Objectivos
Embora haja uma longa tradição editorial em Portugal, persiste-se numa visão da Crítica Textual como uma disciplina de índole sobretudo prática. Significa isto que o corpo de conhecimentos necessário à elaboração de edições baseadas em análise testemunhal tem sido objeto de reflexão errática e costuma ser abordado de maneira contingente e de forma marginal à sistematização generalizante de experiências individuais de edição. Não dispomos de um manual da disciplina originalmente escrito em português de Portugal, que resulte de reflexão em torno das práticas editoriais em Portugal.
A necessidade de fixar um vocabulário da Crítica Textual tem sido sentida e colmatada noutras áreas geográficas. Existem projectos com esse objectivo na Finlândia 1, em França 2, na Lituânia 3 e, de âmbito transnacional, empreendido pela European Society for Textual Scholarship e o Centre for Manuscript Genetics de Antuérpia 4.
A fixação de uma terminologia permite que os praticantes de uma disciplina a tornem mais instrumental, ficando diminuído o número de ocasiões em que acordos e desacordos acerca dos usos de certos conceitos levam a equívocos e comprometem o reconhecimento dos resultados eventualmente alcançados. A fixação de uma terminologia permite também que os investigadores da área cimentem e ampliem colaborações, na medida em que podem dispor de uma base terminológica consensualmente aceite. Como, além do estabelecimento de um corpo terminológico, as atestações procuram situar usos específicos de determinados termos, o dicionário pode vir a constituir um fundamento seguro para uma futura História da crítica Textual.
Desenho do Corpus
O plano do Dicionário parte da perceção de que há um amplo corpus terminológico específico da Crítica Textual em uso na língua portuguesa, não suficientemente descrito no que respeita à validação científica dos termos e a eventuais diferenças de reconhecimento e de descodificação, a qual admite ainda, potencialmente, a polissemia dos termos que são partilhados com áreas disciplinares próximas (editoração, codicologia, paleografia).
A construção do corpus procura reunir dados linguísticos que documentem a extensão da terminologia comum, recebida, percebida e partilhada pela comunidade de especialistas. O corpus documental definido pretende ser uma memória diacrónica da terminologia da Crítica Textual entendida em sentido amplo, pois é extraído tanto do campo da crítica textual tradicional como também do da crítica genética. Embora desejavelmente possa vir a ampliar-se para acolher fontes bibliográficas em português do Brasil, na fase atual de desenvolvimento do projeto este corpus foi constituído a partir de uma primeira seleção bibliográfica de textos em português europeu.
O critério para a selecção das fontes bibliográficas adopta a perspectiva da receção: são pertinentes textos que foram lidos em português, mesmo que sejam traduções, pois também elas contribuíram para a cunhagem de termos reutilizados em seguida. Integram este corpus documental, em primeiro lugar, textos de natureza didáctica (manuais e glossários), que fornecem uma explicitação sistemática da terminologia. Em segundo lugar, textos selecionados em função do seu elevado grau de especialização, como são os artigos publicados em periódicos e colectâneas de estudos, individuais ou colectivas, nos quais se espera que os respetivos autores empreguem sem restrições a terminologia disponível no momento em que são redigidos. Os dois grupos têm em comum o facto de resultarem de investigação académica em Crítica Textual, ou em domínios com ela estritamente relacionados. Por fim, incluiram-se textos igualmente destinados a um público especialista, como são as introduções de edições críticas.
O contraste entre o uso dos termos em manuais didáticos, que fornecem um contexto metalinguístico, e o uso em textos técnicos (artigos, por exemplo) permite avaliar a receção e a aplicação de quadros terminológicos. A partir do corpus reunido é possível documentar as diferentes extensões da terminologia disponível em diferentes períodos, mas também assinalar inovações e modificações nas unidades que a constituem. Os textos que resultam de tradução para português oferecem dados para estudos que observem a influência externa, através de decalques ou empréstimos lexicais, na constituição de uma terminologia portuguesa autónoma.
Actualizações
Um dicionário nunca está terminado e uma terminologia evolui na companhia da disciplina que serve. A edição faz-se cada vez mais em meios digitais, dando origem a novas práticas e a conceitos que até então não tinham sido necessários. A reflexão teórica alarga-se e dá lugar a perspectivas e conceptualizações novas. O uso de outras fontes bibliográficas pode fazer emergir termos que ainda não tinham sido considerados.
Concebemos o Dicionário Terminológico de Crítica Textual como um projecto a longo termo, que sofrerá as actualizações necessárias para ser útil ao público a que se dirige.
Acolhemos gratamente sugestões e comentários destinados a melhorá-lo. Podem ser enviados para csobral@campus.ul.pt.
1. A Suomalaisen Kirjallisuuden Seura (“Sociedade da Literatura Finlandesa”), através da unidade EDITH (que se ocupa das edições críticas da literatura finlandesa), produziu recentemente um dicionário de termos textuais, Teksuaalitieteiden sanasto, (16-09-2013).
2. O Institut des Textes et Manuscrits Modernes (ITEM) está a preparar, sob a direção de Pierre-Marc de Biasi e Anne Hershberg Pierrot, um dicionário de crítica genética que será publicado em papel pelo CNRS; na internet o ITEM disponibiliza uma versão parcial, com definições regularmente atualizadas. A versão online é organizada por Daniel Ferrer, Lydie Rauzier e Aurèle Crasson e está disponível aquí (16-09-2013).
3. Os vocábulos desta área do saber têm vindo a ser inseridos no léxico de termos literários Avantekstas (16-09-2013).
4. As duas instituições empreenderam a elaboração de um Lexicon of Scholarly Editing, inicialmente dinamizado por Dirk Van Hulle e que desde 2012 tem sido compilado por Wout Dillen. O objetivo é reunir definições já constantes de publicações em inglês e noutras línguas. De todos os projetos mencionados, este é o mais aberto à comunidade, na medida em que convida à proposta de entradas e definições, além das que são compiladas por Wout Dillen (16-09-2013).