Compreensão na Leitura. Processamento de Palavras, Frases e Textos

Concluído
Data
-
Instituição financiadora
FCT – Fundação para a Ciência e a Tecnologia
IR do Projeto
Armanda Costa

1. Elaboração de materiais para avaliação da fluência na leitura em voz alta

Na construção dos materiais criados, três textos (T1 – Campo de Ourique; T2- Amazónia; T3 – O isolamento termo-acústico), foram controlados, respeitando uma escala de progressiva complexidade, o Tema (mais ou menos familiar) e o Léxico (mais ou menos específico, mais ou menos frequente). Os textos mantêm entre si uma estrutura sintática e informacional uniforme.

Os textos foram elaborados e usados pela primeira vez por A. Costa em 1991, tendo sido sucessivamente testados em populações diversas (diferentes grupos de idade, sujeitos sem e com perturbações de linguagem, falantes do PE e do PB). Alguns destes trabalhos foram efetuados antes do início do projeto (A. Costa, 1991; Luegi, 2006; J. Costa, 2007), e outros foram testados durante o projeto (Condelipes 2010; Leite, 2011).

Retomando estes materiais, realizámos uma caracterização mais fina das propriedades ao nível lexical e ao nível da estrutura prosódica, tendo sido constituídas três matrizes prosódicas que vão permitir a análise de fluência em diferentes idades e fases de domínio da leitura (Costa, Falé, Faria & Condelipes, 2011). Cada texto é acompanhado por um questionário de compreensão de forma a relacionar fluência e compreensão.

O trabalho efetuado ao longo do projeto foi divulgado em vários eventos científicos nacionais e internacionais, nomeadamente no 10th International Symposium of Psycholinguistics, que decorreu em San Sebastian, em abril de 2011.

(trabalho realizado por Armanda Costa, Isabel Hub Faria, Isabel Falé, Teresa Condelipes Rei e Camila Leite)

  

2. Estudo sobre fluência em condições de perturbação da linguagem – leitura e gaguez

Ainda no âmbito da investigação sobre fluência na leitura, fez-se um estudo de uma população com perturbações de linguagem (sujeitos com gaguez). O objetivo foi obter indicadores de fluência que possam funcionar como referentes para avaliação e diagnósticos de situações de gaguez. Ao fazer um estudo experimental com o intuito de identificar propriedades do material de leitura indutoras de disfluência, recorreu-se a um grupo de controlo formado por sujeitos adultos sem qualquer perturbação de linguagem. O desenho experimental usado permitiu recolher dados de fala produzidos em três tarefas distintas: Leitura em voz alta, Resumo de Leitura e Leitura de palavras isoladas.

Os resultados obtidos permitem identificar pistas de fluência e de disfluência e distinguir comportamentos na leitura em voz alta de sujeitos gagos e não gagos. Verificou-se que os eventos disfluentes comuns aos dois grupos são as pausas silenciosas, estruturadores da fala produzida na leitura em voz alta e no resumo, mais abundantes na leitura do que no resumo. De entre os eventos disfluentes, mais comuns nos sujeitos gagos, aqueles que são mais distintivos são os bloqueios e alongamentos, frequentes na gaguez, e que se revelam como comportamento estritamente ligado às propriedades segmentais do material de leitura. Na tarefa de leitura de palavras isoladas colheram-se resultados relativos a Tempos de Latência e de Produção; verificou-se ser o tempo de latência a variável que distingue os dois grupos de indivíduos. Verificou-se também um forte efeito das propriedades articulatórias dos segmentos oclusivos menos vozeados como indutor de gaguez. Dos resultados, para além de se extraírem pistas gerais caracterizadoras da fluência em indivíduos saudáveis e gagos, também se extrai informação útil para a intervenção clínica.

(trabalho realizado para tese de mestrado por Teresa Condelipes Rei, sob orientação de Armanda Costa e Fernando Martins)

 

3. Elaboração de instrumentos para controlo de processamento de inferências na leitura

Estudo sobre capacidades de fazer inferências na leitura de textos. Foi elaborado um conjunto de materiais constituídos por dois textos com características tipológicas e discursivas distintas (narrativos vs. informativo/argumentativo) e dois questionários, um por texto, que permitem avaliar a capacidade de fazer inferências de três tipos: lógicas, elaborativas e avaliativas segundo classificação usada por Gutiérrez-Calvo (1999). Participaram 80 sujeitos divididos por dois grupos de idade e de escolarização: 7.º (12.5 A) e 10.º (15.1 A). Os resultados obtidos revelam que as inferências lógicas são mais facilmente resolvidas pelos dois grupos de sujeitos; nas inferências elaborativas e avaliativas verificou-se um forte efeito de idade, tendo os sujeitos de ambos os grupos grande dificuldade na realização de inferências avaliativas. Não se verificou efeito do tipo de texto. Do trabalho realizado resultou a construção de materiais de avaliação que deverão vir a ser aperfeiçoados para integração em testes de leitura mais abrangentes

