Manuela Barros Ferreira (1938-2022)
Manuela Barros, como era conhecida, foi investigadora do Centro de Linguística da Universidade de Lisboa (CLUL) durante quase trinta anos (1973-2002). A convite de Lindley Cintra, iniciou a sua atividade de dialetóloga no projeto Atlas Linguístico-Etnográfico de Portugal e da Galiza (ALEPG), no então Centro de Estudos Filológicos, acedendo à categoria de Investigadora Auxiliar em 1987 e à de Investigadora Principal em 1996. Destacou-se pelo seu saber, pela qualidade da investigação desenvolvida, por todos os contributos para a vida interna e para a representação internacional do Grupo de Dialetologia do CLUL e, não menos, pela sua afabilidade e pelo respeito para com todos os que tiveram o privilégio de com ela privar.
A Manuela não poderia ter seguido outro caminho senão o da dialetologia, associado à etnologia, pelo seu profundo interesse pelos aspetos linguísticos, mas também pela cultura imaterial das zonas não urbanas a que os inquéritos dialetais a levavam. Deixou, nos cadernos de inquérito, valiosos dados linguísticos e observações, para além dos relacionados com as perguntas previstas no roteiro, e, nas gravações em que participou, as cantilenas, rezas, mezinhas e histórias tradicionais, habilmente conseguidas junto dos informantes e que a encantavam. Nos cadernos em que diariamente registava a experiência de campo, igualmente preciosos, desenhou, com a sua mão de ex-aluna de Belas-Artes, artefactos e cenas de interesse etnográfico.
Participou em mais de uma centena de inquéritos destinados à elaboração do Atlas Linguístico-Etnográfico de Portugal e da Galiza (ALEPG), do Atlas Linguarum Europae (ALE) e do Atlas Linguístico-Etnográfico dos Açores (ALEAç), como membro desses projetos. Assegurou a representação portuguesa no Comité de Redação do ALE, de 1975 a 2008, e foi membro do seu corpo editorial, entre 1982 e 2004. Foi igualmente membro do projeto Atlas Linguistique Roman (ALiR) e responsável científica pelo projeto Linguagens Fronteiriças: Mirandês, tendo, no período de 1995-1999, criado e coordenado a equipa que estabeleceu a Convenção Ortográfica da Língua Mirandesa, passo fundamental para a sua reabilitação e reconhecimento como segunda língua oficial de Portugal. Estabeleceu e incentivou colaborações várias e foi mestre de muitos jovens investigadores em dialetologia, que no seu legado continuam a inspirar-se.
A importância e originalidade do seu trabalho científico são visíveis na sua tese de 1987, Zoónimos dialectais portugueses: Coccinella septempunctata (joaninha) e Lampyris noctiluca (pirilampo), nos seus muitos artigos científicos e ainda nas sínteses dialetológicas, nos mapas dialetais e nos textos que elaborou para atlas nacionais, românico e europeu.
Após a sua aposentação, coordenou a equipa de linguistas portugueses e espanhóis que elaborou uma bibliografia dedicada aos falares fronteiriços e aos aspetos culturais a eles associados (Ferreira, M. Barros (coord.) 2015. Língua e cultura na fronteira norte-sul (bibliografia). Mértola: Campo Arqueológico de Mértola). Escreveu vários livros de ficção e, em 2021, publicou, na Afrontamento, o livro de memórias Relatório Circunstanciado de Uma Vida a Dois.
Muitas vezes lembramos a sua fulgurante imaginação, as histórias que contava, sempre divertidas e exemplares, com o seu fino sentido de humor, o seu riso contagiante e o seu fascínio pelo que observava e vivia durante as saídas de campo. Ficamos desoladamente privados do seu convívio, restando-nos, felizmente, a sua voz nos registos sonoros dos inquéritos em que participou, a par das tantas e tão boas lembranças pessoais.