda fica connosco na marca que foi a sua vida! Marca de inteligência e de assertividade num modo de ser calmo, tranquilo, acolhedor, amigo! Perdemos a Amiga mas permanece a Amizade!

A Fernanda era uma pessoa rara!

Fomos colegas na Faculdade, ela em Românicas, eu em Clássicas. Sempre me deslumbraram as notas que obtinha nas cadeiras de Linguística. A de Linguística Românica excedeu tudo e correu pela Faculdade. Foi esse o caminho profissional que veio a trilhar.

Fomos, de novo, colegas, vinte e cinco anos depois, quando, em 1989, me convidou para integrar a equipa que estava a dar os primeiros passos no Corpus de Referência do Português Contemporâneo - CRPC, projeto que lançou no Centro de Linguística da Universidade de Lisboa.

Durante estes últimos trinta e dois anos, vivi a experiência única que foi trabalhar com a Fernanda. O seu modo pacífico e gentil, aliado a uma simplicidade transparente, uma criatividade inteligente e discernimento ímpar foram o esteio da equipa: força anímica, gosto no trabalho de investigação e de execução, desejo de fazer bem o que era preciso ser feito, energia para terminar projetos exigentes, em qualidade e em prazos! Tinha sempre uma palavra, exigente, de estímulo, de incentivo, de compreensão, em ambiente de responsabilidade e de amizade, em tom descontraído, com a alegria do seu sorriso bondoso. Nos seus projetos trabalhámos muitos e o seu cuidado na hora de atender às capacidades e preocupações pessoais era notável!

Era excecional a sua capacidade para criar ou pôr em curso projetos inovadores, interessantes e úteis para o avanço no conhecimento da língua portuguesa. Refiro a sua participação no Português Fundamental, a criação do CRPC e os muitos projetos a ele associados, a participação no projeto de corpora de línguas europeias, PAROLE, o convite que lhe foi feito pela Fundação Calouste Gulbenkian para a elaboração de uma nova gramática do português. O seu contributo para a realização destes projetos levou-a até ao limite. Lembro os muito graves problemas de saúde por que passou mas que não a impediram de acompanhar a Gramática do Português até à publicação final (Volume III, 2020), em todas as tarefas de organização e, também, de execução. Sem a sua capacidade de liderança, de determinação, de trabalho efetivo, de comunicação, de diálogo, de atenção a todos, de exigência, mas, também, de compreensão e de aceitação de cada um, estas obras não teriam sido possíveis.

Teve confiança e reconhecimento de várias proveniências, nacionais e internacionais, de que destaco o apoio que a Fundação Calouste Gulbenkian deu aos seus projetos e, consequentemente, ao CLUL.

A par da carreira profissional, a Fernanda e o Fernando tiveram uma família linda! Costumavam festejar o dia em que se tinham conhecido, 1 de agosto. E às vezes convidavam os amigos. Os dois filhos e seis netos seguem-lhes as pisadas. O Fernando partiu no dia 4 de outubro último.

Agradeço à Fernanda tudo o que com ela aprendi e as possibilidades e ambiente de trabalho que me ofereceu!

Foi muito bom! E, agora, peço a Deus que a tenha, que os tenha, em Paz!

Dou aqui espaço a uma tristeza sem limites, acompanhada da felicidade profunda da Amizade!

 

 

 

Rita Veloso

 

No final de 1994, início de 1995, a Ana Maria Martins desafiou-me a concorrer a uma bolsa de investigação num projeto do CLUL. Seria um projeto de Linguística de Corpus, área que na altura eu nem sabia que existia ou o que era. Teria de ir à Av. 5 de Outubro e falar com a coordenadora do projeto, a Fernanda Bacelar (do Nascimento, acrescentava sempre a própria), nome que também desconhecia por completo. Lá fui, com a minha colega Soraia, que iria também concorrer.

E assim conheci a Fernanda, que me explicou, calma e claramente, o que era um corpus e em que consistia o projeto. Ganhei a bolsa (BJI), a primeira de muitas que iria receber em projetos do grupo, e no dia 1 de abril de 1995 comecei a trabalhar numa equipa de onde só viria a sair mais de 20 anos depois.

Com a Fernanda e nos seus projetos, perdi a arroganciazinha típica de tantos que trabalham em Sintaxe Generativa e aprendi a respeitar outras correntes teóricas ou descritivas e outros grandes linguistas que nelas trabalhavam; que muitos autores já tinham dito muito do que alguns pensavam descrever pela primeira vez. Descobri a língua nas suas múltiplas dimensões, para lá das árvores e de vestígios que têm de ser licenciados ou de traços que têm de ser verificados – olhar para os dados era muito mais que olhar para as frases bem comportadas dos exemplos dos linguistas; percebi que era possível compatibilizar tudo para enriquecer as análises a fazer.

Trabalhar com a Fernanda era muito fácil: as ideias que apresentava eram claras e refletidas, mas queria sempre saber as nossas opiniões e sugestões, que, quando eram lógicas e fundamentadas, integrava no trabalho, mas que, quando não o eram, recusava docemente, sem lhes apontar os defeitos toscos de raciocínio. Quando tínhamos um problema pessoal – e tantos que tive naquele período! –, a Fernanda estava presente para apoiar, aconselhar, compreender as suas implicações no trabalho. E o seu olhar triste mostrava que esse apoio e essa compreensão eram genuínos.

Gosto de pensar que a Fernanda também gostava de trabalhar comigo e que, por isso, me levou para projetos de monta – desde a componente oral do CRPC, à Gramática do Português, da FCG, passando, ainda que brevemente, pelo Dicionário da Academia das Ciências. Sempre preocupada com a precariedade do trabalho em investigação, desdobrava-se em projetos, sempre novos e estimulantes, para manter a estabilidade dos seus bolseiros.

Uma das minhas maiores tristezas será sempre tê-la desiludido por não defender a tese de doutoramento, justificando a sua aposta em mim. Mesmo na sua preocupação, dispunha sempre de uma palavra de incentivo que mostrava que não duvidava da minha capacidade.

Raios partam a vida e a quem lá ande!

 

 

 

 

Isabel Amaral Marques 

 

Tive o enorme privilégio de conhecer a Fernanda aquando da elaboração do Dicionário da Academia das Ciências, na qualidade de colaboradora/redatora do mesmo. A ela devo a minha iniciação no domínio da Lexiologia e Lexicografia, e o meu gosto pelo estudo do funcionamento da língua. Aí nasceu a minha imensa admiração pela Fernanda, quer do ponto de vista científico quer humano.  A partir daí os contactos intensificaram-se, os laços foram-se aprofundando, o convívio amigo foi surgindo naturalmente.

Já com graves problemas de saúde, sempre que se restabelecia um pouco, a Fernanda falava-me, com a simplicidade que lhe era habitual, do seu grande projeto a “Gramática do Português”, sempre com o mesmo entusiasmo, o mesmo afinco.  

Era admirável a sua tenacidade, a capacidade que tinha de ultrapassar as suas limitações físicas.

A par da sua dedicação ao trabalho, quanto amor não manifestava relativamente à família - marido, filhos, netos.  

Foi heroica no acompanhamento da doença do Fernando, seu marido.     

É com uma saudade imensa que recordo a Fernanda Bacelar.

 

 

 

 

Seminário (vídeo)

 

Seminário, 11-04-2016 Fundação Calouste Gulbenkian – Delegação em França

La langue portugaise dans sa diversité. Le cas des variétés africaines en comparaison avec la variété européenne par Fernanda Bacelar