(trabalho realizado para tese de mestrado por Márcia Santos sob orientação de Armanda Costa)

 

4. Elaboração de instrumentos para avaliação do processamento e da compreensão da linguagem figurada na leitura de textos

Para verificar hipóteses sobre capacidades de processamento de metáforas em idade escolar, quer em termos da sua compreensão, quer em termos da explicitação do seu significado metafórico e da capacidade de inferir significados a partir de metáforas, elaborou-se um conjunto de materiais constituído por 4 textos e respetivos questionários de compreensão, mais uma lista de metáforas, usadas em PE, com manipulação do seu grau de familiaridade. Os materiais foram testados numa população do ensino básico, sendo a amostra constituída por 140 sujeitos do 6.º e 9.º anos de escolaridade (70 sujeitos por grupo).

Com especial foco no processamento de vários tipos de metáforas e a capacidade de fazer paráfrases e inferências, usaram-se duas tarefas: (i) leitura de textos com metáforas e resposta a questionários de compreensão e (ii) paráfrase de frases com metáforas. Como estímulos para leitura selecionaram-se textos autênticos dos domínios do desporto, da ciência e elaborou-se uma lista de frases com metáforas onde se fez variar o grau frequência na língua quotidiana deduzindo-se assim o seu grau de familiaridade. Os questionários são de resposta de escolha múltipla para controlo da compreensão literal, inferencial e inferencial-metafórica. Os resultados obtidos indicam claramente um efeito de idade/escolaridade, com uma evolução positiva na compreensão das metáforas. Relativamente ao tipo de compreensão testado, verificou-se que os grupos de idade se distinguem segundo o tipo de compreensão, literal ou inferencial. Em termos gerais, pode concluir-se que: a compreensão da linguagem metafórica ainda está em evolução nas idades testadas (11.2 e 14.3); o domínio da linguagem metafórica não está totalmente adquirido no final do Ensino Básico (9.º ano); a compreensão da metáfora antecede a capacidade de a parafrasear.

(trabalho realizado para tese de mestrado por Ana Alexandre Neto, sob orientação de Armanda Costa)

 

5. Estudo sobre leitura em PE por sujeitos não nativos

Fez-se um estudo sobre leitura e compreensão de textos em PE por sujeitos não nativos, falantes de línguas eslavas. O trabalho teve por objetivo construir e aplicar um modelo de instrução e de avaliação que possibilite a observação e a análise de comportamentos linguísticos e cognitivos de sujeitos em idade escolar que aprendem o português como língua segunda (PLNM), contrapondo-os com outros alunos para quem o português é a língua materna (PLM).

Trata-se de um estudo de caso, aplicado na sala de aula a um grupo de doze alunos com uma média de idades de quinze anos, a frequentar o 9.º ano do Ensino Básico. Os sujeitos participantes no estudo foram distribuídos por dois grupos: o grupo experimental, que tinha o Português como língua segunda, e um grupo de controlo de PLM. Como medida de referência e comparação entre grupos, avaliou-se a fluência na leitura através de um teste de leitura em voz alta de um texto em PE. Os dois grupos de língua (PLM e PLNM) foram submetidos ao ensino de duas estratégias facilitadoras da aprendizagem da leitura, associadas a capacidades específicas: a Tomada de Notas e o Resumo. Do trabalho realizado resultaram materiais que deverão ser melhorados e testados a fim de integrar testes de leitura em PLNM

(trabalho realizado para tese de mestrado por Carla Santos, sob orientação de Armanda Costa)

 

6. Leitura de textos e processamento de cadeias de correferência com diferentes tipos de expressões anafóricas

Partindo do conceito de complexidade estrutural e considerando as implicações que possa ter no processamento da língua escrita, realizámos estudos em que controlámos a leitura de texto de autor, cuja escrita é reconhecida como uma escrita complexa em termos lexicais, sintáticos e discursivos (texto de José Saramago, excerto de O Conto da Ilha Desconhecida). O objetivo foi o de verificar o efeito do processamento de estruturas sintacticamente complexas - nomeadamente cadeias de referência criadas por encaixes sucessivos de frases relativas, pela aposição de frases intercalares, estruturas de coordenação - onde ocorrem cadeias anafóricas e correferenciais.

Usámos a metodologia de registo de movimento dos olhos (eyetracking) em que a investigadora Paula Luegi se especializou. Os movimentos oculares são tomados como correlatos de processos cognitivos de perceção e integração da informação na leitura, permitindo o acesso ao processamento em tempo real (online).

A tarefa usada foi a de leitura de texto não manipulado; os informantes leram o texto, que era apresentado no ecrã distribuído por 10 slides e responderam a um questionário de compreensão.

Numa primeira fase trabalhou-se com uma amostra de 10 falantes adultos, universitários, bons leitores, nativos de Português Europeu, formaram-se dois subgrupos consoante os sujeitos eram Leitores de Saramago (LS) ou Não Leitores de Saramago (NLS).

Os resultados iniciais analisados (estudo exploratório realizado por Costa e Luegi) revelam um efeito do perfil dos sujeitos: leitores habituais de Saramago (LS) apresentam tempos de leitura mais baixos do que os NLS, interpretando-se esse resultado como um efeito de priming do estilo e, particularmente, das construções referenciais da escrita em foco.

Os resultados mostram que (i) o processamento de uma cadeia de referência importa sempre subida de custos, independentemente da forma linguística da expressão anafórica; (ii) traços morfológicos desambiguadores da ligação entre anáfora e antecedente acrescentam custos de integração; (iii) há efeitos de priming sintático por efeitos de paralelismo estrutural. Assinale-se ainda que os NLS acusam maiores efeitos da integração da cadeia de referência ao apresentarem subida marcada do tempo de leitura na resolução da atribuição da referência a sujeitos nulos que ocorrem como termos finais em algumas condições testadas.

Numa segunda fase, e partindo-se dos mesmos materiais e dados recolhidos, fizeram-se estudos mais normativos, com uma amostra mais alargada (20 sujeitos). Os resultados obtidos permitiram estabelecer relações mais seguras entre o conceito de complexidade sintática nas cadeias de correferência (em função do estatuto sintático das expressões anafóricas não realizadas lexicalmente, das dependências sintáticas e da distância estrutural entre antecedente e anáfora) e custos de processamento, medidos em tempo médio de fixação (milissegundo por caracter). Os estudos realizados fornecem-nos indicadores sobre as possíveis dificuldades no processamento de estruturas complexas e contribuem também para o esclarecimento de predições da gramática teórica. Tendo em consideração o estatuto sintático das expressões anafóricas analisadas, verifica-se uma hierarquia de custos de processamento em que pronomes nulos são mais pesados na interpretação do que variáveis gramaticais e, destas, variáveis WH- são mas pesadas que variáveis deixadas por movimento de SNs (pro>WH->NP-).

(estudos realizados por Costa, Matos e Luegi)

 

7. Estudos de correferência em frases

De forma a melhor controlar efeitos de processamento de cadeias correferenciais em Português Europeu, língua de sujeito nulo que cria condições distintas das estudadas para outras línguas (por exemplo, inglês e francês, línguas de sujeito pleno), desenvolveu-se trabalho experimental em condições controladas sintática e discursivamente, com recurso a vários procedimentos metodológicos.

Foram testadas cadeias correferenciais em domínios frásicos simples e independentes (frases justapostas, Sara Morgado) e em frases complexas (frases adverbiais temporais, Paula Luegi, e concessivas, Sara Morgado). Tirando-se partido de propriedades específicas do PE, testou-se a produtividade da alternância pronome pleno/pronome nulo em várias condições gramaticais e com várias técnicas de investigação psicolinguística (leitura autocontrolada para registo dos tempos de leitura; estudos de questionário para registo de interpretações preferenciais; registo do movimento dos olhos, Visual World Paradigm, com input auditivo e visual). Os resultados encontrados permitem identificar condições de processamento que impõe mais custos, assim como identificar o que é que no PE pode constituir pista produtiva na designação da correferência em condições de ambiguidade de interpretação. No âmbito de protocolo de investigação com o Laboratório de Psicolinguística Experimental da UFRJ, Paula Luegi, bolseira FCT, teve oportunidade de aí se deslocar e de recolher dados de processamento das estruturas em causa para averiguar diferenças de processamento de cadeias anafóricas entre o Português do Brasil e do Português Europeu.

Para estes trabalhos criaram-se materiais experimentais que ficam disponíveis para investigação futura no âmbito do processamento de frases que podem ser explorados para lá do problema da correferência (frases ativas vs. frases passivas; vários tipos de subordinação; ordem de palavras SVO vs. OVS, diferentes classes de verbos: agentivos vs. percetivos, etc.).

(trabalho realizado para tese de mestrado por Sara Morgado, sob orientação de Armanda Costa e Gabriela Matos; trabalho realizado por Paula Luegi, sob orientação de Armanda Costa e Marcus Maia (LAPEX/UFRJ), para tese de doutoramento em curso).

 

8. Estudos sobre frases relativas ambíguas em Português Europeu e Brasileiro

Foram continuados estudos sobre processamento de frases ambíguas, contrastando o processamento em Português do Brasil e Português Europeu. No âmbito da colaboração de investigação com o LAPEX, UFRJ, aprofundaram-se estudos sobre frases com ambiguidade de interpretação resultante da possibilidade de haver mais de um local de adjunção de uma frase relativa, modificador nominal (ex.: Alguém viu a criada da atriz que estava na varanda).

8. 1. Informação de género e número na resolução da ambiguidade

Fizeram-se duas experiências em PE, usando a segmentação palavra a palavra, com desambiguação por informação morfológica de género e de número (48 participantes; 24 itens; 4 listas/por experiência).

No que se refere à informação dada pelas respostas às perguntas de compreensão em final de frase, as estratégias de desambiguação por flexão de número e de género em PE revelaram diferenças significativas no que se refere à correção das respostas: os sujeitos cometeram significativamente mais erros quando a ambiguidade das frases era desfeita por concordância de número do que por concordância de género. Estes resultados vão ao encontro dos já observados em PB com controlo do mesmo contraste e de resultados obtidos em estudos comparativos com flexão de número PE/PB.

(trabalho realizado por Maria do Carmo Lourenço-Gomes, Armanda Costa e Marcus Maia).

8.2. Efeitos de segmentação artificial da frase na interpretação

Com intuitos de aperfeiçoamento dos procedimentos a usar no controlo do processamento de frases ambíguas relativas, fizeram-se três experiências para controlo do modo de segmentação da frase e do seu efeito na interpretação. Participaram 72 alunos da Universidade de Lisboa. Foram criados 24 itens experimentais com a estrutura já referida, usando-se o paradigma completo de concordância entre um dos substantivos do SN complexo e o verbo da OR (4 condições). Em cada uma das experiências foi usado um tipo de segmentação diferente: impedindo a projeção do contorno prosódico (word by word), ou tentando induzi-la: Alguém viu a(s) criada(s) / da(s) atriz(es) que estava(m) na varanda e Alguém viu a(s) criada(s) da(s) atriz(es) / que estava(m) na varanda). Todos os itens eram seguidos por uma pergunta de compreensão com duas alternativas de resposta que testava a interpretação da aposição da OR ao N1 ou ao N2.

Em termos de resultados, verificou-se que há interação entre a estratégia de desambiguação e o modo de segmentação das frases na técnica de leitura automonitorada manifestada na percentagem de erros nas perguntas de compreensão.

(trabalho realizado por Maria do Carmo Lourenço-Gomes)

 

9. Estudos sobre frases com verbos de alternância causativa

A investigação realizada deu continuidade a estudos sobre o PB que põem em evidência mudanças na gramática da língua que poderão afetar o seu processamento com impacto na compreensão. Realizou-se um estudo experimental com o objetivo de avaliar custos de processamento de frases tipicamente transitivas com outras intransitivas, por efeitos de propriedades de verbos com propriedades de alternância causativa (A cozinheira derreteu a manteiga vs. A manteiga derreteu (-se)).

Os objetivos eram verificar o efeito da complexidade sintática de construções aparentemente intransitivas onde houve movimento do Objeto para a posição de Sujeito (A manteiga derreteu-(se)) em contraste com frases transitivas e o efeito da codificação morfológica da inacusatividade que se faz distintamente em  PE em PB (em que o -se ergativo é necessário em PE e não em PB).

Realizaram-se duas experiências em paralelo (em Portugal e no Brasil) com recurso à metodologia de leitura automonitorada (24 participantes por variedade/16 itens/4 condições). Na condição prototípica de transitividade, não há diferenças entre PE e PB (A cozinheira derreteu a manteiga), havendo diferenças significativas nas outras condições entre variedades. O efeito de complexidade sintática previsto tem efeitos no PB, aumentando os custos de processamento, mas não no PE, onde essas construções são processadas mais rapidamente, estando ou não marcadas morfologicamente (a manteiga derreteu-(se)). Os resultados obtidos colocam novas questões para a problematização das propriedades da gramática das duas variedades e o seu impacto no processamento e na compreensão.

(trabalho realizado por Armanda Costa e Marcus Maia)
 

 

Relativamente à identificação de competências no processamento bimodal privilegiaram-se duas dimensões textuais: a denotativa e a conotativa.

 

1. Processamento bimodal e leitura denotativa

No âmbito da dimensão textual denotativa foi desenhada uma experiência para identificar os fatores textuais que concorrem para a sua complexidade, assim como os mecanismos de perceção e integração da informação que ocorrem na leitura e resolução de enunciados de exercícios de matemática dos 4.º, 6.º e 9.º anos do Ensino Básico, retirados das provas nacionais de avaliação. Recorreu-se à metodologia de eyetracking para captação online dos movimentos oculares passíveis de explicar os processos cognitivos de compreensão. Os textos – enunciados de matemática – foram caracterizados em função das suas particularidades discursivas, que relevam do domínio de conhecimento específico da matemática, das características textuais a nível micro e macro-textual e das características das imagens que os acompanham, sobretudo ao nível da anexação texto/imagem. Assim, foi monitorizada a leitura de enunciados bimédia, realizada por crianças de distintos níveis de escolarização. Como variáveis dependentes usaram-se a duração total de fixações no texto e na imagem, a quantidade de fixações, a sequência das fixações e as transições entre texto e imagem. Os valores encontrados foram relacionados com a capacidade para resolver problemas e com a categorização tipológica de cada um deles. Foram encontrados resultados que apontam para a influência da extensão do texto do problema e das particularidades da imagem na sobrecarga cognitiva (cf. Correia, 2008 e 2010).

(trabalho desenvolvido para tese de doutoramento, em curso, por Deolinda Correia, sob orientação de Isabel Hub Faria)

 

2. Processamento bimodal e leitura conotativa

No âmbito da dimensão textual conotativa, e com o objetivo de contribuir para a identificação de estratégias de processamento e para a clarificação dos fatores que concorrem para o sucesso na compreensão da informação, foram desenhadas experiências com textos publicitários bimodais impressos e textos literários ilustrados para crianças.

2.1. Leitura de textos publicitários com texto e imagem

A partir de um anúncio publicitário, “Cobra Alarmes”, onde o texto verbal se restringe a uma expressão designativa, foi testada a compreensão em condições de visionamento com e sem texto verbal. Através da metodologia de eyetracking foram identificadas as transições oculares entre texto e imagem, assim como a quantidade total das fixações e sua duração. A informação obtida através dessas variáveis permite concluir que o processamento de textos bimodais, em que a imagem assume funções representativas transformadoras, obedece a particularidades distintas daquelas em que o texto visual se restringe a duplicar o texto verbal.

Foram ainda testadas as capacidades de recuperação da informação contida no anúncio, quando visionado com e sem texto. Concluímos que a análise do processamento de textos bimodais tem de considerar: as características semióticas dos textos visuais analisados, prestando particular atenção às estratégias retóricas usadas para a apresentação da informação; as características tipológicas dos textos verbais; as funções comunicativas derivadas da anexação dos dois tipos de textos; os objetivos comunicativos que presidem à sua divulgação. Assim, concluiu-se que textos bimodais com instâncias textuais designativas promovem um número significativamente maior de transições entre as duas instâncias textuais do que o que é normalmente registado para textos bimodais. Não foram identificadas diferenças significativas na compreensão do anúncio quando visionado com ou sem instância textual, mas registaram-se diferenças significativas em tarefas de free-recall da informação contida no anúncio ao nível da designação quando esta é visionada com ou sem instância verbal. Para além disso, não se pode ainda ignorar que todo o texto é também uma imagem e que as características gráficas e tipográficas da sua apresentação na área de perceção influenciam a forma como o mesmo é percecionado e compreendido.

2.2. Leitura de textos literários ilustrados

No texto literário ilustrado, usámos uma narrativa para crianças, com duas personagens centrais e algumas peripécias emocionais. Com recurso a eyetracking, testámos o processamento visual e a compreensão das emoções experimentadas pelos personagens envolvidos, escolhendo várias situações de multimodalidade, mantendo a imagem como constante (Texto escrito; Imagem + Texto escrito; Imagem + Texto escrito + Texto oral; Imagem + Texto oral). Participaram no estudo 24 adultos.

Pretendemos clarificar de que modo a presença de imagens retoricamente elaboradas e/ou do texto oral interfere na leitura e compreensão do texto escrito e na identificação de emoções. Confirmámos alguns dos princípios enunciados no modelo de processamento multimodal proposto por Schnotz (2005) relativamente à sujeição do leitor ao texto escrito, mesmo quando o texto oral se sobrepõe, não havendo, pois, ganhos de tempo total de observação da imagem inerentes à presença de texto oral.

Apesar de termos escolhido a literatura infantil ilustrada enquanto literatura crossover, esta investigação exige ser retomada com crianças e com estratégias diferentes para a promoção da compreensão dos significados da imagem, dado que a sua função representativa transformadora parece ser considerada de forma pouco relevante quando o leitor não é diretamente questionado sobre ela (cf. Arizpe, 2005).

A capitalização dos estudos da cognição visual acresce ferramentas de análise à psicolinguística permitindo-lhe alargar significativamente o horizonte de hipóteses explicativas, mas a sua aplicação não pode prescindir dos dados da tipologia textual, dos da semiótica visual e pictural e dos da psicologia cognitiva, no que à literacia verbal e visual dizem respeito, entre outros. A análise de material bimodal exige ser equacionada dentro de uma conceção interdisciplinar.

(trabalho desenvolvido por Adriana Baptista, Paula Luegi e Isabel Hub Faria)

 

3. Grafismo e legibilidade

No âmbito da problemática da alfabetização em Portugal no século XIX e das estratégias metodológicas então desenvolvidas para a aquisição e desenvolvimento da leitura, produziu-se a análise das características gráficas e tipográficas que dão corpo ao método da Cartilha Maternal de João de Deus e à identificação dos pressupostos teóricos, então, apresentados pelo autor da Cartilha assim como das críticas desenvolvidas pelos seus detratores.

Tendo em conta processos percetivos, atualmente identificados como envolvidos na aprendizagem da leitura, prestou-se especial atenção à opção de apresentação do carater sem o concurso de imagens mnemotécnicas, à apresentação diagramática do alfabeto e às estratégias de marcação silábica para palavras em lista e em contexto de texto. O estudo realizado permitirá fundamentar o design experimental de novas experiências que permitam identificar a vantagem da marcação silábica em rede de cinzento, na fase de aprendizagem da leitura, em textos constituídos por lexemas com índices de ocorrência e formatos lexicais controlados.

Partindo da sistematização das características externas e internas, gráficas e tipográficas, do código alfabético, enunciadas por Waller (1988) e dos estudos de Dunn Rankin (1990) sobre a centração de fixações em carateres isolados, identificaram-se ainda as características relevantes para o sistemático confronto de semelhanças e dissemelhanças gráficas entre carateres e propôs-se, com base nos pressupostos gráficos enunciados por João de Deus na Cartilha Maternal, uma nova sistematização diagramática do alfabeto latino maiúsculo e minúsculo. Pretende-se promover a identificação e memorização das características gráficas do alfabeto na fase de iniciação à leitura através da sua apresentação numenal e controlar as implicações percetivas das particularidades gráficas do alfabeto no desenho experimental de investigações em leitura.

(trabalho desenvolvido por Gil Maia, tese de doutoramento FBAUP)
 

 

Foi realizado um conjunto de experiências sobre o processamento da palavra impressa, que se distribuem por dois subgrupos com objetivos de investigação específicos. Num primeiro grupo trabalhou-se com o objetivo de identificar o efeito das propriedades das palavras no seu reconhecimento visual e processamento. Para isso foi criado um banco de palavras com controlo da sua extensão em número de carateres e de sílabas, da estrutura silábica, de propriedades morfológicas e sintáticas e, ainda, propriedades gráficas (com e sem diacríticos).

 No segundo grupo de estudos, trabalhou-se sobre indicadores de consciência fonológica, preditores para a leitura, tendo em conta propriedades segmentais e de estrutura silábica.

 

1. Leitura de palavras isoladas

Com o objetivo de analisar o processamento de palavras isoladas e os custos associados a diferentes fatores como a extensão, complexidade silábica ou representação gráfica, registaram-se os comportamentos oculares de 18 participantes durante a leitura de palavras apresentadas isoladamente. As palavras eram todas frequentes, com ou sem diacrítico, e de diferentes extensões e complexidade silábica. Os resultados revelam que as palavras mais curtas recebem menos fixações que as mais longas e que a duração da primeira fixação é tanto mais longa quanto menor for o número de fixações na palavra. Apesar de haver alguns indícios nos resultados de que os acentos gráficos (diacríticos) possam funcionar como atractores, concentrando uma maior probabilidade de fixações, os resultados não são suficientemente robustos e carecem de confirmação.

Em outra experiência também de leitura isolada de palavras, em que comparámos os tempos de processamento de palavras de diferentes extensões numa tarefa de priming, verificámos que os tempos de resposta são mais longos para as palavras com mais sílabas. Contudo, as diferenças só são estatisticamente significativas entre: (i) palavras de três sílabas quando comparadas com palavras de uma e duas sílabas e com palavras de cinco sílabas; e (ii) entre palavras de uma ou duas sílabas e palavras de quatro ou cinco sílabas. [1, 2 ≠ 3, 4, 5] e [3 ≠ 5]

Nesta tarefa de priming com decisão lexical, em que os participantes viam uma palavra que era apresentadas durante 750ms (a palavra Prime) e a que se seguia uma sequência de letras (estímulo Alvo) que os participantes tinham de avaliar como sendo ou não uma palavra do português, pressionando uma tecla do computador, analisámos os índices de acerto e os tempos de leitura de cada Alvo. Criaram-se 4 condições de teste: (i) alvo contido no prime (ex.: Prime: leveza; Alvo: LEVE); (ii) alvo semicontido no prime (ex.: Prime: loureiro; Alvo: LOURO); (iii) alvo verbo e Prime nome (ex.: Prime: puxão; Alvo: PUXAR); e (iv) alvo não palavra (ex.: Prime: oceanário; Alvo: oneoca). O objetivo desta tarefa era o de verificar se existem efeitos de facilitação no processamento de palavras quando precedidas de palavras graficamente relacionadas, que podem estar ou não totalmente contidas na palavra que as precede e serem ou não ambas da mesma categoria sintática.

Os resultados indicam uma reduzida taxa de erro na avaliação das palavras e não-palavras do português, registando-se ainda diferenças nos tempos de leitura entre as duas condições. Para além disso, verificaram-se tempos mais elevados de processamento dos Verbos após um Substantivo, quando comparado com qualquer uma das outras duas condições. Assim, os resultados revelam que os efeitos de priming se verificam sobretudo entre palavras da mesma classe sintática. Quando as palavras são de diferentes classes, apesar de serem morfologicamente, fonologicamente ou graficamente relacionadas, têm custos de processamento mais elevados do que quando são da mesma classe.

 

2. Formação de palavras e processamento

Na sequência da tarefa de priming, realizámos um outro estudo em que os participantes tinham de avaliar qual de duas palavras se relacionava mais com uma primeira, que era sempre um nome (ou substantivo). As duas palavras que se lhe seguiam podiam ser: (i) um nome e um nome; (ii) um nome e um verbo; (iii) um adjetivo e um verbo; (iv) um adjetivo e um nome; ou (v) um adjetivo feminino e um adjetivo masculino. O objetivo desta tarefa era o de identificar se as relações morfológicas entre as palavras se sobrepõem a outros fatores tais como as relações sintáticas, gráficas ou fonológicas. Os resultados por condição indicam uma escolha preferencial do Verbo na condição (ii), do Adjetivo na condição (iv) e do Adjetivo masculino na condição (v). Os resultados da condição (ii) são particularmente interessantes quando comparados com os resultados da experiência de priming com palavras isoladas. Se o tempo de processamento é maior quando o Verbo é precedido de um Nome, este aumento dos custos de processamento não está, aparentemente, relacionado com as preferências dos participantes. De resto, este resultado é comparável aos resultados da experiência de priming com avaliativos, que apresentaremos de seguida, em que apesar de os tempos de processamento serem maiores para as palavras formadas com sufixo –zinho, a preferência de formação de avaliativos em PE, como Villalva (2010) evidencia, é claramente com –zinho e não –inho.

Numa análise geral dos resultados, os dados indicam que há uma preferência clara por relacionar a palavra estímulo com a sua forma de base, tendo esta sido escolhida 86% das vezes, comparativamente com a outra opção. A relação morfológica parece por isso sobrepor-se a todos os outros fatores envolvidos.

 

3. Formação de avaliativos em PE e processamento

Como referimos acima, realizámos um estudo em que testámos os tempos de processamento de palavras-alvo com sufixos –inho ou –zinho após a leitura da palavra-base. Neste estudo o prime permanecia no ecrã durante 350ms e a palavra-alvo permanecia no ecrã até que o participante a avaliasse como sendo ou não uma palavra do português (como distratoras apareciam também sequências de letras possíveis em PE mas sem qualquer significado). O objetivo deste estudo era o de avaliar se os ciclos morfológicos se refletem nos custos de processamento, especificamente, o de avaliar se palavras formadas com mais ciclos morfológicos, como os diminutivos formados com o sufixo –zinho, levam a um aumento dos custos de processamento, mesmo que sejam, à partida, a forma preferencial para a formação de diminutivos.

Os resultados indicam que os tempos de processamento das palavras com –inho são mais curtos do que as palavras com –zinho (quando agrupadas em palavras preferencialmente formadas com o sufixo –inho ou –zinho). Assim, apesar de em PE a preferência de formação de avaliativos ser com o sufixo –zinho, como indicado por Villalva (2010), os resultados desta experiência parecem indicar que o número de ciclos morfológicos (as palavras formadas com –zinho envolvem mais um ciclo morfológico do que as formadas com –inho) envolvidos na formação de palavras se refletem nos custos de processamento: quanto mais ciclos envolvidos na formação da palavra, maiores os seus custos de processamento.

 

4. Leitura de palavras em registo multimodal (palavra/imagem)

Numa tarefa multimodal, os comportamentos oculares durante a leitura de palavras isoladas acompanhadas por imagens foram analisados de modo a identificar os custos de processamentos associados a diferentes condições. Foram criadas 4 condições de relação palavra-imagem: (i) sinónimos (ex.: palavra: mala; imagem: mala); (ii) palavra supraordenada e imagem infraordenada (ex.: palavra: corpo; imagem: mão); (iii) palavra infraordenada e imagem supraordenada (ex.: palavra: dedo; imagem: pé); e (iv) relação fonológica (ex.: palavra: cano; imagem: cão). Os objetivos deste estudo eram os de avaliar o efeito da congruência/incongruência entre palavras e imagens com diferentes tipos de relação, considerando que existem efeitos facilitadores nas situações de congruência e de interferência nas situações de incongruência.

Os resultados indicam uma relação entre o número de itens recordados e o número de fixações na imagem e de transições entre palavra e imagem e um efeito da relação fonológica. Quando comparado com a condição (i), o grupo de pares fonologicamente relacionados revelam: um maior número de fixações na imagem, um maior número de transições entre imagem e palavra e um maior índice de recuperação de itens. Igualmente, quando comparado com a condição (ii), o número de transições entre palavra e imagem é maior no grupo fonologicamente relacionado. Mais uma vez, os resultados das tarefas de recuperação ou de escolha parecem estar inversamente relacionados com os comportamentos fisiológicos e, consequentemente, cognitivos. As situações de aumento dos custos de processamento, ou seja, onde se registaram alterações dos comportamentos oculares ou aumentos dos tempos de processamento/leitura, são no geral as condições em que recaem as maiores taxas de escolha e de recuperação.

(trabalho realizado por Alina Villalva, Isabel Hub Faria e Paula Luegi)

 

5. Consciência fonológica e aprendizagem da leitura

Assumindo-se que o desenvolvimento da consciência fonológica nas crianças é crucial para o sucesso da aprendizagem da leitura e da escrita, considera-se que a pesquisa nesta área estabelece pontes quer com a linguística educacional, sobretudo nos casos em que variáveis linguísticas são tidas em consideração na avaliação e na estimulação desta capacidade, quer com a linguística clínica, dado que o trabalho sobre consciência fonológica é frequentemente desenvolvido em contexto clínico, para fins de diagnóstico e/ou de intervenção, por parte de terapeutas da fala e/ou de outros profissionais com atuação na áreas da saúde. Diversas áreas do conhecimento (psicologia cognitiva, psicologia educacional, linguística educacional e linguística clínica) mostram que a consciência fonológica tem um impacto particular no início da atividade escolar das crianças.

O presente estudo centra-se na fase inicial do processo de aprendizagem da leitura e da escrita, em particular, nas propriedades segmentais relativas ao ponto de articulação (PA) e ao modo de articulação (MA) das consoantes do Português Europeu (PE), no sentido de testar o seu efeito em contexto de avaliação da consciência segmental. Consideram-se assim os pontos de articulação representados pelos traços distintivos Labial (bilabiais e labiodentais), Coronal (dentais, alveolares e palatais) e Dorsal (velar e uvular). Cada um destes pontos de articulação é igualmente avaliado na sua relação com algumas propriedades relativas ao modo de articulação dos segmentos testados, considerando para tal a sua classe natural (oclusivas orais, nasais, fricativas e líquidas) e alguns dos seus traços distintivos ([±contínuo], [±soante] e [±nasal]).

A investigação efetuada no âmbito do desenvolvimento fonológico relata a aquisição precoce das consoantes oclusivas (orais e nasais) no PE, seguida da aquisição das fricativas e das líquidas. A literatura refere também a preferência pelas consoantes Labiais e Coronais na periferia esquerda da palavra (estrutura testada na Prova do Intruso, prova usada neste estudo), despromovendo, assim, a estabilização das consoantes Dorsais.

Assim, com base nos factos citados, o principal objetivo do estudo em referência é o de verificar o efeito das propriedades segmentais (PA e MA) no desempenho de tarefas de consciência segmental por parte de crianças em fase inicial de aprendizagem da leitura e da escrita, tendo definido, para tal, os seguintes objetivos específicos: (i) identificar o padrão de emergência da consciência segmental, com base nas propriedades fonológicas das consoantes do PE (PA e MA), a partir de uma tarefa de consciência segmental (Prova do Intruso) (ii) comparar os resultados obtidos na tarefa de consciência segmental com o desempenho da amostra quanto à sua capacidade de converter grafemas em segmentos e vice-versa (considerando o PA e o MA desses segmentos), apurada nas provas de escrita e de leitura do presente estudo e (iii) comparar os resultados obtidos em (i) com informações disponíveis na literatura sobre o desenvolvimento fonológico, nomeadamente sobre a ordem de aquisição do modo e ponto de articulação dos segmentos consonânticos.

(trabalho desenvolvido no âmbito da tese de doutoramento de Dina Alves, sob orientação de Isabel Hub Faria e de Maria João Freitas)
 

 

 

Em estreita relação com a investigação realizada no âmbito do projeto, ou decorrente dela, desenvolveram-se atividades de formação avançada, concretizada em teses de mestrado e de doutoramento, na participação em cursos de formação pós-graduada, assim como a produção de materiais orientados para a formação de professores e profissionais na área da edução e do ensino da língua.

Sendo impossível, em certas abordagens dissociar leitura e escrita, reportamos alguns trabalhos produzidos e pelo menos uma tese de mestrado, que incidem mais na produção do que na compreensão da língua escrita.

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